Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 69
Cavalos-Marinhos


Notas iniciais do capítulo

Oláaaaaaaa! /o/
E aí, gente linda, como estão vocês?! Nem demorei dessa vez, não é mesmo? HUAUHAUHAHUA Dá para acreditar que JÁ ESTÁ no fim do ano?! Gente, fiquei abismada! Passou muito rápido! Já, já estamos entrando em 2015, yay! (passarei outro ano com vocês, pelo jeito; nunca os deixarei em paz, muhahahahaha!)
Bom, chega de enrolar! Este aqui é o capítulo 69 (( ͡° ͜ʖ ͡°)), mas vou começar a chamá-lo de meu xodó, hahahaha! xD Ele está suuuper grande, por isso preparem uns lanches (sim, no plural, Katrina aprova) de presunto, queijo e alface, porque há muita coisa boa rolando! x3333
E, já aviso a vocês, preparem os cores também, porque, olha... Muitas emoções, amo forte! u.u Iremos conhecer o papi Marconni, yay! (Tão seduzente, oh, chesus! o3o) HUAHUAHUA
Eu, de verdade, AMEI escrevê-lo, me diverti muuito, então desejo que vocês gostem e se divertam lendo também!!
Boa Leitura!



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Sabe quando você tenta dormir e a única coisa que consegue fazer é pensar?

Por isso que eu gosto de dormir: a função é justamente essa, religar o corpo e mente, te fazer parar de pensar para poder começar um dia novo, restaurar suas energias para que você continue de pé. Tudo isso é poético a ponto de fazer-nos nos apaixonar pela arte.

Infelizmente, naquela noite, eu havia dormido apenas por umas cinco horas. Sempre que tentava dormir, acabava acordando novamente, acabando por encarar Marcela, que dormia como se nunca tivesse feito nada de errado em sua vida.

Eu não vi Jonas e nem ela chegarem das compras, o que indicava que chegaram um pouco tarde. Pressionei os olhos quando liguei sem querer alguns fatos. Pensar no Jonas me fazia lembrar o que havia acontecido ontem, que me levava à pensar no Pedro, e pensar no italiano me fazia lembrar da minha mãe e aquela boca grande dela com todo aquele discurso.

O despertador tocou e eu olhei para ele, sem vontade nenhuma de ir à escola. Marcela gemeu alguma coisa e virou-se de lado, tentando achar forças para levantar. Apenas suspirei, empurrando as cobertas com o pé, parando e encarando o teto.

– Vamos lá, Katrina… - Marcela tentou animar o ambiente, ficando de joelhos no colchão e espreguiçando-se. - Iremos ter um bom dia, então está tudo bem em acordar.

– Ah, Marcela, às vezes eu quero te jogar da janela, sério. Você já nasceu sendo feliz, e agora que tá namorando o Derek? Deus me ajude! Se vocês ficarem de fogo no rabo do meu lado, já vou cortar a situação e mandá-los a um quarto, tá avisada. - Falei, as sobrancelhas erguidas.

Ela começou a rir, como se estivesse envergonhada.

– Pare com isso! Não seremos um casal grudento… É desconfortável com todas as pessoas olhando!

– Tá, vou fingir que acredito… - Impliquei, sorrindo de lado, fazendo-a jogar seu travesseiro em mim.

Nos vestimos e descemos as escadas, Marcela falando sobre alguma coisa que eu não prestei muita atenção. Jonas ainda estava dormindo, a cabeça coberta pelo edredom.

– Jonas? - Chamei-o, inclinando-me sobre o sofá e cutucando sua orelha. Ele se mexeu e resmungou.

– Que é? - Perguntou, grogue, seus olhos aparecendo por breves instantes.

– Por que não acordou ainda? Não vai para a escola? - Quando ele sinalizou que não, estralei a língua. - Vagabundo. Vai arranjar um ótimo emprego assim, parabéns.

– Eu não tô bem hoje, só isso. Acho que eu tô gripado… - Falou, fungando e piscando.

Marcela aproximou-se e sorriu, fazendo um cafuné na cabeça dele.

– Está perdoado desta vez. Fique bom logo, o.k.? Prometo que quando você sarar, iremos numa sorveteria e comeremos um monte de sorvete. - Falou como se Jonas fosse uma criancinha.

– Eu também, né? - Perguntei para sacanear, mas no fundo eu também queria sorvete.

– Sim, você também. - Respondeu Marcela, dando de ombros.

Jonas riu fracamente, voltando a se cobrir com o edredom. Nós duas nos direcionamos para a cozinha, onde um cheirinho agradável de café se emanava. Como Serena havia dito ontem, ela não se encontrava em casa; na cozinha estavam Isadora e Camila. A idosa estava sentada, lendo uma espécie de caderno com receitas, enquanto Camila bebia com um canudinho uma vitamina.

– Eu quero. - Enchi seu saco, aproximando-me de onde a gnomo estava sentada.

Ela me olhou feio, apertando as mãozinhas rechonchudas em volta do copo, disposta a não me dar nem um gole.

– Não! Minha! - Exclamou, braba, as sobrancelhas bem juntas. Sorri e apertei suas bochechas com força. Camila tentava se afastar, se possível ainda mais braba, mas eu não resistia.

Meu Deus, eu sou muito chata. Não sei como eu mesma me suporto às vezes.

Mas larguei-a antes que começasse a chorar, porque choro de criança é algo insuportável de se ouvir ou ver. Me encaminhei para a geladeira, abrindo-a e tirando de lá um pote de iogurte grego e me sentando logo em seguida à mesa, de frente para Marcela.

Não sei como, mas Marcela, enquanto passava manteiga numa torrada, acessava seu celular e digitava com uma mão só sem dificuldades. Tirei o plástico que tampava o iogurte com calma, lambendo-o logo depois. Recebi um olhar de desaprovação de Isadora, como se ela achasse aquilo a coisa mais nojenta do mundo.

Apenas sorri de lado e peguei uma torrada, mergulhando-a no iogurte e mordendo-a logo em seguida. E, quando fui pegar o café, Marcela teve uma crise de risos do nada, tampando a boca para não fazer sons muito altos e acordar a vizinhança.

– Que é, menina? - Perguntei sem entender, espremendo as sobrancelhas.

Ela inspirou profundamente, recuperando a compostura. A garota enxugou uma lágrima de seu olho esquerdo e começou a clicar no aparelho.

– Nossa, só “Pérolas de Fevereiro” para me fazer rir desse jeito. Escuta só, vou ler para você o que a admistradora da página escreveu:

“Ontem, um pouco depois que saí da escola - atrasada, diga-se de passagem, houve uma declaração, mas isso não vem ao caso agora -, meu namorado me enviou um SMS com um endereço, completando abaixo que era para eu estar lá o mais rápido que podia.

Obviamente eu voei para o local, pedindo informações para algumas pessoas na rua. Assim que cheguei no endereço, vi uma multidão de estudantes que eu conhecia dentro de uma casa simples. Claro que eu me enfiei lá dentro, já tirando minha câmera da bolsa para flagrar algo de interessante.

E foi aí que eu vi aquilo. Todos os estudantes que se dizem ‘populares’ sabem da existência de Luiz, ou mané, como as garotas geralmente o chamam. Ele é um aproveitadorzinho barato que vem tirando onda para cima de alguns gays na escola; já flagrei-o batendo em um, e pensei seriamente em denunciá-lo para a direção.

Porém, a situação era completamente nova. Ele, que era sempre orgulhoso, estava simplesmente em uma situação deplorável, com seu carro detonado e um “me comam” escrito no traseiro. O garoto estava inconsciente, com uma mancha de sangue na cabeça. As pessoas que viam aquilo riam abertamente de sua cara, como se seus desejos internos estivessem se realizando.

Não faço a menor ideia de quem fez isso, mas quero que essa pessoa saiba que fez um trabalho excelente.”

– E, depois… - Marcela continuou, me mostrando a tela de seu celular. - Ela tirou uma foto, nossa, olha isso! - Era uma foto de Luiz, que parecia meio morto daquele ângulo da câmera; várias pessoas estavam em volta do carro, apontando para ele e rindo. Provavelmente o odiavam. - Esse cara deve ter cutucado um lugar muito perigoso para estar nesta situação!

– Oh, se cutucou… - Resmunguei, rindo da foto. - As pessoas colhem o que plantam uma hora ou outra, provavelmente ele mexeu com a garota errada.

E a garota errada era eu, obviamente, mas não entremos em detalhes.

Marcela concordou com um aceno e voltou a olhar para a foto. Porém, seu sorriso foi murchando, e ela juntou as sobrancelhas de repente. A garota ficou boquiaberta por alguns instantes.

– Katrina, eu posso saber o motivo de a caneta que eu te dei ontem estar enfiada no banco traseiro do carro do Luiz? - Perguntou ela, mostrando novamente a foto para mim.

Desta vez ela havia ampliado bastante, exibindo descaradamente a pluma azul enfiada no banco de couro rasgado, num ângulo entre as pernas e o cotovelo dele. Só um agente do FBI conseguiria reparar naquilo.

Tossi, tentando disfarçar. Merda, por que eu tenho que ferrar a porcaria toda? Passei a mão no queixo, arqueando as sobrancelhas enquanto dava de ombros, como se fosse inocente.

