Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 61
Duendes Mandam!


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa! ~desviando dos tijolos
Meus onigiris, como vão vocês? Como passaram o Carnaval, hein? Pularam bastante ou ficaram em casa, sossegados, lendo? (eu fiquei escrevendo, hehe)
Pessoas lindas, desculpem a demora Ç^Ç Eu fiquei suuuper enrolada esses dias, dividida entre: escrever, fazer trabalhos, lições, estudar e assistir à séries. Sério, eu estou apaixonada por Enlisted! (Status: in love com Parker Young)
Cof, cof, bom, isso não é importante aqui, haha *u* O capítulo, como vocês estão percebendo, está gigante! Em parte a demora foi por isso também. Só queria dizer que vamos conhecer um pouquinho mais sobre o Jonas e a família complicada dele (bota complicada nisso, gentem) E, sério, eu estava percebendo ultimamente... Acho que só eu faço umas notas desse tamanho, né? ;---; Tudo está alargando por estes lados... Epa, isso soou um pouco... Hum, estranho.
UASHSHUASHUASHAUU Gente, eu não vou mais amolar vocês! Vamos ao capítulo, ieeeeeei O/
Espero meeeesmo que vocês gostem,
Boa Leitura! *000*



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Fiquei o dia inteiro confinada dentro de casa, sem coragem para sair e encarar italianos. Eram seis e meia da tarde quando uma forte chuva começou. Me senti debilmente feliz.

Eu estava sentada no meu sofá, com uma xícara de chocolate quente na mão. Marcela estava do meu lado, escrevendo loucamente em um caderno velho, completamente concentrada em alguma coisa. Camila brincava de atirar almofadas na cara da Isadora; ambas estavam sentadas no chão, felizes. Mamãe estava na escada, pintando suas unhas com um vermelho vinho.

Mas era o Jonas a apresentação da noite. Ele andava de um lado para o outro, conversando - gritando - com sua mãe. Objetivamente: o nome dela era Maria, uma fanática religiosa que sabia da sexualidade do Jonas. E é aí que as tretas começam.

– Não, mãe! - Ele já estava berrando - eu já sou bem grandinho para descobrir a forma de ser feliz, você não acha? Não era isso que você queria para a porra do seu filho?! A felicidade dele? Claro que tem a ver! Você só me vê assim: tenho um filho gay! Mas você nunca vê que eu passei o ano passado com noventa e cinco por cento, caramba! A genitália que eu prefiro não define a bosta do meu caráter, mãe! - Ele começou a piscar, cético. - Você o quê? Ah, então adota um filho ladrão se você prefere ele a mim!

Ele nem desligou o celular quando, com a raiva em seu limite máximo, atirou o aparelho contra a porta com toda a força que tinha. O celular se quebrou todo, com partes voando em direções diferentes. A tela sensível ao toque estava rachada, virada para cima, encarando Jonas. Ele parecia furioso - como nunca tinha o visto. Ele precisava detonar alguma coisa; o infeliz dessa vez foi o pobre aparelho.

Todos nós encarávamos horrorizados aquele show. Jonas se inclinou e começou a esmurrar a tela repetidas vezes, numa velocidade incrível. Logo seus dedos começaram a sangrar, e lágrimas de pura frustração, ódio e indignação brotaram de seus olhos. O garoto havia sido rejeitado sem muitas lamúrias pela mãe.

A aguaceira lá fora só fazia com que o clima ficasse ainda mais dramático; um cheiro gostoso de terra molhada invadiu minhas narinas até então entupidas. Mas não tinha prestado muita atenção neste detalhe naquele instante delicado. Jonas se sentou no chão, acabado, como se uma forte dor estivesse o corroendo por dentro. Ele chorava, quase desesperado.

Era difícil entender o que ele estava sentindo. Apenas uma pessoa que já passou por uma situação semelhante de dor (emocional) pode dizer como é. O garoto passava a mão no rosto, incapaz de dizer coisas racionais ou que davam para entender. Eu apenas ouvia nomes de santidades e palavrões.

Isadora deu-lhe um copo d’água, que Jonas aceitou sem muitas hesitações. Marcela correu e o abraçou, se sentando do lado dele, oferecendo um ombro amigo. Hércules, que estava debaixo dos meus pés - eu estava usando sua barriga de aquecedor portátil - se desvincilhou de mim e foi prestar algumas lambidinhas carinhosas. Apenas beberiquei o achocolatado, enquanto observava todos prestando ajuda. Camila encarava ele como se estivesse se perguntando o que diabos ele estava fazendo.

Até que ela se levantou, toda atrapalhada, movendo as perninhas gordas até onde ele estava. Camila encarou-o por alguns instantes e puxou sua blusa cheia de ‘efantes’.

– Tó, Jonas… - ela ofereceu, olhando para o bicho estampado. - Pode chorar aqui, se você quiser. Eles não se importam. São bonzinhos.

Jonas conseguiu dar uma risada no meio de soluços. Ele apertou a mãozinha dela com cortesia.

– Ah, Camila… - Ele fungou, o rosto todo molhado. - Sabe, eu te invejo. Você é tão inocente, ainda na fase de escolher qual caderno levar para a escola, e não que tipo de profissão terá… Além de ter uma família peculiar… - ele me lançou um olhar meio desaprovador - … Mas ainda assim invejável. Eu queria fazer parte da sua família, sabia?

Camila apertou seus dedinhos em volta do dedo dele. Os dedos do Jonas eram bastante compridos; as mãozinhas dela davam dois dedos dele.

– A gente não precisa querer algo que já temos, né?

Jonas inclinou a cabeça.

– O que você quis dizer com isto?

Ah, Deus, como é burro.

– Ela quis dizer que você já faz parte da família, seu mongo. - Expliquei por ela.

Eu fui sensível.

Foi meio estranho o que aconteceu com o Jonas. Ele começou a rir, só que chorando. Ele pegou a barra da sua camisa e enxugou o rosto.

– Sabe… - ele fungou, triste. - Minha mãe nunca aprovou e provavelmente nunca irá aprovar a minha fugida do que ela acha certo. Quando contei a ela que era gay, levei uma surra. Ela disse no telefone que não criou filho para ser gay e que preferia ter um marginal em casa, porque esse ‘problema’ poderia ser resolvido. Ela me chamou de vagabundo e promíscuo, dizendo que eu fico ‘por aí’. Os vizinhos estão falando mal dela. - Ele se encolheu, parecendo levemente tímido - eu não vim para a sua casa porque criei simpatia por você, Katrina. Eu só estava fugindo dos meus problemas. Isso foi errado?

Senti uma vontade escaldante de socar alguma coisa. De preferência a cara da mãe do Jonas, mas achei que seria desrespeitoso dizer isso na frente dele. Mas mesmo assim disse; ele que decidiu se abrir, mesmo. Jonas fez que não com a cabeça.

– Não soque a cara dela, por favor. Eu ainda amo a minha mãe. Eu… Só queria que ela me olhasse de maneira igual. E não com nojo. Eu não sou promíscuo. Sou normal.

Girei a xícara na mão.

– Não é errado fugir de seus problemas - falei depois de um tempo. - Você só encontrou a maneira mais fácil de se livrar deles. Mesmo que meu ego tenha sido um pouco ferido ao saber que fui usada de maneira indevida, não o culpo. Sei bem como é isso, Jonas. Eu sei bem.

Ele fungou, receptivo.

– Isso é bom, acho. - Ele deu de ombros - vocês sabem… Ter uma família.

Comecei a pensar. Meio raro, sendo que não costumo pensar nos outros do mesmo jeito que estava pensando naquele instante no Jonas. Meu cérebro rodou de maneira incrível e tive uma conversa mental comigo mesma.

Cheguei a uma conclusão não muito favorável para mim.

– Sabe, Jonas… - Comecei, agora me virando para encará-lo. - Sabe por que eu te culpo?

– Desculpa ter derrubado Coca na sua cama semana passada - ele admitiu, ainda com cara de choro.

Somente continuei, ignorando aquele fato… Deus, ele tinha derrubado Coca na minha cama. Ele pagará caro por isso.

– Eu te culpo por ainda não ter pego suas malas e vindo morar aqui.

Todo mundo olhou para mim, perplexo.

– O quê? - Ele perguntou, com cara de quem não está entendendo nada - você está propondo que eu… More com você?

Deus, ele é realmente burro.

– É isso mesmo - falei com tranquilidade.

– Uhm… Eu adoraria, mas… É loucura…

O resto do grupo me encarava, chocado. Mamãe piscava diversas vezes, sem acreditar no que estava ouvindo.

– Hein, mãe - comecei, olhando fixamente para ela. - O que você acha disso? Ah, lembre-se que sua opinião não faz muita diferença aqui.

Tomei todo o achocolatado enquanto via as engrenagens de seu cérebro rodar sob a pele.

– Você, hum, uau, me deixou sem palavras… - Ela explicou, colocando uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha.

Dei de ombros.

– É, sim; eu costumo causar essa impressão nas pessoas.

Minha mãe pigarreou, confusa.

– Olha, isso seria uma coisa ótima na teoria, Katrina. Mas na prática é bem mais complicado do que já ir chegando e pegando o Jonas para vir morar aqui como se não fosse nada de mais. Nem é questão de dinheiro ou coisa assim… Eu meio que seria acusada de sequestro, entende?

Sorri, lasciva.

Eu tinha vários planos na minha mente, mas o principal deles era matar dois coelhos com uma cajadada só.

– Você não vai ser acusada de sequestro porque iremos agora na casa dele para pegar as roupas e outras coisas.

– O quê?! - Marcela exclamou, cética. - Não, não, não. Não podemos simplesmente ir chegando na casa da mãe dele e dizendo: olá, bom dia, senhora! Com licença que iremos raptar seu filho. Tem café?

Neguei com a cabeça.

– Eu não gosto muito de café. Pediria um pudim. Bom, o.k., pelo o que vi, duas pessoas… - apontei para Camila, que jogou os bracinhos para cima, feliz - votam a favor dessa mudança e as outras não têm importância aqui. Tá, perfeito, vou me trocar.

Me levantei, tomando cuidado para não pisar na barriga de Hércules - ele é sensível e chora fácil. Passei pelo grupo de incrédulos. Lembrei-me do meu segundo coelho.

