Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 60
Três em Três


Notas iniciais do capítulo

Oláaaa /o/
~desvia das pedradas
Gente, calma, AINDA não me matem agsjfiejgoejeg Eu passei, recentemente, por um dos meus vários e lindos e fdms bloqueios criativos, então ficou treta escrever o final. Espero que esteja bom, falando nisso augeijdegiei
Ah, outra coisa: o capítulo não será tãaaao voltado para a comédia assim. Focará mais nos sentimentos conflituosos da nossa vilã preferida de todos os tempos (convencida eu, cof). E, ah, o final tá super lindo, vocês irão amar (olha eu atentando ahfgijegigjue)
Lindos do meu coração, a fanfic tá cheia de recomendações e comentários lindos/maravilhosos, o que me faz querer escrever mais rápido! Muito obrigada, onigiris! Fico suuuper feliz!
Aaah, gente, acessem esse site: http://davedonut.deviantart.com/art/Banner-WEbsite-v03-412695674
Eu fiquei várias horas brincando com todos... Mas, enfim, vamos ao capítulo, aeeehoo /o/
Espero de coração que vocês me perdoem pela demora e que aproveitem *uu* Qualquer errinho bobo, por favor, me avisem nos comentários g.g
Boa leitura, amores!



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Enquanto eu estava me trocando, cogitei várias vezes me matar enforcada com um cinto de couro enquanto eu me jogava pela janela.

Eu estava parecendo uma daquelas secretárias que têm um caso às escondidas com o patrão. Prendi meu cabelo em uma trança de lado, e fiquei me observando no espelho. Aquela camisa lavanda terrivelmente feia, saia social e sapatilha preta.

Me segurei para não botar fogo na casa. Inspirei umas três vezes, para abaixar a raiva. Marcela e Jonas estavam conversando, sentados no colchão. Eles ainda não sabiam daquela pérola de ontem à noite, e eu pretendia guardar segredo.

A gente nunca precisa contar tudo para uma determinada pessoa. Mesmo que você confie nela. Algumas coisas são feitas para serem guardadas conosco. Como, por exemplo, os dias em que você está menstruada.

Jonas deu um suspiro.

– Ah, você está tão linda.

– Linda para ser a madrinha de uma berinjela.

Ele jogou uma almofada em mim.

– Para com isso! - Jonas abraçou o travesseiro de Marcela, parecendo indignado. - Não acredito que irei perder a oportunidade de te ver sendo gente boa. Você irá engolir sapos e não agredirá ninguém! Queria ser uma mosquinha para ver o que irá acontecer.

Dei um sorriso, parecendo uma delinquente.

– Uma pena, né? Mas, só para refrescar minha memória, o que a minha mãe disse em relação a vocês, mesmo?

Sim, eu fazia questão de esfregar na cara deles. Depois fazê-los lamber e engolir aquela ordem.

Ambos deram um muxoxo, obviamente ressentidos, e reproduziram em uníssono:

– “Fiquem no quarto da Katrina, quietos; não façam barulho e finjam que não estão aqui. É só por algum tempo, amores.”

Comecei a rir da cara deles.

– Isso, agora fiquem aí, com esse saco de batatas e refrigerante, conversando sobre suas vidas medíocres e sem graças. Até mais, vadias.

Saí do meu quarto a base de travesseiradas. Ri sozinha, enquanto descia as escadas cantarolando. Olhei em volta, naquela casa limpa demais para o meu gosto. Mamãe estava sentada no sofá, limpando-o.

– O.k. - Ela falou, olhando para mim. - É o seguinte: você atenderá a porta. - Ela olhou em seu relógio de pulso. - Eles irão chegar dentro de minutos! - Mamãe bateu em suas bochechas, aflita. - Será que eu pareço nervosa demais? Ou estressada demais?

Cruzei os braços, fitando a porta.

– Para de frescura, mulher. Arruma esse cabelo, senta no sofá direito e confia em mim.

Ela ficou me encarando. Minha mãe fez uma cara de desgosto.

– Prefiro dar a minha vida para uma capivara cuidar. Da última vez que eu confiei em você os resultados não foram muito bons, filha.

Me senti terrivelmente ofendida. Joguei minhas mãos para a cintura, incrédula.

– Às vezes eu fico me perguntando se alguém me ama de verdade nessa bolinha azul de seis sextilhões de toneladas cheia de gente que merece uns tapas na bunda.

Ela deu uma risada histérica, aproximando-se de mim devagarinho.

– Pare com isso, Katrina. Você é a minha filha adorável meio endiabrada, mas eu ainda assim te amo. Sou sua mãe, afinal de contas.