– O quê? Essa caneta aí não é minha, Marcela. Não sou a única pessoa do mundo que tem uma caneta com pluma azul… Porra, eu sou sim! - Grunhi a última parte, incapaz de burlar aquela situação.

Marcela assentiu como se já soubesse de muita coisa, desligando o telefone e me olhando, indignada.

– Era por isso que você estava estranha ontem! - Então ela abriu a boca, apontando para mim. - Você e o Pedro! Não acredito que fizeram isso! Meu Deus, por quê?! Vocês têm ideia da gravidade da situação?! Se pegarem vocês, estarão fritos!

Suspirei; explicar uma coisa dessas para alguém é bem difícil, na realidade. Olhei para Marcela, que estava chocada.

– Olha, oxigenada, eu vou falar a verdade, mas você não pode contar para ninguém. - Exigi, bem séria, abaixando o tom de voz para que Jonas não ouvisse. Marcela assentiu, como se concordasse com os termos. - Segunda-feira eu fui expulsa da sala, lembra?

– Sim, você perguntou para a professora se ela gostava de ver jebas voadoras. - Marcela riu, coçando a cabeça.

– É, enfim… Eu me encontrei com o Pedro, nós tivemos uma conversa e acabamos por parar na sala vazia de artes… Não me lance esse olhar, merda! Não fizemos nada! Voltando… - Abaixei mais ainda meu tom de voz, fazendo Marcela se aproximar para poder ouvir. - Enquanto estávamos lá, ouvimos Jonas apanhando desse Luiz.

– Meu Deus! - Ela exclamou, desta vez mais chocada ainda. A garota levou a mão à boca, sem conseguir formular uma frase decente. Voltei a me sentar normalmente na cadeira.

– É. - Falei, mordendo minha torrada molhada de iogurte. - Eu sabia que ele estava estranho. Jonas é do tipo que sofre, mas não conta a ninguém. Mas agora não irão mais fazê-lo sofrer. E se fizerem eu dou um pau. - Concluí, quebrando a torrada e enfiando os pedaços dentro do potinho, “bebendo” tudo de uma vez.

Marcela ainda encarava o nada, sem saber o que dizer ao certo.

– Eu pensei em várias coisas quando ele estava agindo de forma estranha, mas algo como isso nunca passou pela minha cabeça, Katrina. - Ela olhou para mim mordendo os lábios. - Deveria ter feito mais, sabia disso?

– Eu chutei e depois pisei no saco dele. - Disse, arqueando as sobrancelhas. - … Com força. E o Pedro sequestrou seu cachorro. Agora ele está dolorido e sem cachorro.

Ela começou a rir, apoiando os cotovelos na mesa e esfregando as mãos no rosto.

– Como pode falar isso com tanta naturalidade?!

*

Chegamos na escola em um horário perfeito, já que apenas o portão principal estava aberto. Os estudantes estavam no pátio, conversando animadamente como sempre fizeram. Obviamente alguns me lançavam olhares entrecortados, mas a maioria não estava nem aí depois que o choque inicial de me rever passou.

Ajeitei a mochila sobre o ombro e me encostei em uma árvore que tinha perto da entrada, vendo Marcela mexer no celular - grande novidade. O céu estava azulzinho naquele dia, com um Sol pouco ardido, com um vento gostoso batendo nos cabelos.

– Katrina, qual é sua banda preferida? - Marcela me perguntou do nada, não me olhando.

– Sei lá, qualquer uma.

– Ah, vamos lá, sempre tem aquela banda que você não se cansa de ouvir. Por exemplo, você gosta de Backstreet Boys?

– Não. - Respondi, erguendo as sobrancelhas.

You are, my fire! – Começaram a cantar do nada, assustando a nós duas. Nos viramos rapidamente e demos de cara com Pedro, que surgiu de trás da árvore, bem humorado como sempre. - The one, desire!– Então ele interrompeu completamente sua performance - tá, chega, parei.

Nós duas começamos a rir - como alguém conseguia ser tão tonto? Quando reparei bem nele, vi que o garoto usava óculos marrons escuros, os mesmos que eu vi algumas vezes - e em uma dessas vezes, Pedro estava só de cueca.

– Pedro, tô pensando aqui... - Marcela disse do nada, chamando a atenção do garoto. - Você parece um integrante dos Backstreet Boys, aquele loirinho…

Pedro fez uma cara de indignação eterna, como se aquele havia sido o pior comentário do século.

– Pô, Marcela, xinga mas não humilha, né? - Falou falsamente magoado, jogando as mãos para a cintura.

Marcela riu, deu um tapinha no ombro dele e voltou a se concentrar em seu celular. Sorri de lado e olhei-o.

– Então, qual é a dos óculos? - Perguntei, curiosa. Ele nunca usava óculos.

– Ah, o meu grau aumentou… - Falou, estralando a língua. - Antes era quase nada, por isso que eu não usava, mas agora é impossível ver qualquer coisa sem estar completamente borrado. Ter astigmatismo é meio bosta.

– Ter qualquer problema de visão é meio bosta. - Opinei, e Pedro concordou com um aceno sutil de cabeça.

O sinal de entrada tocou, e todos nós nos encaminhamos para entrarmos. Pedro não parecia tenso ou algo do tipo, ele estava bem normal para alguém que tinha acabado de aprontar feio com uma pessoa. Entrei no corredor e esperei que ele aparecesse, cutucando seu braço.

– Pedro, sei que já conversamos sobre isso, mas tem certeza que não está nem um pouco hesitante em relação ao que fizemos? - Perguntei baixinho, fazendo-o se inclinar para poder me ouvir. - É estranho fazer parte de uma coisa como esta, eu sei.

Pedro suspirou, como se pensasse a respeito. Vi Marcela andando apressada entre as pessoas, completamente avoada.

– Megera, no começo eu estava realmente preocupado sobre o que aconteceria depois que fizéssemos isso, mas aí eu percebi que aquele cara realmente mereceu o que teve. Sério, eu sabia desde o início os riscos disso tudo, então, se der errado, deu, não vou ficar me culpando depois. Aquele cara só achou o que estava procurando. - Falou, sorridente, ajeitando os óculos com o indicador.

Por que algumas pessoas ficam tão bonitas de óculos? Vá se lascar!

– Na realidade… - Pedro continuou, um pouco triste. - Estou é mais preocupado em como eu vou conseguir participar dos treinos de vôlei com esses malditos óculos. Se eu levar uma bolada na cara…

– Tchau olhos... - Completei, estralando a língua. - Não dá para jogar sem eles? - Perguntei enquanto subíamos as escadas.

– Duvido… - Completou, parecendo verdadeiramente chateado.

– Acha que irão te tirar do time?

– Provavelmente. Mas o azar irá ser deles. Além de dispensarem um rostinho lindo como o meu, perderão um excelente jogador! - Brincou, abrindo um sorriso convincente.

– É esse o espírito. - Falei, apontando para ele com cumplicidade.

Pedro deu uma risadinha amistosa, e, do nada, passou seu braço por cima dos meus ombros, puxando-me para um abraço. O.k., aquilo foi estranho. Fiz cara de ponto de interrogação quando ele parou de andar no meio do corredor, abraçado comigo.

– Hã… - Comecei, erguendo uma sobrancelha. - O que você tá fazendo, exatamente?

Pedro ergueu o rosto e encarou o teto do colégio, ensaiando um sorriso.

Xiiiiiiiiiiis– falou do nada, erguendo seu celular num ângulo que provavelmente pegava nós dois.

– Filho da puta! - Exclamei em choque, completamente surpresa, tentando me desvincilhar do abraço para não sair na foto. Mas Pedro tinha um aperto forte e me manteve quieta do seu lado por tempo suficiente de bater umas cinco fotografias seguidas. - O que diabos?! - Indaguei quando consegui me livrar, vendo-o analisar as fotos com atenção.

– Eu notei há dois minutos que não tínhamos nenhuma foto juntos. E do jeito que você é, se eu te perguntasse algo como ‘megera, tira uma foto comigo?’, você me lançaria seu melhor olhar raio laser e diria um recheado ‘não’. Então eu julguei que te pegar de surpresa seria a melhor alternativa.

O que não deixava de ser verdade, mas eu queria matá-lo por causa disso. Pedro continuou vendo as fotos com um sorrisinho no rosto.

– Own, olha só, essa aqui não tá borrada, e você saiu com uma carinha fofa, com as sobrancelhas bem juntas, como se estivesse se perguntando “o que esse cara tá fazendo?”. Vou revelar ela depois, Katrina. Quer uma cópia?

– Não, quero que você apague isso!

– Nem pensar! - Ele retrucou, guardando o celular. - Você não pode simplesmente sair por aí e tentar apagar as fotos dos outros! Aliás, não é como se eu fosse esfregar a tela do celular na cara das pessoas, Katrina. Não vou mostrar a ninguém.

Cruzei os braços, fuzilando-o com os olhos.

– Acho bom mesmo!

– Vocês dois! - A coordenadora brotou do chão, gritando histericamente conosco. - Direto para a sala!

– Eita… - Exclamei, Pedro rindo ao meu lado. Fomos praticamente correndo em direção à sala, mas os corredores ainda estavam cheios. Me despedi do Pedro brevemente, com o retardado cantando Backstreet Boys ao entrar em sua sala, olhando para mim.