– Ah, mãe. - Me virei para olhar para ela. - Tá uma chuva do caramba e eu não quero me molhar. Liga para o Chris e pede para ele vir aqui e nos levar até a casa do escravo número dois. - Pensei por um instante, estralando a língua ao chegar numa conclusão. - Não, não, abafa o caso. Ele irá estranhar. Diga que eu morri.

Suas bochechas ficaram rubras.

– Como sabe que tenho o telefone dele?

Estou cercada de burros.

– Porque você é tão legível quanto uma garotinha pré-adolescente apaixonada pelo cara do time de futebol, mãe. E eu te conheço como a palma da minha mão já faz dezesseis anos.

Ela entendeu o recado. Mamãe suspirou e olhou para Jonas, que parecia inconsolável, com Camila abraçando-o. O cabelo do garoto estava para cima, o rosto encharcado de lágrimas.

– Deus, vocês sabem como quebrar o meu coração. Tá bom, você pode ficar aqui, o.k.? Meu Jesus, Katrina, você ainda terá uma mãe presa e drogada por sua causa.

Ponto para mim.

Marcela colocou suas mãos em volta da cabeça, como se estivesse vendo crocodilos voadores com asas coloridas.

– Isso não está acontecendo de verdade, está? Gente, vocês são doidos…

Comecei a rir, subindo devagarinho os degraus.

– Me impressiona o fato de que você ainda não está acostumada - murmurei para mim mesma.

*

Somente coloquei uma blusa com touca, cinza e simples, e tênis - muito sujo, no caso, mas não sou eu quem vai lavar - e desci as escadas. Antes disso, dei mais uma olhadinha no Barney, para ver se ele estava bem, e observei meus tesouros que havia ganhado no acampamento. Parte dele foi Pedro que havia ganhado, mas é meu agora.

Eu, Jonas e minha mãe iríamos pegas as coisas dele e voltar para casa, sem brigas, discussões ou arrancamento de cabelos. O que eu achei uma lástima, para ser sincera. Os dedos da minha mãe tremiam ao segurar o telefone, já que ela não gostava de ser tão cara dura assim.

– Katrina, eu não consigo fazer isso…

– Mãe, para, é só fazer o que eu disse para você fazer - instruí, olhando fixamente para ela. - Vamos, estamos perdendo tempo.

A chuva caía lá fora quase que com raiva ou descontentamento. Graças a Deus eu me lembrei de cobrir a piscina. Não queria que minha casa fosse inundada logo tão cedo no ano. Minha mãe olhou para mim uma última vez antes de discar o número. Estávamos na cozinha, longe de contato social, tendo uma conversa aos cochichos.

– Mereço uma coisa dessas, Katrina - ela grunhiu, mas logo tomou uma postura de: estou liberando feromônios– … Chris? Ah, olá, querido! Uhm… Sim, sim, eu estou ótima, obrigada… Uhm, olha, sei que isso é precoce já que nos conhecemos há pouco tempo, mas… - ela espremeu os olhos, como se fosse horrível ser cara de pau - você… Poderia dar uma carona para a gente?

Mamãe abriu os olhos e olhou de esguelha para mim, severa, como se dissesse: você terá que lavar muita louça para compensar isso, sua filha da puta.

Tampei minha boca, em vão, tentando abafar o som da minha risada. A cara da minha mãe estava impagável, já que ela não gostava de ser folgada. Do outro lado da linha, percebi que Chris dava risadas, como se estivesse esperando por isso. A voz rouca e forte dele fazia com que o telefone desse chiados. Não queria imaginar levar uma bronca desse cara.

– Desculpe por isso, Chris… Sério mesmo. É super estranho eu já ir pedindo algo para você sendo que mal nos conhecemos… Ah, o quê? Sim, claro, tudo bem. O.k., eu e a Katrina te esperamos ansiosamente. Um beijo, querido.

Ela desligou o celular, verificou se a chamada estava realmente encerrada e soltou um gritinho típico de garotinhas apaixonadas.

Sério mesmo que ela tem mais de trinta anos?

Minha mãe me deu um abraço esmagador enquanto tentava me rodar.

– Não, mãe, não se exalte… - pedi, dando uns tapinhas no ombro dela.

Ela começou a rir, esfregando a bochecha no meu cabelo.

– Ele disse que chegará aqui em meia hora. Sabe quando eu disse que mal nos conhecemos? Ele falou assim: “ah, então essa é uma ótima oportunidade para nos conhecermos melhor, o que acha?” - ela começou a pular de novo enquanto dava gritinhos - ah, Katrina, acho que posso morrer!

Passei a mão no braço dela enquanto sentia o cheiro de colônia que seu peito exalava. Pessoas ficam idiotas quando apaixonadas. Eu não fiquei assim.

Eu acho.

Mas eu não podia negar que tinha ficado mais mole. Cheguei em outra conclusão: as pessoas ficam muito moles quando apaixonadas. Como se… Estivessem derretendo, talvez?

Serena passou a mão na minha cabeça, desembaraçando alguns fios do meu cabelo.

– Seu cabelo tá grande… Quando foi a última vez que você cortou?

Dei de ombros; eu nem lembrava.

– Não sei. Acho que ano passado.

Ela deu uma risadinha.

– É por isso que ele está comprido desse jeito. Fica ruim para lavar, não fica?

– Pra mim fica normal. Lavo uma vez por semana, de qualquer jeito.

Minha mãe suspirou, agora parecendo um tanto quanto distraída.

– Você está cansada, não está?

Que irônico. Pedro havia feito essa mesma pergunta para mim.

– Não, não estou. Pareço cansada para você?

Ela me afastou para olhar meu rosto por um instante.

– Não foi isso que eu quis dizer… Só que… Não é uma mudança radical demais? - Ela batucou os dedos nos meus ombros - até para você?

Sorri e assoprei uma mecha de cabelo que voou na minha cara.

– É isso que os amigos fazem, não é? Eles fizeram a parte deles. Já estava na hora de eu fazer a minha. Eu li que amigo é o nome que se dá a um indivíduo que mantém um relacionamento de afeto, consideração e respeito por outra pessoa. O amigo é aquele que possui uma grande afeição por uma ou mais pessoas, que é leal, que protege e faz o possível para ajudar sempre. Posso não ter quase nenhuma dessas qualidades e, na maior parte do tempo ser uma desgraçada, mas eles me intitularam como amiga. - Dei de ombros, prática - talvez eu tenha que honrar um título que eu não tive por muito tempo.

Ela olhou para mim com as bochechas rosadas.

– Isso… É lindo da sua parte. Sério mesmo.

Revirei os olhos.

– Nah, mãe, que drama. Só encarei os fatos, já que eles estavam bem abaixo do meu nariz - coloquei o indicador na ponta do nariz dela, fazendo-a dar uma risadinha.

– Os únicos fatos que você não consegue encarar estão do outro lado da rua, ceeeerto? - Ela teve que cantarolar essa última parte.

Fiquei sem palavras. Abri a boca e encarei-a como se ela tivesse virado um donut gigante.

– Você não disse isso - murmurei, colocando a mão na testa, cética.

Serena deu uma risada medonha, daquelas de vilã de novela e deu uns tapinhas no músculo do braço.

– Ah, e esses fatos aqui, hein?

– Não, mãe; não. - Desisti de ter uma conversa sadia com ela. Comecei a andar, indo para a sala, mas Serena me segurou pelo pulso. Não resisti. Eu tive que dar risada daquela situação extremamente embaraçosa e tosca - mãe, eu não vou discutir sobre os fatos que moram do outro lado da rua com você, o.k.?

Ela lascou um tapinha no meu ombro.

– Ah, qual é, Katrina? Ainda sou sua mãe. Pode discutir sobre todos os itens de um fato comigo, mocinha.

Hm, até parece que eu vou falar sobre o meu status amoroso - e completamente catastrófico - com a minha mãe.

Marcela entrou na cozinha, parecendo grogue. Ela olhou para nós duas por um instante e coçou seus olhos.

– Vocês estavam falando de fatos? Quais fatos?

– Fatos - eu e a Serena dissemos ao mesmo tempo. - Nada de mais. - Ela olhou para mim de esguelha e sorriu.

Marcela ficou encarando nós duas com um olhar desconfiado.

– Bom, depois do que eu vi aqui, não duvido de mais nada em relação a vocês. Mas, e aí, a senhora já sabe o que vai dizer para a mãe do Jonas?

Ela assentiu.

– Sim, sei. Ser paciente sempre e não agir com violência; usarei estas táticas para uma melhor conversa. Tentarei também não parecer tensa demais. Isso pode trazer desconfiança para ela, não acha?

– Bem, sim; desejo sorte, acho.

*

Chris chegou dez minutos depois. Não sei que magia ele havia usado, mas lá estava ele: parado na soleira da porta, um guarda-chuva preto nas mãos, o cabelo ruivo todo molhado e a camiseta branca de malha ensopada e grudada no corpo. Marcela atendeu a porta, afobada, e deixou-o entrar. Isadora resmungou algo como: esse cara tá molhando o chão que eu lavei ontem, e fez uma cara de velha enrugada, mostrando seus três dentes e saindo de perto para - provavelmente - não bater nele. Chris chacoalhou o guarda-chuva do lado de fora de casa e o pendurou na maçaneta da porta.

Ele olhou bem para os rostos até então desconhecidos e deu um sorriso.

– Oh, quem são estes? Ainda não conheci você, moça - ele esticou a mão para Marcela, que sorriu e apertou-a.

– Oi. Eu sou a Marcela. Você é o Chris, certo? Serena fala bastante de você.

Ele pareceu surpreso. Minha mãe provavelmente quis matá-la naquele mesmo instante.

– Ah, isso é muito bom. Só recebi bons adjetivos em relação à Serena. Vejo pessoalmente que estão todos certos.

Fiquei encarando todos eles, encostada no batente da entrada da cozinha, os braços cruzados rente ao peito. Ele realmente tinha um sotaque muito forte. E o jeito com que ele pronunciava o “R” era muito engraçado.

Jonas contou sua “triste, melancólica, extremamente realista história” - ele denomiou-a assim - para Chris enquanto íamos correndo até o carro dele. Meu nariz ficou super entupido enquanto eu me enfiava no banco de trás do carro, ao lado de Jonas, enquanto minha mãe e o falso marinheiro entravam também, prestando atenção na história dele.

Chris parecia respeitoso quando Jonas disse que era gay. Ele nem ao menos ligou realmente. Apenas deu a partida no carro, olhando fixamente para frente.

– Jonas, sua história é boa. Isso mostra que você é forte, rapaz.