Eu ia falar alguma coisa, mas bateram na porta suavemente. Eu e minha mãe nos entreolhamos. Ela fez com os lábios: são eles, e correu para sentar-se no sofá. Pigarreei algumas vezes, completamente sã de que eu iria fingir ser algo que eu não sou para agradar minha mãe e comer chocotone.

Caminhei até a porta, e, num movimento rápido, girei a maçaneta, abrindo-a rapidamente. Dei um sorriso extremamente falso, daqueles que fazem os olhos ficarem miudinhos.

Uma mulher de meia idade, muito baixinha estava sorrindo na minha direção. Ela era japonesa. Ou chinesa. Ou tailandesa. Ou coreana. Bom, na dúvida, ela era asiática, pronto. Ela deu um sorriso bonitinho de novo.

– Ah, você deve ser a Katrina, certo? - Ela adivinhou, com sotaque.

Assenti, gentil. Eu poderia facilmente substituir a Megan Fox nas telas.

– Eu mesma. É um prazer conhecê-la. - A cumprimentei com um aperto de mão delicado.

Em outras situações eu já teria quebrado aquela espécie de patinha miúda.

Mamãe se levantou com cortesia e encaminhou-se em sua direção. Ela sorriu para a asiática e lhe deu um abraço apertado. Fui fechando a porta, distraída, enquanto encarava as duas, que adentravam em casa, conversando.

Já estava quase fechando-a quando alguém me impediu. Olhei para cima por instinto, surpresa.

– Desculpem, moçoilas, estou atrasado.

Era a voz de um homem. E ele tinha um sotaque forte demais. E era um sotaque escocês. Abri a porta e espiei a pessoa.

Um cara muito bonito, chuto uns trinta e cinco anos, estava ali, sorrindo para mim. Ele era muito forte e grandão, e eu tive que olhar um pouco para cima para ver seu rosto. Mas o que mais me impressionou foi o fato de ele ser ruivo. Isso, ruivo como eu. Eu havia encontrado um panda da minha espécie. Ele tinha muita barba e os olhos eram pretos e opacos; seu ruivo era forte e chamativo, como o meu. Ele vestia uma camiseta apertada, listrada em branco e azul e jeans. Seus braços proeminentes estavam de fora, revelando tatuagens de âncoras, sereias e barcos. Ele provavelmente fora da marinha.

Então, como se lesse meus pensamentos, o homem olhou para mim. Ele se inclinou na minha direção e olhou para os lados, tampando uma parte da boca.

– Sei o que você está pensando. - Ele sussurrou, os olhos semicerrados. - Todo mundo pensa que eu sou um comandante da Marinha Brasileira, mas não. Somente fui criado em um barco. - Ele sorriu e piscou. - E eu comprei essa camiseta porque tava em uma promoção. Leva quatro pague duas. Ou algo assim.

Comecei a rir. Aquele cara era engraçado. Não sabia o porquê de ele estar aqui, mas sorri para socializar. Fechei a porta quando ele entrou. E foi aí que uma coisa muito estranha - e previsível - aconteceu. Mamãe foi cumprimentá-lo, mas parou no meio do caminho. Ela ficou estática, encarando-o.

Ah, não. Eu conhecia aquela expressão de: meu Deus, que homem é este? dela. Ah, não.

Ah, Deus, não!

Só para deixar bem claro: minha mãe meio que tem uma coisa bem louca em relação aos ruivos. Porque meu pai era ruivo. E eu sou também. Só para ter noção, enquanto eu vivi, ela teve quatro namorados de longo prazo.

Todos eles eram ruivos. E meio doidos. Sério, tinha um que usava uma cueca com um rabo postiço de gato colado na bunda. Quando eu vi aquela peça pela primeira vez, deixei de dormir por alguns dias. E o pior de tudo é quando ela acaba o relacionamento…

Você não tem ideia de quantos potes de sorvete napolitano essa mulher consegue ingerir em dois dias, enquanto assiste os filmes baseados nos livros de Nicholas Sparks, completamente embrulhada em cobertores e chorando. Sempre ficava ao lado dela nesses momentos. Afinal ela ocupava meu sofá e minha TV. E lembro-me que tinha de pentear o cabelo dela. Imagina você pentear alguns metros de cabelo naturalmente encaracolado enquanto sua mãe se debatia no sofá.

Era um inferno.

Acho que minha mãe teve uma queda por esse cara. Bati no meu rosto, incrédula. Irá começar tudo de novo. Adeus poupança. A velha coreana-japonesa-chinesa-tailandesa sorriu e bateu de leve no braço dele.