Revirei os olhos e andei mais um pouco, caminhando entre o conjunto de salas do segundo ano e entrei na minha o mais breve que consegui. Marcela estava sentada perto de uma garota de cabelos pretos num canto da sala; as duas falavam provavelmente sobre um assunto divertido, já que riam feito bobocas.

Coloquei a mochila sobre minha mesa e sentei-me por lá, retirando os materiais da primeira aula.

– K-Katrina… - Uma voz hesitante me chamou. Virei a cabeça para o lado e encarei João, que acenou brevemente.

– Quê?

– Eu… Hã, fiz uma coisa muito errada… - Disse como se nós dois fôssemos íntimos o suficiente.

– Isso não é problema meu. - Cortei o assunto imediatamente.

– Na realidade, é sim, porque envolve você. - Ele guinchou, engolindo em seco.

Respirei profundamente, ajeitando-me na cadeira.

– O que você fez, cara? - Perguntei, desta vez mais dura do que antes.

João torceu os dedos, como se estivesse arrependido de ter dito aquilo em primeiro lugar.

– Eu… Eu li a notícia sobre o Luiz… E vi que a caneta que a Marcela havia lhe dado ontem estava no banco de trás do carro dele… - Admitiu baixinho.

E foi aí que eu me lembrei que João tinha rido da minha cara naquela vez, vendo tudo aquilo.

Eita, Giovanna.

– E, também… Na hora da saída de ontem, eu… Vi o Pedro seguindo você e o Luiz…

Alguém segura esse forninho, pelo amor de Deus.

Arrastei minha cadeira para perto dele, as sobrancelhas bem juntas e provavelmente um olhar mortal no rosto.

– Você não contou a ninguém, contou? - Inquiri, apertando bem os dedos.

João fez uma cara de choro patética e balançou a cabeça.

– Eu… Contei para o diretor… - Admitiu, começando a chorar logo em seguida.

Forninho is down.

Na realidade, eu não sei o que era mais trágico:

a) o fato de que Pedro e eu fomos pegos

Ou

b) o fato de que eu fiz um cara crescido chorar.

Arrastei minha cadeira de volta para o lugar e enfiei a mão dentro da bolsa. Tirei de lá umas balinhas ardidas e despejei na boca algumas, enquanto olhava João debulhar-se em lágrimas. Aquele cara era ridículo demais para que eu sentisse alguma raiva dele.

As mastiguei, assistindo aquela cena patética. Algumas garotas que nunca falaram com ele na vida foram consolá-lo, passando a mão em cima de sua cabeleira e perguntando o que havia acontecido. Mas toda aquela palhaçada acabou quando o professor entrou em sala, fazendo todos voltarem a seus lugares.

Eu estava me sentindo como um detento que fora sentenciado à morte: apenas esperando o momento com alguns pensamentos de fuga.

Não consegui prestar atenção na aula. Fiquei uns quarenta minutos encarando o nada, pensando em matar o João com uma lapiseira e sair correndo.

Bateram na porta. Engoli em seco e senti todo o ar se esvair dos meus pulmões. Minha pressão obviamente abaixou e eu comecei a suar frio. Eu queria gritar para o professor não abrir a porta, mas o desgraçado foi lá e abriu.

Era a vice-diretora. Como sempre, ela estava vestindo uma saia social com uma camiseta brega qualquer, o cabelo arrumado num coque e óculos de cor bege. A quarentona sorriu para o professor e logo rumou o olhar para a sala.

– Katrina Dias. - Disse simplesmente, um tom de voz ceifador de almas. Cabeças se voltaram na minha direção. Marcela estava mais branca que sulfite, os olhos esbugalhados.

– Katrina! - Grunhiu quando me levantei, já sabendo o que aconteceria ali.

João começou a chorar novamente, e, quando passei por ele, lhe dei um pedala doído.

Dei a caminhada fatal e parei na frente dela, que me olhou de cima a baixo.

– Professor, vou pegá-la por alguns instantes. Com licença. - Terminou o assunto, puxando-me delicadamente pelo pulso enquanto fechava a porta.

Pedro estava encostado de qualquer jeito na parede, e, quando me viu, pressionou os olhos.

– Fodeu, cara. - Falei para ele, recebendo um olhar de ‘olha o vocabulário’ da vice. Ela me largou e começou a andar, um pedido claro para que a acompanhássemos.

Pedro riu, enfiando as mãos nos bolsos.

– A vice deve estar cansada de tratar de assuntos polêmicos, né, vice? - Perguntou ele, erguendo as sobrancelhas.

A mulher virou a cabeça para nós, assentindo.

– Com toda a certeza. E, francamente, com todos os puxões de orelhas que vocês receberam, já deveriam saber que não era para aprontarem. Parece que quanto mais vocês recebem broncas, mais broncas querem receber!

Pedro sorriu e olhou para mim, parecendo relaxado. O garoto pegou na minha mão e apertou-a com força, como se quisesse me passar algum tipo de tranquilizante para animais selvagens.

– Então, vice, por que você está solicitando nossa presença? - Perguntei, fingindo inocência.

Estávamos atravessando o pátio quando ela suspirou.

– Uma mãe chegou na diretoria ontem, desesperada, mostrando umas fotos bastante cabulosas de seu filho. E aí recebemos uma denúncia anônima, e, tchanam, aqui estão vocês… - Falou ela enquanto entrávamos na diretoria.

Pedro olhou para mim, surpreso.

– É… - Resmunguei, olhando-o de esguelha. - E o pior é que o cretino não aguentou a pressão de ter caguetado e admitiu tudo para mim na sala. Além de ter chorado como uma criança logo depois.

O garoto ficou me encarando, mais surpreso ainda, e deu risada logo depois.

– Sério mesmo que ele chorou?!

– Sim… - Murmurei, revirando os olhos. A vice abriu a porta da sala do diretor e espiou lá dentro, conversando meias palavras com ele antes de acenar com a cabeça, sinalizando para que entrássemos. - Corre que ainda dá tempo… - Brinquei, fazendo Pedro soltar uma risadinha nasalada.

A porta se fechou atrás de nós, obrigando-nos a encarar aquele velho senhor barrigudo e careca encostado em sua poltrona de couro. Seu cotovelo esquerdo estava apoiado no braço da poltrona, uma caneta de ponta fina batucando em seu queixo.

– Sentem-se… - Falou amigavelmente, apontando com a mão livre para duas cadeiras de plástico em frente a ele.

Engoli em seco e me sentei numa das cadeiras, vendo Pedro me imitar, só que parecendo dez vezes mais calmo que eu.

O diretor olhou para mim, suspirou e repousou os olhos no garoto ao meu lado. Provavelmente ele estava cheio de mim.

– Katrina, depois nós conversamos. Primeiramente, Pedro… - Falou ele, parecendo levemente chateado. O homem pegou umas folhas pregadas e observou-as. - Só deu trabalho duas vezes, o que é considerado bastante aceitável. Sua primeira advertência ocorreu porque você deu um… - Ele arqueou as sobrancelhas. - … Soco de direita num colega de sala, o que provocou um desmaio no coitado.

Olhei rapidamente para o lado, surpresa. Eu pagaria dez reais para ver esse cara lutar de verdade (sem tacos de beisebol), já que Pedro é do tipo que tem poucos inimigos.

– E sua segunda advertência foi uma briga no pátio. - Terminou, repousando as folhas na mesa. - O.k., não é algo alarmante demais. Porém, Pedro, eu recebi uma reclamação de uma mãe ontem, dizendo que o filho dela foi completamente humilhado na frente de todo mundo e, graças a uma denúncia anônima, o seu nome apareceu no meio dessa bagunça. - Ele ficou quieto, encarando o italiano, que nada disse. - Você tem algo a dizer sobre isso?

– Tenho. - Falou, direto. - Sim, fomos nós que fizemos isso com Luiz, e não nos arrependemos nem um pouco.

O homem parecia curioso. Ele ajeitou-se na mesa e nos olhou com interesse.

– Quero saber o porquê de fazerem isso.

Olhei para o italiano, que assentiu levemente com a cabeça.

– Luiz vem praticando atos extremamente agressivos para cima de um amigo nosso pelo simples fato de ele ser gay. - Explicou, curto e grosso.

O diretor estava muito mais do que abobalhado. Ele encarava nós dois, incrédulo, parecendo não querer acreditar no que ouvia.

– Então resolvemos dar uma lição no cara. - Concluí, um sorrisinho brotando no canto da boca.

– Ah… O.k… - Tentou manter-se calmo, pigarreando e nos olhando. - Isso muda um pouco a situação aqui.

– Um pouco… - Resmunguei, fazendo Pedro sorrir.

O diretor arrastou a poltrona para perto da mesa, colocando os dois cotovelos sobre ela, batucando a caneta sobre a madeira. Provavelmente ele estava pensando de verdade no que deveria fazer, ou talvez só estivesse decidindo se comprar passagens para bem longe daqui seria uma coisa ótima ou excelente.

– Bom… - Falou por fim, nos encarando. - Luiz pode ter feito atos homofóbicos para cima de seu amigo, e com certeza ele não sairá impune… Porém, nenhuma razão muda o que vocês fizeram a ele.

– Mas- - tentei discutir, pensando que ser neutro às vezes era meio injusto. E eu realmente iria, mas Pedro apertou fortemente minha mão sob o braço da cadeira, como se sinalizasse que ficar quieta era o melhor a se fazer ali.