Jonas sorriu, encabulado; ele bateu de leve no braço do homem, agradecido.

– Ah, obrigado. Isso foi muito gentil da sua parte.

Ele sorriu pelo retrovisor.

– O.k., Jonas, você comanda agora. Aonde nós vamos?

Eu ouvia as coisas, mas não escutava nada. Observava as gotas de chuva deslizando pela janela, apressadas, atropeladas por outras gotas ainda mais apressadas. As nuvens estavam todas nervosas, gritando lá em cima. Eu particularmente não odiava de tudo os carros.

Só odiava quando não era eu quem controlava o rádio.

Enquanto vozes passavam distantes na minha mente, eu comecei a pensar na minha relação com o Pedro. Coisas aleatórias começaram a rodar como em um filme na minha testa, e eu fiquei imaginando como seria se, em um universo paralelo, nós estivéssemos namorando.

Coisas meio sem noção se passaram pela minha cabeça, como jogo de cartas, bolo, um cozinheiro particular, chuveiro (mesmo que isto seja meio estranho), mais bolo e…

De repente meus pensamentos foram parar em uma área meio privada, e eu logo senti minhas bochechas esquentarem com minha imaginação lasciva. Coloquei a mão no rosto e me senti uma perfeita depravada. Se aquilo continuasse naquele silêncio, provavelmente mais asneiras invadiriam a minha mente.

– Liguem o rádio - falei, com certo ódio na voz.

Jonas olhou para mim com uma cara estranha.

– Você está vermelha - ele disse, preocupado; provavelmente se sentia culpado ao fazer uma doente sair na chuva - você está bem?

– Estou - respondi, seca - não há nada para você se preocupar. Fica na sua.

Ele arqueou uma sobrancelha, desconfiado.

– Tá, né.

O rádio estava ligado e, pelas informações de Jonas, chegaríamos lá em cinco minutos. Uma música chata tocava no rádio, mas minha mãe disse que gostava. E, para que as coisas ficassem ainda melhores, ela começou a cantar junto.

She collects crowns made of black roses– ela batucou com uma caneta azul de ponta fina no porta-luvas, fazendo Chris dar risada - But her heart is made of bubble gum!

Ela estava realmente animada. Chris olhou pelo retrovisor para mim.

– Ela é realmente sua mãe? - Ele perguntou, enquanto Serena gritava, entusiasmada com a música: graveyard girl!

Chacoalhei a cabeça.

– Faço essa pergunta todos os dias, acredite - dei de ombros - mas ela é uma boa mãe. Nunca me deixou com fome, pelo menos.

Ele deu uma risadinha (que eu julguei ser de aprovação) e continuou dirigindo, dessa vez dando uma ou duas olhadinhas para a cantora ao seu lado.

Pois é, minha mãe tinha o cara no papo.

*

Chegamos na casa dele depois de exatos cinco minutos.

A casa do Jonas era normal, para ser franca. O portão era baixo, vermelho, todo torto, apenas segurado por um cadeado meio enferrujado. A casa era afastada do portão, com um quintal esburacado na frente. Jonas deu uma risadinha.

– Não é todo mundo que tem a sorte de ter uma empregada para cada letra do seu nome.

Ainda estava chuviscando quando saímos do carro. Minha mãe se queixava do cabelo, que estava ficando ensopado. Ela observou Jonas enquanto ele abria o portão com facilidade e prática. O garoto parou de repente. Ele se virou para nós, os olhos verdes preocupados. Eu já estava ficando nervosa.

– Vocês… Têm certeza disso?

– Não, imagina - Ironizei, jogando minhas mãos para a cintura e sorrindo sarcasticamente - é que o carro teve vontade de fazer uma caminhada. É claro que sim, caramba! Abre isso aí agora, Jonas!

Ele piscou algumas vezes enquanto girava a chave, afobado. Passei por ele, meio furiosa, enquanto mamãe se desculpava pelo meu comportamento. Ela me seguiu com aqueles saltos altos, toda atrapalhada, me pegando pelo pulso.

– Não invada a casa dos outros! - Ela cochichou, juntando as sobrancelhas invisíveis.

Juntei as minhas, pronta para me defender.

– O Jonas invadiu a minha casa primeiro, se eu me recordo.

– Você não é o Jonas.

Ah, como eu odeio quando ela fala isso.

– Graças a Deus… - Rangi os dentes.

Ela abriu a boca, cética. Mamãe me deu um tapa no braço, sem força.

– Pare com isso, Katrina… Estamos causando má impressão. - Ela grunhiu, olhando para trás.

Chris estava com a mão na boca para não dar risada.

– Vocês estão bem? - Jonas perguntou, a boca meio torta - parece que estão nervosas.

– Estamos ótimas! - Minha mãe exclamou, me pegando no cotovelo e me empurrando em direção à porta, sorrindo falsamente. - Agora, vamos entrar, Jonas?

Ele assentiu, parecendo - raramente - tímido.

– Sim, claro. - Jonas passou por nós e pegou a maçaneta da porta da casa dele. Ele empurrou-a, fazendo-a raspar no chão com força. Ele espiou lá dentro e abriu um fraco sorriso - oi, mãe.

Me soltei da cantora que segurava meu cotovelo e passei pelo garoto, entrando na casa de uma vez só. Se dessem três tartarugas para esses caras, provavelmente duas fugiriam e uma morreria de fome por causa da lerdisse deles.

A casa do Jonas era normal. Nada de segundo andar, nem de cachorros guerreiros, crianças, unicórnios ou monstros debaixo do sofá. Haviam quadros de Jesus em todas as partes da sala, com frases da Bíblia ali também. A mãe do garoto estava sentada no sofá, as perninhas gordas cruzadas. Ela estava assistindo à TV enquanto comia algo, uma expressão azeda no rosto enquanto nos encarava.

– Eu não estou com vontade de falar com você. Nem sei porque veio aqui e trouxe essa garota aí contigo.

Sem explicações, peguei o pulso do garoto cheio de remorso no rosto e o puxei em direção ao seu quarto. Na realidade eu nem precisei procurar, porque em uma porta aos fundos havia escrito: quarto do Jonas em azul, ao lado de uma outra porta em vermelho - o depósito.

Girei a maçaneta fria do quarto dele e chutei a porta para abri-la.

– Não chute a porta do quarto dos outros, cabeça de água de salsicha.

Comecei a rir. Era engraçado quando me davam apelidos desses.

No momento em que eu entrei no quarto do Jonas e acendi a luz, minha boca caiu instantaneamente.

As paredes do quarto dele eram de um tom fraco de laranja. Um guarda-roupa de madeira estava quase caindo aos pedaços, obviamente tomado por cupins. A única coisa que me deixou meio chocada era o fato de que: todas - todas - as paredes estavam cobertas por pôsteres.

Só que eram pôsteres de homens. Cantores, atores, escritores, um montão deles. Consegui identificar poucos, comparado ao número que havia ali. A cama dele era branca, o lençol de tecido fino cobrindo o colchão. Também havia uma estante cheia de livros e CD’s, com álbuns de fotos antigas de cantores que já morreram.

Jonas esfregou os braços, divertido.

– Um abalo, né? Demorei três anos para juntar todas essas fotos. Eu tenho uma do Chris Evans embrulhada na minha cueca na gaveta. Ele tá pelado. Não dormi por três dias só babando naquilo.

Ignorei esse comentário desnecessário e fitei-o.

– Seu quarto é bizarro. Mas eu gostei, sério. Tem certeza que quer largar isso aqui para ficar no sofá?

Pra quem não sabe, sim, o Jonas dorme no sofá.

Ele deu de ombros, indiferente.

– Não vejo problema nenhum no José. Ele é bem confortável, na realidade.

Pisquei.

– Quem, Jonas?

– José - ele repetiu, franzindo as sobrancelhas.

Cruzei os braços.

– Quem diabos é José, Jonas?

– O sofá! - Ele exclamou, parecendo incrédulo - o sofá se chama José, Katrina. Ou você acha que eu vou dormir todos as noites com um cara que eu nem conheço o nome? Você pensa que eu sou o quê, queridinha?

Eu não sabia o que era mais ridículo nessa história.

– Você deu um nome para um sofá?! - Perguntei, cética.

– Dei, sim; saiba que não há problema nenhum nisso. É normal, sabia?

Fiz um sinal de paciência para ele.

– Claro, claro.

Só falei isso para fazê-lo calar a boca.

– Quais coisas você irá levar?

*

Foram poucas as coisas que guardamos nas malas. Jonas enfiou aquele maldito pôster do Chris Evans na mala também - não resisti e dei uma olhadinha discreta -, junto com suas cuecas. Colocamos também livros nada populares, alguns CD’s e DVD’s.

Depois de fechar as malas, Jonas não resistiu e começou a chorar, me agarrando no meio do quarto. Dei tapinhas de consolação nas costas dele.

– O que é dessa vez? Você tá grudento, me solta.

– Eu te amo, Katrina! - ele me apertou mais forte, prensando seu rosto no meu ombro.

Bati nas costas dele de novo.

– Eu sei. Agora me larga.

Jonas me soltou devagarinho, ainda fungando.Vez ou outra eu ouvia uma voz estressada vindo da sala, mas nada de mais. O rosto dele foi aparecendo aos poucos, e tive vontade de rir da cara patética e chorosa dele.

– Sabe… - ele fungou, triste - se algum dia alguém mexer com você, pode me chamar que eu meto uns boxes na pessoa, o.k.?

Não consegui evitar. Soltei um sorriso divertido.

– Tá bom, babaca. Mas amigos fazem isso, certo?

Ele assentiu, mordendo o lábio.

– Certo, megera-agridoce.

Estreitei os olhos.

– Isso não existe.

Ele me deu um tapinha no ombro.

– Existe se eu quiser. Por exemplo, uma vez eu imaginei que fazia sexo com o Wolverine. E só porque eu imaginei é porque existe.

Não tem mesmo como você ter uma conversa sã com esse cara.

*

Depois de alguns segundos, espiamos a conversa daquelas duas. Parecia que ocorria bem, sem muita exaltação da parte da mãe do Jonas.

Serena estava com as perninhas cruzadas, as mãos repousadas no joelho. Ela conversava normalmente com Maria, sem ânimos. Chris estava sentado em uma cadeira na cozinha, lendo uma revista. O garoto atrás de mim murmurava coisas sem sentido, como se ele estivesse conversando com alguém.

– Estou nervoso - ele admitiu.