– Ah, Serena, querida, este aqui é o Chris. Ele é um amor de pessoa, acredite! Ele mora no apartamento de frente a minha casa, e se ofereceu a me acompanhar, já que meu assistente pegou gripe.

Olha, eu estava me segurando muito para perguntar se ela gostava de pastel de flango. Tampei a minha boca, abafando uma das minhas gargalhadas escandalosas com este tipo de pensamento.

Chris sorriu para a minha mãe. Ele pegou sua mão delgada e alva, e acariciou seus dedos. Ah, isso estava ficando perigoso. Mamãe pareceu voltar do mundos dos sonhos e sorriu, apertando a mão dele. Como eu, ela era uma ótima atriz.

– Ah, olá, Chris. Obrigada por comparecer; é um prazer.

Ele sorriu também, apertando levemente sua mão.

– Ah, o que é isto? O prazer é todo meu.

Pigarreei quando ela me lançou um olhar de: obedeça ao plano!

O plano era simples: pegar suco para os convidados e ser amigável. Mas só era simples na teoria, mesmo. Porque na prática eu queria matar todo mundo a base de facadas.

– Huum, eu vou pegar um… Um suco para nós. Já volto.

Sorri e me virei. Quando entrei na cozinha e vi que eles não estavam me olhando, uma careta de puro espanto se formou no meu rosto. Ah, realmente, ser gentil só atrapalha as vidas das pessoas. “Pega aquilo para mim?” “claro, claro” “faz isso para mim?” “claro, claro”. “Pra mim” é sempre usado quando as pessoas querem se aproveitar de você. Abri a geladeira e peguei a jarra de suco natural, que Isadora tinha feito. Era de laranja, só que sem aquelas coisinhas desagradáveis que flutuam. Ela fazia um suco de laranja divino. Peguei quatro copos e distribuí o líquido. A quantia maior obviamente ficou no meu copo.

Olhei pela janela da cozinha. O outro lado da rua estava inabitado. Porém, depois de algumas horas, eu estaria entrando em território perigoso. Território que, no caso, eu mesma me coloquei.

– Droga. - Resmunguei, pegando os copos com dificuldade. - Vou ter que separar meu material de matemática.

*

Quatro horas depois, eles finalmente estavam indo embora. Eu estava encostada no batente da porta, observando Chris brincar com Hércules de cabo-de-guerra com um pedaço de pano. O cachorro estava ganhando e dando um chocolate fatal nele. Mamãe ainda falava, sorrindo, com a mulher. Hora ou outra ela me elogiava, falando que eu era muito educada, competente, bonita e uma excelente filha. Eu ia me jogar e dizer: eu sei, vadia, mas me segurei para não estragar o disfarce.

– Ei, Chris, vamos logo, seu imprestável. - A mulher o chamou, dando um sorriso.

– Espera… - Ele começou, ofegante, enquanto puxava o pano. - Tá meio… Difícil… - Ele começou a rir quando Hércules o jogou no chão. Ele puxou-o para perto e lhe deu um abraço, enquanto Hércules pulava de um lado para o outro. - Eita, cachorro! Este aqui é dos bons! - Chris deu um tapinha gentil em suas costas. - Hércules. Um excelente nome. Combinou perfeitamente.

Eu sei. Afinal tinha sido eu que escolhi.

Sorri enquanto via a mulher se aproximar de mim com os braços abertos. Retribuí o abraço, afagando as costas dela com cortesia. Mamãe abafou um riso atrás de nós; ah, como ela gostava de ver eu me contorcendo por dentro de raiva. Revirei os olhos com a demora exagerada do abraço. Ela era miúda e seu cabelo preto fazia cócegas no meu nariz.

A mulher finalmente se afastou, e sorriu para mim.

– Ah, Katrina, saiba que você é um amor de pessoa! E aquele suco estava muito bom. Espero te ver de novo! Foi um prazer conhecê-la.

Dei um risinho tímido.

– Ah, que isso. O prazer foi todo meu, acredite.

Na realidade não.

Ela sorriu e passou a mão no meu braço.

– Tchau, tchau, Katrina.

Acenei, alegre, para ela. Alegre porque ela tava indo embora.

– Tchau!

Chris largou Hércules quando viu que era impossível ganhar dele. Ele arrumou a camiseta, que estava toda amarrotada, e passou a mão na minha cabeça.

– A gente se vê, moça marinheira.

Sorri.

– A gente se vê, barbudo.

Ele deu um sorriso e foi dizer tchau a minha mãe. E aconteceu aquela coisa melosa; senti que pegaria diabete se ficasse ali por muito tempo, então entrei em casa. Comecei a subir as escadas, bocejando. Ah, sim, eu tinha que ir até a casa do Pedro para ensiná-lo algumas coisinhas.

