Brighter. escrita por tanwss


Capítulo 5
Cinco.


Notas iniciais do capítulo

Depois de um longo jejum, capítulo novo (e longo)! Espero que gostem (e espero que não me matem se o próximo também demorar a sair; minha criatividade vem uma vez a cada três meses). Enjoy it.



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Fui despertada por um bípe irritante e que, definitivamente, não era do meu despertador. Eu sabia muito bem quando estava de férias. Senti minha cabeça pesada, como se eu estivesse drogada. Tentei abrir os olhos e a claridade demasiada do ambiente me cegou, porém com o tempo me acostumei com a sala branca. Ou seria um quarto...? Levantei a cabeça com um pouco de esforço e percebi uma agulha entrando em uma de minhas veias e um arrepio percorreu meu corpo inteiro. Eu tinha certo horror a agulhas.
Olhando para meu lado esquerdo, vi o aparelhinho de onde saíam os bipes irritantes. Meu coração batia de um jeito controlado e contínuo. Bípe, bípe, bípe. Pousei novamente minha cabeça no travesseiro, resmungando de dor. Virei minha cabeça devagar para meu lado direito, afim de explorar o resto do ambiente e arfei, assustando-me com o que vi. Havia um sofázinho de couro preto ao lado de minha maca, com uma Annie roncando e babando de um jeito engraçado. Ela estava com uma expressão cansada, que mesmo com seu rosto relaxado, deixava-se transparecer. Isso me fez questionar a mim mesma há quantos dias eu estaria ali.
Fiquei observando Annie resmungar, babar e roncar, rindo quando ela fazia uma caretinha inconscientemente engraçada. Depois de duzentos e trinta e sete bipes, ela despertou dando um pulo quando percebeu que eu estava a observando, o que também me fez gargalhar.
– Ei, bom dia! – eu falei, sorrindo para ela e logo depois franzindo o cenho para minha voz rouca.
– Sua mãe estava certa. – ela sorriu para mim, arrumando seu cabelo num coque e deixando seu rosto a mostra; os bipes vacilaram junto com meu coração.
– Certa sobre...?
– Ela disse que você acordaria agora. Saiu há... quarenta minutos? – ela disse, olhando a tela de seu celular. – Logo ela chega com o seu almoço.
– Minha mãe saiu para comprar comida para mim, para eu não comer comida de hospital. – concluí em voz alta.
– Eu, ela e Sam chegamos a conclusão de que você não comeria a comida daqui nem sob tortura, então ela foi comprar algo pra você.
– Há quanto tempo eu to aqui?
– Um dia e meio. – ela suspirou. – Achei que você não ia acordar nunca.
Então, Annie levantou-se do sofá e deu três passos até minha maca, fazendo um movimento com a mão mandando eu me afastar e sentando-se ao meu lado (o que eu sabia que era proibido, mas não dava a mínima). Ela tateou por cima do cobertor, procurando por algo. Contentou-se quando achou minha mão e ficou ali, segurando-a e me olhando. Sorri um pouco, envergonhada e tentando evitar seu olhar. Ela tirou sua mão da minha e levou-a até o meu rosto, arrumando meu cabelo. Isso me fez lembrar o quão ridícula eu deveria estar; fiz uma caretinha de desgosto pensando nisso, e Annie sorriu em resposta. O bípe ficou frenético.
– Esse negócio... – ela falou apontando para o aparelho e gargalhando em seguida. Ri junto com ela.
– Eu sei. É meio... constrangedor.
– É engraçado. – ela disse em um tom meio cínico, fechando os olhos e passando devagar sua boca pelo meu pescoço, subindo pela minha bochecha e depositando um beijo ali. Eu arfava, enquanto o aparelho quase criava vida. Eu tinha impressão de que o negócio ia quebrar, tamanhos bipes contínuos ele emitia a cada segundo. Annie levou sua boca até a minha e abriu os olhos, para ficar me olhando. Senti-a sorrir um pouco, enquanto os bipes ressoavam ensurdecedora e enlouquecidamente dentro do quarto do hospital. Uma parte da minha mente pensou em como alguma enfermeira não tinha ido até meu quarto para verificar as mudanças contínuas de meus batimentos cardíacos. Três segundos depois, a porta se abriu, com uma senhora gordinha e miúda entrando preocupada em meu quarto. Annie saltou de minha maca, sentando-se bruscamente no sofá preto e escondendo seu rosto nas mãos. Pelo modo como seus ombros mexiam, eu podia perceber que ela ria.
– Ahhh, querida... – ela olhou na ficha que trazia nas mãos. A enfermeira estava um pouco envergonhada com a cena que havia avistado, o que me fez sorrir e corar um pouco. – Marie, você não pode submeter-se a fortes emoções ainda. Qualquer alteração por aí vai ser alertada a nós. Não pretendo incomodar-te novamente. É... Com licença. – ela fechou cuidadosamente a porta do quarto.