Dei de ombros.

– Tudo bem. Faz parte. Agora calado que eu quero ouvir.

Não adiantou muita coisa. Os únicos sons que eu ouvia era o farfalhar das folhas ao serem viradas por Chris e cochichos que vinham da TV. As duas pareciam estar em completo silêncio. Jonas e eu nos entreolhamos.

– Será que elas se mataram?

– Provável - concordei. Olhei fixamente para aquele sofá vermelho. - Mãe? - A chamei. - Se você estiver viva fala o primeiro adjetivo que vier em sua cabeça!

Alguns segundos de silêncio.

– Malhado! - Ela gritou de volta, aparecendo por alguns segundos em meu campo de visão, sorridente, e sumindo de novo.

Revirei os olhos enquanto observava ela se levantar, passando a mão na bunda para alisar a saia e cumprimentando a mãe do Jonas com um aceno. Ela se virou para nós e fez “vamos!” com a cabeça.

Pisquei.

– O quê? Já? - Saí do quarto do garoto, incrédula. - Sem barracos, brigas, cabelos arrancados? Só isso?

Ela jogou as mãos para a cintura.

– Katrina, por favor! Somos adultas, e não aborrecentes, o.k.? Não brigaríamos por qualquer motivo. Agora venha para fora porque… Hum, a mãe do Jonas quer conversar com ele.

Ih.

Me virei para o garoto e franzi os lábios.

– No carro a gente conversa. - Falei, receptiva, passando a mão no ombro dele. Olhei para baixo, para as suas malas. - E você vai levar suas malas porque eu não sou sua empregada. - Dei batidinhas em sua clavícula - vai lá.

Jonas fez cara de cachorro sem dono.

– Eu não quero mais chorar - ele olhou para os lados, parecendo perdido. - Muito drama, Katrina, pega o papel que eu vou fazer uma música sobre um cachorro que foi morto à tiros.

Revirei os olhos.

– Para com essa frescura no cu. Te encontro no carro, e me traz um doce.

Ele fez um bico.

– Você é terrível, sabia?

Ficamos esperando no carro.

O que foi bem desagradável, para falar a verdade.

Foi bem desagradável porque todos nós estávamos em um silêncio extremamente constrangedor. Eu, sozinha, no banco de trás, enquanto minha mãe e o panda da minha espécie estavam na frente. Minha mãe estava passando os dedos no cabelo, tentando disfarçar que também estava constrangida.

Chris se virou para mim de repente.

– Ei, marinheira, como vai a escola?

– Normal - respondi, sem me importar.

As tentativas de tornar aquilo agradável não estavam funcionando. O que era bom, de certo modo. Eu ia induzi-los inconscientemente para que eles dessem início a uma conversa.

– Ei, mãe, conte para o Chris como você guarda bolachas recheadas - o truque era começar por um assunto abrangente.

Ela se virou para mim, sem entender.

– Hum… Guardo em um pote de acrílico. Não faz muita diferença, já que nossa renda só nos permite poucos pacotes por mês. Essa garota come duas vezes o peso dela - ela confessou para o homem. - É insaciável.

Sou mesmo.

Chris sorriu e olhou para ela de novo.

– Não parece. Sua filha é equilibrada. Puxou para quem?

Ela deu uma risadinha.

– Não puxou para ninguém. A única coisa que essa menina puxou para mim é o…

“Tamanho dos peitos…” completei em minha mente, levantando levemente uma sobrancelha.

– … Péssimo costume de querer controlar a situação.

Ah, isso era um pouco verdade.

Chris deu de ombros.

– Acho que todo mundo tem isso, querer que a situação se incline para o seu lado.

Minha mãe olhou de esguelha para mim, como se dissesse: somos hardcore; esse é o problema.

Parei de ter devaneios quando a porta da casa do Jonas se abriu novamente. Ele saiu de lá com as bolsas na mão, os lábios franzidos e cara de quem chupou limão.

Ele abriu a porta do carro e se jogou perto de mim, puxando as malas logo depois. Ele as jogou no chão e pisou em cima, como apoio aos pés.

– Como foi? - minha mãe perguntou, parecendo realmente preocupada.

Jonas não olhou para ela.

– Ela… Me deu uma pulseira de linha. Disse que mesmo eu sendo gay ela ainda me ama. Mas ela não está disposta a criar um filho que vai contra tudo que ela acredita. - Ele deu de ombros, mas estava obviamente chateado. Jonas olhou para baixo e deu um sorrisinho. Ele esticou o braço e apertou minha mão com delicadeza. - Sabe qual foi o ponto que me surpreendeu essa noite, Katrina?

A mão dele estava gelada.

– Não, não sei - admiti.

Ele alargou mais o sorrisinho.

– Agora eu sei os motivos do Pedro.

Antes que eu pensasse no fato de que o Pedro sempre aparecia nas conversas, Jonas começou a chorar. Olhei para ele, inexpressiva. Meus olhos estavam pesados, como se eu que tivesse chorado há todo esse tempo. Deram partida no carro em silêncio, todos respeitosos. Jonas fungou o tempo inteiro, tentando se recompor até chegarmos em casa.

Eu ainda estava pensando porque o Pedro sempre aparecia nas conversas.

*

Cheguei em casa mais morta impossível; Jonas estava logo atrás, fingindo comemorar para iludir os tolos. Mamãe ficou com Chris lá fora, - supostamente - conversando.

Não aguentei ficar ali embaixo. Subi para o meu quarto, me sentindo exausta. Hércules me seguiu, obviamente preocupado, mas eu não queria companhia aquela noite.

Botei-o para fora. Ele estava chorando do outro lado da porta enquanto eu vestia uma roupa de moletom bem quentinha. Me joguei na cama, sentindo pela primeira vez depois de dias aquela sensação maravilhosa de voltar ao que te pertence.

Só que aquela noite não foi tão molezinha assim. Tive febre às duas da manhã. Tomei remédio com leite quente e tentei voltar a dormir. Nada feito. Fiquei acordada por uma hora, observando Marcela murmurar coisas incoerentes. Meu nariz estava entupido, meus olhos estavam lacrimejando, eu estava tremendo de frio e todo o meu corpo doía.

Assoei, assoei e assoei umas quatro milhões de vezes aquela porcaria, e todo o ranho do universo saiu do meu nariz. Consegui dormir de novo às quatro e meia, quando tive vontade de arrancar todas as minhas roupas e pular - pelada - numa piscina de gelo.

Dormi por mais algum tempo. Acordei às cinco e meia, agora sem sono nenhum. Levantei, cobri meus ombros com o cobertor e saí do meu quarto, sem chinelos, apenas meias. Desci as escadas, percebendo que o breu já estava se dissipando, e dei uma olhadinha enquanto Jonas babava no travesseiro, estirado no sofá. Ele agora vestia um pijama - cinza com flores cor-de-rosa - que trouxe de sua casa.

A verdade era que eu estava com humor de um bode. O meu mau humor estava tão galático que nada nesse mundo me faria sorrir hoje. Nem ver três gordinhos escorregando.

Fui para a cozinha, arrastando o cobertor pelo chão. Abri a geladeira e peguei a caixinha de leite e o saquinho de queijo. Botei-os na pia enquanto pegava um copo.

Enfiei duas fatias de queijo no copo e derramei leite. Esquentei tudo e tomei.

Olha, não foi lá muito gostoso. Quase vomitei e desisti na metade. Os dois alimentos que eu mais gosto no mundo, juntos, não viram uma lasanha. Para a minha infelicidade, no caso.

Não guardei nada e voltei para a sala. Eu queria experimentar isso, para tentar mudar um pouco meu humor. Me sentei na beirada do sofá, perto das pernas do Jonas, e encarei a TV por alguns instantes. Minha mãe acordaria daqui a pouco, já que ela acorda sempre cinco e quarenta.

Jonas se remexeu e acabou jogando seus pés para cima de mim. Enquanto eu tentava afastá-lo, minha mãe desceu as escadas, apenas de roupão. Ela bocejou algumas vezes e me viu sentadinha no sofá.

– Ah, querida, você está aí. Noite difícil, hein?

– Nem me fale - grunhi, me levantando. - Acho que o sono já voltou. Vou dormir.

Ela cruzou os braços, parando no último degrau, com a cara amarrada. Serena estendeu sua mão e tocou minha testa.

– Você não está com febre, então… Pegou conjuntivite? - Minha mãe perguntou, desafiadora, erguendo as sobrancelhas.

Estreitei os olhos. Lá vem.

– Não.

– Perdeu um braço?

– Pareço ter perdido o braço?

Espirrei.

– Saúde. Está com uma queimadura de doze graus no olho esquerdo?

– Não, mãe. Só estou quase morrendo.

– “Quase” - ela repetiu, estreitando os olhos também. - Quase não é tudo. Você vai sim para a escola. Que quase morra, mas filha minha não fica burra e sem fazer nada o dia inteiro. Você me entendeu?

– Odeio isso em você - resmunguei, passando por ela e subindo os degraus.

Ela empinou o nariz.

– Só quero que você tenha o que eu não tive. Moramos no subúrbio, entendeu? - ela fez uma voz forte ao citar “subúrbio”. - Ou seja: somos pobres, Katrina. Quero que você fique rica logo, e me dê uma mansão quando eu estiver com os peitos caídos.

Revirei os olhos, parando na escada para encará-la fixamente.

– Você ainda não superou setembro do ano passado, né?

Só de ouvir, ela estremeceu.

Aquele mês foi tenso para nós duas. O lugar onde ela trabalhava estava indo à falência, então nada de feijão por quatro semanas.

Eu nunca comi tanto miojo com arroz na minha vida. E teve um dia engraçado, que eu tive que pedir uma xícara de arroz– açúcar nesse mês só no céu - para o Pedro. Ele fez uma cara engraçada, mas não riu da minha situação. Quando o italiano voltou, ele me deu três xícaras, assim, de lambuja. E, quando ele acabou de me dar, abriu um sorriso e beliscou a minha bochecha, cínico.

“Espero não ter exagerado, já que você tem peso de sobra aí.” Ele apontou para a minha cintura. Eu apenas mostrei minha língua para ele, as sobrancelhas franzidas, enquanto o pensamento de dizer “valeu” sumia da minha mente.

Me lembro disso como se fosse ontem.

E, desde este dia, ela nunca mais parou de falar sobre o quão importante é os estudos, para não virar… Hum, ela.

Minha mãe deu três toquinhos na parede.