Ah, meu Deus.

Parei de repente na escada, agora ciente da merda que eu havia feito. Será que ele iria tentar alguma coisa?

Ah, que pergunta mais idiota! É claro que ele iria tentar alguma coisa. E sabe qual é a pior parte? Isso seria mútuo. Isso aí, malandro, é bem capaz de eu gostar.

Meu Deus, eu realmente estava me tornando ainda mais depravada.

Bati nas minhas bochechas e alcancei o andar superior com pensamentos nada inofensivos em mente. Arranquei a camisa lavanda antes de chegar no meu quarto. Peguei na maçaneta cor de prata e espirrei, lembrando-me que ainda estava gripada. Precisaria de uma xícara de achocolatado mais tarde, para me esquentar por dentro.

Abri a porta e me deparei com Jonas, Marcela e Camila, todos deitados na minha cama. Eu odiava que deitassem na minha linda cama, e eles lá, quebrando todas as minhas regras e se esparramando feito macacos nela. Barney estava jogado em um canto, de barriga para baixo. Revirei os olhos e abri meu guarda-roupa.

Ele estava normal, com tudo embrulhado e socado dentro. Graças a Deus. O clima melhorou bastante desde então. Estava abafado, sem o sol sorrindo para as pessoas. Decidi colocar uma regata para passar o dia. Eu gostava bastante daquela camiseta, porque era confortável. Ela era bege e tinha rendas nas alças. Coloquei uma calça jeans cinza e tênis sem meia. Tive que pular para enfiar a calça. Bocejei, cansada de todo aquele silêncio. Desfiz minha trança com uma cara de morta estampada no rosto. Prendi meu cabelo em um coque bem apertadinho, para que não tenha o trabalho de fazer e refazer o penteado inúmeras vezes. Coloquei um grampo na minha franja, prendendo-a para trás.

Vasculhei novamente meu guarda-roupa. Pesquei minha bolsa, que estava guardada - socada, enfiada, menos guardada - ali, e procurei meu caderno de matemática. Logo o achei, já que eu tinha desenhado a cara monga do professor de pinto pequeno no cantinho da capa.

Peguei meu estojo e o abri, pegando uma caneta azul e a coloquei sobre a orelha. Guardei o estojo de volta na bolsa e a guardei - enfiei, soquei - de novo no guarda-roupa. Fechei a porta quando saí do quarto.

Desci dois degraus por vez e encarei a minha mãe, que estava toda sonhadora, sentada no sofá. Isadora já estava na cozinha, cantando e limpando. Ela havia ficado no quarto de hóspedes, que acabou virando o quarto dela já que não tínhamos hóspedes. Além dos meus escravos. Mas Jonas dormia na sala e Marcela no meu quarto, então não havia necessidade.

– Vou sair - anunciei, andando até a porta e abrindo-a.

Não recebi resposta - como se precisasse - e saí de casa. Hércules estava dormindo, relaxado, perto da piscina. Passarinhos voavam apressados de um lado para o outro no céu. Pessoas passeavam na rua, sem nada para fazer. Havia um grupo um pouco distante da minha casa, empinando pipa.

Atravessei a rua com passos rápidos depois que um carro passou. Entrei no quintal dos Marconni e bati em sua porta.

Esperei alguns segundos, olhando fixamente para a grama verde, e a porta finalmente se abriu. Pedro que havia atendido. Ele sorriu pra mim.

– Oi, megera. Como vai?

– Muito bem. - Ficamos ali por alguns minutos. Apontei para sua casa. - Então… Vou entrar ou as coisas vão se teletransportar magicamente até aqui, me impedindo de subir os degraus?

– Ah! - Ele exclamou, como se percebesse agora que eu deveria entrar. Pedro escancarou a porta para que eu pudesse passar. - Por favor… - Ele apontou para dentro.

Sorri e passei por ele. Já estava acostumada a entrar na casa do Pedro, mesmo que isso soe estranho. O irmão dele estava sentado na sala, lá no fundo. Ele acenou, alegre para mim.

– Oi, Katrina! - Ele me cumprimentou, animado.

– E aí. - Respondi, fazendo um pequeno aceno com a mão.

O rosto de Valentina apareceu ao lado do rosto do garoto. Ela me olhou, parecendo enojada. Olhei para ela sem expressão. Não estava com saco para discutir com seres medíocres, como ela, no momento.

Deduzi que ficaríamos junto com eles, então comecei a andar, indo em direção à sala. Pedro pegou o meu cotovelo depressa e me puxou de novo, aproximando-me dele. Olhei, confusa, para o italiano.

