Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 62
Fios De Cabelo


Notas iniciais do capítulo

Oláaaaaa o ~aparece finalmente
Onigiris, como vão vocês?! Sim, eu andei sumida por uns tempos, mas eu estou de volta. Sério, eu estava em época de prova e não tinha tempo nem para mim, imagina para escrever ;-; Maaas, graças a Deus tuudo acabou (acho que eu fui bem, hohohoho) e eu, depois de séculos, pude finalmente escrever! ~viva
Bom, só quero avisar que eu estava suuuuuuuuper animada para escrever este capítulo porque acontece uma coisa muito legal e vocês vão gostar, tenho certeza u.u Para aqueles que não gostam da Katrina e só leem por causa do Pedro (EU SEI QUE TEM GENTE ASSIM ASHUSAHASHUSHHSA) vão começar a gostar dela - assim eu espero, pelo menos. Bom, people, me perguntaram recentemente sobre Peka. Nesse capítulo tem diálogos de duplo sentido em relação à Peka, então fiquem ligados *hohoho*
Geeente, espero meeeeeeeeeeeesmo que vocês gostem do capítulo,
Boa Leitura!
PS.: Aproveitem e já peguem o sanduba, pão com mortadela mesmo, sentem numa posição confortável porque o bicho tá grande! UHSAHUSAHUSHSUA



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Normalidade.

s.f. Qualidade do que é normal. Coisa que está faltando na vida da Katrina.

Para início de conversa, me acordaram do meu cochilo antes do que eu queria. Eu pretendia dormir pelo menos umas quatro horas depois do meu banho. Mas, não. Marcela e Jonas chegaram em casa depois de duas horas, e fizeram o favor de entrar no meu quarto gritando e rindo.

Mesmo não dormindo o quanto eu queria, minhas forças habituais retornaram. O meu nariz desentupiu, e eu aproveitei para compensar todos os dias que eu havia ficado sem comer chocolate. Detonei todos os bombons que estavam dentro do Barney, escondida, sem dar para ninguém.

Me levantei depois de algum tempo, preguiçosa, e cocei minha barriga ao chegar perto do guarda-roupa. Fiquei encarando todas aquelas peças embrulhadas uma nas outras, e fiquei pensando em que roupa deveria usar.

Hum - Murmurei, coçando meu queixo, completamente em dúvida. - O Sol não está aparecendo, então nada de shorts. Mas, se eu colocar calças, vou ficar com calor já que o clima está abafado - Estralei a língua - ah, droga. Odeio São Paulo. Maldita cidade bipolar.

No fim das contas, depois de vasculhar aquele buraco por algum tempo, consegui pescar uma bermuda que não estava furada. Era jeans, bem normalzinha.

Enfiei as duas pernas ali e subi o tecido pela minha pele, sentindo o gelado contato que eu tive com os botões.

E foi aí que eu recebi uma surpresinha extremamente desagradável. Olha, eu já estava perfeitamente consciente dos meus quilinhos a mais e coisa e tal, mas eu ainda não havia entrado em contato com eles.

Até aquela hora.

É, sim, a bermuda não fechou. Para ser mais exata, não fechou, nem subiu o suficiente para esconder a barra da minha calcinha. Dei um suspiro pesado, cética. Eu tinha aquela bermuda desde os quinze, e ela cabia como uma luva desde Sempre.

É, eu estava precisando correr um pouco.

Mas, mesmo assim, não me rendi a uma mera bermuda. Não é como se ela fosse baixar o meu astral dessa vez.

Pesquei com os indicadores uma argolinha de cada lado daquela peça gladiadora e suspirei. O que eu faria naquele instante não seria muito gostoso. Dei um pulo enquanto puxava com força o jeans para cima.

Nem preciso mencionar tamanho o barulho que uma sequência de pulinhos inofensivos provocou. Era como se eu estivesse fazendo a Festa da Uva no meu quarto, mas, no lugar de uvas, eram cabeças.

Isso seria um máximo, mas infelizmente não era isso que estava acontecendo ali. Era apenas eu lutando para entrar numa bermuda.

Ridículo.

Depois de vários segundos de pura luta grega, eu saí vitoriosa. O zíper fechou, os botões se beijaram e todo mundo saiu feliz dali. Estiquei minha coluna e dei umas batidinhas na minha cintura.

– Você perdeu hoje, vadia - falei, séria, apontando para a peça.

Depois, somente coloquei uma camiseta qualquer com uma estampa de formas variadas e tênis. Meu velho, bom e confortável tênis. Penteei meu cabelo e desci as escadas, pronta para algumas horas de caminhada.

Quando cheguei lá embaixo, percebi que a minoria do grupinho habitual da casa estava na sala, assistindo à TV. Minha mãe estava na cozinha, dando frutas à Camila. Marcela virou a cabeça e arregalou os olhos quando me viu.

– Katrina, tenho más notícias.

Semicerrei os olhos com desconfiança.

– Você está grávida? - Joguei meus braços para cima - cansei de cuidar de bebês, sério. Eu tenho cara de babá Mcphee, por acaso?

Jonas começou a rir, mudando os canais da TV.

– A Marcela nunca irá ter filhos, Katrina. Ela precisa ter um namorado antes, entende? - Ele semicerrou os olhos, sabendo que estava tocando na ferida - e a única coisa no mundo que você ainda não tem é um namorado, né, Marcela?

Ela olhou para ele, apática.

– Não me envolva nas suas conversas, Jonas. - Ela se esticou para trás e me mostrou seu celular - é disto que estamos falando, Katrina. Quer dizer, é disto que a escola inteira está falando.

Ela deu play no vídeo, e meu queixo caiu instantaneamente. Era eu ali. No caso, eu estava dando uns murros na cara da Carmen. Pessoas e mais pessoas gritavam e me puxavam, tentando fazer eu parar de socar a cara dela. Daquele ângulo, a coisa parecia trezentas mil vezes pior do que realmente foi. Eu até consegui ver o momento em que o sangue manchou a minha camiseta.

– Você tá de brincadeira com a minha cara. - Essa foi a única coisa que consegui dizer. - Eu fico assim de costas?

– Pois é, estou chocada também. Tipo, como alguém teve a cara de pau de filmar? - Marcela perguntou, jogando seu celular no sofá.

– Eu também estou chocado. - Jonas admitiu, desligando a TV. - Será que a pessoa não se deu conta de que irá morrer nas mãos da Katrina?

– Jonas - Marcela censurou-o de novo - se não vai ajudar, não atrapalhe com suas falas desnecessárias.

Os dois começaram a discutir, então eu aproveitei para sair de perto e esfriar minha cabeça. Era muita informação que não iria me fazer bem entrando na minha mente sem parar, então eu realmente precisaria de alguma coisa para distrair.

Hércules estava jogado, dormindo no canto da cozinha, quase debaixo da pia, roncando como um porco. Mamãe dava ameixas para Camila, que provavelmente estava adorando, já que sua boca estava toda lambuzada e suja da fruta. Isadora limpava os armários da cozinha, resmungando alguma coisa de velha.

– Isso que eu chamo de soneca poderosa, hein. - Minha mãe sorriu, dando água para a bebê da casa.

Abri a geladeira e peguei um pote de iogurte de morango, que estava em uma das prateleiras da porta.

– Pra você ver - murmurei, fechando-a e pegando uma colher.

Fiz o ritual, obviamente. Enfiei o plástico do iogurte na boca e retirei todo o doce que estava ali antes de, realmente, comer a sobremesa. Ah, qual é, todo mundo faz isso.

Isadora me olhava com nojo.

– Você é nojenta, Katrina. Além de comer como um bode o dia inteiro e não limpar sua maldita sujeira, ainda tem que fazer essas coisas de gordo na minha frente. Meu coração é velho demais para aguentar você.

Me sentei na bancada da pia e comecei a balançar minhas pernas, rindo internamente da cara dela enquanto torcia um velho pano debaixo da água corrente da pia. Só para irritá-la, abri minha boca e mostrei minha língua a ela, expondo todo aquele iogurte já mastigado.

Ela abriu a boca, incrédula, e se virou para a minha mãe.

– Serena, olha sua filha impossível aqui!

Fechei a boca rapidamente e virei a cara para outro lado, fingindo observar uma árvore além da janela da cozinha. Mas minha mãe já havia me sacado há dezesseis anos, então apenas me olhou desconfiada.

– Isso, Katrina, vai aumentando sua carga negra comigo, vai.

Arregalei os olhos com aquela injustiça.

