Eu já estava louca. Passava, basicamente, o dia inteiro ouvindo pessoas que eu gosto falando mal de outras pessoas, que eu também gosto. Em casa, na escola, na rua, no shopping, enfim, em todos os lugares. Não aguentava mais ouvir minha mãe reclamando da minha vó e vice versa, não aguentava ouvir meus amigos xingando outros amigos... E o pior é que sempre sobra pra eu ouvir tudo isso.

Em um dia inteiro, todas as pessoas que vieram falar comigo foi para falar mal de outras pessoas (que também vieram falar comigo pelo mesmo motivo) e eu já não estava conseguindo viver desse jeito. Por que eu tenho que ouvir suas reclamações? Por que eu tenho que dizer que você está certo mesmo estando errado? Por que eu tenho que sofrer com tudo isso?

Acordei cedo e fui para a escola a pé com a minha vizinha. Ela disse que seus pais são os piores do mundo, pois ela não havia ganhado um carro assim que fez 16 anos assim como sua irmã mais velha. Já na escola, meus amigos começaram a falar dos professores que só passavam lição, dos pais que não os deixavam sair para ir às baladas, da própria aparência e não sei o que mais. Depois da escola fui para casa. Lá encontro meus irmãos, que reclamam que só porque são gêmeos eles precisam dividir todas as coisas, que ninguém consegue os diferenciar e que nossos pais não os deixam sair de casa sozinhos mesmo já tendo 14 anos. Vou em direção ao meu quarto e recebo uma ligação da minha avó, e ela reclama que minha mãe não está nem ai para ela, que ela já está muito velha, que ninguém gosta dela e mais alguma coisa. Deito na minha cama e adormeço.

Sou acordada pelo meu irmão, após umas 3 horas, e ele me diz que já está na hora da janta. Pergunto sobre nossos pais. Ele me responde que eles estão de mal humor, como sempre.

Durante o jantar, só ouço reclamações. Meu pai dizendo que a situação da empresa não é das melhores, pois seus funcionários não trabalham direito. Minha mãe dizendo que minha vó não a ajuda direito, que ela só sabe reclamar, que ela está com poucos funcionários, que a conta de luz e água está cara e mais algumas coisas.

Subi para meu quarto assim que terminei de comer. “Desisto. Não aguento mais isso.” Foi o que pensei antes de lembrar de uma simples coisa. Peguei uma folha em cima da minha escrivaninha e escrevi estas palavras. Provavelmente estarei em meu banheiro, caso tenha sorte, estarei morta a essa hora. Indico aqui a vocês as horas: 20:30.

Vocês não tem ideia de o quanto bom é ver seu sangue saindo de seu corpo com um corte comprido e profundo. Vocês não tem ideia de o quão libertador um simples corte me traz. Essas são minhas últimas palavras a vocês. Pelo que os conheço, quando vocês me encontrarem já estarei morta.

Sei que isso foi uma total loucura, mas com o tanto de coisas ruim que ouvi em todos esses meus 15 anos foi o suficiente para eu resolver acabar com a minha vida nesse momento. Resolvi contar como foi meu dia com vida a vocês, pois gostaria que vissem o quanto todos vocês me fizeram passar. Meus professores, principalmente a de redação, diziam a mim que eu teria um ótimo futuro. Mas achei que não valia a pena esse futuro se todas as pessoas que “gostassem” de mim apenas me fizessem mal.

Vejam em meus braços e pernas. Cada corte, pequeno ou grande, foi um dia em que eu sofri com vocês reclamando de alguma coisa. Meu conselho: Por mais curiosos que vocês sejam não tentem contar meus cortes. São muitos. E há vários que foram reabertos no dia seguinte em que os fiz.

Isso é apenas um adeus. Meu adeus a todos vocês. Por mais que eu os amasse, não conseguiria sofrer mais. Muito obrigada a todos vocês. Esta carta é para meus pais, meus irmão, meus avós, meus amigos, meus colegas, meus professores, etc. É uma despedida a todas as pessoas que conheci na minha vida.

Muito obrigada pelo o pouco de felicidade que vocês me trouxeram.

Desculpe-me por acabar assim.

Sinceramente,

Hope.

PS: Mamãe, papai e gêmeos. Por favor, gostaria que vocês lessem isso em meu enterro. Novamente, desculpe por fazer vocês passarem por isso, mas eu não estava mais aguentando. Eu amo muito vocês!