– Vamos para o meu quarto. - Ele falou simplesmente, casual.

Oh, Deus, não. Isso iria dar merda. Ele percebeu meu nervosismo.

– Ei, calma. Não é como se eu fosse machucá-la.

Valentina bufou atrás de nós.

– Sabe, Pedro, eu mesma poderia dar umas dicas para você.

Ele ergueu o olhar do meu rosto e a fitou não muito paciente.

– Desculpe, Valentina, mas Katrina sabe um pouco mais do que você. Eu fico te devendo.

Até quando ele quer ser grosso, Pedro acaba sendo educado. O italiano pegou na minha mão e me puxou escada acima, apressado. Ele abriu a porta do quarto dele e esperou que eu entrasse primeiro.

Tudo estava diferente de novo.

A cama dessa vez estava colocada sob a janela; a estante se moveu, dando lugar a uma mesa e duas cadeiras com rodinhas. O duende segurando as bolas da mulher estava ali. Fiz uma careta.

– Nossa, eu odeio esse duende. Vou jogá-lo pela janela.

Ele deu um risinho enquanto fuxicava no seu guarda-roupa. As camisas dele estavam penduradas em cabides, por ordem de cor; o tom mais forte para o mais fraco. As camisetas normais estavam dobradas em uma montanha perfeita. E haviam várias colônias, band-aids, acetona, um pente e uma caixa de lenços ocupando o resto de lugar vago.

– Uau - exclamei. - Sua mãe fez um ótimo trabalho.

Ele deu um riso e tirou de lá sua mochila preta. Pedro deu uns tapas nela, tirando o pó.

– Não foi minha mãe quem arrumou meu guarda-roupa. Fui eu, Katrina. - Ele deu de ombros, como se desculpasse. - Sou meio neurótico no quesito limpeza.

Ele estava certo. Me sentei numa das cadeiras e passei o dedo na mesa. Não havia pó nenhum. Coloquei meu material ali.

– Você daria um ótimo marido. - Soltei.

Pedro olhou para mim, cético.

– Sério isso? - Ele perguntou, enquanto tirava seu caderno da mochila - obrigado, então. Mesmo que pareça meio bizarro você me elogiando.

Sim, era bizarro. Pedro jogou seu caderno em cima da mesa com desleixo, enquanto deslizava pela cadeira, segurando um estojo preto. Ele coçou o cabelo.

– Olha, eu sei que parece que eu sou meio lerdo, mas não é verdade. Matemática é a única matéria em que eu tenho um pani no cérebro, aí nada entra.

Assenti, compreensiva.

– Sei como é. Isso acontece comigo, só que com biologia. Ninguém merece. Tipo, cara, eu não quero saber porque minha cera de ouvido é importante. Eu já vi gente enfiando o dedo na orelha e dizendo que tava com coceira no dente. Cara.

Pedro riu escandalosamente. Era engraçado ver outra pessoa rindo como uma foca; quando é você, não é legal.

– Isso foi extremamente nojento, megera. Você deveria me deixar fora dessas suas pérolas. - Ele colocou a mão sob o queixo, me encarando, divertido.

Revirei os olhos com um sorriso enquanto abria o caderno.

– O.k., marujo, qual é sua dúvida?

Pedro abriu seu estojo e tirou de lá uma caneta azul. Ele ficou olhando fixamente para o meu caderno, até que ele bateu com a caneta em uma folha.

– Uhm… Fica meio difícil dizer: ah, é nisto aqui que tenho dúvidas!, sendo que não sei. Ah, Deus, como eu queria pular para a parte em que eu me torno rico logo.

Dei tapinhas nas costas dele, compreensiva.

– Sei muito bem como você se sente. Mas a vida não é um mar de rosas. Lembre-se que ainda tem o vestibular.

Pedro gemeu em desgosto, como se a ideia fosse terrível. E foi aí que eu percebi uma coisa se movendo na cama dele. Fiquei encarando aquela coisa branca e peluda, roncando na cama do Pedro. Duque estava com as pernas para cima, dormindo como um anjo. Seu rabo se mexia algumas vezes, inquieto. Ele parecia estar sonhando com sardinhas.

Pedro deu um sorriso de pura adoração.

– Fofinho, né? Tenho vontade de mordê-lo e apertá-lo o tempo inteiro. Principalmente quando ele pede para ser acariciado. - Ele olhou para mim. Pedro pegou meu grampo e o retirou do meu cabelo, fazendo com que minha franja caísse como uma cortina sobre meus olhos. - Aaah, megera… Agora você parece a garota do “sete dias!”.

Ele imitou - sem sucesso - uma voz macabra quando citou “sete dias”. Assoprei minha franja, sem paciência com crianças levadas. Encarei-o, sem humor.