– Eu não fiz nada! - protestei, colocando a mão no peito. - Sou tão inocente quanto aquele caramujo. - Apontei vagamente para o parapeito da janela.

Mamãe ficou me olhando com aqueles olhinhos macabros por alguns segundos. Ela olhou pela janela e piscou algumas vezes.

– Katrina, você já viu a roseira do nosso vizinho, o senhor do 67? - Ela perguntou, limpando a boca da Camila.

– Já - Respondi, desconfiada. - Tenho que admitir: ele tem lindas rosas amarelas. Só que é um maldito mesquinho, que não deixa ninguém pegar uma única rosa. - Raspei uma última vez o potinho - já fiz o Hércules cagar no jardim dele - admiti.

Joguei o pote dentro da pia enquanto minha mãe pegava Camila no colo e a soltava no chão, para que ela fosse brincar.

– Eu acabei de ter uma excelente ideia, Katrina. - Ela sorriu de maneira estranha e apontou para mim - e essa ideia envolve, especificamente, você.

Ah, Deus.

*

A maldade da minha mãe não tem limites. O que ela fez eu fazer bate no nível dez de ridículo e de humilhante.

Tudo começou quando ela me arrastou para fora de casa pelo braço, um sorriso malvado no rosto. Paramos na frente da porta do seu Antônio, que era muito bonita por sinal: de madeira rústica, com rosas desenhadas nas bordas. O velho nos atendeu três segundos depois de batermos. A mesma aparência típica de todos os vizinhos: gordo, sentado em uma cadeira de rodas, cabelo grisalho, corpo enrolado em um roupão com cheiro de biscoitos, olhar desconfiado.

Ele nos observou por alguns segundos.

– O que querem? - Sua voz soou áspera e nada convidativa.

Mamãe sorriu de maneira agradável, como se eles fossem bons e velhos conhecidos.

– Bom dia, querido vizinho. Creio que me conhece, certo?

Ele semicerrou os olhos.

– Sim, conheço, você é a dançarina que mora ao lado. - Ele respondeu, enfiando uma das mãos no bolso e pegando um óculos embaçado.

Ela sorriu em resposta e passou a mão no meu braço.

– Bem, esta aqui é a minha filha mais velha, a Katrina. - Ela suspirou de modo melancólico para mim. - Sabe, vizinho, ela tem um coração de ouro. É tão bondosa que se propôs a cuidar de suas roseiras, já que, provavelmente, a chuva da noite passada deve ter agredido suas flores.

Minha boca caiu. Olhei, cética para a minha mãe.

– Você - Murmurei perto do ouvido dela, incrédula - mãe

O rosto daquele senhor estava tão brilhoso que achei que ele poderia morrer ali. Ele pegou minhas mãos e começou a rir, chacoalhando-as com intimidade.

– Jovem, você caiu do céu! Minhas filhas estavam mesmo precisando de adubo e de cuidados vindos de mãozinhas delicadas iguais as suas! - Ele deu mais algumas batidinhas nas minhas mãos - fique aí que eu irei buscar o material para que você possa começar o reparo!

Ele se afastou empurrando as rodas da cadeira, completamente eufórico e feliz. Minha mãe olhou para mim, inexpressiva.

– Por que você está fazendo isso, pelo amor de Deus? - Perguntei, balançando a cabeça. - Não tem dó da sua filha?

Ela riu da minha cara.

– Não, não tenho. Eu já estou te sacando há tempos, Katrina. - Ela deu algumas batidinhas no meu ombro, e murmurou bem baixinho, perto do meu ouvido: - aqui se faz, aqui se paga.

Ela me largou e começou a andar, voltando para casa. Fiquei acompanhando seu andar desajeitado, cética, tentando mastigar aquele ditado. De repente ela se virou para mim, como se tivesse lembrado de alguma coisa.

– Ah, claro! Boa sorte, filhota. - Mamãe deu um giro, tentando ver todas aquelas roseiras em sua volta - você vai precisar, porque, uau, isso aqui é grande!

Eu sabia, no fundo, beeem no fundo, que ela estava certa de fazer eu sofrer um pouquinho. Eu merecia. Porque, francamente, eu já tinha feito coisas bem cruéis na minha vida; pessoas me odiavam cada vez mais por causa das minhas atitudes. Minha mãe sabia disso. Bem, quem sou eu para superestimá-la? Ela era a minha mãe, por favor.

Quando voltei meu olhar para a casa, o velho já estava voltando; materiais de jardinagem estavam em cima de seu colo gordo, e ele sorria como uma criança no Natal.

– O.k., você pode começar por aquelas ali - Ele apontou para um ponto no jardim - são minhas preferidas, as mais sensíveis e as mais velhas. As últimas podem ser aquelas - ele apontou para um arbusto cheio de rosas negras. - São novas, chegaram mês passado.

– Uau - exclamei, percebendo aquelas ali só naquele instante.

– Sim - ele concordou, se movendo para fora - uau, Katrina.

*

Olha, eu devo admitir: aquilo ali foi mais legal do que eu pensei.

E isso se deve por vários motivos.

Um deles foi o fato de que o velho Antônio era um senhor muito legal, inteligente e apreensivo. Mesmo sendo um ex- sargento cheio de mágoa, ele era uma boa pessoa. Enquanto eu espalhava cocô de cavalo, jornal, cascas de frutas e outras coisas nojentas que formam o adubo nas plantas dele, o velhote foi me explicando o significado de todas as rosas que ele tinha ali.

Quando cheguei em uma roseira completamente cor-de-rosa (nunca me abandona), ele deu uma risadinha.

Eu, particularmente, gosto muito desta rosa. - Falou ele, me passando uma tesoura de poda.

– Ah, é? - Perguntei, interessada, retirando de vista uma erva daninha - por quê?

Ele se reclinou sobre a cadeira.

– Ah, a rosa cor-de-rosa guarda um grande significado por trás da cor simpática dela. Quem lhe oferece esta rosa, está dizendo que não guarda segundas intenções em seu coração, que é uma pessoa confiável. No buquê de casamento da minha mulher ela estava presente.

– Eu gosto de rosas. - Falei, me levantando e pegando o regador do colo dele. - Minhas preferidas são as amarelas.

Ele coçou o queixo.

– Isso foi irônico, sabia? Dizem que as rosas amarelas, para os adolescentes, podem significar malícia. - Ele deu de ombros - para os céticos representa alegria.

Não fiquei surpresa.

– Sempre há malícia na alegria adolescente - falei, levantando o queixo.

Ele começou a rir, fazendo seus olhos ficarem miudinhos.

– Verdade, verdade! Ah, Katrina, toque esta flor, a textura dela é bem interessante.

O outro motivo era que o cheiro das rosas era tão gostoso e tão agradável que era praticamente impossível se aborrecer perto daquelas plantas spp.

E o último, mas não menos importante, era que o Pedro havia - finalmente - decidido tirar as teias da aranha da guitarra dele. Ele havia escolhido a forma mais prazerosa de se fazer isso: tocando, obviamente. O que foi uma grande surpresa, para ser sincera, já que fazia décadas desde a última vez que eu tinha escutado ele tocar.

Pedro parecia um inútil que não sabia fazer nada nem tocar nada à primeira vista; mas, por incrível que pareça, não. Ele tocava guitarra muito bem. Ou apenas eu que havia tirado essa conclusão dele, nunca saberemos.

E ele começou tirando as arainhas muito bem, começando com um solo hábil e bem feito de Otherside.

Ou seja: aquele início de tarde foi bem agradável, mesmo que isso saindo da minha boca seja, hum, no mínimo, bizarro.

Porém, nem tudo são flores - trocadilho desnecessário, eu sei -, e, assim que o velhote entrou porque estava cansado, Pedro magicamente parou de tocar e xeretou a vista da janela dele, interessado em ver o movimento da vizinhança.

Assim que o garoto me viu naquela situação extremamente bizarra, abriu a boca, incrédulo.

Não o culpava.

Não é como se todos os dias você abrisse sua janela e desse de cara com uma Katrina Dias regando as flores do vizinho sem algemas ou crucifixos.

Deus, como isso soava ridículo. O cúmulo do ridículo, para ser sincera.

Ele olhou para os lados, obviamente procurando pelas câmeras, ou apresentadores, e, quando percebeu que aquilo estava realmente acontecendo e que ele não era louco, começou a rir só para ele.

O italiano abriu toda a sua janela e esparramou seus braços ali, se debruçando no parapeito de um jeito que pudesse me observar melhor. Ele acenou para mim, e eu respondi com o meu dedo do meio, com uma provável cara de bunda de brinde.