E então, Annie estourou em gargalhadas. E óbvio que não consegui evitar de acompanha-la.
– Posso saber qual é a graça? – minha mãe questionou ao entrar no quarto.
– Annie é engraçada. – eu disse sorrindo de um jeito idiota.
– Bem, tem visita aí fora pra você, queria saber se Lucy pode entrar ou... – a expressão de minha mãe estava tensa. – ela quer falar a sós com você.
– Ahn, eu tenho que ir pra casa... acho que minha mãe ‘ta preocupada. – Annie soltou, dirigindo-se até mim e me dando um beijo na testa antes de sair. Em seguida, Lucy entrou no quarto com uma expressão tristonha e um biquinho na boca.
– O que aconteceu? – eu disse quando finalmente ficamos sozinhas.
– Desde o começo? Ok. Você desmaiou e eu fiquei tentando te segurar por um braço só e gritando, e você ficou lá pendurada quando finalmente abriram uma roda ao nosso redor e alguém foi pedir ajuda. Annie percebeu o tumulto de onde estava e veio correndo até você, o que vou confessar que foi bonitinho, mas tudo bem. Finalmente todos os nossos amigos apareceram das cinzas e fiquei gritando para alguém te carregar e levar num carro até algum hospital. Tinham uns caras grandes e cabeludos ao nosso redor que depois reconheci serem da banda de Annie e eu gritei com eles porque não queria ninguém em cima de você. Joey apareceu de algum lugar do inferno, mas todo mundo começou a gritar com ele também. Ele foi pra cima de Annie, mas ela deu um chute no meio das pernas dele. Foi engraçado. Sam te deitou no banco de trás do carro e depois de uma longa briga onde eu gritei bastante também, decidimos ir até o hospital eu, Sam, Lúcio e óbvio que Annie foi porque ela não desgrudou de você nem quando eu gritei com ela. Já pedi desculpa, já ‘ta tudo bem. Chegamos aqui e Annie e Sam quase se mataram pra ver quem ia te carregar até aqui; pensei que eles fossem te dividir ao meio. Por fim, Sam te trouxe no colo, suplicando por uma cadeira de rodas e depois começou a gritar no balcão que você tinha câncer e se alguém não te ajudasse ele ia processar o hospital. Aí eu liguei pra sua mãe e ela ajeitou as coisas por aqui.
– Hã. – foi só o que eu consegui dizer, depois de Lucy falar sem nenhuma pausa.
– Você tem câncer. Você tem câncer e não contou pra mim. Tudo bem não contar pra ninguém mas você não contou pra mim. Até o Sam sabia, mas é sempre assim, você conta tudo pro Sam e esconde as coisas de mim e eu sempre sou a última...
– Para com isso, Lucy. Nem eu sabia que o Sammuel sabia. ‘To tão surpresa quanto você. Não contei pra ninguém justamente porque não queria esse drama todo. Você sabe como odeio depender de alguém.
– Annie entrou em pânico. – Lucy continuou, ignorando o que eu disse. – Ela foi embora sem falar com ninguém e eu fiquei com raiva. Quando ela voltou no dia seguinte, faltei comer as tripas dela.
Óbvio que ela entrou em pânico. O que você faria? Ela já deve ter os problemas dela, não ia querer uma inválida com um tumor no meio das pernas pra ela cuidar. – eu disse de forma meio rude, sentindo meu rosto esquentar de raiva.
Então, três batidinhas na porta interromperam nossa conversa. Minha médica entrou sorridente, desejando-me boa tarde. Ela tinha minha mãe e meu melhor amigo em seus flancos.
– Finalmente você acordou! – ela exclamou. – Podemos começar nossos exames agora.
– Só deixa esse negócio apodrecer dentro de mim. – eu sussurrei, colocando as mãos no rosto e suspirando. Eu odiava hospital, agulhas e gente pegando em mim.
– Infelizmente, eu não posso. Além de querer que você fique bem, é minha obrigação.
Merda.
Seguimos para incontáveis salas, incontáveis aparelhos e incontáveis expressões de desgosto e preocupação de meus amigos e minha mãe dirigidos a mim.
– Quando eu vou poder ir pra casa? – eu disse quando a médica estava enfiando um treco de ultrassom na minha barriga gelada.
– Assim que eu terminar. – ela sorriu pra mim.
Depois de ver minha mãe assinar mil papéis e ter que assinar um terço deles também, vesti-me decentemente e fui pra casa sentada em posição fetal no banco da frente, de cara fechada pra todo mundo.
A única coisa que eu queria era entrar em meu quarto, enfiar minha cabeça num travesseiro e ficar ali pra sempre.

