Antonym escrita por TimeLady


Capítulo 2
2.


Notas iniciais do capítulo

Hmn...



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Por algum motivo, ele estava em casa quando tudo aquilo começou.

Vazia, fria e intocada, sem qualquer traço de vida a mais ou menos oito anos. O pó se acumulando cada vez mais, criando uma espessa camada sobre as superfícies que um dia, a um longo tempo atrás, eram polidas meticulosamente pelas mãos gentis de uma mulher feita de carinho e compreensão. Mas que agora não eram tocadas por nada além do ar pontilhado de pequenas partículas cinzentas.

Aquele lugar que, em tantos sentidos, era tanto o seu inferno como o seu céu. Era o lugar onde sua vida começou por duas vezes. Onde um sorriso pintado de alegria o recebia todos os dias, enquanto que um anjo de cabelos encaracolados o abraçava com o calor de algo que nunca tivera antes – lar e família, o cheiro de morangos com creme. Era ali onde o mundo de todos acabava no batente da porta e o seu começava, com as mais belas guardiãs que a vida poderia ter criado.

E ele agradecia todos os dias e todas as noites para uma entidade na qual não acreditava, mas que hey, e se? Mal não vai fazer. Agradecia pela alegria mais bela que um homem pode pedir. E todo as horas ele pensava naquelas que dominaram sua vida, pensava em como mima-las mais um pouco como forma de agradecer novamente por simplesmente existirem e terem escolhido ele entre tantos. Porque Patrick sabia que não era uma boa pessoa, talvez um bom homem, mas não uma boa pessoa – elas eram boas pessoas, boas almas e ele agradecia por ter sido escolhido por elas.

Mas ali também era onde um pedaço de papel branco, simples, comum (uma sulfite de um pacote Chamex Office, A4 500. Velha, mas nunca usada. Ligeiramente amassado nas bordas, segurado por mãos firmes. Sem digitais ou marcas reconhecíveis) o recebeu após mais um dia de trabalho, onde ele teve que chegar mais tarde do que o normal por causa de mais uma entrevista na tv. Estava lá, simplesmente presa na porta de madeira branca que Ângela escolhera para o quarto deles, por uma fita adesiva (normal, sem marcas reconhecíveis. Cortada com uma tesoura de bom fio. Sem digitais) na parte de cima.

Caro Sr.Jane

E foi ali onde o seu mundo terminou no batente da porta e o inferno começou, com o cheiro de sangue e um sorriso na parede como os únicos sinais de que o diabo havia saído de sua toca naquela noite para destruir dois anjos de Senhor.

Era ali que os momentos mais felizes da sua existência eram manchados com tons de vermelho do dia em que tudo virou pó. Sem mais abraços. Sem mais mãos gentis. Sem mais cabelos encaracolados. Sem mais alcatrão e morangos. Sem mais sorrisos – a não ser o de um rosto pintando com sangue marcando sua parede.

Por algum motivo, ele estava em casa quando tudo aquilo começou.

A casa onde sua vida começou por duas vezes. Talvez uma brincadeira da vida ou uma simples coincidência irônica, marcada com algumas pinceladas de crueldade. Mas ele estava ali quando a vida lhe mostrou uma terceira chance, um terceiro começo.

E como na primeira e na segunda, sua vida começou pela terceira vez com um sorriso.



O cheiro daquele quarto sempre fora de biscoitos de chocolate com leite. Mesmo quando ele foi ver pela primeira vez a casa em segredo, como um presente de casamento para seu anjo particular, o quarto já estava impregnado com o cheiro. Talvez por causa disso aquele quarto sempre foi, dês da primeira visita, de sua filha.

Sua filha com macios cachos castanhos como os da mãe e olhos claros como os seus. E com um sorriso completamente suave, sem pontas afiadas ou cantos escuros – um sorriso honestamente alegre. Uma risada cristalina como água e linda como o sino de uma igreja em casório. Morna e frágil dês do dia em que veio ao mundo.

A sua definição de perfeição.

Nunca negou a ninguém que se apaixonou assim que pegou seu bebe embrulhado em panos, quente como um pequeno forno. Um amor a primeira vista que o inundou como nada no mundo jamais fez e foi exatamente nesse momento que Jane entendeu de verdade a expressão meninas dos olhos, porque a sua havia acabado de ser depositada em seus braços inexperientes de pai.

Foi a primeira vez que chorou, sem vergonha.

A segunda...

[Meus pêsames, Jane]

Fechou os olhos, sentindo as lagrimas escorrerem por seu rosto, frias contra sua pele quente, até caírem em suas mãos segurando uma precária boneca de pano – feito por mãos gentis e compreensíveis. A pequena Emily Jane, com olhos de botões e cabelo de barbante rosa, em um uniforme de futebol americano completo costurado sobre seu corpo de algodão branco.

Era o brinquedo favorito de Charlotte.

Respirou fundo, soltando o ar devagar enquanto abria os olhos azulados e os enxugava com as costas das mãos. Engoliu o soluço que ameaçava sair de sua garganta, deixando sair em vez disso uma risada sem vida que ecoou pelo quarto vazio.