– Katrina, adorei seu regador! - Ele gritou de lá, rindo.

Trinquei meus dentes, querendo enterrar minha cabeça em um buraco.

– Beija a minha bunda, Pedro! - Gritei para ele, nervosa.

Naquele momento, eu sabia que ele iria me provocar. Coisas típicas de adolescentes vizinhos, não há o que se fazer.

Pedro começou a rir, tirando dos quintos dos infernos um pirulito e o enfiando na boca. Ele realmente parecia um garotinho de quinze anos atrevido.

Deixei de prestar atenção na minha cruz por alguns instantes, tirando uma lagarta intrusa de cima de uma das rosas e a jogando no chão. Quando voltei a prestar atenção no garoto de novo, quase tive um ataque do coração.

Sabe o que é pior do que um Pedro de quinze anos atrevido? Um Pedro de quinze anos atrevido com uma câmera fotográfica na mão.

– NÃO OUSE! - Berrei, abrindo a boca, incrédula. - PEDRO!

Ele apenas abriu um sorriso sacana enquanto apertava os botõezinhos da máquina.

– Vou guardar essas fotos para sempre! - Ele exclamou, feliz, levantando as sobrancelhas - faz cara de assassina agora! - Ele estreitou os olhos - não, menos, tô com medo.

– Pedro, eu vou aí, hein?! - Gritei, atirando o regador no chão.

Ele jogou as mãos para cima pedindo paz.

– Não, calma, calma! - Ele olhou para dentro da casa dele e jogou a câmera em algum lugar - pronto, sem pânico, megera! Mas - Ele rodou o pirulito - se você ainda quiser vir aqui, pode vir, estamos aí pra isso - Ele disse, casual, dando de ombros com indiferença.

Apontei com ódio para ele.

– Exclui essas porcarias, cara!

Ele balançou a cabeça em negativa.

– Nem pensar. Estou até pensando em qual moldura combinaria com este momento. Qual você acha? - Ele perguntou, olhando para um ponto distante - laranja ou verde? Ou vermelho para combinar com sua cara assassina?

Cerrei os dentes de novo. Eu odeio essas partes onde fazemos nossos papéis de vizinhos, sério.

– Pedro - falei, tentando me acalmar - se essas fotos forem parar na internet, eu - Fechei meu punho e apontei para ele - vou amassar tanto a sua cara que você ficará irreconhecível, o.k.?

Ele se segurou para não rir.

– Ah, uau, é isso que eu chamo de ameaça. - O garoto tirou o pirulito da boca e o apontou para mim - por mim tudo bem. Prometo que não vou mostrar isso a ninguém, satisfeita?

– Claro que eu estou - falei, irônica, cruzando os braços - não é como se eu ficasse tensa quando alguém tem fotos minhas guardadas. Você é um stalker, por acaso, hein?

Ele deu risada da minha cara.

– Não posso evitar, Katrina. Está no sangue, entende?

Revirei os olhos, cansada daquela conversa. Eu já estava quase acabando com aquilo ali, e não desistiria no final. E não era o meu vizinho cozinheiro que faria eu perder a atenção. Me encaminhei em direção ao regador, pisando mole, enquanto observava passarinhos gordos sentados em fios de alta tensão.

– Katrina. - Pedro me chamou de novo, dessa vez sem nenhum vestígio de brincadeira em sua voz.

– Hm - resmunguei, pegando o regador e me virando sem interesse para ele.

Pedro olhava para baixo, encarando a madeira do parapeito da janela. Ele estava sério, quase pensativo. O garoto fez um rastro imaginário com o dedo pela janela, evitando me encarar.

– Sabe, eu Hm, vi o vídeo.

Eu ia perguntar: o quê? Que vídeo? mas estava na cara que ele falava sobre o lindo vídeo onde eu simplesmente perdi a cabeça, tive o ego ferido e espanquei uma pessoa.

Lindo vídeo para se ver numa tarde com a família, realmente.

Eu não sei exatamente que parte daquela afirmação era necessária, levando em conta que o mundo inteiro já havia visto. Sério, eu aposto que neste exato momento, o papa deve estar lá, sentadinho no trono de ouro dele, chamando uns cardeais bacanas para rir junto com ele da minha cara.

Joguei minhas mãos para a cintura, ainda sentindo os vestígios de se estar doente.

– Tá, e daí? - Perguntei com descaso.

– E daí que - Ele batucou com o palito do doce na janela - Carmen está se fazendo de vítima. Mas, eu sei que ela deve ter aprontado alguma, já que você é a rainha do eu não me importo ele fez aspas no ar. - Todo mundo está falando disso, Katrina. Você está com problemas.

Abanei o nada enquanto ajeitava o regador na minha mão.

– Sempre estive. - Dei de ombros, indiferente - faz parte!

O que será que ele iria fazer se soubesse que parte da minha perdição de cabeça estava relacionada a ele? Hum, provavelmente estava questão nunca seria desvendada por mim.

Antes que o Pedro me respondesse alguma coisa, percebi que minha mãe havia saído de casa. Ela tinha um olhar travesso.

– Katrina, pare de flertar e acabe com isso logo! - Ela gritou, acenando para o Pedro - olá, querido!

Pedro sorriu e pressionou os olhos por conta do sol que batia na janela dele. O garoto acenou para a minha mãe.

– Oi, mãe da Katrina! Como vai?

Ela sorriu e cruzou os braços.

– Muito bem, obrigada. - Ela pareceu se lembrar de alguma coisa - Pedro, depois você dá uma passadinha aqui, tenho uma coisa para você, o.k.?

O italiano olhou para mim, confuso, e eu olhei para a minha mãe, as sobrancelhas juntas. Sem olhar para o Pedro, gritei:

– Pedro, nem vai, ela irá te dar drogas!

– Katrina, cala a boca! - Ela gritou, parecendo cética. Ela apontou para mim - acaba logo isso aí. Você ainda tem que ir na cidade. E já são duas e meia!

Blá-blá-blá, Whiskas Sachê.

Joguei o regador no chão, me sentindo vitoriosa.

– Você pode dobrar sua língua que eu já acabei, mulher! - Falei, erguendo o queixo.

Ela fez uma careta para mim, sem paciência.

– Ótimo, o Hércules está nos fundos da casa e o dinheiro em cima da mureta. - Ela se virou para entrar, e fez um gesto fofinho de despedida com a mão, falsa - tenha uma boa viagem e não use cocaína no caminho, filhota.

Eu odeio a minha avó, que deu cria a essa espécie chamada Dias. Sério, a minha avó teve uma forma de criar suas filhas inusitadamente. Ela nunca havia batido nelas, apenas dado um castigo à altura. Como carregar vários sacos de arroz por distâncias enormes, mandá-las limpar estábulos e merda de cavalo.

Com a mão. E criar adubo depois.

Ótima forma de educação, com certeza.

Bom, agora, essa mulher quer passar sua educação pra mim. Me mandando me ferrar de formas diferentes, como agora há pouco.

Coloquei o regador no chão e pulei o arbusto das roseiras. Entrei no meu jardim sentindo as consequências de se ficar no sol forte por muito tempo. Eu precisava de água, de um travesseiro e da minha cama.

Já, Katrina?

Sim, já.

Não esperei muito para isso. Entrei em casa à base de tropeços - meu tênis estava cheio de terra -, bebi um copo d'água, peguei os míseros dez reais que estavam em cima da mureta da escada e fiz um tchauzinho para Camila, que estava deitada no chão, com calor.

– Traz sorvete para mim, Katina - ela pediu, erguendo o olhar - tô sofrendo aqui.

– Com certeza está - falei, apontando para ela. - Estou vendo toda essa dificuldade de viver sua. Parece uma baleia encalhada na praia.

Ela começou a rir, rolando como uma gosminha no chão. Sorri e abri a porta, saindo de casa rapidamente. Eu teria realmente saído se minha mãe não tivesse gritado o meu nome.

Dei ré e olhei para as escadas.

– O quê?! - Berrei, aguçando os ouvidos.

– Agradeça à Marcela pelo dinheiro! - Ela berrou em resposta, a voz meio distante. - Foi ela quem deu!

Estranhei. Ela tinha dado porque ela quis; nunca havia pedido um centavo a ela. Expliquei isso - aos berros, claro - a ela, sem pudor. Na maior parte do tempo, eu não tinha vergonha das minhas opiniões e nem de expô-las para todos.