Gemi ao sentir o sol em minhas costas. Abri os olhos vendo o vento adentrar meu quarto e as cortinas de minha janela dançarem no ritmo dele.
– Meu Deus, eu acho que você tem um dom. Me diz como ‘cê consegue dormir tanto? Quero ser assim também.
– Me diz como que tu consegue ser tão língua grande pra eu lembrar de não ser assim.
– Você é cruel. – ouvi Sam bufar. – Não foi de propósito. Eu estava aflito... todo mundo estava. Você ‘tava desmaiada no meu colo, queria o quê? Que eu saísse falando com toda calma do mundo?
– Não precisava gritar pro mundo algo que eu não queria que ninguém soubesse. Inclusive... quem te contou?
– Fui numa mãe de santo. – ele disse, levantando minha cabeça, sentando-se e depositando-a em seu colo. – Mentira. Sua mãe me contou. Ela queria ajuda, disse que estava em pânico porque você não queria fazer tratamento. Mandei ela te obrigar e ela disse que isso tinha parado de funcionar quando você tinha 12 anos.
– É. – concordei. – Agora todo mundo sabe. Agora Annie sabe. Acho que ela nunca mais vai querer me ver. – eu sorri. – Sei lá. Vai que um dia Jesus me cura e eu vou visita-la.
Em resposta, Sammuel jogou meu celular no meio da minha cara. Levantei-o para ver e tinham milhares de mensagens de Annie, junto com algumas chamadas não atendidas.
– Acho que ela não precisa de você curada. Só precisa de você. Assim como todo mundo que te rodeia, gatinha. – senti um arrepio percorrendo minha espinha quando ele pronunciou “gatinha”, lembrando-me de Annie. – Marie, só faz um tratamento, só tenta cuidar disso. Pode soar meio egoísta, mas estou pedindo por mim, pela sua mãe, por Lucy...
– Não precisa citar todo mundo, eu sei. – suspirei pesadamente, tentando tirar a imagem de uma Annie preocupada me olhando no hospital que insistia em ficar em minha cabeça. – Olha, se eu morrer, o que vou perder? Umas festas, uns shows vagabundos na pracinha e no pub...
– Vai perder a minha companhia, o que é lamentável porque eu sou demais. – Lucy falou em tom de brincadeira, entrando em meu quarto e se jogando em minha cama. Ah, era a reunião dos defensores da vida da Marie.
Pena que Marie não pediu pra ninguém defendê-la.
– Vocês me dão sono. – cobri minha cabeça, ignorando as risadas dos dois.
Quinze minutos após a chegada de Lucy, minha mãe entra em meu quarto saltitando e gritando “É BENIGNO! OH SANTA MÃE DE DEUS, É BENIGNO! VAMOS TIRAR! VOCÊ VAI TIRAR E TUDO VAI FICAR BEM!”. Fiquei acompanhando atentamente a dancinha da vitória que minha mãe fazia com meus melhores amigos, quando eles perceberam minha expressão fechada e pararam no mesmo momento.
– Você vai tirar. – disse Lucy pra mim, de uma forma autoritária.
– Já falei que não. Não importa.
– Tudo bem. – Lucy estava tremendo. Suspirei esperando o discurso que viria. – Você queria ser o centro das atenções? Ok, já conseguiu. Queria deixar todo mundo preocupado, todo mundo com medo de te perder? Já conseguiu também. Você só vê a si mesma, acha que só o que pensa tá certo, mas Marie, acorda. Não é assim que funciona, ok? Eu já cansei do seu drama, todo mundo já cansou mas não tem coragem de falar. Agora levanta essa bunda seca dessa cama e vai fazer essa merda de cirurgia, porque eu sei que você quer viver tanto quanto eu quero que você viva. Chega, sério.
– Eu só não quero ficar que nem uma inválida dependendo de um monte de gente e...
– Ah, e você prefere morrer a isso? Francamente, Marie. Vá se foder.
Lucy deixou meu quarto marchando, deixando-me boquiaberta, um Sam sorridente e minha mãe refletindo minha expressão chocada.
– Mais alguém? – perguntei, recebendo silêncio como resposta. – Ótimo.

