Laura não teve muitos problemas para sair naquela manhã de sábado. Seu pai tinha se levantando mais cedo porque precisava ir numa reunião e a mãe aproveitou a carona para ir até a casa da avó da menina. Como na outra vez, Laura usou a desculpa de estar indo fazer um trabalho com Catarina, e se sentiu tão estranha e nervosa por precisar mentir que por um momento achou que seria descoberta. Ela caminhava bem mais leve pela rua com enquanto relembrava do quanto ensaiou mentalmente a mentira necessária. Olhou para Skylar, que como de costume, estava analisando tudo ao seu redor, curioso e maravilhado.

O dia amanheceu gelado, com uma neblina que demorou a se dissipar. Laura deu uma olhada na touca cinza que emprestara para Skylar que, para ela, tinha combinado bem mais com ele do que com ela mesma.

"Um verdadeiro terráqueo".- Laura pensou e logo se sentiu totalmente estranha com o pensamento.

Os dois estavam quase chegando à Biblioteca Pública, onde encontrariam Catarina, que reclamou muito sobre o horário no dia anterior. Por fim, tinham entrado em um acordo, e Catarina chegaria um pouco mais tarde. Laura colocou as mãos no bolso do casaco e parou na frente de um prédio não muito monumental, rodeado por pinheiros altos e uma pequena escadaria.

–Chegamos!- Ela anunciou por fim.

***

Skylar ficou boquiaberto. Ao entrar na Biblioteca Pública ele se deparou com um grande salão espaçoso, com um piso lustroso e com lajotas adornadas com desenhos geométricos monocromáticos. Alguns móveis rústicos completavam o ambiente onde algumas poucas pessoas estavam, visto que era uma manhã gelada de sábado. Ele girou pelo local, extasiado e logo ali na entrada já viu algumas estantes repletas de livros. Ele parou um pouco tonto e seus olhos focaram em Laura. A garota deu um riso baixo, e se direcionou até um balcão, onde deixou sua bolsa, apenas apanhando um caderno e algumas canetas, quando se afastaram do balcão, Laura o puxou pelo braço, levando-o para um corredor.

–Laura, é impressionante.

–Eu sabia que ia gostar.- Laura disse baixinho.- Agora só precisamos decidir onde vamos nos sentar e ler alguma coisa.

Skylar assentiu, com um grande sorriso que não conseguia esconder. Ele sentiu o aperto quente da mão de Laura contra a camada de roupas que ele usava e se sentiu aconchegado. Os dois caminhavam sem muita pressa, em direção à um corredor com uma grande placa suspensa na entrada, deixando para trás o grande salão principal. A garota parou, e os olhos de Skylar acompanharam a direção para a qual ela estava analisando. Ela parecia tentar decidir qual seria o melhor lugar para que pudessem ficar. Então ele se voltou para ele.

–História?-Ela disse animada.

Skylar assentiu energicamente. Laura o puxou novamente e eles seguiram por um corredor comprido e entraram por uma porta grande. O piso de madeira e as estantes abarrotadas de livros deixavam o lugar incrivelmente interessante, e Skylar estava realmente animado. Laura o conduziu pelo salão destinado ao estudo de História, assentiu para um senhor que usava óculos redondos sentado em uma das mesas organizando uma pilha de livros, e subiu uma escada. Os dois se sentaram em uma mesa espaçosa posicionada bem ao lado de uma grande janela com vista para a rua.

Laura depositou os pertences sobre a mesa e tamborilou os dedos na madeira, fazendo um som oco, depois se levantou e foi até as prateleiras, sendo acompanhada por Skylar. Os dois passeavam os dedos sobre as lombadas dos livros, e apanhavam os que os interessava mais. Quando voltaram para a mesa fizeram uma pilha com todos eles. Laura pegou o caderno, franziu a testa e começou a fazer algumas anotações. O garoto a espiou por breves segundos, até apanhar um livro e começar a lê-lo. Era um pouco diferente daquele que Laura tinha emprestado para que ele pudesse ler quando ela o encontrou.