– Sai, sai, sai! Deu até um arrepio aqui! E, não, eu ainda não superei. Mas é sério, a Marcela já tá se trocando. Se troca, lava esse rosto e prepara o estômago porque sou eu quem vai fazer o café.

– O que aconteceu com a Isadora? - perguntei por perguntar.

– Só está com as pernas cansadas. Vou deixar ela dormindo mais um pouquinho hoje - ela fez um sinal para que eu fosse rápido - vai, vai, vai!

Comecei a resmungar o quanto eu odiava mansões enquanto subia o resto da escada. Meu nariz estava escorrendo, meus lábios estavam gélidos, meu corpo doía todo e era como se meus pulmões estivessem me socando por dentro.

Marcela apareceu, feliz, na ponta da escada. Ela vestia o short da escola com uma camiseta cor-de-rosa, escrito em itálico: i’m a unicorn, com sapatos vermelhos e meia branca. Ela havia prendido o cabelo naquelas malditas marias-chiquinhas e sorria como uma retardada. Sério, eu não estava com saco para aguentá-la.

– Bom-dia, flor do dia! - ela me cumprimentou, descendo dois degraus por vez - está um ótimo dia para você ser alegre, não está?

– Marcela, morre - falei, fazendo uma cara de desgosto - e tira isso do seu cabelo antes que eu corte-o fora.

Ela fez cara de dor.

– Ai, nossa. Eu só fiz essas marias-chiquinhas porque achei que combinaria com um unicórnio. Eu gosto de unicórnios.

Passei por ela, revirando os olhos.

– Odeio unicórnios. Os seres mitológicos mais inúteis do mundo. Para quê eles servem? Para fazer camisetas e fantasias de cachorro. Grande bosta. Duendes mandam.

Ela começou a rir.

– Jonas, hoje a bruxa tá solta. Evite contato visual.

Tá mesmo.

Jonas apenas gemeu que queria dormir e se embrulhou mais nas cobertas quentinhas.

*

Coloquei uma jaqueta de moletom, calça e camisa de manga. Eu estava com frio, enquanto Marcela desfilava com as pernas à mostra. Jonas deu um beijo - completamente não bem-vindo - na minha cabeça e fez meu suco de laranja. Comi, no café da manhã, torrada com um pedaço de queijo - o.k., várias torradas com vários pedaços de queijo e… Dois copos de suco. Nem comi muito porque eu estava doente.

Eu, Marcela e Jonas saímos juntos de casa. Não que eu gostasse. Eu apenas queria ficar sozinha naquele dia, sem companhia de ninguém.

O dia estava nublado, cinzento e extremamente agradável. Um ventinho fraco batia nos meus cabelos, refrescando meu nariz entupido. A minha mochila pendia quase vazia no meu ombro esquerdo, enquanto eu prestava atenção no quão ridículo eram aquelas marias-chiquinhas.

Jonas soltou um gritinho quando percebeu que Pedro estava um pouco à frente, caminhando como se pisasse em ovos. Ele vestia uma touca vermelha, que dava contraste em seu cabelo amarelo fraco. Ele vestia uma jaqueta normal, jeans e tênis. Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos, e ele olhava fixamente para cima, distraído. Percebi que usava fones, completamente absorvido.

Ele estava absolutamente normal, mas Jonas insistia que ele estava lindo ou coisa assim.

– As pessoas ficam lindas no frio - ele decidiu, sorrindo. - Menos eu, porque eu sou lindo todos os dias.

Marcela riu da cara dele.

– Você nem é convencido.

Jonas olhou para ela, cínico.

– E você nem é brega usando essa camiseta.

Os dois começaram a discutir brevemente sobre o que era brega ou não. Andei na frente, sem paciência.

– Katrina, não trate mal seu príncipe. Há vários outros reinos interessados nas terras dele - Jonas deu uma piscadela, segurando os punhos de Marcela, que se debatia.

– Vocês são doentes - grunhi, agarrando a alça da bolsa e pisando mais forte e mais rápido. - É melhor vocês pararem com essas merdas. Parecem duas criancinhas.

Ele revirou os olhos.

– Ah, sério, você tem que parar com essa sua dupla personalidade. É assustador!

– Observe eu não me importar - retruquei, virando a cara para frente.

– Uh, bruxa - ele murmurou, rindo. - Além de tudo é cruel.

Eu queria muito chutar o saco dele.

Ignorei os dois o resto do caminho. Não cumprimentei nenhum conhecido e cocei meu cabelo descaradamente, sem me importar com os olhares de: “aquilo ali está vivo?”. Minha juba estava toda bagunçada e cheia de cachinhos (eu não gosto de cachinhos); ainda bem que ela estava com um cheiro agradável, parecido com morango.

Eu estava com tanto sono que cogitei a ideia de me jogar ali na calçada mesmo e dormir um pouco, usando um saco de lixo com travesseiro, igual a uma mendiga. Não parecia uma ideia tão ruim assim para mim.

Passei pelo Pedro, que conversava com alguns colegas de classe. Ele não notou minha presença doentia e capenga, o que eu agradeci internamente.

Jonas me deu um beijo na testa antes de acenar e ir para a sua classe; Marcela ficou mexendo no celular enquanto subíamos as escadas, e eu queria morrer no segundo lance por causa da falta de ar.

As pessoas nos corredores me olhavam de forma esquisita, como se eu tivesse comprado um colar de cobras vivas. Algumas cochichavam, outras riam apontando descaradamente para mim. Cheguei em uma conclusão satisfatória: eu sou linda demais para me importar com as opiniões de seres tão medíocres. Isso pode ser um pensamento um tanto quanto generalizado, e, realmente, é. Mas o que eu posso fazer se absolutamente todos gostam de cuidar da vida dos outros?

Marcela entrou na sala saltitante, enquanto eu ia me arrastando atrás dela. Me sentei no meu lugar de costume, sem chamar muita atenção, enquanto a garota era logo chamada por umas colegas, que acenaram e gritaram seu nome.

Às vezes ela olhava para mim, sorria e logo voltava a conversar com aquelas meninas. Elas me observavam, meio hesitantes; só me faltava essa. Coloquei o material em cima da carteira, ouvindo a conversa excitada das pessoas que ainda falavam do acampamento.

Para mim esse assunto já morreu ontem, quando voltamos - graças a Deus - para casa. Marcela voltou para seu assento quando o professor de pinto pequeno entrou na sala, com a cara amarrada. Ele estava com uma pasta cheia de folhas.

Prova surpresa, talvez? pensei, juntando as sobrancelhas, obviamente preocupada.

– Peguem uma folha do caderno, lápis e caneta. Nome, número e série, senhores - ele anunciou, seco, fechando a porta atrás de si.

É isso mesmo, concluí mentalmente, soltando um suspiro.

A prova não estava difícil; eu que estava com a cabeça em outro lugar. Toda a hora pensamentos como: “caso o Pedro fizer essa prova, tipo, agora, será que ele se sairá bem com o que eu ensinei ontem a ele?”, “eu quero mesmo arrancar o cabelo dessa menina”, “o professor tem uma cara de bunda”, “por que raios o João está me encarando? Vou encará-lo também” ou, finalmente, “o zíper da calça do professor está aberto. É melhor eu não avisá-lo, quero que passe vergonha publicamente, já que ninguém irá perceber” vinham detonando minha mente, fazendo com que meu raciocínio fique vago. Toda vez que eu escrevia “P” na folha, eu me lembrava do Pedro, e aí eu ficava envergonhada por pensar em coisas sem sentido - e principalmente nele - e começava a perder o foco da coisa. De novo.

O professor bateu na minha mesa em um instante, desprendendo-me de pensamentos.

– Katrina, você está com uma cara de quem está sonhando com coisas boas. Aposto que não é na sua lindíssima nota no boletim. Deixe esses pensamentos para quando você chegar no conforto de sua casa. Trabalhando.

Ele deu umas batucadinhas na minha mesa antes de passar olhando a prova dos outros alunos. Me senti mal por ser pega em um dos meus devaneios.

Consegui me concentrar por breves minutos naquela folha cheia de cálculos e fórmulas, e resolvi sete problemas de uma vez só, já que eram vinte no total.

No meio de uma conta muito bem feita, pensei naquele episódio da xícara de arroz. Finalmente entendi que ele não fez aquilo por que ele era apenas um bom rapaz, e sim porque ele gostava de mim. Não, ele me amava, o que tornava as coisas ainda mais dolorosas. Me senti uma babaca que não percebia nada.

Me mandei calar a boca e continuar a porra da prova.

*

Pelos meus cálculos, eu havia tirado sete e meio. Isso se os meus chutes nas questões finais valessem, é claro. Dormi na aula de história inteira, e sonhei com garfos e… Cabelos loiros.

No início pensei que era um prato de miojo gigante, mas aí eu percebi que era apenas cabelo sendo enrolado por um garfo. Um cabelo cor-de-areia, no caso. Eu provavelmente não estava roncando, o que foi bom, já que meus roncos não são baixos (vivem dizendo isso).

Me acomodei em cima de um caderno enquanto virava o rosto e abria meus olhos, para encarar a sala. Todo mundo prestava atenção na lousa, como se fosse realmente importante. Marcela estava virada para o lado, o cotovelo em cima da minha carteira. Ela me encarou e sorriu.

– Seu rosto tá super marcado. Até parece uma máscara de carnaval.

Cocei meus olhos, sonolenta, enquanto me espreguiçava. A professora de português estava lá na frente, ditando algum tipo de texto. Dei uma olhadinha na sala. Carmen conversava de um jeito suspeito com uma garota atrás dela. Ela dava certas olhadinhas na minha direção, ria, e voltava a prestar atenção na professora.

Passei a mão no meu cabelo enquanto a professora dizia que teríamos que classificar umas oraçãozinhas na lousa. Baba, no caso.

Li a primeira oração.

“João trabalha, estuda e viaja.”

Aditiva.

Passei para a próxima.

“Julia está comendo; logo ficará satisfeita.”

Conclusiva. Pulei as três que vieram em seguida e meus olhos repousaram em uma oração talvez especial. E foi aí que eu sorri pela primeira vez naquele dia.

“Pedro estuda, mas não aprende.”

*

Fomos para o intervalo. Marcela quis ir à cantina, já que ela tinha dinheiro para comprar uma esfirra. Me sentei no banco com um prato de arroz e feijão, milho e grão de bico que as tias estavam dando. Peguei aquele garfo extremamente inútil e comecei a comer. Não pude perceber se estava bom ou ruim, já que meu nariz entupiu um tempinho depois de chegarmos ao refeitório.