Os pezinhos nervosos e apressados dela apareceram na escada, seguidos de seu rosto.

– Marcela deu dinheiro para comprar uma maldita coleira que irá pertencer a um cachorro que nem ao menos é dela. - Ela apontou para mim - ela está evitando que Hércules seja levado. Então, agradeça.

Olhei para a cozinha, onde os dois estavam, e tive um deslumbre do rosto de Marcela. Ele sorria, esperando uma resposta. Mas, francamente, dez reais é apenas a sujeirinha da unha do dinheiro da mesada que Marcela ganha.

Deus, como alguém pode agradecer, sendo que este alguém é péssimo nesse quesito? Usei a cuca por alguns instantes.

– Valeu... Branquela. - Tentei, erguendo uma sobrancelha.

Isso foi o melhor que consegui, sério.

Marcela sorriu, parecendo satisfeita. Tcs, a desgraçada provavelmente estava esperando por isso já fazia algum tempo. Mostrei a língua para ela e saí de casa.

Atravessei o meu quintal e me virei para a minha casa quando cheguei na calçada. Coloquei o indicador e o polegar na boca e dei um assobio alto, chamando o meu cachorro imprestável.

Depois de alguns segundos, Hércules saltou detrás de um arbusto nos fundos da casa, alegre como sempre. Ele veio até onde eu estava abanando o rabo, a língua para fora.

– E aí - falei, dando dois passos. - Beleza?

Hércules sentou-se na calçada e começou a arfar, a língua de fora.

– Temos que andar, amigão - avisei, andando um pouco - vamos, vamos.

Ele olhou para mim, fez um barulho estranho de cachorro, como se estivesse dizendo: eu não quero andar, me leva no colo.

– Nem pensar - falei, batendo palmas. - Vamos, força soldado!

Ele me seguiu no fim, com muita relutância e choro. Eu apenas disse a ele que a Mel, a poodle fresca no fim da rua, iria ficar muito feliz se o visse, e Hércules simplesmente me seguiu como um bom cão.

Eu poderia dizer: aaaah, olha só o amor falando mais alto!

Mas no caso do Hércules - ele é um sem vergonha com as cadelas - é a copulação que fala mais alto. É, é, eu sei. O Hércules é um maldito de um pegador.

Não sei se isso é um dos efeitos das drogas, mas, as cadelas têm toda a razão. Se eu fosse uma cadela, com toda certeza eu gostaria de copular com um lindo Dogue Alemão sarado e que gosta de crianças.

Agora eu tenho certeza que é mesmo efeito de drogas.

*

Fomos o caminho inteiro conversando. Ou tentando conversar, não sei.

Nós dois atraíamos toda a atenção das pessoas que passavam por nós na rua. Bom, isso era óbvio; uma ruiva bonita com cara de assassina caminhando normalmente com um Dogue Alemão grande o suficiente para se confundir com um pônei pode mesmo causar algum alvoroço.

Caminhamos. Muito, no caso. A cidade ficava longe; tínhamos que passar pela pracinha, atravessar uma avenida e mais algumas ruas até chegar de fato àquele mar de gente esquisita.

E, quando vi que realmente tínhamos chegado e que a coisa ficaria tensa dali em diante (era três vezes pior do que um formigueiro, só que dessa vez cheia de gente perigosa querendo o seu dinheiro e ocupar o espaço entre suas pernas), agarrei Hércules pelas suas espáduas e arrastei-o avenida afora, sentindo-me levemente intimidada.

Sons altos demais de veículos em todas as direções, pessoas falando alto demais, música por todos os cantos, empurrões e esbarrões propositais; tudo isso me deixava nervosa, estressada, terrivelmente tensa. Eu provavelmente estava passando isso para o meu cachorro, que inesperadamente começou a latir no meio da rua, arreganhando os dentes para as pessoas.

Ótimo! Agora eu tinha, além das minhas preocupações como garota e cidadã, um lindíssimo cachorro de sessenta quilos descontrolado latindo para as pessoas em uma rua movimentada. E a tendencia é sempre piorar, é claro.

– Calado, cachorro! - Gritei, pegando-o embaixo do pescoço e tentando acalmá-lo.

Tentei ficar calma também. Falei para mim mesma que, se algum indivíduo ousar tocar em mim, eu iria aplicar com perfeição (encorajamentos e otimismo são bem-vindos) algum golpe de muay thai e fazê-lo comer grama. Isso de fato me deixou bem mais tranquila.

Eu não era - de longe - uma mocinha de novela indefesa. Apenas gorda e fora de forma.

Faz parte.

Talvez Hércules tivesse sentido essa minha onda de serenidade. Ele parou de pular como uma cabra, mas ainda assim estava desconfiado, como se dissesse: hey, mãe, por que estamos aqui? Eu não gosto deste lugar! Quero voltar para casa!

E eu o entendia perfeitamente. Nada melhor do que ficar em casa, se entupindo de sorvete enquanto ouvia as brigas dos vizinhos.

Todo mundo faz isso.

Apalpei a cabeça de Hércules enquanto as pessoas andavam e se viraram para nos olhar; algumas mães seguravam os braços dos filhos, pensando talvez se aquele cão fosse um assassino de criancinhas. Esfreguei o alto da cabeça dele, enquanto aqueles olhinhos pardos me encaravam com tristeza.

– Tá tudo bem - falei, tentando ser passional para acalmá-lo. - Sei que você deve estar com medo dessa gente feia, e, acredite, o que eu tenho é parecido com isso. Mas está tudo bem. Eu tô aqui e não vou deixar eles te pegarem, o.k.?

Dizer: eu estou com você provavelmente só pioraria a situação se eu estivesse com algum ser humano. Mas Hércules gostava de mim, e eu gostava dele. Então ele começou a abanar o rabo como se realmente tivesse me entendido.

Dei um tapa sem força no torso dele e estralei meus dedos, fazendo com que ele começasse a me seguir, alegre.

Cachorros são realmente bobocas.

Enquanto nós dois desviávamos das pessoas na rua, eu tentava prestar atenção no nome das lojas para entrar certo e comprar tudo o que eu tinha para comprar. Olha, eu nunca fui muito fã de pets shops, mas, fazer o quê, não é mesmo?

Viramos uma esquina, e logo o que eu mais temia aconteceu: Hércules saiu correndo na minha frente, a língua para fora, saltitando como uma lebre. Desviada das pessoas com habilidade e provavelmente seria atropelado. E aquele cachorro era muito rápido, Santo Deus!

– Hércules, filho da puta! - Gritei, empurrando uma moça que estava na minha frente para o lado e correndo desesperadamente para tentar alcançá-lo.

Maldito, maldito, maldito! Se aquele cachorro correr direto para a avenida, será o fim dele. É por isso que eu estava tão desesperada, correndo como uma condenada para tentar pegá-lo e dar-lhe uma bronca sem limites. Realmente, era como uma criancinha.

Mas, para a minha surpresa, aquele desgraçado correu na calçada, circundando um prédio de pintura vermelha. Ele virou a esquina e eu perdi-o de vista. E foi aí que eu quase morri do coração. Quando virei a esquina, vi que Hércules corria de encontro à uma garotinha usando um lenço na cabeça, segurando a mão de sua mãe, que estava conversando com outra mulher.

Meus olhos se arregalaram quando percebi que ela ficaria ali, esperando o momento em que ele esbarraria nela com uma grande violência, talvez machucando-a feiamente. Minha boca se abriu para gritar, dali de longe, um sai da frente!. Mas não consegui dizer nada.

Hércules parou de correr abruptamente, sem ao menos encostar na garotinha. Seu rabo abanava rapidamente, suas orelhas eretas. O cachorro se curvou para frente, curioso, e chegou bem perto de onde a menina estava, o focinho entrando em ação.

Andei rapidamente, os punhos cerrados e a respiração descompassada, já me arrependendo de ter metido uns socos na cara da Carmen. Estava quase chegando até onde ele estava quando percebi que Hércules, do jeito carismático dele, começou a cheirar a mão da pobre menina. Ela tinha, chutando pela altura, no máximo onze anos.

Quando ela viu aquele mini-pônei se aproximar dela, obviamente recuou, assustada. As duas mulheres que estavam perto dela pareciam chocadas.

– Saia, cachorro! - Uma delas disse, batendo o pé.