– Foi radical e, acho que vocês concordam, um pouco cruel, não? E poderiam ter evitado o que irei dar a vocês agora se tivessem, desde o início, relatado tudo o que sabiam para a direção. Como diretor, eu tenho que tomar uma providência.

Me larguei do aperto do italiano, cruzando os braços e me afundando na cadeira. Pedro ajeitou os óculos e estralou os dedos, pronto para receber sua sentença.

O homem suspirou e olhou para mim.

– Katrina Dias… A senhorita encrenca…

Comecei a rir do apelido infame.

– Não preciso nem citar seus problemas com a diretoria, preciso? - Balancei negativamente a cabeça, não querendo que Pedro ouvisse o que ele tinha a dizer. - Ótimo. O problema aqui, senhorita, é que eu não encontro mais recursos utilizáveis para uma cabecinha tão dura quanto a sua. - Falou, suspirando logo em seguida. - Katrina, você está a dois passos de sair desta escola por mau comportamento.

– Mau comportamento?! - Exaltei-me, incapaz de segurar a língua. Me levantei e peguei uma lapiseira que estava sobre a mesa, mexendo-a na frente dele. - Mau comportamento seria se eu pegasse isso aqui e atacasse na sua cara! O que eu fiz, qualquer outra pessoa faria se visse seu amigo sofrendo por culpa de um filho da puta! - Eu estava muito mais do que nervosa porque ele estava mais preocupado em nos dar alguma punição do que acabar com a raça do Luiz. Eu precisava ficar longe dele antes de realmente atacar a lapiseira em sua cara. - Quer saber? Eu estou cansada disso tudo! Chega de enrolar: vou ser expulsa ou não?!

Todo mundo já sabe, mas as pessoas não se tornam mais inteligentes quando ficam nervosas.

Pedro tossiu, cético, e me puxou pelo punho, me fazendo sentar. Provavelmente ele estava com seus neurônios impunes, sabendo claramente que o diretor era a autoridade máxima na escola, e poderia realmente me expulsar. O garoto escorregou sua mão para meus dedos e apertou-os, me olhando como se eu fosse uma criancinha que levava bronca.

O diretor apenas ficou embasbacado, me olhando de forma estranha. O homem reclinou-se na cadeira, encarando nós dois em seguida. Passei a mão no rosto, sentido meus músculos se contraírem. E foi aí que ele tirou um telefone do gancho, discando logo em seguida.

– Vice? - Atendeu por fim, batucando os dedos sobre a mesa. - Quantos estudantes do primário não irão participar da reforma escolar, mesmo? Ah, dez? Ótimo… Não, não, quero que você anote o nome de dois alunos do médio que vão preencher os lugares. Katrina Dias e Pedro Marconni… Com dois ‘n’, é.

Pedro e eu nos entreolhamos, um olhar de “quê?” evidente em nossos rostos. O italiano acariciou minha mão com o polegar, um movimento que eu não entendi muito bem.

– O.k… - O engravatado desligou o telefone, inclinando-se para frente e sorrindo. - Quero que, após o período escolar, vocês dois voltem à escola vestindo roupas confortáveis e velhas. Vocês dois mais algumas salas do primário serão responsáveis pela nova pintura da escola. Legal, não? - Falou, obviamente irônico. - E, caso não aparecerem, irão levar algo realmente pesado em seus históricos.

– Prefiro ser expulsa… - Murmurei entre dentes, não querendo de jeito nenhum pegar um baldezinho de tinta e ajudar pirralhinhos sem pelos a pintar a porra da escola, um local que eu gostaria de evitar na maior parte de tempo.

– Eu, hã… Tenho trabalho depois da escola… - Pedro confessou, fazendo uma cara de quem estava realmente se sentindo culpado.

– Já? - O diretor perguntou, a mesma cara de espanto que fiz quando recebi a notícia. - Bom, receio que você irá ter de faltar. Não pode ligar para o seu chefe e explicar a situação?

Pedro deu de ombros.

– Vou tentar o possível… - Falou.

Apertei a mão dele com força, fazendo-o soltar um ganido de dor. Pedro se virou na minha direção, uma careta distorcida reinando em seu rosto.

“Vai tentar o caralho, você não vai deixar eu me foder sozinha, desgraçado!!!!” minha cara de ódio mortal dizia. Pedro obviamente a decifrou, sorrindo de canto.

– Ótimo, estão liberados. - Falou o diretor calmamente. - E não se preocupem, Luiz terá o que merece sem ser humilhado publicamente.

Suspirei e me levantei, tratando de largar a mão do Pedro antes que saíssemos. O garoto abriu a porta para que eu pudesse passar primeiro, e me seguiu quando atravessei a diretoria.

– Como consegue desafiar a autoridade máxima da escola e sair impune? - Perguntou, realmente curioso.

– Sei lá, deve ser a força das minhas bolas. - Expliquei, apontando teatralmente para meus seios.

Pedro riu, revirando os olhos e me empurrando de leve no ombro.

Olha só, estávamos bem.

*

Sabe quando você olha para os lados e pensa: “essa porra não pode piorar, né, universo”?

Eu estava assim.

Pedro e eu combinamos de nos encontrarmos na escola depois, e cada um seguiu seu caminho sem interrupções.

O diretor disse ‘roupas velhas e confortáveis’, mas todas as minhas roupas eram velhas e confortáveis, por isso eu fui obrigada a passar o bonde na jardineira da Marcela, colocando-a por cima de uma camiseta cinza furada debaixo do braço, bem na altura que eu tenho cócegas - mas a jardineira tampava, então no problem.

Ninguém perguntou nada quando eu saí de casa, na realidade, acho que nem me viram saindo. Quando cheguei à escola, vi aquela multidão de crianças pirracentas gritando e correndo para todos os cantos, com a vice tentando controlá-las, histérica.

– JOSÉ, DESÇA DAÍ! - Gritou ela para um garotinho que tentava escalar uma árvore. Dei risada quando ela correu na direção dele, puxando-o pelas vestes, fazendo o garoto soltar o berreiro.

A escola estava aberta, com várias latas de tinta espalhadas pelo pátio. Algumas crianças mais comportadas falavam sobre o assunto, já discutindo sobre o que iriam pintar nos muros. Cheguei perto da vice e cutuquei suas costas, fazendo-a se virar num solavanco.

– Ah, Katrina… - Murmurou aliviada, suspirando. - Não chegue por trás e nem cutuque os outros dessa maneira! Cadê o Pedro? - Perguntou, olhando atrás de mim para ver se ele estava escondido.

– Não chegou ainda. - Falei mais para mim do que para ela. Cruzei os braços, olhando toda aquela folia. - Então, hã… Como isso vai funcionar? - Perguntei, realmente curiosa.

A vice suspirou novamente, olhando para as crianças.

– Eu estava esperando vocês chegarem para começar. O diretor deixou tudo nas minhas mãos, obviamente iria dar bagunça… Mas graças a Deus que uns pintores irão chegar para auxiliar as crianças. - Ela passou as mãos nos cabelos desgrenhados, tentando arrumá-los. - Bem, a diretoria separou as crianças em pares, e cada par irá desenhar uma figura. Como você sabe, a extensão do muro escolar é bem grande, por isso com certeza irá sobrar um espaço.

– Tudo bem… Quem é meu par? - Eu estava querendo acabar com tudo aquilo o mais rápido possível, obviamente.

– Hã, um segundo. - Falou, enfiando a mão no bolso e tirando de lá um papelzinho. - Aqui… Seu par é o Guilherme Reis.

– Tá, quem é? - Indaguei desconfiada.

– O Gui é aquele ali, óh… - Falou, apontando para uma pessoa em especial. Segui seu dedo com o olhar e encarei um moleque gordinho, vestindo uma camiseta listrada, os cabelos negros e desordenados, sentado nos degraus da entrada da escola, comendo um lanche, sozinho.

– Ah, vejam só que legal, meu par é o gordinho excluído. - Eu disse irônica para a vice, que me deu um olhar entrecortado.

– Pare com isso! Guilherme é o aluno mais aplicado da escola.

Bati uma palma, sorrindo sarcasticamente.

– Nerd, excluído e gordinho, eu ouvi um bingo?

– Katrina… - Ela me censurou novamente, com mais firmeza. - Não pode sair por aí dizendo o que as pessoas são sem conhecê-las.

– Exceto se você for o gordo excluído e nerd. - Retruquei, fazendo-a soltar um suspiro cansado.

– Não estou com coragem para retrucar com adolescentes hoje… - Murmurou, olhando para aquelas crianças.

– E eu não estou com vontade de ficar aqui hoje. Tchau. - Falei, girando os calcanhares e tomando aquela decisão; eu não iria, não mesmo, ficar naquele local com pirralhos cagões. Eu iria matá-los enforcados.

Andei alguns passos em direção ao portão antes que um garoto parasse na minha frente, apontando descaradamente para mim.

– OLHA O TAMANHO DOS PEITOS DELA!!! - Berrou tão alto que alguns cidadãos do Acre ouviram. O garoto parecia incrédulo, como se eu fosse uma espécie de Godzilla peitudo.

Como todas as crianças eram curiosas, um rio de pirralhudos me cercaram, todos eles me encarando, fascinados. Fiquem encarando-os de volta, sem saída.

– Quando ela anda até faz “boing, boing”! - Falou outro, boquiaberto.