Jonas veio andando na minha direção com uma latinha de refrigerante em mãos. Ele passou pelo seu in love, ignorando-o completamente e sorrindo para mim. Uhm, talvez seja uma tática de guerra?

Ele passou as pernocas por cima do banco e se sentou de jeito desleixado. Ele havia desenhado um apanhador de sonhos no pescoço, de modo que ele ficava distorcido quando o garoto se mexia.

Ele abriu a latinha e enfiou os canudinhos ali.

– Ah, ninguém merece. Tenho filosofia daqui a pouco. Vivo dormindo nessa aula.

– Não gosta de filosofia, Jonas? - perguntei, surpresa, comendo mais.

Ele deu de ombros.

– Eu gosto é das frases, não da matéria. Por exemplo, curto bastante as frases do Isaac, do Albert e tal.

– A filosofia começa com a admiração, crianças - Marcela brotou do nada, sentando-se ao meu lado com uma esfirra e uma latinha de refrigerante. Ela deu uma piscadela - Platão, prazer.

Juntei uma garfada enquanto observava as engrenagens de Jonas começarem a rodar. Provavelmente coisa boa não sairia dali.

– Quer dizer… - Ele botou um dedo na boca. - Que eu vou me tornar um filósofo simplesmente por observar aquele abdômen perfeito daquele ser que está sentado no canto do refeitório?

Revirei os olhos, fingindo não ter ouvido aquilo. Marcela ofereceu sua esfirra para Jonas, que aceitou de bom grado.

– Obrigado, docinho.

Ela deu de ombros.

– De nada. Aaah! - Marcela exclamou de repente, batendo na mesa - eu contei para vocês as novidades da minha fanfic?

– Não - Jonas respondeu, bebendo o refrigerante.

Marcela esbanjou um sorriso triunfante.

– Já no primeiro capítulo eu consegui três leitores. Estou realizada!

Jonas bateu algumas palmas.

– Parabéns! Sua estória fala sobre o quê?

Ela pensou por alguns instantes.

– Fala sobre a versão do Gus quando a Hazel decaiu. - Ela pensou mais um pouco - eu vou fazer os dois morrerem juntos no final. E aí eles irão se encontrar do outro lado. E vai ter um helicóptero também.

– O que é o câncer comparado com helicópteros. - Falei, empurrando o prato para longe.

Marcela revirou os olhos.

– Piada sem graça.

Olhei em volta, sentindo a necessidade de ver alguém caindo. Jonas estava congelado, parecendo que havia virado pedra. Ele virou, duro, para mim.

– Katrina, o bofe do time de basquete está vindo. Me lança uma cantada.

No meio da minha mente, eu me perguntei o porquê de ele estar evitando-o desse jeito. Mas, de qualquer forma, isso seria divertido de ver.

Coloquei meu braço em volta do pescoço dele, levantando uma sobrancelha.

– Gato, seus pais são matemáticos? - Jonas me olhou, mordendo o lábio. Ele estava se fingindo de hétero - hum, não? É porque você é um produto notável, seu lindo.

O garoto do time de basquete passou por nós bem nessa hora. Ele virou a cabeça para ficar nos encarando enquanto ia se afastando, meio hesitante e provavelmente se perguntando o que estava acontecendo ali.

Depois que ele passou, os dois explodiram em risadas.

– O que foi essa cantada? Até eu consigo fazer uma coisa melhor do que essa! - Jonas exclamou, rindo.

– Foi a melhor coisa que se passou pela minha cabeça - entrei na defensiva - e porque diabos você queria que eu te cantasse, Jonas?

Ele pareceu desconfortável.

– Ele me ignorou ontem, além de me fazer ficar com ciúme. Só estou revidando.

– Isso muda seus sentimentos? - Marcela perguntou, desfazendo um lado do cabelo. - Acho que você tem que encará-lo de frente. Você tem que perguntar o porquê disso. Se não, você vai ficar aí, se remoendo por causa de uma coisa que nunca chegou a fazer. Isso se chama coragem.

– Vai lá e agarra ele, porra - sugeri, dando um tapa no ombro do garoto.

Jonas me olhou feio.

– Digo o mesmo a você. - Então, em um instante após dizer isto, ele arregalou os olhos, como se a resposta de “como ser feliz” iluminou a sua mente - é isso! - Ele estralou os dedos, levantando-se. - É isso, Katrina, você é um gênio! Ele já me fez ter ciúme dele, certo? Então eu tenho que fazê-lo ter ciúme de mim, e aí, só aí, ele irá me agarrar!

Por que eu tive que sair da minha cama hoje, mesmo?

– Hum - Marcela parecia incrédula - quem vai ser a cobaia que vai te ajudar nisso, então?

Ele abriu um sorriso malévolo.

– Tem que ser um homem. Esse homem tem que ser passional e simpático. Além de bofe maravilha. E também, óbvio, ele tem que ser conhecido. - Ele apontou para cima, decidido - e eu tenho que ter a certeza de que ele não me baterá quando eu assediá-lo. Alguém vem à mente de vocês?

Marcela e eu escancaramos a boca enquanto ele saía do banco, rindo, atrevido.

– Você não vai fazer isso! - Marcela gritou, tentando pular do banco - JONAS! Volta aqui! Katrina, faça alguma coisa!

Ela tentou impedi-lo enquanto o garoto ia, sem medo algum, em frente, na direção de um bolinho de alunos.

– Xiu, fica quieta, Marcela, essa eu não posso perder - confessei, ficando de joelhos no banco, erguendo a cabeça para tentar ver melhor.

Jonas dava pequenos rebolados enquanto andava, os punhos cerrados. Acho que ele estava nervoso naquele momento. Quando chegou perto do bolinho de gente, Jonas cutucou delicadamente o ombro do Pedro.

O garoto se virou para ver quem era, e abriu um sorriso para Jonas. Olha só, ele estava feliz hoje. Pedro era apenas uns dois centímetros maior que Jonas; é, aquela gazela era alta. Se Jonas não fosse gay, ele realmente iria ser popular com as garotas. Pelo movimento labial do italiano, pude distinguir que ele cumprimentava educadamente Jonas.

E foi aí que algo bizarro aconteceu.

Minha boca - e a boca de todos as pessoas que viram aquilo - caiu instantaneamente; eu estava incrédula.

Jonas olhou para trás, para ver se o seu objeto de interesse estava prestando atenção nele, e, em menos de um segundo, espalmou o rosto do italiano e beijou-o como se fosse algo absolutamente normal: sair por aí e beijar as pessoas.

Pedro, obviamente, não sabia o que fazer; não é como se todos os dias alguém chegasse nele e simplesmente o beijasse (ainda mais um garoto). Marcela tinha colocado a mão na boca, e ameaçava desmaiar. Praticamente o refeitório inteiro começou a assobiar e gritar: “AAAE, JONAS!”.

Jonas se desprendeu do italiano e se afastou dele alguns passos. Pedro estava com uma expressão de: o que aconteceu aqui?, completamente perdido, pobre coitado. Ah, se eu fosse o Pedro, eu sentaria a mão na cara do Jonas e começaria a socá-lo ali mesmo. Porém, como o previsto, ele não fez isso.

– Não faça mais isso - eu pude distinguir ao ver a movimentação dos lábios dele. O garoto não parecia bravo, e sim calmo, sem se importar com o que os outros iriam pensar dele - tipo: nunca mais, o.k.? - ele apontou para um ponto atrás do Jonas.

Não resisti, e, mordendo minha unha, me virei, extremamente curiosa, para o lugar onde o garoto apontava. O jogador do time de basquete estava ali, sentado de um jeito desleixado, encarando tudo com um olhar meio mortal. Aah, provavelmente aquela apontada queria dizer: alguém tá vendo isso aqui e não tá gostando.

Quando me virei de novo para encará-los, recebi uma surpresinha desagradável. Pedro me encarava de uma maneira meio estranha. Uma de suas sobrancelhas estava arqueada, e uma sombra de riso iluminava seus lábios. Ele provavelmente se lembrava muito bem do episódio passado, onde eu praticamente confessei meus sentimentos por ele. Ah, acho que é por isso essa onda de felicidade.

Não vou negar que isso tinha me deixado envergonhada. Pedro fez um gesto indicando a cabeça dele. Depois, ele apontou para mim.

Provavelmente ele estava falando do meu cabelo. Peguei-o, para confirmar. Ele assentiu, sério, confirmando que ele queria falar da minha juba. Indaguei, dando de ombros.

Bela, ele fez com os lábios, sorrindo logo depois.

Meu cabelo, na realidade, mais parecia estar vivo. Aposto que se ele quisesse, iria engolir alguém e leva-lo até o limbo. Mas não evitei: dei um sorriso mínimo, de agradecimento. O pessoal ainda gritava, eufórico, enquanto Jonas passava por eles, completamente orgulhoso do seu feito anterior. O contato visual com o Pedro foi quebrado quando um bolo enorme de alunos entrou na frente dele, alguns perguntando-o se ele era gay ou se tinha um caso com o Jonas.

Não resisti. Comecei a gargalhar, sentindo que toda aquela dor no peito por conta daquela maldita gripe estava zarpando para o longe, para um lugar onde eu não podia vê-la nem senti-la; isso era muito bom, para ser sincera.

*

Voltei para a sala com o meu humor melhor. Não cem por cento, mas muito melhorado. Esbarrei em Carmen, que riu da minha cara pela segunda vez naquele dia. Sério, se ela viesse com brincadeirinhas para cima de mim eu iria matá-la na base de porrada.

E eu não estou brincando.

Aquela aula seria vaga, graças a Deus. Ou seja: dormir mais. Peguei minha bolsa enquanto tirava todo o material de cima da minha carteira e a botava ali em cima. Usei-a de travesseiro e me aconcheguei ali.

Estava tudo perfeito, muito bem, obrigada, até eu ouvir um papo estranho envolvendo o meu nome. Marcela estava com os amiguinhos nerds dela, então obviamente não era ela que falava de mim. Levantei a cabeça para dar uma espiadinha, e contemplei com desgosto a cara lavada de Carmen, que havia se sentado em uma carteira, as pernas brancas expostas para quem quisesse vê-las.

Garotos e garotas estavam sentados em volta dela, ouvindo-a comentar algo.