Hércules, com toda graça e leveza que tinha, latiu forte, observando as mãos da garota. Cheguei - depois de três mil anos de caminhada - até onde eles estavam, chamando a atenção da menina. Me curvei, sem ar nenhum em meus pulmões, me apoiando nos joelhos. O meu cabelo deslizou pela minha nuca, criando uma cortina vermelha na minha frente.

– Hércules - Arfei, olhando para ele agora - seu.. Maldito... Cachorro... Por... onde pensa... Que está indo? Quer morrer? - Tirei meu cabelo da minha frente, jogando-o para trás, erguendo meu tronco. Olhei para o que a menina tinha em mãos. Era um pacotinho com pipocas. - Nossa, dá uma.

Não, espera.

Jesus, eu sou pior que o meu cachorro.

A garotinha pareceu não se importar muito; até riu, se quer saber. Mas, já a mulher que estava de frente para ela (provavelmente amiga de sua mãe) estava incrédula.

– Helena, não deixe Emily se envolver com essa gente. Olhe o cachorro dela! É um vira-latas! - Ela espremeu as sobrancelhas, olhando para a outra mulher.

Pelo jeito daquela ali, parecia rica até no cu. Provavelmente usava papel higiênico feito com fibras de ouro. E ela obviamente se achava por causa daquilo.

Ela estava em um nível tão avançado de babaquice que nem ódio eu sentia por ela. Era apenas pena. E, francamente, se eu, uma pessoa que nem sabe onde suas calças estão, sente pena de outra, é porque o negócio tá feio.

– Aqui. - Ouvi uma voz doce, fininha e bem frágil dizer, logo depois me puxaram de leve pela camiseta.

Olhei para baixo, uma sobrancelha erguida. A garotinha, obviamente a chamada Emily, estava me oferecendo o saquinho de pipocas, um sorrisinho frágil estampado no rosto. E foi aí que eu percebi uma coisa: ela não tinha cabelo nenhum. E nem sobrancelhas. Obviamente o lenço era para tampar isso.

– Pra quê eu quero isso? - Falei, seca, apontando para o saquinho.

– Para o cachorrinho - ela explicou. - Ele quer, certo?

Olha só; uma raridade por aqui.

Peguei o saquinho daquela mãozinha branca e a ofereci um sorriso de complacência, erguendo minhas sobrancelhas.

– Valeu. - Falei simplesmente. - E, ah, eu gostei do seu lenço.

Emily ficou me encarando por alguns instantes, os olhos cheios de brilho inocente de uma criança normal. Talvez ela estivesse olhando meu cabelo. Fechei a cara ao passar pelas duas mulheres e dei uma batidinha na cabeça de Hércules.

– Vamos, seu pulguento. - Chamei-o, atirando uma pipoca do saquinho na direção de sua boca.

Hércules pegou-a no ar e começou a me seguir, coladinho na minha perna, o rabo balançando para cá e para lá, os pelos lisos encostando na minha panturrilha vez ou outra.

Aquilo daria um ótimo suborno.

*

Fomos o resto do caminho dividindo o saquinho de pipoca. Não que Hércules concordasse; mas ele acabou aceitando com apenas uma ou duas rosnadinhas. Pois é, ele não era muito fã de dividir comida também. Principalmente frango. Nunca toque-o enquanto ele rói os ossos da coxa, sério.

Só Camila possui essa proeza.

Chegamos ao pet shop e eu estava acabada, cansada, descabelada e sem pipocas. Nós dois subimos aqueles dois degraus de mármore e empurramos as portas duplas.

Hércules endoidou. No bom sentido, graças a Deus.

Ele não parava de latir de felicidade, correndo em volta das várias hastes com vidros e gaiolas, lotadas de animais. Enquanto funcionários tentavam acalmá-lo, apoiei o cotovelo em um balcão onde uma espécie de vidro sem tampa, enorme, estava disposto. Lá havia vários cachorrinhos de raças diferentes.

Nem eu resisti.

Eles eram tão bonitinhos, tão engraçadinhos que eu tive vontade de comê-los. Observei-os, rindo como uma babaca. Obviamente, em todo grupo social, tinha um gordo. Ele era pardo, as banhas balançando enquanto ele andava com dificuldade até onde eu estava. Obviamente ele estava curioso para me ver.

Ri baixinho daqueles olhozinhos melecados, os latidos fininhos e nada assustadores. Não me contive.

Peguei-o com dificuldade (ele era realmente pesado) e coloquei-o perto do meu peito. Ele começou a latir, lambendo-me no pescoço.

– Como você é gordo - Cochichei para ele, apertando suas patinhas. - Dá vontade de comer, de morder e te fritar, sabe?

Acho que ele não gostou muito da minha forma de expressar afeto; só funciona com o Pedro, mesmo.

– Gostou desse buldogue inglês, senhorita? - Uma voz me despertou dos meus devaneios.

Me assustei e olhei para a pessoa. Era um funcionário, vestido à rigor, um aparelho apertando seus dentes.

– Ah, sim, ele é comível - falei sem querer, acostumada com a língua do subúrbio. O garoto franziu as sobrancelhas, sem entender. - Quer dizer Ele é gordo para caramba.

– Fofo, você quis dizer? - Ele sorriu.

– Acho que sim.

Ouvimos um estrondo alto atrás de nós. Eu ouvi gaiolas caindo, papagaios berrando socorro, socorro! Berr! Cachorro louco, berr!, gatos miando e a voz inconfundível de Hércules, latindo forte e alto, como de costume.

O funcionário olhou para mim, perplexo.

– Seu cachorro está descontrolado.

Pisquei algumas vezes.

– Ele só está feliz. - Expliquei, sentindo os dentinhos daquele cachorro abocanharem sem força meu dedo.

Se eu ficasse mais alguns instantes com aquela coisinha no colo, provavelmente a vontade de mordê-lo falaria mais alto. Então, para evitar isso, coloquei-o de volta com os seus irmãozinhos igualmente mordíveis.

Olhei para o garoto, apressada.

– Bem, funcionário, vejamos meu cachorro.

– Claro. E me chame de Thomas, fica mais simples.

Ele se virou e começou a andar. Segui-o, não parando de olhar em volta, extremamente surpresa por haver tantas espécies de coisinhas fritáveis na cidade. Peixinhos de todas as cores ficavam mandando beijos para todos que passavam por eles, travessos.

A única parte que eu não gostei foi a parte onde estavam os hamsters. Sério, aquela espécie de rato encubado me dava nos nervos com aquelas bochechas gordas.

Dá vontade de jogá-los contra a parede e pisar até que eles vão todos para o inferno, onde é o lugar de ratos.

Eu sei que eu sou radical.

Viramos um corredor, e lá estava Hércules: sendo segurado por um casal de funcionários, se debatendo e chorando descontroladamente, obviamente querendo sair de perto das garras daqueles caras. Quando me viu, ameaçou morder a mão da moça, e ela, em puro instinto, o soltou. Ele conseguiu escapar e veio correndo, chorando como uma cabrita assustada, na minha direção.

O cachorro se escondeu no meio das minhas pernas, tremendo, a cabeça encostada na minha virilha. Meti-lhe alguns tapinhas amorosos na cabeça, para acalmá-lo.

– Ele é realmente forte! - Um dos funcionários exclamou, ofegante. - Você é a dona dele?

– Eu mesma - sorri, satisfeita.

Dizem que o cão é a cara do dono, né?

– Agora - Falei, olhando para Thomas. - Eu preciso de uma coleira.

Ele exclamou um ah e virou-se para uma parede cheia de coleiras de diferentes formas, cores, tamanhos e desenhos.

– Aqui tem algumas. Pode escolher à vontade.

Percebi que naquela parede havia vários preços. Variava, na realidade: de cinco à doze reais. Calculei o preço de alguns petiscos para Hércules e fiz algumas contas na minha cabeça.

– Separa todas as coleiras até cinco reais para mim, o.k.? Vou dar uma olhadinha nos petiscos para ele.

O garoto assentiu enquanto eu andava como um pinguim, meus pés servindo de apoio para as patinhas de Hércules, que ainda choramingava. Peguei um dos saquinhos com petiscos e comecei a xeretar o lugar onde o preço estava.

9,45

Santo Cristo.

Joguei o pacote de volta na prateleira e peguei Hércules pelo pescoço de novo.

– Esquece os petiscos. Corre, corre.

Voltamos para onde os funcionários estavam. Enquanto eles discutiam sobre os preços das coleiras, eu brincava de apertar as bochechas moles e quase inexistentes de Hércules, enquanto o mesmo estava sentado embaixo de mim, o rabo balançando de forma afetuosa.