Ah, eu odeio crianças. Nem dá para me imaginar criança, porque eu tenho vontade de me matar por ter sido uma.

– Tá, já viram meus peitos, agora saiam da frente… - Tentei, dando dois passos. Mas o grupo todo me seguiu, dando exatos dois passos cada um, me deixando na estaca zero.

– Moça, moça, qual é seu nome? - Perguntou uma garotinha de cabelos castanhos, amarrados em marias-chiquinhas. Ela estava com a boca suja de chocolate, e as mãozinhas agarraram a barra da minha jardineira.

– Sou Katrina, agora tchau. - Desconversei, empurrando-a com a perna para que ela voltasse ao seu bando e desgrudasse aquelas mãos sujas de mim.

– Seu filho nunca vai sentir fome! - Um outro moleque gordinho falou, fazendo todos rirem. - Ele terá leite para a vida toda!

Alguém me mate, por favor.

Mas notei que uma garotinha loura, bochechuda e pequenina, mais parecida com uma anã, parecia terrivelmente triste, me encarando com os olhos cheios de lágrimas. As crianças notaram que eu estava olhando para um ponto específico, por isso se puseram a procurar o alvo.

– Olha, a Milena tá chorando! - Um garotinho careca disse, apontando para ela.

Uma menina um pouquinho mais velha chegou perto dela e a abraçou.

– O que foi, Milena? - Perguntou, realmente curiosa.

A tal Milena fungou e olhou tristemente para mim, lágrimas escorrendo por suas bochechas.

– A… A Katina nunca vai poder ser uma princesa… - Concluiu, enxugando os olhos. - Ela… Não vai conseguir passar no vestido!

Ai meu Deuso.

Aquela foi a primeira vez que me chamavam de gorda peituda de uma maneira bonitinha.

– Realmente… - Uma voz masculina me assustou, bem próxima da minha orelha. Dei um pulo para frente por conta do susto, sendo segurada pelo braço. Me virei e percebi que era Pedro, sorrindo de canto. - Ela não pode se vestir como uma princesa porque ela é a vilã.

– Como você apareceu aí, caralho?! - Berrei, ainda assustada. - Vou te dar uns tiros!

– Katrina! - A vice me repreendeu. - Não diga coisas inapropriadas perto das crianças! - Então ela chegou bem perto de nós, olhando feio para o garoto. - Está atrasado!

Pedro encolheu os ombros.

– Desculpa, vice. Recebi uma surpresa agradável quando cheguei em casa. Meu pai estava lá e conversamos por um tempo, sabe? Ele vai ficar lá em casa por quatro dias… - Então ele deu um sorriso largo e terrivelmente encantador, amolecendo até a postura firme da mulher. Pedro me cutucou na cintura, provocando uma cócega ruim. - Falando nisso, megera, hoje eu vou apresentá-lo a você. Já está mais que na hora de você conhecer seu suocero.

– Meu o quê? - Perguntei, espremendo os olhos. Ele tinha que parar urgentemente de dizer essas palavras em italiano.

– Vizinho, quero dizer. - Explicou, mas eu tinha certeza que ele mentia. Decidi não insistir no assunto.

– Bom, queridos… - A vice bateu algumas palmas, chamando a atenção de todos. - Vamos começar! Anabelle, por favor, junte-se ao Pedro! Vocês dois farão uma das duplas! Guilherme, venha aqui, você não pode ficar de fora!

Então ela começou a dar instruções a todos. Alguns pintores profissionais estariam conosco, obviamente, e nos acompanhariam. Cada dupla se encarregaria de um desenho envolvendo o tema Aquático”, por isso teríamos de pintar a parede de azul antes. Já que a escola tinha um muro extenso para caramba, cada dupla ficou lado a lado; Pedro foi mandado ao norte do muro, junto com uma garotinha de cabelos castanhos claros, enquanto eu fiquei no sul com o gordinho.

Várias pessoas nos acompanhavam enquanto descíamos a ruazinha que dava para a “parte de trás” da escola. Eu não gostava nem um pouco daquele lugar porque era frequentado por alguns drogados locões que viviam atacando coisas nas pessoas - como chinelos, latinhas de cerveja, bitucas de cigarro e toucas.

Quando chegamos lá, encontramos um casal, super feliz, com roupas de marca de alguma companhia de pintura. Os dois sorriram para o grupo que nos acompanhava e nos mostrou o muro. Havia uma lona no chão para evitar que sujássemos a calçada de tinta.

– Olá, crianças! Como estão? - Perguntou a mulher, um sorriso branco irritante. - Bom, nós já adiantamos um pouco as coisas para vocês, como podem ver… - Ela apontou para a parede coberta de tinta azul. - Então podem usar a imaginação à vontade! Desenhem peixinhos, tartarugas, algas, tubarões… Tudo!

As crianças vibraram e correram na direção em que se encontrava as latas de tinta e os pincéis, os pegando com entusiasmo e se juntando ao seu par.

Olhei para Guilherme, que encarava o chão, apertando a barra da camiseta.

– Então, você é tímido normalmente, ou só fica assim quando está ao lado de uma moça bonita? - Cutuquei-o, querendo tirar pelo menos uma palavra do garoto.

O que eu recebi, no entanto, foi silêncio.

Por isso que ele não tem amigos.

Decidi irritá-lo. Eu iria pegar uma de suas características visíveis e jogá-la em sua cara de forma que soasse ruim, assim eu poderia vê-lo me xingar ou algo do gênero.

Cruzei os braços, sorrindo de lado.

– Você é pequeno e gordinho, vou te chamar de Bisnaguinha.

É por isso que eu não tenho amigos.

Imediatamente o garoto ergueu o olhar, as bochechas vermelhas. Ele espremeu as sobrancelhas e me olhou feio.

– Eu não gosto desse apelido! - Reclamou, incrivelmente educado.

– Então deveria ter conversado comigo para evitá-lo. - Retruquei, feliz. - Mas agora é tarde, Bisnaguinha. Vou chamá-lo assim por tooda a sua vida.

Guilherme não parecia chateado de verdade, mas não parecia nada feliz.

– Eu só não consigo conversar com garotas direito. - Admitiu, tímido novamente.

Sorri, dando um “chega para lá” nele.

– Eu sei, só tô tirando uma com a sua cara. Mas, se facilitar, pode me encarar como um cara. A única diferença é que eu não tenho um pinto. Mas isso são detalhes. - Brinquei, fazendo-o soltar aquelas risadas de gordo: sufocantes, mas gostosas de ouvir.

Antes de pegarmos a tinta que iríamos utilizar, olhei para ele. Seria uma boa se pensássemos antes no que desenharíamos. Perguntei isso a ele.

– Eu pensei em desenharmos tartarugas, mas aquele par já está fazendo… - Falou, tristonho, apontando para duas garotas que desenhavam o casco da tartaruga com a ajuda do pintor.

– Podemos desenhar algas. É só fazer uma listra verde no meio do nada e já era, podemos ir para casa.

Guilherme não riu, apenas me encarou com curiosidade.

– Por que está aqui? Eu pensei que apenas séries abaixo da quinta iriam participar.

Cocei a cabeça; por que ele deveria entrar num assunto desses? Não podíamos somente desenhar algas e ir para casa?

– Hã… Digamos que eu dei todo o dinheiro do aluguel para um mendigo. Mesmo as pessoas ficando putas comigo, elas relevaram, porque foi por um motivo nobre, entende? Então a minha punição foi amenizada por causa do meu “produto”, e não pelos meus “caminhos”. - Tentei a tática do disse mas não disse nada.

Guilherme assentiu, como se tivesse realmente entendido. Então ele fez uma expressão de lucidez.

– Ah! Podemos fazer um cavalo-marinho! - Opinou contente, como se gostasse muito de cavalos-marinhos.

– Por que um cavalo-marinho e não uma alga? - Perguntei, tentando simplificar toda a situação. Meu pau de óculos que eu iria fazer um cavalo-marinho, sendo que eu não sei nem desenhar um boneco palito.

– Porque cavalos-marinhos são seres realmente interessantes. - Tentou me convencer, os olhos brilhando de entusiasmo. - Para início de conversa, o macho que fica “prenho”, dando à luz a mais de quatrocentos cavalinhos de uma só vez!

– Pelo brioco?! - Praticamente berrei, abismada. Eu já sabia que os cavalos-marinhos machos é quem davam à luz, mas nunca soube da quantidade.

Guilherme começou a rir, as bochechas salientes ficando vermelhas.

– Não! Eles têm uma cavidade chamada folicular, que fornece nutriente e gases aos ovos. - Riu-se de novo, realmente constrangido. - Mas, se tem uma coisa que eu gosto mesmo neles, é fato de serem monogâmicos.

– Monogâmicos? - Perguntei como se caísse de paraquedas. Aquela molecote era realmente inteligente.

– Sim… - Falou, esboçando um sorriso tímido. - A monogamia é quando alguém tem apenas um parceiro durante um determinado período, podendo essa união, poucas vezes, durar a vida toda. Então, quando os cavalos-marinhos encontram seu parceiro ideal, eles ficam juntos por toda a sua vida.

O.k., aquilo era muito mais que interessante. Por motivos obscuros, meu coração começou a bater rapidamente, e eu me lembrei do Pedro. Fiquei agitada, querendo saber o resto.

– E… E quando um deles morre? - Perguntei, erguendo o queixo.

Guilherme suspirou e relaxou os ombros.