– … Porque não é possível, sabe - ela deu de ombros, casual. - Creio que ela usou aquilo que ela tem no meio das pernas para convencê-lo, pois ninguém se interessa tão fácil por alguém tão desprezível. Só se for masoquista, então é um caso isolado.

O grupinho que estava em torno da garota começou a rir. Levantei mais um pouquinho a cabeça.

– Hum - um dos garotos exclamou. - Você tem certeza disso? O Pedro é um cara legal e sincero.

Carmen riu com descaso.

– Nenhum homem só por ser sincero e legal deixa de ser homem, caro Nicolas. A beleza é um artefato importante na sociedade, entende? - Ela crispou, cruzando as pernas; ela se virou para me encarar, extremamente convencida - ninguém, rapazes, guardem minhas palavras, ninguém na face da Terra simplesmente se diz apaixonado por uma cobra. É óbvio que tem algo a mais do que sentimento no meio. Talvez chantagem.

Ah, não.

Uma garota parecia chocada, obviamente acreditando naquilo tudo.

– Mas… Uau. Isso é baixo - ela concluiu, olhando fixamente para mim.

Carmen riu mais uma vez.

– Pois é, amigos… Tal pai, tal filho… E só estou dizendo isso porque a mãe dela é uma p-

Eu mesma não deixei que ela terminasse a frase. Vou fazer um resumo da situação: digamos que meus punhos adoraram amaciar aquela carne.

Gritos e mais gritos de: para, Katrina, para!, vindos atrás de mim eram apenas uma pequena distração do que eu estava realmente concentrada. Eu estava concentrada numa pequena pergunta: como eu vou tirar todo esse sangue da minha mão depois, hein?

Aquilo ali estava muito fácil. Eu simplesmente saltei em cima dela, como um gato selvagem, e a derrubei de cima daquela carteira. A garota ficou de pernas para cima enquanto eu me sentava em cima de sua barriga, socando aquela cara cheia de maquiagem desnecessária.

A filha da mãe havia me arranhado em vários locais, como a boca, a bochecha e tinha puxado o meu cabelo. Mas eu revidei. Em dobro, diga-se de passagem. Ela gritava embaixo de mim, provavelmente sentindo a dor de ter um nariz ou talvez mais alguns ossinhos quebrados (quem sou eu para me importar). Minhas unhas não estavam lá muito compridas, então não pude usar esse artefato ao meu favor (uma lástima). Marcela berrava para que eu parasse, tentando me puxar pela gola, mas de nada adiantava. Ela era fraca, afinal de contas.

A sorte de Carmen era que eu não estava me sentindo muito bem, porque, francamente, eu teria arrancado aquela pele miserável daquele corpo vazio se não fosse por uma intervenção direta da diretoria, que gritava feita uma louca, cheia de funcionários me puxando por todos os cantos, acalmando os estudantes e distribuindo copos d’água.

Espirrei sangue - ela havia distribuído alguns chutes pela minha barriga de brinde - no chão, enquanto um cara me puxava para trás, em direção à lousa.

– Maluca! - Carmen gritava, limpando o nariz, a boca, e todo o seu rosto ensanguentado - você é maluca, Katrina! É melhor você ficar longe de mim!

– Se ferra aí, otária! - Gritei de volta, tentando manter o controle.

Sua voz começou a ficar distante na medida que outras vozes mais desesperadas tentavam acalmá-la.

– Não me arrependo - falei para o homem que me puxava. Ele me olhou, inexpressivo - até poderia arrancar os olhos dela, e ainda assim não iria me importar.

Limpei com as costas da mão minha boca, que ardia. A vice-diretora não podia acreditar. Ela berrou umas mil vezes para mim que meus atos eram terrivelmente antiéticos e iria abaixar a popularidade daquela joça que chamam de escola.

Eu, obviamente, não liguei, porque foi realmente divertido ser puxada pelos corredores da escola, enquanto minhas mãos e outras partes do meu corpo respingavam um sangue que não me pertencia. Minha camiseta estava com algumas manchas de sangue frescas em alguns locais - em parte meu também - e eu sentia uma onda frenética que me ajudou a esquecer que eu estava sentindo muita dor.

Na realidade, foi muito prazeroso melar meus dedos de sangue. Me senti debilmente feliz o caminho todo até a diretoria. Os alunos que passavam pelo corredor me olhavam, assombrados, indo até mesmo para trás. A professora de português saiu de sua sala de aula para ver o que era aquela barulheira toda. Quando me viu, colocou a mão no coração e pareceu incrédula.

Fiz um paz e amor para ela enquanto andava rapidamente até a sala do diretor.

Hum, isso daria merda.

*

A saleta daquele velho não era um dos meus locais preferidos da escola. Minhas mãos estavam embrulhadas em papel toalha já manchados de sangue. Eu havia me olhado no espelho e, realmente, eu estava horrível. Meus lábios estavam cortados em vários locais, com direito a band-aid no canto esquerdo da minha boca. Meu supercílio havia ido para o saco, sangrando feito um condenado. Minha narina direita estava com um rastro de sangue pisado. Minha barriga estava dormente em certas áreas, e eu ameacei vomitar três vezes desde que havia chegado ali.

Eu já estava pronta para ir ao Dia das Bruxas como esposa do Drácula. Ou jantar, não sei, tanto faz.

O diretor passou os dedos na cabeça careca, sem saber o que fazer.

– Katrina, Katrina, você é uma excelente aluna, mas uma péssima pessoa. Da última vez eu tentei relaxar para você, e a senhorita me jurou que nunca mais faria isto. Mas aí, no que eu me reparo? - ele apontou vagamente para mim - você me deixou em uma bela de uma enrascada.

Sobrou para mim. Como sempre. A culpa caiu inteiramente nas minhas costas, e as coisas que ela havia me dito se passaram em branco. Pelo jeito, atos são mais castigados do que palavras.

Mas, acredite, elas machucam igual.

É, pelo jeito, eu sou a vilã. A culpa sempre cai nas minhas costas.

Impressionante.

O diretor se recostou na cadeira de couro.

– Você não irá falar nada, senhorita Dias?

– Preciso? - perguntei, a boca meio dolorida.

Ele deu de ombros.

– Você que sabe. Tem algo a dizer?

– Tenho - confessei, séria. - Preciso mijar, sabe? Questões fisiológicas.

Ele ameaçou dar uma risadinha, mas logo parou.

– Não estamos de brincadeira aqui, o.k., Katrina? Sabe, absolutamente todos os dias seu nome passa por aqui, nesta sala. De forma positiva e de forma negativa. Você é alguém que chama a atenção facilmente, hein? Deveria ser alguém mais discreta.

– Avisa para os meus peitos - resmunguei, olhando para a foto de uma garotinha loura sobre a mesa dele.

Ele batucou na mesa com uma caneta de ponta fina.

– Katrina, eu, particularmente, gosto de dar uma segunda chance aos alunos. Porém, você acabou de disperdiçá-la, entende? - Ele fez cara de cachorro abandonado. - Não vou expulsá-la porque sei que você não faria algo tão absurdo por absolutamente nenhuma razão…

Arqueei uma sobrancelha.

– … Porém, vou ter que suspendê-la, filha… - Ele pegou meu histórico (havia uma foto minha ali, bem antiga, que havia tirado no início do ano passado) e começou a anotar quantos dias ficaria em casa. - Por uma semana. Você está dispensada. Aliás, é melhor que vá para casa antes que mais confusão aconteça.

Ah, Deus, minha mãe vai me matar.

Dei um suspiro baixo, um pouquinho agradecida por meu castigo ser tão leve assim, e me levantei. Sério, se eu fosse expulsa, provavelmente minha pele se transformaria no novo tapete da cozinha.

– Valeu, diretor - agradeci, acenando.

Ele sorriu, juntando as mãos.

– Eu entendo, sabe? Minha filha é um ano mais nova que você, e entendo as dificuldades de se estar nesta idade tão complicada. No entanto, filha, tome mais cuidado, o.k.? Isso é para o seu próprio bem. Fique em casa e reflita sobre suas ações hoje, para que você possa ser melhor amanhã.

– Claro - murmurei, girando a maçaneta e saindo da sala dele.

Caminhei pelos corredores, sem ânimo para ir até a minha sala e tentar ir para casa. Eu preferia desmaiar ali mesmo e ser sequestrada por um gorila gigante.

Subi os lances de escada, me incentivando internamente, dizendo: vamos lá, Katrina, uma semana em casa, uhul!, mas eu sabia que estava com problemas.

– De problemas já basta os naturais, Senhor - murmurei para mim mesma, me referindo ao peso dos seios, e, graças a isso, minha coluna levemente torta; além do meu risco de pegar doenças na vagina (olha o brinde do Marcos) - é sacanagem isso, sabia? Eu realmente deveria ter sido uma espartana ou um português na minha vida passada, devo ter estuprado umas dez índias com a minha genitália podre e devo ter matado alguém para ganhar tudo isso.

Algumas meninas desciam enquanto me escutavam dizer isso, com olhares meios hesitantes, pensando que eu era louca. E provavelmente eu era mesmo. Desenrolei o papel toalha das minhas mãos e os joguei em uma lixeira próxima, suspirando com melancolia.

Quer saber? Eu estava cansada disso tudo. Eu estava cansada de ser taxada como a culpada pelo meu estupro (sério, me perguntaram uma vez o que eu estava vestindo - como se a merda das minhas roupas importassem. Quer dizer que o pinto dele tem senso de moda para ficar excitadinho com a merda da minha camiseta?), eu estava cansada de ser pobre e comer feijão de manhã, eu estava cansada dessa merda toda.

Eu queria a minha cama. Eu queria dormir até o fim do mundo. Eu queria comer demais e ficar igual aos meus vizinhos: tão gordos que nem conseguem sair pela porta. Limpei o meu nariz no banheiro do segundo andar e percebi que ele ardia por dentro. O sangue pisado saiu rapidamente, e eu me enxuguei na minha camiseta, mesmo.

Entrei na minha sala sem bater, sob o olhar acusador de todo mundo. Ah, eu odeio isso. E essa parada de olhar pra cima de mim já aconteceu tantas vezes que eu mal consigo lembrar. Em parte eu sou culpada porque fico fazendo cara de maníaca para cima dos estudantes. Arrumei meu material enquanto Marcela corria na minha direção, eufórica. Ela me agarrou nos ombros, parecendo preocupada.

– Katrina, o que aconteceu com você? - ela cochichou de modo que apenas eu ouvisse.