Thomas chegou perto de nós.

– Aqui, moça, as coleiras. São todas essas.

Tinha ali, pelo menos, umas quinze. Todas diferentes e todas feias (pelo menos para mim). Havia coleiras com spikes, outras com ossinhos, ursinhos de pelúcia e flores. Todas bregas e com um material facilmente quebrável.

E foi aí que eu bati os olhos em uma esquecida, do lado esquerdo. Ela era de couro, fininha, e havia pequenas inscrições em latim (acho que estava escrito bom cachorro) em itálico, bem discreto. Parei para pensar de novo. Era couro (resistente) e bem a cara daquele meu cachorro.

E a parte mais importante: eu gostei, então eu iria levar.

– Pega aquela ali - falei, apontando para ela.

Thomas pegou-a, com cara de desprezo.

– Sério? Mas essa aqui é meio feia...

– Calado que não é você quem tá comprando. E aposto que essa aí é a mais barata, né, safado?

Ele se encolheu, meio vermelho.

– Custa dois. E com mais a identificação fica cinco reais, moça.

– Hm. - Falei apenas, enfiando a mão no bolso e catando a nota de dez - faz logo as paradas aí, o.k.?

Ele sorriu, satisfeito.

– Obrigado pela compra; volte sempre.

*

Quando todos os negócios foram feitos, Hércules finalmente ganhou um chip de identificação (nem preciso dizer o quanto ele chorou quando deram aquela picadinha em sua barriga para implantar) e, graças a Deus, sua coleira (extremamente possessiva, porque tinha meu nome ali). Já que tudo estava resolvido, decidimos ir para casa.

E foi aí que eu recebi uma surpresa agradável.

A garotinha que nos deu a pipoca entrou no pet shop no mesmo instante em que eu apertei a maçaneta para sair. Nós duas nos olhamos, surpresas.

– Oi - Ela me cumprimentou, meio afobada. - Você Tem um cabelo bonito.

Isso é realmente uma forma estranha de se dizer oi para uma pessoa que mal conhece.

– Hm... Valeu, eu acho. Agora licença.

Ela ia deixar eu passar, mas parecia que ela se lembrou de alguma coisa muito urgente. Emily colocou sua mão na minha barriga, barrando-me.

– Espera, por favor.

Opa, opa, opa.

Quê parada é essa?

Franzi as sobrancelhas, sentindo Hércules indo para frente, querendo cheirar a garotinha.

– O que foi? - Perguntei, agora um pouco mais seca.

– Você... Hum... Gostaria de...

Mas, antes que ela pudesse terminar sua frase, sua mãe apareceu ali, chocada.

– Emily!

A garotinha se virou para ela.

– Mãe! Me deixe dizer!

Ela segurou de leve a menina no pulso.

– Não, filha, chega. Vamos para casa, o.k.? Você nem conhece essa jovem, como pode pedir coisas a ela desse jeito?

– Mas - Ela tentou, se virando suplicamente para mim.

– Não há "mas", filha. Vamos para casa, tá bom? Você deve estar cansada, andamos demais por hoje.

– Ela é legal, eu tenho certeza!

Emily tentava pegar na minha mão enquanto suplicava para que sua mãe a largasse.

Eu não estava entendo é nada.

– Bom, já que vocês não precisam mais de mim aqui Vou dar o fora - tentei, me arrastando para o lado.

– Não, espera! - Emily gritou, me puxando em sua direção. - Mãe, fala com ela! Por favor!

– Filha, para de gritar - A mãe dela cochichou, já perdendo a paciência.

Percebi que alguns clientes olhavam a confusão, curiosos.

E eu ali no meio da coisa, querendo passar. Sério, o que há com as pessoas de hoje em dia?

E foi aí que eu percebi - depois de séculos, diga-se de passagem - uma coisa muito importante ali.

Depois de gritar por mais alguns instantes, o nariz de Emily começou a sangrar. Inclinei a cabeça para trás, piscando, enquanto sua mãe dava um berro.

– Olha aí, meu amor! - Ela estava começando a chorar. - Não fique estressada, por favor.

Meu cérebro rodopiou e eu cheguei na resposta para aquilo.

– Você - Falei, meio grogue - tem...

Emily olhou para mim, triste, a mãozinha em volta do meu pulso se apertando ainda mais.

– Eu não gosto de falar sobre isso, desculpe.

Sua mãe lhe limpava o nariz, seu rosto melecado de lágrimas, os joelhos flexionados para ficar na altura da menina. Ela deu um breve suspiro.

– Sabe, Emily não gosta de expor sua fragilidade. E, infelizmente, a falta de cabelos faz com que fique na cara. Estávamos procurando uma pessoa Que - Ela inchou o peito, mordendo o lábio inferior e se erguendo. - Perucas artificiais são tão vagabundas que não têm lucro algum!

Ah, isso era verdade. Uma vez minha mãe comprou uma peruca artificial cor-de-rosa. Não durou três dias e ela já estava detonada, sem fios.

Não se pergunte o porquê de uma peruca cor-de-rosa.

Eu nem precisava perguntar o resto da história, porque eu tinha entendido tudo. Provavelmente elas rodaram a cidade, procurando cabelo de verdade para fazer uma peruca boa o suficiente para a menina Emily.

Não sei exatamente o porquê, mas eu havia sentido uma flechada no peito. Pra quê eu tenho tanto cabelo, mesmo? Passei a mão na minha juba instantaneamente, sentindo a falta da coragem que eu queria ter. Olhei para os lados, me sentindo estranha.

– Eu - Comecei, sem controle sobre minha língua - quando alguém corta o cabelo para doação, não tem que pagar nada, né?

A mãe dela fez que não.

– Óbvio que não, querida. Mas o problema não é este. As pessoas têm medo de cortar, eu acho. Eu já ofereci meu cabelo para a Emily, mas ela disse que não combinava com seu tom de pele.

Cocei a bochecha enquanto observava as duas rirem da piadinha. Hércules afocinhou meu joelho. Olhei para baixo, encarando-o.

E lá estava ele, com uma cara que parecia ler meus pensamentos.

Você vai fazer isso, né?; ele dizia com os olhos. Por quê?

E essa nem eu sabia. Eu estava me sentindo estranha, para ser mais exata. Não que eu fosse falar isso em voz alta, mas era uma coisa parecida com que eu sentia quando meu aniversário estava próximo e minha mãe dizia, quase uma semana antes: o que será que a Katrina vai ganhar esse ano, hein?

E, não, isso não é coisa de criança. Porque, como somos pobres e não temos dinheiro para pagar um bolo decente ou, sei lá, um presente, minha mãe me dá algo não material.

Por exemplo: com quinze anos eu ganhei a minha independência. E esse foi, sem dúvidas, o melhor presente que se pode ter. E por causa disso, em sempre ficava me sentindo estranha quando havia datas comemorativas em que eu podia participar.

O sentimento era praticamente igual.

Dei um suspiro sob o olhar de ambas e enfiei a mão no bolso de trás da minha bermuda. De lá, tirei um prendedor de cabelos, e prendi minha juba em um rabo-de-cavalo. Olhei para Hércules uma última vez.

– Eu não sei porque estou fazendo isso - murmurei, levantando minhas sobrancelhas. - Só estou.

– Algo errado? - Emily perguntou, olhando para Hércules depois para mim.

Acho que as pessoas não entendem minha relação com Hércules. Eu sempre tive mais tolerância com cachorros (eu tinha um e gostava bastante dele antes que morresse atropelado), e sempre achei que eles me entendiam mais.

Bati palmas com força, esfregando minhas mãos logo depois.

– O.k., garotas! - Exclamei, causando ansiedade no Hércules, que levantou-se em um salto, balançando o rabo; ele sentia o que eu sentia. - Levantem suas bundas daí que a gente tem um cabelo para cortar!

Dizer: mas eu quero algo em troca, então preparem seus bolsos! nem havia se passado pela minha cabeça naquele instante. Muito pelo contrário, posso dizer; só a expressão que Emily tinha feito naquele momento compensou qualquer fio de cabelo cortado meu.

*

– Você está linda, Katrina - a mãe de Emily me disse, olhando meu reflexo no espelho, sua mão apoiada no meu ombro.

– Sim, estou - confessei, pasma.

Sério, eu estava bonita. Mais, diga-se de passagem.

As pontas do meu cabelo estavam repicadas, tocando suavemente no meu ombro. Ele não estava armado, nem cacheado; apenas levemente ondulado, como antes. Eu estava parecendo a Hayley Williams versão genérica.

