Garota-Gelo escrita por Bia


Capítulo 59
Hércules Faz o Chá-Chá-Chá




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[as notas do capítulo bugaram, então eu escrevei aqui mesmo, HUEHEHEUHUE

Olá, onigiris *3*
~leva pedrada
Geeente, desculpa meeesmo a demora! Eu já tinha dito no meu perfil do Nyah para vocês terem paciência, e vocês tiveram! ♥ Bom, só lembrando: o computador NÃO é meu, então é meio difícil escrever. E minhas aulas voltam amanhã (27), então vai ser mais difícil ainda eu escrever ;-; ~bolada
Onigiris, eu não sei se vocês sabem (q) mas eu tenho um twitter! Mesmo ele sendo bebê ainda, é uma rede social útil para perguntinhas frequentes de vocês. Qualquer dúvida: @_biadovadoni (sim, eu sou italiana afiejakjge)
Okay, okay, chega de enrolação. Meus amorecos, espero mesmo que vocês gostem,
Boa Leitura ♥]

Eu sentia como se minha cabeça fosse dar uma voltinha no Olimpo e voltado.

Vi, na minha mente, Ares dando um cuecão em um soldado incompetente. Dava para fritar de boas um ovo na minha testa, já que meu cérebro estava queimando. Uma bolinha de gude que eu ainda não consegui identificar estava apitando. E ela quase me fez dizer “sim”.

Quando dei por mim, eu estava gaguejando como uma tola, piscando repetidas vezes. Eu encarava Pedro, pasma. Sua habilidade de ser direto não era muito conveniente às vezes.

Como agora.

Ele mordeu o lábio inferior e pegou a minha mão de forma amigável. Ele parecia triste.

– Olha, por que você não pensa um pouco? Não quero uma resposta agora. - Ele apertou meus dedos. - Uma resposta precipitada seria muito ruim. Só… Pense, tudo bem?

Assenti. Ele não estava forçando a barra. Ótimo.

Eu ia pensar.

Eu realmente iria pensar.

Oh, sim. Eu pensaria. Em parte porque: eu não faço ideia do que aconteceria com esse relacionamento. E em parte eu não sei se ainda estou preparada para um grande passo como este.

E o principal: eu sou uma má pessoa. E Pedro é uma boa pessoa. Não combinamos. Simplesmente não cola. Acho que eu nasci para se tornar uma velha ranzinza, extremamente solitária vivendo numa casa com gatos.

– Tá. Eu… Vou pensar, sim. Juro que vou. - Falei, tentando passar uma imagem segura.

Na realidade eu parecia um rato assustado. Um rato assustado encurralado. Pedro tinha uma expressão estranha no rosto. Seus lábios estavam franzidos e uma linha de expressão atravessava sua testa.

Ele parecia um pouco triste. Talvez estivesse se questionando. Questionando sua proposta. Qualquer um questionaria. Afinal, não se pede uma cobra venenosa em namoro. Talvez ele estivesse arrependido. Eu teria me arrependido se tivesse me pedido em namoro. Porque eu sei meus prós e contras como ninguém.

E sei também que eu não tenho prós.

Só contras. E que contras, hein.

Pedro parecia realmente chateado. O que me deixava estranhamente chateada também. E nervosa. Nervosa porque eu odiava sentir que eu era a causa daquele aborrecimento. O que é bem engraçado, levando em conta que eu não me sentia assim.

Nunca.

Tirei minha mão da dele antes que pensamentos ruins me dominassem. Eu não gostava de me sentir culpada. E era o que eu estava sentindo naquele exato momento. E isso meio que me chutava por dentro.

Ele olhou, surpreso para mim. Acho que ele não esperava que eu retirasse minha mão daquela forma.

– Vou dormir. - Avisei, me afastando. Isso tinha soado um pouco seco. Tentei melhorar a situação. - Você sabe, pregar os olhos, tirar um ronco. Coisas assim.

Pedro assentiu. Ele abriu um sorrisinho fraco e apertou as mãos atrás das costas.

– Tudo bem. Tenha uma boa-noite, Katrina. - Ele desejou, com os lábios franzidos.

Assenti, sentindo meu coração fraquejar. Naquele mesmíssimo instante, eu estava sentindo coisas que não conseguia explicar. Como, por exemplo, uma vontade enorme e completamente sem lógica de comer brigadeiro e ficar o dia inteiro embrulhada em cobertas, sentada no meu sofá, sem contato social.

– Para você também. - Falei, a voz fraca, como um rato.