Skylar sentiu um pouco de frio. E não só porque o dia estava gelado. A sensação estranha tomou conta dele por breves instantes quando ele se recordou do dia em que acordou em outro lugar, longe de casa. Ele contraiu os lábios e olhou pela janela. Ele estava escutando o suave barulho que Laura fazia ao escrever. Deu um suspiro contido e fitou a garota mais uma vez. A imagem dela era extremamente alentadora, e isso o deixava um pouco inquieto, visto que sempre se perguntava o que seria dele se as coisas tivessem acontecido de um modo diferente.

"E se Laura nunca o tivesse encontrado?"

Ele continuou observando a garota, que estava concentrada nos estudos.

"Ou se ela fosse completamente diferente do que é? Se ela tivesse tomado uma atitude hostil, ou se tivesse sentido medo?"

Laura largou a caneta na mesa e ergueu uma das sobrancelhas ao perceber que o garoto estava estático.

–Tudo bem Sky?

Skylar teve que chacoalhar a cabeça de leve, tentando afastar aquela sensação ruim. Encarou Laura novamente e deu um sorriso.

–Sim.- Ele disse simplesmente.

Laura fez uma expressão preocupada.

–Eu estou muito feliz.- O garoto emendou.- De verdade.

Laura deu um pequeno sorriso e apanhou a caneta que havia largado na mesa.

Skylar não estava mentindo. Estava realmente feliz. Feliz por estar na Biblioteca, e mais feliz ainda por ter a companhia de Laura.

***

O celular de Laura vibrou em cima da mesa, e a garota colocou a mão sobre ele automaticamente. Apanhou o aparelho e viu a mensagem de Catarina.

"Onde exatamente vocês estão???"

Laura rolou os olhos para o exagero nos pontos de interrogação e a quantidade de emoctions usados. Viu o horário no cantinho da tela. Já fazia quase uma hora que ela e Skylar estavam sentados à mesa esperando por Catarina, e a biblioteca já estava mais movimentada. Um grupo de garotas estavam fazendo uma pesquisa sobre a Revolução Francesa, enquanto davam risinhos abafados perto das prateleiras. Na mesa ao lado deles uma menina estava escrevendo alguma coisa num amontoado de papéis enquanto olhava furiosa para dois garotos que pareciam apavorados, e uma vez ou outra os três conversavam aos sussurros.

"Estamos no setor de História, segundo andar".- Laura respondeu a mensagem da amiga.

–Catarina está chegando.- Laura disse para o garoto que estava sentado à sua frente.

Skylar estava lendo uma enciclopédia sobre os inventos da humanidade e estava absorto na linha cronológica que se desdobrava em quatro páginas e quando finalmente desgrudou os olhos do livro Catarina já estava subindo as escadas.

–Oi gente!- Catarina disse baixinho, se acomodando na cadeira ao lado de Laura.

–Oi.- Laura respondeu e sorriu ao ver a amiga.

–Olá Catarina.- Skylar respondeu, ainda esticando as páginas da enciclopédia.

–O que vocês estão fazendo?- Catarina quis saber, puxando o caderno de Laura.

–Um resumo sobre o modelo político na Roma Antiga.- Laura tamborilou os dedos na mesa.- E o Sky está lendo...- Laura se esticou um pouco.- ...uma enciclopédia sobre as invenções da humanidade.

–Isso é realmente muito nerd da parte de vocês... Estou orgulhosa.

–Nerd?- Skylar parecia confuso.

–É, dois nerds na biblioteca.

Laura contorceu as feições e seu um riso baixo.

–Esquece isso Sky.- A menina pegou o caderno das mãos de Catarina e recomeçou a escrever.

–Ei Sky, gostei da touca.- Catarina disse.- Esse cinza combina com seus olhos azuis.

Catarina estava falando um pouco alto demais, então o senhor que estava organizando a pilha de livros no andar de baixo e que era o responsável pelo setor olhou em direção às escadas e fez um aviso sonoro pedindo por silêncio. A garota se encolheu um pouco na própria cadeira e começou a rabiscar em um papel amassado do antigo resumo que Laura estava escrevendo.

–Eu acho que eu quero conversar hoje.- Catarina resmungou baixo.

–Você sempre quer conversar Cat.- Laura fez o comentário antes de fechar o caderno.

–É eu sempre quero, e você sabe disso e marca numa biblioteca.- Catarina fechou a cara depois riu.

–Sky...- Laura começou a empilhar alguns dos livros que tinha pego.- O que acha de irmos dar uma volta? A gente pode emprestar alguns desses se você quiser.