– Você parece uma fada - Emily concluiu do meu lado, esbanjando um enorme sorriso.

Arregalei os olhos e comecei a rir, olhando embaixo da cadeira, onde Hércules observava tudo.

– Ouviu isso? Fada! Essa é boa, anota, Hércules.

Ele apenas me olhou, sem interesse.

Mas quando eu ofereço frango ele vem correndo, né, filho da mãe?

Me virei para as duas novamente, o lábio meio torto. Eu não sabia o que fazer depois daquilo. Elas me olhavam com tanta expectativa que eu pensei em refazer o discurso do presidente de Independence Day, só para fechar tudo aquilo com umas risadinhas; eu era boa nesse quesito.

Antes que eu conseguisse dizer bom dia, como no discurso, percebi que braços envolveram com força meu pescoço, me apertando; sim, eu havia recebido um abraço de urso de uma criança de onze anos. Enquanto eu tentava não despencar da cadeira e cair em cima de Hércules, Emily apertava sua bochecha contra meu pescoço, me apertando cada vez mais.

– Hey, Emily, você quer me matar sufocada? - Perguntei com dificuldade, uma mão batendo nas costas dela, a outra fincada no balcão para que eu não caísse.

– Obrigada, Katrina - Ela murmurou, extremamente sincera.

Eu podia contar nos dedos quantas pessoas me agradeceram dessa forma.

Uma, contando com ela.

A abracei também, apertando meus dedos em suas costas com força.

– Tudo bem, sério. Não precisa me agradecer por ter cortado um pouco de cabelo. - Percebi que ela tinha começado a chorar. - Ei, o que foi? - Perguntei; Emily sentiu-se à vontade e se sentou no meu colo, o rosto molhado de lágrimas. - Tcs, mas é folgada mesmo - brinquei, sorrindo.

Ela ficou muda por um instante.

– Você tomou o lugar do Batman. - Ela disse, a cara séria mesclada de lágrimas.

Franzi a testa.

– O quê? Por que eu faria isso? Pobre Batman - falei, olhando para o rosto dela.

Ela balançou a cabeça em negativa.

– Não, não é isso. Antes, o Batman era meu super-herói preferido, sabe?

Não vou mentir e dizer que não tinha levado flechada nenhuma no peito, porque, sério, parecia que eu tinha virado o alvo de uma metralhadora de flechas.

Mas eu não queria deixar transparecer isso. Apenas sorri e fiz uma cara habitual.

– Tô bem, hein. - Foi só o que eu consegui dizer.

Ela riu, colocando sua mão sobre meu ombro. O rosto de Emily era uma mescla de felicidade e tristeza. Tristeza porque ela sabia que não seria fácil (não é fácil para ninguém) e felicidade porque ela tinha uma nova visão de como enfrentar tudo aquilo. Eu ainda me sentia estranha; em parte porque eu meio que era o motivo da felicidade da garota.

E não é como se eu fizesse isso com frequência, sabe? Fazer alguém feliz e tal. Geralmente sou eu a responsável por estragar sonhos, e não criá-los.

– Katrina, você mora com seus pais? - A mãe de Emily perguntou, apoiando seu queixo na mão.

– Só com a minha mãe. - Falei, olhando para ela. - Nunca conheci meu pai.

Ela arregalou os olhos.

– Nunca? Nunca, nunca?

– Nunca - falei, inabalável, coçando minha cabeça. - E nem tenho o interesse de conhecer. Minha mãe me disse que ele era um merda. Prefiro acreditar.

Ela ainda estava de olhos arregalados.

–Você... Deve ter uma vida difícil, certo?

Emily apoiou sua cabeça no meu ombro enquanto eu assentia.

– É, pode-se dizer que sim. Se compararmos com a sua vida, por exemplo, a minha é como sentar no formigueiro com a bunda suja de mel.

Emily riu histericamente.

– Katrina, você cheira a coisa velha. - Ela soltou essa pérola, rindo enquanto fungava meu pescoço.

Obviamente eu não fiquei ofendida nem nada do gênero. Somente juntei as sobrancelhas.

– Eu cheiro a coisa velha? Mas isso é a minha colônia! - Exclamei, fingindo incredulidade.

As duas riram e me chamaram de boba. A mãe de Emily, que até agora eu não sabia o nome (seria estranho perguntar só agora), se ofereceu para me dar uma carona e me levar para casa. Aceitei de bom grado - ninguém quer andar aqui - e peguei Hércules pela nova coleira e guia dele.

Sério, ele estava uma gracinha. Eu não parava de olhá-lo e Emily não parava de dar doces caninos para ele, que comia tudo com a maior cara de prazer do universo.

Enquanto Hércules engordava no carro, eu me sentia três quilos mais leve. Sério, uma caminhadinha e uma corridinha sempre faz bem.

Tenho que levar isso à sério, já que eu tenho tempo de sobra nessa semana.

O carro da mãe da Emily (eu ainda não sabia o nome dela) parou de repente, hesitante, quando eu disse para virar na travessa perto da minha rua. Olhei para o rosto aflito dela. Com toda a certeza ela achava que o local onde eu morava era um buraco.

Não podia estar mais certa.

– Você mora por aqui? - Ela perguntou, olhando pela janela, na direção da favela.

O.k., eu tinha que bolar um plano rapidamente; qual é, eu não queria andar três quadras!

– Moro - falei, arqueando as sobrancelhas. - Mas, hum... Não se preocupe, aqui há poucos assaltos.

Cada dia que passa me surpreendo com a minha capacidade de mentir.

Ela suspirou.

– Uau, isso ajuda bastante.

Eu podia ouvir Queen aos fundos.

O carro vermelho parou em frente à minha casa, que no caso estava muito melhor do que há uma semana. Agora sim aquilo ali parecia um lar decente.

E tudo ficou melhor porque, como o sol havia saído e tinha esquentado bastante, Isadora fez o favor de dar um banho de mangueira no nosso jardim, molhando a grama aparada (e completamente morta, diga-se de passagem; a única coisa que salva aquela terra é o cocô do nosso cachorro. Essa informação foi meio desnecessária) e jogando alguns jatos leves em um gnomo correndo pelado, só de calcinha.

Conhecido popularmente como Camila.

Sorri ao ver ela se divertindo, rindo como uma cabrita. Emily riu também.

– Que fofinha! É a sua irmã?

– É - falei, me virando para ela. - E você, tem uma irmã?

Ela balançou a cabeça em negativa.

– Não. Só tenho primos. - Ela se virou, contente, para sua mãe - mãe, podemos ter um cachorro?

Ela batucou no volante.

– Emily, eu já disse que não. Não temos espaço. - Disse ela, pegando uma caneta e papel do porta-luvas e começando a anotar um número. - Katrina, ligue para nós, o.k.? Sentiremos a sua falta.

– Pode deixar - avisei, catando o papel. - Valeu pela carona.

Abri a porta para sair, e Emily pegou a manga da minha camiseta. Me virei para encará-la.

– Katrina, nós somos amigas, certo?

Sorri ao ver a expressão dela.

– Mas é claro que somos. - Falei, confiante. - E, a propósito, qualquer dia desses eu passo na sua casa para a gente ir tomar sorvete, tá?

Ela sorriu, assentindo.

– Tá bom!

Saí do carro e vi quando Emily abriu a porta do banco de trás, fazendo Hércules saltar do veículo e correr na direção de Isadora, que, assustando-se - e por instinto - apontou o jato da mangueira em sua direção.

Nem preciso dizer qual foi a reação dele: chorar e se enfiar em um arbusto, extremamente magoado por ser recebido tão mal.

Apenas passei rindo por eles. Fiz uma careta para Camila, que agachada passava a mãozinha na pata de Hércules, a única coisa exposta de seu corpo. O carro buzinou uma última vez, então eu me virei e acenei, sorrindo.

Rodei para ficar de frente à minha casa, pronta para dormir por várias horas.

Quando girei a maçaneta da porta e entrei na minha casa, tive vontade de me dar uns tapas na cara para ver se aquilo que eu via era realmente real.

Para início de conversa: Pedro estava sentado no meu sofá, ao lado da minha mãe, parecendo à vontade.

Agora, um ponto muito importante: minha mãe estava com um álbum de fotos no colo, chorando enquanto mostrava uma daquelas fotografias ao garoto. Pedro estava com várias imagens em cima de seu colo também.

Os dois se viraram para a porta, para ver quem era que havia chegado. Ambos arregalaram os olhos.