– O que sobreviveu se isola e fica sozinho até morrer também. Por um lado é bem triste, mas por outro é bastante… - Ele sorriu. - Comovente.

Era isso.

Pedro Marconni era o meu cavalo-marinho.

E ele seria o responsável por botar quatrocentos filhotes nossos no mundo.

*

Depois de algumas horas desenhando tudo aquilo, eu estava exausta e pronta para cair durinha no chão. O nosso desenho havia ficado um dos melhores de todo o muro (palavras da vice), mas ela simplesmente teve um treco quando notou que o nosso cavalo-marinho usava boina e fumava maconha, com algumas “algas” - vulgo cannabis - plantadas em volta dele no cenário (não podia deixar de por minha marca ali).

Guilherme simplesmente ria, não aguentando as minhas palhaçadas. A vice me perguntou se eu tinha vergonha na cara e pediu para um pintor tirar a boina e o fumo, mas ele apenas riu e disse que era impossível.

Para se ter uma ideia, os drogadinhos da esquina elogiaram nosso desenho com um “muito massa, bro”, enquanto a vice se cagava de medo do nosso lado.

– Relaxa. - Falei para ela, sorrindo. - Os maconheiros são os mais firmezas. Outro dia um bateu papo comigo, falando que os meus seios eram tão grandes que a mãe dele cabia dentro. E aí ele começou a falar sobre como as bolas das garotas implicam no mecanismo do universo.

Guilherme ria como um condenado, limpando suas mãos sujas de tinta nas calças. Eu também não estava num dos meus melhores estados: havia um pouco de tinta roxa no meu cabelo, estava suando como um bode velho e meus pelos dos braços estavam melecados de tinta amarela, o que era meio dolorido, já que a tinta puxava-os.

Gui e eu subimos a rua da escola, indo em direção à entrada junto com todas aquelas outras crianças. Os pintores ainda estavam lá, para ajustar um detalhe ou outro. Quando chegamos ao portão, vi Pedro parado, sozinho, encarando um ponto específico à sua frente, rodeado de crianças.

– Katrina… - Guilherme disse para mim, pegando minha mão. O garotou deu um sorriso inocente. - Eu tenho que ir agora, minha mãe tá me esperando em casa.

– Tá bom, Bisnaguinha - cutuquei-o, fazendo-o dar uma careta de desgosto. - A gente se esbarra por aí. Obrigada por ter me dito sobre os cavalos-marinhos, foi algo realmente interessante. Principalmente a parte do brioco… - Fingi cochichar, dando uma piscadela.

– É uma ca-vi-da-de, cavidade! - Repetiu embaraçado, percebendo o olhar de uma garotinha em nós.

Comecei a rir, bagunçando com força seu cabelo. Ele tentou se desvincilhar de mim, rindo também.

– Tô só brincando. Vai lá, já são cinco horas, é melhor você ir mesmo. - Concordei, dando um tapinha em suas costas quando ele largou minha mão. Ele assentiu e começou a andar em direção à calçada. - Olha o carro… - Dei um último aviso, acenando para ele.

Quando me virei para entrar na escola e avisar a vice que já ia embora, Pedro magicamente brotou atrás de mim, sorrindo de canto. Dei um berro, completamente pega de surpresa. Porra, eles tinham que me ensinar isso!

– Que… Puta que pariu, vai assustar sua avó! - Exclamei depois que consegui me recompor. Ele começou a rir com seu humor sádico. - O que cê tá fazendo aqui ainda?! - Perguntei, bruta.

– Eu estava esperando você. - Respondeu simplesmente, mas logo coçou o protótipo de barba, constrangido, quando percebeu o efeito daquela frase.

Pedro estava um bagaço. O garoto estava todo suado, com o pescoço queimado pelo sol - ainda bem que o local onde estávamos estava coberto por árvores -, as roupas e o cabelo manchados de tinta verde.

– Hã… Então, vamos, eu acho… - Tentei, apontando desajeitosamente para a calçada.

– Claro… - Pedro concluiu. Começamos a andar lado a lado. Eu obviamente estava um pouco envergonhada, coçando meu pescoço vez ou outra. Numa parte estreita de calçada, o garoto acabou encostando seu braço todo em mim, me fazendo ter arrepios desnecessários. - Hm… - Ele começou a falar num momento. - Quando que você vai lá em casa?

– Você tá realmente pensando nisso?

– Na realidade, eu tô sim. - Riu sofrido, me olhando de canto. - Você vai, né?

– Vou, já disse, não disse? Vou tomar um banho e vou. Ou você quer que eu chegue na sua casa fedendo?

Pedro começou a rir, dando de ombros.

– É, eu também tenho que tomar um banho. - Falou, desviando de um poste e voltando a ficar do meu lado.

– Você tá preocupado demais com isso.

– Preocupado não. Nervoso, talvez. - Resmungou. - Sabe, meu pai vai conhecer você depois de dois anos. É… Meio legal. Só fico imaginando o que ele vai fazer para a gente comer mais tarde.

Levantei os olhos, olhando-o com surpresa.

– Ele cozinha também? - Perguntei, realmente curiosa.

– É… Não é igual a mim, mas dá para o gasto… - Gracejou, me fazendo rir.

*

Assim que cheguei em casa, fui para o banheiro, tomando um banho bem demorado para tirar toda aquela crosta de suor, tinta e cansaço de mim. Não era dia de lavar o cabelo, mas fazer o quê? Usei o xampu da minha mãe, mesmo dizendo na embalagem que era para cabelos cacheados - mas sou radical, então usei mesmo assim.

Marcela e Jonas me fizeram algumas perguntas sobre onde eu estava, mas eu respondi com um breve “passeei por aí, tava cansada de casa”; a oxigenada obviamente sacou tudo, mas Jonas ainda ficou com a pulga atrás da orelha.

Felizmente o caso da minha mãe, ou seja, o fato de ela não ter chegado até agora, cobriu completamente os pensamentos dos dois, fazendo-os ficarem terrivelmente preocupados.

– Onde ela está agora? Você sabe? - Jonas perguntou enquanto eu abria a geladeira e pegava um iogurte.

– Provavelmente ela está com o Chris. - Respondi vagamente, tirando uma colher da gaveta e me sentando na pia, observando os dois.

– “Provavelmente”? Meu Deus, estou preocupada! Eu vou ligar para ela! - Marcela grunhiu, os dedos coçando para teclar o número.

– Gente, relaxem. Há algum tempo ela já chegou a ficar quatro dias fora de casa. Obviamente eu fiquei preocupada, só comendo miojo, mas aquilo foi em outro tempo.. Agora ela está com o namorado dela, mostrando a ele do que uma dançarina de cabaré é capaz. - Falei, ondulando as sobrancelhas de modo malicioso.

– Será? - Jonas ainda se mutilava. - Se acontecer algo com sua mãe, Katrina…

– Ela é mais forte do que pensa. - Encerrei o assunto, jogando sem querer o potinho na pia e a colher no lixo. - Tcs, fiz bosta. Ah, deixa assim. - Desprezei a situação, descendo da pia e indo ao banheiro.

– E você? Aonde você vai? - Jonas perguntou novamente, me seguindo até o banheiro. - Até lavou o cabelo…

Sorri, colocando a escova na boca.

– Na fava fo Pefo – Tentei dizer com a boca cheia de pasta. Jonas riu, mas entendeu claramente.

– Por que vai na casa do Pedro?

– Na casa do Pedro?! - Marcela apareceu como um fantasma no banheiro. - Ah, é? Ele te convidou?

– Vocês estão fazendo perguntas demais… - Resmunguei com a boca já livre, olhando-os. Me inclinei e tirei o restante da pasta com água, enquanto os dois davam gritinhos de satisfação.

– Mas, você vai assim? - Marcela inquiriu, avaliativa. Lavei a escova enquanto revirava os olhos.

– Lá vem… - Resmunguei, saindo do banheiro os empurrando.

O fato era que eu não tinha muitas roupas - limpas, pelo menos - para ir lá, então acabei por colocar um short cor de pêssego, razoavelmente curto, que no caso é a roupa de baixo de um pijama, mas ninguém precisa saber desses detalhes. Ele estava enfiado nos confins infinitos do meu guarda-roupa, então peguei-o e já era; e uma camiseta de manga curta, branca, com duas linhas roxas na barra. Além do fato de que eu estava descalça - admito que não gostava muito, mas estava quente e meus dedos suavam.

E não, não é nojento porque acontece com você também.

Meu cabelo, como estava bem curtinho, secou mais ou menos, então dava para ir com ele solto sem que pingasse nas minhas costas.

– Seu short é um pijama. - Jonas disse com uma cara de “mereço”.

– Não, não é. - Menti, indo para a sala com os dois nos meus calcanhares.

– Beija ele. - Jonas instruiu, me agarrando pelos ombros e me virando em sua direção. - Não iremos te esperar hoje, o.k.? Então aproveita.

– Vocês são maníacos. - Grunhi, abrindo a porta com um solavanco. O dia já estava ficando escuro, com algumas estrelas reluzindo. Eu podia contar nos dedos quantas noites eu já vi estrelas em São Paulo; geralmente a poluição tampava tudo.

podia ser um sinal, do tipo: vai com tudo, filha.