“Quando você acha que já não tem mais lagrimas para dar...” ele falou, seu dedo gentilmente acariciando o rosto da boneca de pano. Forçou um doloroso sorriso em seus lábios e se abrigou a erguer os olhos daquele pequeno objeto para um quarto branco e azul.

Era bonito, equilibrado e suave – ambíguo, nada feminino demais e nada masculino demais. Apenas delicados detalhes espalhados pelo recinto mostrariam a um observador que aquele era um quarto de uma garota. Como a caneta com um pompom rosa em cima da mesa ou as imagens recortadas de flores dentro de uma pasta no criado-mudo. Ou mesmo a pequena marca de um coração esculpido com uma tesoura sem ponta na porta do banheiro. Assim como a figurinha da Hello Kitty colada no encosto da cadeira.

Assim como a boneca em suas mãos.

Essa era sua filha. Sua magnífica e linda filha, garota o suficiente para vestir um vestido rosa e garoto o suficiente para discutir sobre carros e futebol. Mente de princesa e espírito de cavalheiro. Não tinha medo de se machucar e era forte como uma flor do deserto que consegue sobreviver ao inferno na terra e ainda ser a única coisa linda em raios de distancia.

[Ela nunca acordou]

Sua linda e maravilhosa filha.

Jane sorriu, um sorriso amargo e doce como um morango. Com todo cuidado e gentileza que suas mãos levemente tremulas permitiam, depositou a pequena Emily Jane na cabeceira da cama com os braços cruzados e a cabeça caída para o lado – exatamente como oito anos atrás.

Recuou de costas, sem ter medo em acertar ou tropeçar em nada uma vez que esse quarto estava perfeitamente guardado em seus mínimos detalhes no Palácio da Memória. Quando deu os sete passos que separavam a cama da porta, parou e observou.

A janela do quarto brilhava, com os raios solares entrando pelo vidro para iluminar um quarto de uma garota de sete anos de idade que não havia mudado em absolutamente nenhum aspecto nos oito anos que se passaram, desde que sua ocupante revolveu descer da cama para ir dormir com a mamãe. O cobertor jogado dobrado sobre a cama, mostrando como a pequena chutou as cobertas para se erguer, entortando o travesseiro que quase caia no chão devido ao ângulo. As lições e os desenhos aleatoriamente largados sobre a mesa, assim como uma mochila escolar meio aberta pendurada na cadeira. Ou mesmo a embalagem amassada de um bombom de uma caixa de chocolates que o próprio Jane havia comprado, jogada ao lado da cesta já cheia de lixo embaixo da mesa.

Tudo estava na mesmo posição de oito anos atrás, nem um centímetro diferente. Visualmente intocado.

Mas mesmo assim, enquanto que o resto da casa sumia lentamente sobre uma espessa camada de pó que vinha se acumulando cada vez mais, cada superfície somente desse quarto brilhava como se as mãos gentis e compreensivas tivessem feito o que sempre fizeram no passado.

O telefone em seu bolso vibrou, sobressaltando-o de seu estado de transe. Com um movimento já habituado, tirou o objeto de dentro do bolso da calça e o abriu, vendo com o canto do olho o nome na tela. “Olá, Lisbon” Jane cumprimentou, seu tom alegre de sempre.

“Jane, eu preciso que você venha até a CBI imediatamente” o tom de voz, a cadencia e modo como Teresa pronunciou as palavras foi o suficiente para Patrick abandonar a falsa alegria que usava. Um alarme de emergência muito especifico acendia em seu Palácio da Memória quando ele recebia uma ligação com esse jeito especifico de falar de Lisbon, um alarme conectado diretamente a uma única sala com uma porta branca com um bilhete branco colado. Uma porta que se abria para uma sala de cheiro de sangue, com um sorriso vermelho para cumprimenta-lo. “O que aconteceu?”

“Eu não posso discutir sobre isso no telefone, você tem que vir até aqui rápido” o som estava abafado, com milhares de vozes e barulhos no fundo. Tons urgentes e passos rápidos. Caso importante, poderia ser algo relacionado à política como um seqüestro de alguém importante ou o assassinato de um chefe de uma grande companhia, qualquer um desses era o suficiente para alarmar o pessoal na CBI, mas Lisbon não teria chamado-o com esse tom de voz se fosse esse o caso. Não. Ele já sabia o que estava acontecendo. “Já estou a caminho.”

Com um único movimento, fechou a tampa do celular e o guardou. Pegou o balde e os produtos de limpeza do chão e os empurrou para o corredor, deixando-os ao lado da porta onde depois poderia guarda-los apropriadamente. Sua mão agarrou a maçaneta de ferro e puxou a porta, que girou sem nenhum ruído uma vez que suas dobradiças estavam bem cuidadas com uma camada fina de graxa, mas parou o movimento num impulso quando um segundo alarme acendeu em sua cabeça (só que dessa vez era um som lindo e cristalino, como os sinos de uma igreja em casório).

Havia esquecido de algo.

Abriu a porta mais uma vez e lançou um ultimo olhar para o quarto com cheiro de biscoitos de chocolate com leite. Esforçou-se em mais um sorriso, por sua filha.

“Feliz aniversario, Charlotte.”

E fechou a porta.


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Notas finais do capítulo

... Eu não me arrependo de nada... ainda.



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