– O que aconteceu com o seu cabelo?! - Minha mãe perguntou, limpando o rosto molhado - grudaram chiclete de novo?

Ela perguntou isso tão naturalmente que nem parecia que ela se encontrava em uma situação terrivelmente perturbadora e estranha.

– Não - Falei simplesmente, fechando a porta - Só decidi cortar. Aproveitei que eu já estava lá na cidade, então - Fiz uma tesoura com os dedos.

– Eu gostei. - Pedro opinou, parecendo sincero.

O pensamento de dizer valeu escapuliu completamente da minha mente quando eu vi o italiano erguer uma foto com dois dedos. O problema não era a foto em si, e sim quem estava nela. Eu, no caso. Só que não era eu. Era uma Katrina criança. Naquela foto, meus cabelos vermelhos estavam para cima, e eu tinha por volta uns cinco anos. Minha boca estava toda suja de chocolate (desde pequena sou gorda) e eu ria como uma criancinha normal.

Meu rosto obviamente ficou lívido quando vi o garoto segurando aquilo.

– Pedro... Larga isso - Mandei, apontando para ele.

O garoto riu com descaso.

– Nem pensar. Acha mesmo que eu abandono as relíquias que eu consigo? - Ele apontou para seu rosto - e com este rostinho, não são poucas. - Então, ergueu um leque de fotos minhas.

Pedro ria tão descaradamente da minha expressão perplexa que eu tive realmente vontade de socá-lo. Mas, para abafar isso, dei uma risada amarga.

– Ha-ha-ha-ha - falei pausadamente, me aproximando dele. - Você deve ser um grande fã meu, para ter tantas fotos minhas. Quer que eu autografe uma delas?

Ele levantou do sofá com um salto, parando na minha frente, escondendo as fotos e as mãos atrás das costas. Ele deu um sorriso cínico.

– Pode apostar nisso. Eu com certeza passaria a noite dentro de uma barraca para poder assistir ao seu show.

Ele não disse isso.

Alguém me dá um tapa na cara.

Minha mãe, que sentadinha no sofá, deu uma risadinha de Papai Noel (Ho-ho-ho-ho), cruzando suas pernas. Ela com certeza estava se deliciando ao ver aquela cena. Provavelmente estava pensando seriamente em ir à cozinha preparar uma pipoca.

Olhei, agora me sentindo sem graça, para o Pedro. O cabelo dele estava arrepiado em algum sentido, o lábio meio torto. Se fosse, sei lá, algum tempo atrás, eu tinha certeza que ele iria me beijar. Mas, já que minha mãe estava ali, duvidei um pouco da minha suposição.

– Você não iria aguentar nem duas horas, queridinho. - Desafiei, erguendo uma sobrancelha.

Não sei quando inventaram o duplo sentido de alguma coisa, mas essa pessoa merece um prêmio especial. Pedro deu um risinho de satisfação.

– Não fale com tanta certeza coisas que você não pode adivinhar, Katrina.

Minha mãe deu outra risada de Papai Noel. Pedro sorriu e começou a andar.

– Bom, eu preciso ir. Tenho que alimentar meu gato. - Ele explicou, passando por mim com um olhar meio malicioso.

Só quando ele fui beijar a testa da minha mãe e eu vi sua mão atrás das costas, que eu fui me lembrar que tinha que pegar aquelas fotos antes que ele usasse aquilo contra mim.

Cheguei perto dele e tentei agarrá-las com cuidado (eu não queria agarrar outra coisa ali além das fotos, obrigada), mas Pedro viu isso bem na hora e desviou, fazendo eu agarrar o ar.

– Ah-ah. - Ele disse devagar, movendo um dedo. - Nem pensar. Elas são minhas, sua mãe as me deu. Isso seria roubo, sabia?

Ah, como ele é engraçadinho.

Cruzei os braços.

– Os direitos autorais são meus.

Pedro sorriu e pegou uma das fotos do leque; ele a ergueu acima da cabeça e ficou observando-a.

– Mas você está irreconhecível nessas fotos. Ninguém, nunca, jamais dirá que é você, megera. Você está fofa demais aqui. Olha só estas bochechas. - Então ele olhou para mim. - Você parecia a Camila, sério. Incrível.

– Claro que irão me reconhecer! - Falei, histérica. - Dá isso aqui logo!

Pedro deu um risinho bobo e abriu minha porta correndo, recusando-se a fazer o que eu mandava. Sério, ele era um dos meus subordinados que mais dava trabalho. O garoto sorria enquanto andava apressado até sua casa, andando de costas e me provocando, mexendo em uma foto específica.

– Hey, Katrina, por que se importar? - Minha mãe perguntou, os olhos brilhando. - São apenas fotos. Aposto que você gostaria de ter fotos do Pedro também, certo? E provavelmente ele só as colocará em um lugar especial para ele. Que mal há?

– Ele vai me subornar, mãe - rangi os dentes enquanto o via abrir a porta da casa dele, um sorriso vitorioso no rosto.

Ela deu uma risada irônica.

– Ah, sim, subornar para quê? Para você comprar um doce para ele? Isso faz todo o sentido do mundo, já que ele é um garoto terrível e malvado, certo?

Bom, olhando por este lado, não combinava com ele me subornar. Espremi os olhos e fechei a porta, sem energia para tentar discutir com minhas ideias.

– Cadê a Marcela e o Jonas? - Perguntei, me virando para ela e me sentando no sofá, exausta.

– Foram ver as decorações da festa da Marcela. Provavelmente foram também encomendar as fantasias - ela disse casualmente, guardando algumas fotos de volta no álbum.

– Sem mim? - Pesquei o controle remoto da TV, mas Serena era malévola. Ela simplesmente o tirou de minhas mãos - hey!

– Eles foram sem você porque eu não deixei você ir. - Ela disse simplesmente, jogando o controle no sofá, longe de mim.

– E o que a TV tem a ver com isto? - Perguntei, cética.

– Acabei de decidir que você não merece ver TV, pronto. - Ela falou, colocando um dedo no queixo. - E não discuta comigo.

Me ajeitei no sofá, incrédula.

– Por que, mãe?! Que injustiça!

Ela piscou algumas vezes, jogando o álbum de fotos no chão, de modo desleixado.

– Katrina... Você espancou uma pessoa. Gravaram e postaram isso na internet. - Ela se virou, o rosto lívido. - As pessoas estão falando. E me meteram no meio, dizendo que o seu comportamento irresponsável é de criação.

Ai.

Meu.

Deus.

Agora sim eu estou ferrada.

– Então... - Ela cutucou a minha perna dolorosamente. - Vá ler alguma coisa, certo? Pegue este seu tempo vago é vá estudar outra língua ou reforçar uma matéria que você não está indo tão bem. Ou vai dormir. Mas... Nada de TV até eu dizer o contrário.

Dei um gemido de dor psicológica e me arrastei do sofá, subindo as escadas pesadamente. Eu não podia contrariá-la. Eu só iria ficar cada vez mais ferrada com a minha mãe.

Decidi ler alguma coisa, para passar o meu tempo.

Abri a porta do quarto de Serena e me agachei perto de sua cômoda; abri a última gaveta e comecei a fuxicar, lendo o nome dos livros que ela tinha ali.

Diário De Uma Paixão li, mas não me interessei. Coloquei-o de volta.

E foi aí que eu percebi que eu estava realmente mexendo nas coisas da minha mãe quando eu li alguns títulos que me fizeram gelar.

Como Ser Orgásmico;

Cinquenta Tons de Cinza;

101 Posições Sexuais;

O Jardim Perfumado;

Kama Sutra;

Posição do Dia.

Provavelmente eu ficaria traumatizada para sempre se eu não conhecesse minha mãe.

É, talvez eu não devesse ler hoje.


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Notas finais do capítulo

Geeente, e aí, vocês gostaram? *O* Quero saber a opinião de vocês, hein. E, aliás, eu só coloquei a Hayley aí no meio porque não sabia como vocês iriam imaginar, então... Coloquei um ponto de referência, hehe.
Espero que vocês tenham gostado, mesmo, de coração, e saibam que eu não estou em uma das minhas melhores situações, então é bem difícil arranjar algum tempo para escrever *eu tenho uma vida social também, onigiris HUSAHSAHUSAHSUAHUA*
Então, hm... Pedro, eu também passaria várias noites em uma barraca para poder assistir ao seu show aigajgoajgiage (nunca resisto, sorry)
Hahaha, é só isso mesmo por hoje!
Comentem bastante! *0*