– Larga de graças, Pedro - estiquei minha mão. - Me dê meu grampo.

Pedro sorriu como um garotinho de três anos. Ele enfiou o grampo na camiseta, de modo que ele se prendeu em sua gola. O garoto esticou sua mão e apertou minhas bochechas de um jeito desnecessário.

– Você também, megera. Você tem umas bochechas mordíveis. Eu tenho vontade de ficar te apertando e te mordendo. - Ele olhou para cima. - Mas eu não quero ir para a cadeia, então é melhor eu me segurar.

Antes que eu desse uma voadora na cara dele, agarrei meu grampo da sua gola e me afastei, dando um empurrão no chão para criar impulso na cadeira. Ela bateu na perna da mesa, e Pedro se arrumou no lugar dele.

– Isso foi cruel, Katrina. Afastando-se de maneira tão malvada.

– O.k. - Falei, batendo na mesa quando havia recolocado meu grampo. - Vamos começar do básico… Manja das equações?

E ficamos ali por cerca de uma hora. Pedro sabia bastante coisa, do mesmo jeito que se embananava na hora de resolver. Ele fazia com cautela, e a letra dele era um pouco pequena. Eu estava folheando algumas páginas de uma revista enquanto ele resolvia os problemas.

– Katrina - Pedro decidiu quebrar o silêncio.

– Hm.

– Você… Hum… Parece alheia no que se diz respeito aos comentários que fazem de você na escola. Já peguei dois rapazes te chamando de… - Ele batucou no caderno com o lápis - nomes feios…

Sorri, satisfeita.

– Ótimo que eles estejam falando de mim. Adoro ibope. Teve um dia que uma garota do primeiro ano chegou perto de mim enquanto eu estava comendo no refeitório e perguntou se eu assassinei uma garota chamada Lara. - Fiz uma careta. - Então, para socializar, eu disse que sim, mesmo que tinha sido mentira. E ainda completei, dizendo que eu matei a garota porque ela me interrompeu enquanto eu estava comendo. Aquela menina me evita até hoje, não sei porquê.

Virei a página, indiferente.

Ele se remexeu na cadeira, inquieto.

– Mas tipo, você não tá nem aí com os apelidos? Nada assim? Pra você tanto faz?

Assenti.

– É. Pra mim tanto faz.

Ele parecia chocado. Pedro voltou sua atenção ao caderno.

– Isso que eu chamo de “ignorar”. - Ele murmurou, rabiscando a folha.

Dei um risinho.

– Não é ignorar, Pedro. Eu somente evito contato com raças inferiores, entende?

Ele deu uma risada escandalosa.

– Ah, megera, você é realmente uma figura - ele coçou o queixo, parecendo pensativo. - Acho que você consegue fazer uma pessoa rir em qualquer momento.

Dei de ombros.

– Eu sei. Mas Pedro, e aí, como ficou isso?

Ele olhou para mim, depois para o caderno.

– É, tá andando.

Joguei a revista na cama dele, fazendo com que Duque se assustasse e caísse, miando. Dei risada da cara dele e empurrei a cadeira, de modo que eu ficasse perto do garoto. Peguei o caderno dele sem avisá-lo e batuquei com a caneta numa equação.

– Olha, a fórmula é essa: ax² + c³ = 0 - expliquei, anotando no caderno dele.

Pedro prestava atenção, prestativo. Ele apoiou seu queixo no meu ombro, de maneira que seu cabelo roçasse no meu pescoço. Espasmos percorriam o meu corpo por conta das cócegas. Estava abafado e não havia vento dentro daquele cômodo. Por isso eu estava suando como um porco velho. Pedro parecia não se importar. Me remexi, tentando afastá-lo.

– Pedro, estou grudando. Não me toque.

Ele não parecia se importar com as gotas de suor escorrendo no meu pescoço. E nem com o fato de que eu estava gripada. Ele inclinou a cabeça, sem desgrudar os olhos do papel e esfregou os lábios no meu ombro, atrevido. Então, do nada, ele mordeu a alça da minha regata de um jeito simples.

Relâmpagos da noite anterior açoitavam a minha mente de um jeito assustador. Se isso não era pressão eu realmente não queria saber o que era.

– Pare com isso– grunhi, tentando me afastar de novo.

Ele deu uma risadinha abafada.

Isso o quê? Eu não estou fazendo nada…

Pedro colou seus lábios suavemente no meu pescoço. Todos os meus pelos se eriçaram em um movimento brusco, fazendo-me dar um pulo.

– Hm… Você é sensível aqui, então?