Revirei os olhos enquanto ria dos meus pensamentos toscos e atravessava a rua, olhando antes para ambos os lados. Bati na porta e esperei alguns segundos para ser atendida. Foi a mãe do Pedro, a senhora mais frágil do universo, que acabou por me atender.

– K-Katrina, oi… - Disse, completamente diferente; agora ela usava um tom seco, como se me odiasse profundamente.

– Oi, dona Isabel. Então, o Pedro me convidou e pá…

– Sim, sim, entre, querida… Ele está em seu quarto, quer que eu o chame? - Disse, afastando-se para que eu pudesse entrar. Mesmo me mandando ao inferno mentalmente, ela ainda era gentil, como odiar um ser desses?

Isabel era realmente muito frágil; enquanto ela fechava a porta, pude ver seus ossos praticamente visíveis sob a pele branquinha e delicada.

– Bom, hã, vou subindo. - Avisei-a, subindo dois degraus e vendo sua reação.

– Tudo bem, vai lá! Meu marido foi comprar algumas coisas, já, já ele chega… - Falou enquanto ia para a cozinha.

Comecei a subir a escada, ouvindo um barulho de televisão no quarto do Pedro. Dei umas batidinhas na porta aberta antes de entrar, percebendo que Pedro e Rodrigo estavam sentados no chão, jogando video-game.

– Oi, Katrina! - O irmão caçula me cumprimentou animado, sem tirar os olhos da tela.

– Oi, viciados. - Brinquei.

– Megera, que bom que você veio. - Pedro disse, deixando a tela e me olhando.

– Não, Pedro, por que você pausou?! - Rodrigo exclamou inconformado.

– Chega por hoje, amanhã a gente continua. - Pedro encerrou o assunto, se levantando.

– Só porque você tá perdendo! - Reclamou o caçula, cruzando os braços.

Pedro deu um risinho e afagou os cabelos dele.

– Talvez seja por isso mesmo. Mas eu me lembro que a dona Isabel pediu sua ajuda, se lembra?

Rodrigou abriu a boca, como se tivesse se lembrado de algo muito importante. Correu como uma flecha em direção à porta, fechando-a num estrondo logo em seguida.

– Oxe. - Ri da ação do garoto. Pedro sentou-se em sua cama e olhou para mim de forma estranha. - Que é que você tá me encarando?

– Isso é um pijama?

– Não, não é. - Grunhi, me sentando ao lado dele.

– Eu gostei, deveria usá-lo com mais frequência… - Opinou, ondulando as sobrancelhas.

– Vá se ferrar - falei, dando um leve empurrão em seu ombro. - Então quer dizer que seu pai é militar? - Tentei mudar de assunto.

– É. - Pedro assentiu, apoiando seus antebraços nos joelhos. - Mas ele não é do tipo abusivo e controlador… Na realidade, não vou falar muito dele, quero que você o conheça… A única coisa que me irrita nele é o fato de ser completamente obcecado pela ideia de me ter nas Forças Terrestres. - Ele balançou negativamente a cabeça. - Não nasci para proteger a Nação. Desculpa, Nação… - Pediu para o vento, dando de ombros.

– É, tudo isso é meio bosta. - Concordei. Também não acho que conseguiria proteger alguém, quem dera a Nação.

Pedro se jogou na cama, os braços embaixo da cabeça. Observei seu quarto por um instante. Nada havia mudado desde a última vez que eu estara ali. A única diferença era que o guarda-roupa estava aberto, e eu pude ver suas peças de roupa perfeitamente alinhadas, com um livro de capa vermelha sobre uma muda.

– Hm, o que você anda lendo? - Perguntei, não conseguindo reprimir meus instintos curiosos. Me levantei e andei até o guarda-roupa, pegando o livro e lendo-o.

– Não, não, não, megera! - Pedro se levantou num salto, vindo na minha direção.

– “Como Sair da Friendzone”– li em voz alta, rindo abertamente depois. Pedro obviamente estava sem graça, tentando catá-lo das minhas mãos, mas consegui fugir, passeando pelo quarto enquanto o folheava.

– Foi o Derek quem me deu isso, é só uma brincadeira, tipo quando eu te dei aquele livro das cobras. - Tentou, mais uma vez, pegá-lo, mas eu me abaixei e corri para a frente da cama.

– “Depois que você já se declarou abertamente, seja moloide, talvez até distante, para fazer seu parceiro pensar nos seus sentimentos…” - Parei de ler nessa linha. - Como assim, seja moloide?

– Viu? - Pedro tentou mais uma vez, vindo na minha direção. - É a prova viva de que eu não sigo este livro. Eu não sou um molenga quando o assunto é você.

– Só que não. - Desafiei-o, encarando-o bem nos olhos enquanto se aproximava de mim. Pedro deu um sorrisinho discreto e, sem eu perceber, acabei encurralada entre ele e a cama. Minhas panturrilhas bateram na madeira e eu acabei caindo para trás (ou era isso, ou era ter de encará-lo beem de perto). Mas a ideia não tinha sido lá muito inteligente, pois Pedro começou a subir na cama, me encurralando definitivamente. - Hã… - Falei, desconfortável, quando eu o vi em cima de mim. Desviei meu olhar para a TV.

– Se compararmos as minhas atitudes com as atitudes de uns caras por aí, você vai perceber que eu sou… Meio molenga… - Admitiu, sorrindo.

– Isso não existe. - Retruquei. - Ou você é, ou não é.

Pedro ficou quieto, sem discordar. Senti a respiração dele no meu pescoço, e era como se aquele clima quente da noite tivesse esquentado ainda mais. Meus batimentos cardíacos haviam aumentado consideravelmente, e se eu tivesse setenta anos, já passaria dessa para melhor.

Arrisquei olhar para ele. Oh, ledo engano. Assim que me pus a encarar aquelas órbitas negras, não consegui me desprender dali. Era como se os olhos daquele cara sugassem todas as minhas energias de uma maneira rápida e prática.

E foi aí que eu entendi que minha mãe estava certa. Pedro gostava de mim pelo o que eu era. Sem tirar nem por. E, num momento de “muralhas completamente destruídas”, o melhor que se tem a fazer é convidá-lo para entrar.

– Pedro, você sabia que os cavalos-marinhos são monogâmicos? - Iniciei um assunto que o surpreendeu.

– “Monogâmicos”? - Perguntou, avulso, arqueando uma sobrancelha.

– Sim. Quando eles encontram seu parceiro perfeito, ficam com ele para sempre. E, quando um morre, o outro se isola e fica sozinho até morrer também. - Expliquei como se eu fosse uma professora de ciências.

Pedro apenas ficou ouvindo, atento.

– Isso é muito legal, megera. Além do fato de que os machos é quem ficam “grávidos”. - Completou com uma careta.

Me apoiei nos cotovelos, olhando-o de forma mais corajosa que eu podia. Eu estava fazendo aquilo. Eu realmente estava fazendo aquilo, e ele agia como se eu não fosse convidá-lo para ser meu para o resto de sua vida.

– Pedro… - Comecei, alguns miligramas de coragem restantes correndo nas minhas veias. - O que eu tô te querendo perguntar aqui é bem direto, na realidade. Você quer ser meu cavalo-marinho? - Indaguei sem interrupções, fitando-o bem nos olhos.

Era como se Pedro tivesse virado um mármore. Ele me encarava, completamente chocado. Seus olhos vagaram pelo meu corpo, como se pensasse: “isso é real?”, e até tocou o meu braço, arqueando uma sobrancelha e julgando que sim, era real.

– Diga alguma coisa. - Pedi, sentindo que aquilo estava ficando desconfortável.

– Você está falando sério? - Perguntou com um fio de voz.

– Não, não, imagina, não estou falando sério. - Ironizei. - Eu sempre chego na casa das pessoas perguntando a elas se querem passar o resto de suas vidas comig-

Mas eu fui interrompida. Pedro selou seus lábios nos meus, me pegando completamente de surpresa. O garoto começou a acariciar minhas mãos que estavam apoiadas na cama; ele estava quente, intenso e não sabendo ao certo se sorria ou se me beijava - mas optou por fazer os dois ao mesmo tempo.

Levei um susto quando ele puxou minha mão esquerda para frente, me fazendo perder o apoio e cair na cama. Como eu não tinha um lugar para colocar minhas mãos, decidi envolver o pescoço dele com elas, o trazendo para mais perto.

Uma vozinha lá no fundo da minha cabeça dizia, tímida: “vocês estão eufóricos, cuidado, não é bom fazer as coisas sem pensar direito”, mas acabei por varrer aquela voz para embaixo de um tapete, já que uma área bem específica do meu corpo estava berrando um “aeeeehooo!”, cobrindo completamente a vozinha, enquanto eu me contorcia embaixo do garoto.

Acho que não havia muitas palavras para dizer exatamente o que nós dois estávamos sentindo (porque eu tinha certeza que Pedro pensava como eu), então a “ação” valia um pouco mais.

A temperatura do quarto estava aumentando conforme as mãos do italiano percorriam o meu corpo. Eu sentia que gotas de suor se formavam no meu pescoço e, assim que movi minhas mãos para seus ombros, percebi que Pedro também suava.

Eu possuía a necessidade de tirar aquelas roupas grudentas dele, então escorreguei minhas mãos até sua cintura, fisgando a barra de sua camiseta e puxando-a para cima. Pedro entendeu muito bem a mensagem, desgrudando nossos lábios enquanto se sentava nas minhas coxas, retirando a camiseta com um puxão pela gola, jogando-a no chão.