O garoto assentiu, e começou a ajudar Laura na tarefa de devolver os livros para as prateleiras corretas. Catarina deu um sorriso enorme, e bateu palmas bem rápido e sem emitir sons muito altos.

No final das contas, Laura acabou emprestando apenas um livro para Skylar, que parecia bem contente. Os três saíram do local e se deparam com uma pequena elevação da temperatura do lado de fora. O sol estava brilhando, fraco, mas mesmo assim já fazia diferença.

–Dá pra acreditar?- Catarina agora falava em alto e bom som.- É a terceira vez em um mês e meio que procuro esse livro e não o encontro. É frustrante. Só uma volta pelo centro pode me acalmar agora.

O centro estava movimentado, como de costume, e por muitas vezes Laura teve que puxar e guiar Skylar pelos locais mais caóticos. As lojas estavam abarrotadas de pessoas e um teatro de rua ocupava a maior parte da praça que ficava na região. Catarina queria ir na feira tradicional de fim de semana, comprar uma quinquilharia qualquer e andava em passos largos, deixando Laura e Skylar para trás.

–Cat, você vai mesmo ir até lá?-Laura reclamou.- Olha esse caos todo...

–Mas amiga, o Skylar precisa conhecer isso. É o tipo de coisa que todo ser humano faz pelo menos algumas vezes na vida. É enriquecedor... e tem quitutes. Ninguém recusa uma porção de pinhão ou uma tapioca.Se formos até lá eu juro que podemos ir naquela sessão gratuita de filmes na Cinemateca. Começa em uma hora. E eu sei que você quer ir.

Laura rolou os olhos e se deu por vencida.

***

Catarina andava quase aos pulinhos, segurando uma sacola cheia de papéis dobrados e coloridos (origamis como Laura tinha explicado) que ela comprou para enfeitar o próprio quarto. Os três andaram pela feira e comeram tapioca, uma coisa que Skylar não soube como definir mas que tinha apreciado muito, e como Catarina havia previsto e agora estavam à caminho da Cinemateca. Skylar estava convencido que seria uma experiência interessante, pois como ele mesmo analisara, o local era uma mistura de cinema e biblioteca.

Os três tinham combinado assistir um curta metragem, já que precisavam voltar para casa logo. O local não estava muito cheio, ao contrário da feira, e eles encontram bons lugares bem no meio da plateia. A história era divertida, e se relacionava à um conto infantil. Em pouco mais que meia hora eles já estavam sentados no ônibus. Laura estivera nervosa minutos antes, porque voltar para casa era sempre mais complicado. Mas ela estava bem mais alegre depois que descobriu que os pais não estariam em casa quando chegassem.

Catarina ainda falava muito, como de costume, e fazia planos para o próximo dia. Skylar escutava tudo atentamente e estava ansioso para visitar a mostra. Laura tinha dito que ele ia gostar e que eles poderiam fazer um piquenique depois, seja lá o que isso significasse ele estava empolgado com a ideia.

Pouco depois, estavam os três no sótão, Laura tinha preparado chá e Catarina ria de um dos gibis de Laura.

–Amiga, esse aqui é terrível.

–Eu sei, mas eu tinha só oito anos tá legal?

–Aham.-Catarina riu de novo.

–Qual é Cat.- Laura foi quem riu dessa vez.- Você assiste aquele seriado, aquele com as irmãs gêmeas que trocam de lugar até hoje que eu sei.

–Golpe baixo, muito baixo Laurie.

Laura riu e Catarina jogou uma almofada nela.

–Eu preciso ir agora. Sabe, eu ainda preciso convencer minha mãe que não tive culpa...

–Culpa?-Laura encarou a amiga.

–Eu e o Henrique estávamos fazendo bolinhos de cenoura quando o liquidificador estragou. Eu falei pra ele cortar melhor as cenouras, em cubinhos pequenos e não em pedaços enormes, mas enfim...

Laura balançou a cabeça divertida.

–Ok, eu espero mesmo te ver amanhã. Não estrague mais nada, por favor.

–Não vou. Quer dizer, eu acho. É, até mais pessoal.

Catarina deu um abraço apertado nos dois e desceu as escadas correndo. Laura e Skylar trocaram um olhar cúmplice e se sentaram na janela, observando o dia que chegava ao fim.