Uma voz na minha cabeça gritava, desesperada: “DANGER!, DANGER! CORRE, FOGE! PULA PELA JANELA!”

Provavelmente ela estava certa.

Pedro havia descoberto um dos meus pontos fracos; na realidade, eu acabei de entregá-lo de lambuja. Afastei-me, tentando - em vão - disfarçar que eu fiquei nervosa. Passei a mão no pescoço enquanto pegava meu caderno.

– Olha… Hum… Acho que encerramos por aqui…

Antes que eu falasse alguma coisa, Pedro pegou o caderno que estava na minha mão e o jogou de volta na mesa. Ele pegou as minhas duas mãos e me puxou, fazendo com que a cadeira andasse e nossos joelhos batessem. Fiquei encarando-o, surpresa. Não esperava isso da parte dele.

Pedro acariciava meus dedos suavemente. Ele olhava para mim, inexpressivo. Meu estômago estava se revirando, raivoso.

Os olhos dele estavam encarando os meus, profundos e calorosos. Muito diferentes dos meus: ríspidos, frios e vazios. Ruborizei um pouco por causa daquele olhar, parecendo me deixar transparente; sem muros ou paredes de aço indestrutível que me protegia de bombas. Meu coração estava como um vândalo: batendo forte contra o meu peito, sem respeito algum.

Ele iria me beijar, muito provavelmente. Ah, aquele bastardo ia pegar gripe.

– Katrina… - Ele disse baixinho, se aproximando de mim.

Fiquei quase vesga, acompanhando o caminho que ele fez para chegar até a minha boca.

E, realmente, ele me deu um beijo. Suave, sem muitos enfeites. Os lábios dele estavam - como o esperado - quentes, secos e macios. Meus olhos estavam bem fechadinhos, e eu estava um pouco encolhida. Fiquei tensa rapidamente.

Isso só dificultava as coisas. Ele era gentil comigo, sem ficar perguntando toda a hora se eu ia ou não aceitar o que ele havia me proposto. Mas ainda era uma forma grandiosa de pressão.

O que é bem raro porque, bem… As pessoas não gostam de ser gentis comigo pelo simples e único fato de que: eu não sou gentil com elas. Por que se deveriam dar ao trabalho, mesmo? Respeito gera respeito; coisa que eu não tenho paciência para dar.

Mas meus pensamentos foram para Plutão, dar uma voltinha ali, quando Pedro parou de me beijar para dizer:

– Não pense em nada agora, megera.

O garoto apertou meu queixo, de modo que eu fiquei meio sem ação. Apertei seus pulsos enquanto sentia minha pele formigar. Pedro pressionava meus lábios com os dele com gentileza a prática. Eu queria me soltar dele e voar pela janela, mas não vou negar que eu gosto.

Eu sempre gosto.

Mesmo que não admita. Nem para mim mesma.

Não tinha nenhum lugar para me apoiar, então agarrei sua camiseta. Ele me abraçou, cutucando minhas costas. Era como se a temperatura do quarto subisse cinco graus, assim, de graça. E, realmente, aquilo havia funcionado. Os meus pensamentos se esvaziaram rapidamente, sem deixar vestígios. Porém, graças a Deus, meu fôlego não era para sempre.

Me separei dele - com dificuldade - e encarei-o, sem ar. A boca dele estava vermelha por conta do contato que tivemos, e ele suava. Impulsionei meus pés para criar um pouco de impulso e fui para trás.

– Nós temos que… Parar de fazer isso… - ponderei, pegando meu caderno.

Pedro parecia levemente feliz.

– Do quê? De dar uma estudada juntos? Hm, não acho. Você é uma boa professora.

Olhei para ele, cética.

– Não é disso que estou falando. estudar não tem problema nenhum… Se é que você me entende.

Ele fez “aaah” e apoiou o queixo na mão, enquanto me observava procurar debilmente minha caneta, que, no caso, não estava em lugar nenhum.

– Ficaria meio chato estudar… Mas tudo bem, aceito seus termos. - Ele apontou para mim, desleixado - a caneta tá na sua orelha esquerda.

Peguei meu caderno de qualquer jeito e me levantei, atrapalhada. Duque me encarava de cima da cama, o rabo balançando levemente, como se quisesse me matar.

Sem dizer nada, me encaminhei até a porta. Peguei na maçaneta - aquela safada - e a girei. Mas logo fui impedida, porque Pedro correu e fechou novamente a porta, me prensando entre ele e aquela tábua de madeira gigante.

Fiquei como uma estátua, encarando a maçaneta, sem coragem para olhá-lo no rosto.

– Acabamos… Por hoje… Eu acho… - Falei, tentando suavizar o clima. Que no caso estava muito pesado.