Minha cirurgia fora marcada pra dali a uma semana; minha mãe trabalhar no hospital tinha suas vantagens. As dores ficavam cada vez mais insuportáveis, deixando-me feliz com a ideia de que eu iria tirar aquele treco de mim. Meus amigos iam fazer reuniõezinhas em meu quarto diariamente, sempre me levando mimos e me fazendo esquecer do tumor-santa-mãe-de-deus-benigno que havia dentro de mim. Lucy me olhou feio durante as três primeiras horas, mas quebrou o gelo dizendo-me que havia ficado feliz por eu finalmente entender que precisava fazer a tal cirurgia. Annie nunca vinha me visitar, entretanto sempre ligava, perguntando como eu estava e se precisava de algo. No fim, pedia desculpas por não estar me visitando.
– Por que a big shoe ainda não apareceu por aqui, afinal? – Juliana perguntou com a boca cheia de batata frita, no nosso terceiro dia de reuniões pré-cirúrgicas.
Big shoe. – repeti, tentando imitar sua voz. – Olha quem fala. – joguei uma almofada nela, que estava abraçada com Lorena. – Ela está com alguns... problemas em casa. Pelo menos é isso que me diz.
– Quando que vocês vão alugar uma casa e morar juntas? – Lô sorriu pra mim.
– Ela é minha amiga, vocês sabem. Quer dizer, eu gosto de meninos. – eu continuava afirmando, mesmo sentindo cada célula de meu corpo dizer o contrário. Eu quase podia ouvi-las gritar por “mais Annie, mais Annie!”. Patético.

No dia seguinte, ao cair da tarde, Annie apareceu. Não do jeito que eu queria que aparecesse, mas apareceu.
Achei estranho a campainha tocar, já foi o único dia que todos os meus amigos tinham seus próprios compromissos. Achei ser Sammuel, até ouvir minha mãe arfar e falar “ah, querida...”. Desci as escadas correndo, com meu moletom furado e minha calça de pijama com estampa de vaquinha. Ecoei o arfar de minha mãe ao vê-la sentando cuidadosamente em meu sofá, fazendo uma caretinha de dor.
O rosto de Annie estava vermelho – com marcas; várias marcas de mãos – e sua boca inchada, quase fazendo um beicinho involuntário. Mesmo assim, ela sorria um pouco pra mim. Sentei-me com cuidado ao seu lado, reparando nos machucados recentes em ambos os cotovelos dela. Passei a mão por sua cintura, apoiando minha cabeça em seu ombro, aninhando-me em seus braços – já que eu não podia fazer o contrário (ficava difícil de coloca-la em meus braços e escondê-la do jeito que eu queria; ela era gigante). Ela retribuiu meu abraço desajeitado e falou com a voz meio trêmula pra minha mãe:
– Eu posso passar a noite aqui?


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Notas finais do capítulo

Acho que mereço uns reviews... :-)



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