Dei de ombros, enfiando um livro na mala.

– Fui suspensa. Uma semana em casa. - Expliquei de forma mais vaga possível, querendo sair de lá o mais rápido que podia.

Marcela fez uma cara triste.

– Oh, Deus. E você vai para casa agora?

– É - resmunguei, colocando a bolsa sobre meu ombro - fui dispensada. A gente se vê em casa.

– Cuidado, tá? - ela gritou enquanto eu saía.

Fiz um positivo para ela por cima do ombro e voltei a andar naquele corredor quase vazio. A sala do Pedro estava com a porta aberta, e pude dar uma olhadinha lá dentro para saber o que acontecia. O garoto se sentava em uma das carteiras da frente, no canto da sala. Ele estava completamente concentrado em seu caderno, e nem notou a minha presença.

O que foi uma pena, já que quando alguém aparece na sua frente com uma camisa respingando em sangue, a única coisa que você pensa é: como é sexy! Me gusta mucho!

Ri sozinha com este pensamento e andei até sair da escola. Ao sair, dei um pequeno aceno para as pessoas que me olhavam curiosas e assombradas pela janela e berrei em plenos pulmões: tchau, vadias! Nos vemos no inferno!, para que elas pudessem ouvir, e fui embora tranquilamente.

*

Fui barrada em uma esquina pela polícia.

Expliquei para o coxinha que eu havia sido atingida por um balde de tinta e que tinha médico, por isso que estava indo para casa mais cedo. Fiz cara de inocente a mentira inteira, enquanto ele avaliava o machucado na minha testa, desconfiado.

– Onde você mora? - ele perguntou por fim, tirando os óculos escuros.

– Ali - apontei vagamente para o bar do Louise, e indiquei a rua em frente - é só seguir que já estarei em casa. No máximo dez minutos de caminhada.

– Hum - ele exclamou, olhando em volta - tudo bem, pode ir para casa.

E entrou no carro como se nada tivesse acontecido.

Mas o maior desafio não era os coxinhas, os diretores ou quaisquer ordens públicas; era a fera que eu tinha em casa. Não, não era o Hércules. Era a minha mãe, mesmo. Ela iria simplesmente decepar a minha cabeça e fritá-la com ovos para comer no café-da-manhã.

Cheguei na entrada da minha casa e limpei meus sapatos no tapete escrito “você não é bem vindo”, sentindo um nó na minha gargante se formando. Girei a maçaneta com cautela, mas de nada adiantou.

Serena estava sentada no sofá, o cabelo preso em um coque apertadinho. Ela falava com Ofélia (uma amiga doida dela que sempre trazia pão de mel para mim) no telefone, e logo esticou a cabeça para encarar quem entrava.

– E aí, mãe… - A cumprimentei, me virando de costas rapidamente.

– Ah, sim, querida, espere um instante… Não, é a Katrina que chegou… - Ela tapou o celular com a mão e olhou, duvidosa, para mim - por que veio a essa hora?

Dei um sorriso falso enquanto me virava para ela. O rosto confuso se transformou em uma expressão de puro assombro.

Lá vem, pensei.

– O que aconteceu com o seu cabelo?! - Ela perguntou, e eu senti como se levasse um soco na cara.

– Mãe, há tanta coisa para você se preocupar e você fala sobre o meu cabelo? - Perguntei, cética.

– Ofélia, meu amor, te ligo mais tarde. Há questões que eu não consigo achar uma resposta bem aqui na minha frente. - Ela apertou o botãozinho do aparelho e o jogou no sofá. - O que é isto na sua camiseta? Espero, do fundo do meu peito, que seja tomate.

Pesquisei nos meus bolsos o papel cor-de-rosa. Tirei-o de lá, as mãos levemente trêmulas, e entreguei-o a ela.

– É quase isso… - falei, crispando os lábios.

Mamãe pegou o papel com desconfiança e leu as primeiras linhas. A boca dela foi se abrindo na medida que ela lia mais. Ela começou a gaguejar, incrédula.

– Você… Uma semana… - A mulher semicerrou os olhos, e eu pude ver uma força maligna emanando de sua pele. - VOCÊ FEZ O QUÊ DESSA VEZ, KATRINA?! UMA SEMANA EM CASA? VOCÊ É LOUCA?

Ia longe meus tímpanos.

Bye, bye!

Provavelmente a vizinhança inteira estava ouvindo os gritos daquela mulher. Aquilo ali era praticamente um monólogo; não disse nada a suposta conversa inteira. Ela repetiu umas três mil vezes que eu era como uma desequilibrada e que precisava me controlar mais por questões psicológicas. Por fim, ela cansou de brigar comigo e bateu no sofá.

– Agora, quero que você explique o motivo dessa suspensão de uma semana, Katrina Dias…– Ela havia crispado algumas palavras.

Nome inteiro? Era hoje que eu morria.

– Então, né, mãe? - Tentei, olhando enquanto aquele pezinho batia com veemência no chão. Apontei para as manchas na minha camiseta - tá vendo isso aqui? Então, né… É meio que… Hum, sangue. De outra pessoa, no caso.

Ela parecia ter comido a pior comida do universo.

– Você… VOCÊ ESPANCOU ALGUÉM? - É, sim, ela estava histérica. Minha mãe gritava em plenos pulmões, e, francamente, se isso não era uma punição, eu nem queria saber o que era. No fim, ela botou as mãos na cabeça, pedindo paciência às divindades - Deus, onde foi que eu errei?

Eu iria dizer: pois é, mãe, a vida tem dessas coisas; mas eu não queria morrer enforcada. Apenas me calei.

Ela passou a mão no rosto, me olhando entre os dedos.

– Por quê? Hein, por que fez isso?

Pensei por um instante.

– Uma garota disse… Coisas horríveis sobre você, sobre mim e sobre os “fatos”– fiz aspas invisíveis ao citar fatos. - Isso meio que feriu meu ego.

Ela relaxou os ombros e se largou no sofá, parecendo cansada demais para me dar mais sermões.

– Katrina, como eu disse, você precisa se controlar antes que vire realmente uma maluca. As pessoas vão te evitar desse jeito. - A mãozinha com os dedos em vinho apareceu por cima do encosto do sofá. Ela apontou para mim - e você, senhorita, está muito encrencada. Vai passar todos os seus dias de suspensão em casa. A menos que eu lhe mande para algum lugar.

Ah, isso foi previsível. Mas cruel. Não evitei e dei um pequeno suspiro, me rendendo com pouca - ou nenhuma - luta. Tcs, mães.

– Vou tomar banho, depois tirar uma soneca. - Falei, subindo as escadas devagarinho.

Estava no terceiro degrau quando ela me chamou, ligando a TV.

– Hm - respondi, dando ré e parando no primeiro degrau.

– Eu me lembrei de uma coisa: hoje de manhã, Hércules quase foi pego pela carrocinha. Eu precisava ir à cidade hoje à tarde para comprar uma coleira com identificação para ele, mas… - Ela ergueu a cabeça, sádica - vou te dar essa colher de chá. Vá hoje à cidade com o Hércules para comprar uma coleira e você fica dois dias em liberdade.

Ah, ela era muito má. Mamãe sabia plenamente que eu teria que pegar um maldito ônibus para chegar até lá, o que seria praticamente impossível com um Dogue Alemão de meio metro muito energético e não-castrado, então eu teria que ir a pé.

– Sua maldade não tem limites, mulher - grunhi, subindo a escada.

Ela riu com descaso, pegando seu celular enquanto prestava atenção em um programa de culinária qualquer.

– Ofélia? Ah, querida, perdão por te deixar esperando. É, um pequeno problema com a Katrina. Tcs, coisinha boba…

Mentirosa.

Subi toda a escada e me deparei com Hércules estirado no chão, dormindo ruidosamente. Dei uns tapinhas nele e entrei no meu quarto, cansada. Me atirei na cama e enfiei a cabeça no meio dos travesseiros, percebendo vozes no quarto da minha mãe. Provavelmente Isadora e Camila fazendo o que sabem fazer: bagunça.

Eu estava com muita preguiça naquele momento, então a ideia de me lavar (mesmo fedendo a sangue pisado) estava longe dos meus objetivos, que, resumidamente, eram dormir. Hércules entrou no meu quarto, íntimo, e subiu em cima da minha cama. Ele se jogou em cima de mim e senti minhas costelas estralando, já que ele não era nenhum peso leve.

– Ai, Hércules, seu filho da puta - xinguei, sentindo sua língua áspera na minha orelha. Ele era carinhoso de um jeito elefante de ser. - A gente vai dar uma saída hoje. Você vai provar sorvete. E chocolate. E outras merdas que podem te matar, mas você vai provar. Todo mundo dá doce para o seu animal, né? Faz parte da vida.

Ele fez um barulho estranho e solitário e aninhou sua cabeça no meu cabelo. Ele era pesado, e eu sentia como se uma pele de urso polar estivesse em cima de mim. Fechei os olhos, sonolenta. Justo quando eu estava pronta para despencar ali mesmo, morta de sono, Hércules decidiu me acordar de uma maneira desagradável. É, sim, ele soltou um pum.

– Ah! - Exclamei, com desgosto - Hércules, fora daqui! - Empurrei-o pelo peito, tentando tirá-lo de cima da minha cama. Aquele cachorro precisava urgentemente de um banho - vai, vai, vai!

Ele, no fim das contas, com muito choro e muita luta, correu para fora do meu quarto. Sentei-me na minha cama e fiquei observando aquele sangue seco na camiseta. Agora que eu tinha parado para pensar, eu realmente fiz uma merda. E das grandes.

Eu poderia ir facilmente para a cadeia desse jeito.

Um sorriso malévolo se formou em meus lábios.

Mas, bem, quem sou eu para me importar?


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Notas finais do capítulo

Olá! ~aparece de novo
E aí, meus lindinhos, o que vocês acharam do capítulo? Hein, hein? *sei que o Pedro não fez uma aparição a là Pedro, mas ele terá seus momentos de glória futuramente, hehehe*
Não sei vocês, mas eu gostei muito desse capítulo. Sinto que minha missão foi completada com sucesso. E, eu, particularmente, queria muito ter o quarto do Jonas. E aquela foto do Chris também, cof, cof.
E, vocês sabem, né, amores, qualquer errinho... Me avisem ;---;
Hahaha, mas espero que vocês tenham gostado, mesmo!
Comentem Bastante! *000*