Nos encaramos por breves instantes. Eu sentia a camiseta grudada no meu abdome, meu short implorando para ser retirado, e todos os músculos do meu corpo relaxados, como se estivessem tomando um banho de spa. Minha respiração estava densa e descompassada, assim como a do Pedro.

Nem preciso dizer que eu fiquei encarando o corpo dele como se fosse um pedaço de carne. Ele não poderia fazer o mesmo, já que eu ainda estava vestida. Olhei-o, dessa vez, no rosto, um ímpeto desejo de rolar na cama com ele enquanto Pedro jogava minhas roupas para longe. Deslizei minha mão até seu ombro, cravando minhas unhas ali, uma missão sádica de marcá-lo.

Ouch… - Pedro reclamou, bem devagar, olhando fixamente para meus lábios enquanto eu suspirava. Ele se aproximou de mim, a boca à caminho do meu pescoço.

E foi aí que bateram rudemente à porta, como se um ogro estivesse do outro lado. Nós dois tomamos um susto desgramado, como se o que fizéssemos era terrivelmente errado e estavam à dois passos de descobrirem.

– Pedro! - Uma voz forte, grave e digna de um ogro chamaram o italiano. O garoto estava mais perdido que cego em tiroteio. Ele pulou da cama, rolando para o chão e catando sua camiseta, vestindo-a desajeitosamente enquanto ia aos tropeços em direção à porta. Me sentei direito na cama, me abanando para tirar aquela sensação de “a gente tava se pegando” tão óbvia do rosto.

Se nós ganhássemos um real a cada vez que empatavam nossos amassos, estaríamos ricos, morando em Miami com alguns cangurus.

Pedro pigarreou, coçando a cabeça, e abriu a porta de uma vez.

– Hm, oi, pai. - Cumprimentou-o, completamente sem jeito.

Não vou mentir e dizer que estava sem expectativas quanto à aparência do pai do garoto, porque eu estava sim. Mas todas as imagens que se formaram na minha cabeça evaporaram quando eu vi aquele homem.

Pedro era um Ctrl C + Ctrl V do seu pai. Só que uns trinta anos mais novo e um pouco mais baixo.

O homem usava farda preta, com direito à gravata. Adotava uma postura muito bonita e verdadeiramente marcante. Tinha o cabelo louro e barba pouco saliente, certamente vinda dos dias em que não pusera raspá-la.

Ele era do tipo de cara que quando passa por você na rua, você suspira e pensa “ah, se eu fosse mais velha!”. Dona Isabel era uma desgraçada. Além de ter cara de boneca, corpo de boneca e parecer uma boneca, tinha um marido militar, bonitão e possuía dois filhos maravilhosos.

Se é para ter inveja de alguém, tenha dela.

Parei de ter pensamentos mirabolantes quando o militar abriu um sorriso que poderia fazer Hitler desistir de toda aquela baboseira de raça superior e se render por um beijo.

– Filho! - Ele exclamou, todo alegre, colocando seu braço sobre os ombros do Pedro. - Olha, eu trouxe bolo para você! - Falou amoroso, estendendo um prato com bolo de chocolate com cobertura de gelatina de limão para ele.

– Hã… - Pedro ainda parecia desconcertado. - Pode deixar aí, vou comer mais tarde… - Então ele fez um leve sinal para dentro do quarto, apontando para onde eu estava. - Então, pai, tem alguém que eu quero que você conheça…

Me levantei da cama com um pulo, indo até os dois de forma desajeitada. Quando o homem bateu os olhos em mim, pareceu verdadeiramente surpreso. Ele desabraçou o filho e colocou o pratinho em cima da escrivaninha.

– Ruiva e com cara de tédio, você é a Catarina! - Falou com convicção.

– Katrina. - Corrigi, acostumada com esses erros. Não era um nome comum, afinal.

– Oh, desculpe! Nunca tive jeito para nomes derivados, por isso botei o nome do Pedro de Pedro, há! É tão comum quanto uma palha num estábulo! - Explicou todo contente, pegando minha mão esquerda com ambas as mãos, chacoalhando-as em um cumprimento um pouco bruto. - Porque seria inconveniente esquecer o nome do meu filho, não é?

Comecei a rir, divertida.

– É verdade! Mas eu prefiro chamá-lo de Pepê. - Confessei, fazendo o garoto revirar os olhos em desgosto eterno. O homem à minha frente começou a rir, afrouxando o aperto.

– Katrina, é muito bom conhecê-la! Ah, aliás, meu nome é Enzo, não se esqueça. Sempre dizem que eu sou velho demais para ter um nome de criança. - Falou, dando de ombros. Então ele deu alguns tapas fortes nas costas do filho. - Então, como vocês se conheceram?

– No colégio. - Pedro respondeu, sorrindo de canto. - E quando descobrimos que éramos vizinhos, foi bastante, hã… Estranho. Eu já comentei isso com você, pai.

– Já? - Perguntou, realmente esquecido. O defeito daquele homem era memória fraca. Vendido. - Bom… - Deu de ombros, ajeitando o prato em cima da escrivaninha. - E agora, são vizinhos ou…? - Ondulou as sobrancelhas de forma maliciosa.

Abri levemente a boca, sem saber direito o que responder. Pedro me entreolhou, um sorriso brilhante no rosto. Ele passou o braço por cima dos meus ombros, me apertando contra ele.

– Na realidade, ela é a minha namorada. - Respondeu sem rodeios, me deixando embasbacada.

– Quê?! - Indaguei, mais surpresa impossível com sua rapidez. Comecei a piscar, encarando-o, cética. Pedro apenas apertou o abraço em que eu estava confinada.

O pai do garoto também parecia bem surpreso, olhando-nos com os olhos levemente arregalados. Ele parecia, na realidade, chocado.

– Namorada? - No fim, eu e ele perguntamos ao mesmo tempo.

– Sim… - Pedro respondeu, estranhando tudo aquilo. - Ragazza, caso vocês preferirem. Mas não importa em que língua eu digo, o significado será o mesmo, certo?

Inacreditável.

Ele falava numa facilidade incrível, como se estivesse dizendo: “olha, eu esqueci minha marmita!”. Enzo e eu o encarávamos, sem acreditar naquilo. Eu sentia minhas bochechas queimarem, meu estômago se revirar e minha cabeça soltar fumaça. Aquela situação estava realmente acontecendo?

– Ah, nossa, isso foi inédito… - Enzo começou a dizer, olhando vagamente pelo quarto. - Eu vou ter que dizer a sua mãe. Sei que ela vai fazer um escândalo, já que eu ouvi tanto do Pedro quanto dela coisas a seu respeito, Katrina, mas eu estou apoiando vocês… - Ele deu um sorriso. - Na época em que eu namorava sua mãe, filho, eu era a Katrina da relação. Seu avô por parte de mãe me odiava com todas as forças, já que eu só arrumava encrenca à toa e nunca gostei de trabalhar. Mas aí eu achei meu rumo no exército e cá estou eu! Agora vou tentar conversar com a fera! - Riu-se.

– “Katrina da relação” - repeti quando Enzo foi embora e Pedro fechou a porta. O garoto riu, achando tudo aquilo muito divertido. - O.k., hoje muitas informações perturbadoras se passaram pela minha cabeça. Eu preciso de um copo de vodca ou de uma paulada.

Pedro encostou suas costas na porta e olhou para mim, parecendo curioso.

– Como quais?

– Ah, várias. Não dá para listá-las de uma maneira que não pareçam trágicas.

– E dentro delas está o fato de que eu te chamei de namorada?

– Não, na realidade. - Confessei, sorrindo fracamente. - Foi praticamente isso que eu te joguei na cara, não é mesmo?

Pedro mordeu os lábios e se aproximou de mim, tocando levemente no rosto.

– Tudo bem então, se não é esse o problema, qual é? Você pode falar qualquer coisa comigo, megera.

Ele era tão fofinho que dava vontade de tirar a pele e comer junto com cachorro quente.

Olhei para ele, piscando.

– O problema é que, sei lá… Não quero te ver dando à luz a crianças, sabe? Seria algo terrivelmente perturbador.

Pedro deu uma risadinha nasalada enquanto pegava nas minhas mãos.

– Dar à luz é um pequeno preço a se pagar se o que estiver em jogo é ficar com você para sempre. - Começou a rir, entrando na brincadeira.

Eu ainda iria matar aquele garoto sem querer um dia desses.


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Notas finais do capítulo

Olho para o meu teclado, não sei o que dizer, só sentir... AHUAUUHAHUHAUHAHA GENTE DO CÉU, SEGUREM ESSES FORNINHOS! (qqqq)
Admito que senti MUITA DÓ do João, mas admiro a coragem dele! Não são todos que têm a fibra moral de denunciar o que está rolando de errado, mesmo que a pessoa envolvida na situação seja sua "amiga", não é mesmo?! (o ruim é que ele cagou no final, chorando daquele jeito, provavelmente nutre alguns sentimentos unilaterais pela megera, humpf)
Pedro fofíssimo como sempre, ficou em choque com a confissão repentina, quem não ficaria, hahaha! xD
Agradeço imensamente se você tiver lido até aqui, espero não decepcionar mais para frente, principalmente que estamos nos capítulos finais. Se houver algum erro, por favor, me avisem!
Comentem bastante! o///