Ele sorriu, parecendo satisfeito.

– Hm, o.k., então… Ah, Katrina, antes de você ir embora, quer saber do que eu vou ir na festa da Marcela?

Fiquei surpresa com aquela informação. Virei mais a cabeça.

– Quero.

– Tá bem. Vou apenas lhe dar uma dica, hein?

Ótimo.

– Tá, manda.

Sou ótima com charadas.

– Uhm… - Ele pigarreou. - Treze. Seis. Mil novecentos e quarenta e seis. Pronto, é esta a dica.

Fiquei piscando, repetindo aquelas informações na minha cabeça.

– Uma… Data?

Ele não fez nenhum comentário. Estava fazendo jogo difícil.

– Ah, para, dá uma colher de chá!

Ele sorriu, matreiro.

– Tá bom, tá bom… Mas é só porque é você. Sim, é uma data.

Pensei por um instante.

– Então… Seria… Um aniversário? Data comemorativa? Dia de morte? Uma dica de quantos anos o personagem tem?

Ele apenas fez cara de desinteressado.

– Hum… Não sei… O que será, hein?

Pedro abriu a porta, fazendo com que nós dois andássemos como pinguins para trás. Saí debaixo dele e desci as escadas. Ele veio atrás de mim, cauteloso. Não demorou muito e Duque passou em disparada por mim, se jogando na sala, com as pernas para cima. Era mais ou menos como se ele dissesse: eu que mando nessa porra.

Valentina e o irmão mais novo do Pedro ainda estavam na sala, fazendo sei lá o quê. Rodrigo acenou para mim, alegre. Provavelmente era um Pedro em versão miniatura. E, realmente, os dois eram idênticos. O mesmo cabelo areia; os mesmos olhos; o mesmo sorriso tipicamente matreiro.

Não vou mentir e dizer: ah, eu esqueci completamente e meu coração está nos conformes.

Porque seria mentira.

Além de eu estar vermelha e quente em áreas estratégicas, meu peito doía. Saímos da casa dele sob o olhar de Valentina, que me encarava com ódio. Engraçado essa parada de “ciúme”. Pode ser que não acredite, mas eu nunca senti ciúme. Nunca senti essa coisa porque sempre soube que eu era mais importante do que todos para o alvo do meu interesse. Minha mãe, por exemplo. Não importa com quantas crianças ela brinque, eu sempre serei a coisa mais importante para ela. Não há motivos para sentir ciúme de crianças ranhentas.

Ou talvez eu seja convencida demais.

Pedro fechou a porta e olhou para cima, despreocupado.

– Oh, o tempo está ficando bom. Mesmo que eu goste de dias nublados, gosto de ver o Sol também.

Era terrivelmente tentador o jeito com que os raios solares batiam no cabelo dele, fazendo-o espremer os olhos de um jeito bonitinho.

Apertei o caderno entre os dedos. Uma coisa estava entalada na minha garganta, e eu não costumava engolir sapos. Fiquei encarando o Pedro; talvez até com um pouco de ódio. Ódio porque era difícil alguém me desestruturar assim, apenas com um ou dois beijinhos. Abri a boca. Ele prestou atenção no meu show de horrores, parecendo levemente preocupado agora.

– Katrina, o que está acontecendo? Você está bem? Parece um pouco… Hum… Nervosa.

– Pedro… - rangi os dentes. - Saiba que… As chances de ficarmos juntos é de três em… Três. - Disparei.

Eu nem sei o que isso significou. Para ambos. Só sei que era isso que eu tinha entalado na boca. O sapo saltou e virou príncipe. Príncipe das destruições e caos. Pedro me encarava, a boca um pouco aberta. Isso provavelmente só encorajou aquele cara ainda mais. Antes que ele dissesse alguma coisa ou pensasse alguma coisa, disparei como uma corredora em direção a minha casa, sentindo o peito inflar.

Ouvi meu nome não completamente gritado antes de bater a porta, deixando lá fora aquele meu vizinho meio doido, meio maníaco por limpeza. E isso não mudava nada o fato de que eu estou seriamente - e debilmente - apaixonada por ele.


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Notas finais do capítulo

Oláaa, lindos e lindas *u*
UHEUHAHUFUUHEF Eu fiquei babando no final por algum tempo... É normal isso? Acho que não e.e Mas, então, e aí, o que vocês acharam? Estou, em especial, entusiasmada com este capítulo. Acho que ficou super bonitinho e tals... UHASHSAHSAUHAS Não é muito normal, mas enfim...
Espero de coração que vocês tenham gostaaaaado /o/
Comentem bastante!