Peguei o Barney de qualquer jeito - ele era bastante pesado - e andei o mais rápido possível em direção à barraca. Nem me liguei que estava descalça, porque minha mente borbulhava sob a pele.

*

Eu cheguei à minha barraca um pouco depois de quando os fogos pararam de iluminar o céu. Mas eu não levantei a cabeça para olhar. Só ficava prestando atenção nos meus pés, que ficavam cada vez mais sujos de terra. Barney já doía nos meus braços, e cogitei a ideia de jogá-lo no mato várias vezes, mas eu sempre me lembrava que ele estava recheado de chocolate.

Por isso eu aguentei.

Alunos passavam correndo por mim, eufóricos. Haviam vários nadando, usando barcos de madeira e vestindo biquínis. Eu tremia da cabeça aos pés, completamente dominada pelo frio.

Cheguei perto da barraca e deixei o Barney encostado num canto. Eu ia entrar, mas ouvi uma conversa um tanto quanto peculiar vindo dos dois escravos.

Ou Marcela e Jonas, tanto faz. Parei para ouvi-los, já que eu sou xereta. É melhor admitir seus defeitos; dói menos depois.

Eles provavelmente estavam falando de mim.

– Hum. - Ouvi a voz abafada de Jonas. - Marcela, você é doida por achar isso. Aquela coisa é tão meiga quanto uma tijolada na cara. Acorda, garota.

De novo:

Coisa = eu.

Me remexi, inquieta. Ele tinha razão. Eu só sei machucar as outras pessoas. Eu sou uma grande confusão.

Marcela deu um grito histérico.

– Se você falar isso outra vez, juro que enfio esse marcador de página na sua orelha! Ah, enfio sim!

Não sei se isso funcionou, mas aposto que sim, pois Jonas se calou. Agachei, me sentando no chão ao lado de Barney. Os dois eram tão lerdos e tão cegos que não notaram minha presença ali, do lado de fora da barraca.

Marcela prosseguiu, um pouco mais raivosa:

– Todos nós temos um lado ruim, o.k., Jonas? Eu sei que a Katrina é… - Ela fez uma pausa para procurar adjetivos. - Uhm, um pouquinho grossa

– “Um pouquinho”? - Interrompeu Jonas, parecendo cético.

– Tá, tá, muito grossa… E cínica, às vezes rude demais e fria… Mas a Katrina é uma boa pessoa! E tenho certeza que ela está mudando para melhor, Jonas.

Ele bufou, parecendo sem paciência. Segurei a gargalhada. Boa pessoa? Eu? Só no mundo dos sonhos.

– Aquela garota precisa de um psicólogo, é isso que ela precisa. Eu amo a Katrina, mas ela tem sérios problemas. Principalmente com ratos.

Marcela deu um muxoxo.

– A Katrina não precisa de um psicólogo. O que ela precisa é… De amor, Jonas.

Ele estralou a língua.

– Virou música do Beatles agora? Sabe, às vezes eu fico me perguntando quanto tempo ela ficou… Você sabe… Uhm, sozinha.

Ah, não; lá vamos nós. Eles iriam falar de coisas desagradáveis. Antes que escrevessem uma música imaginando meu “passado solitário”, que foi realmente solitário - ou você acha que três ex–vizinhos funkeiros é uma companhia agradável? -, me levantei de supetão e agarrei o zíper.

Os dois pararam de falar quase que no mesmo instante. Quando entrei, vi uma cena perturbadora. Marcela estava passando esmalte nas unhas de Jonas. Só que era aquele que reforçava as unhas, sem cor. Ao lado da oxigenada havia um livro de capa azul bebê - não sei como eu consegui diferenciar - aberto, com as páginas viradas contra o acolchoado.

Eles forçaram um sorriso para mim.

– Olá, meu amorzinho. - Jonas parecia simpático. Depois ele me analisou e ficou pasmo. Os olhos verdes cintilaram. - O que aconteceu com o seu cabelo?!

Marcela cutucou ele com o ombro.

– Ela estava com o Pedro, Jonas. Aposto que vocês se divertiram.

Minha boca murchou.

– Hum, sim. - Murmurei, agora sentindo meu coração pesar. Senti um calafrio andando na minha espinha e meu nariz coçou. Espirrei, esfregando meus braços. Eu sentia como se um frio dos infernos invadisse minha alma e corroesse meus ossos. - Breciso… De uma rouba. - Pedi, fanha, o nariz escorrendo.

Os dois logo entraram em ação. Marcela se levantou, enquanto Jonas vasculhava minha mala tomando o máximo de cuidado para não roçar sua unha nas peças.

Marcela tirou a camisa do Pedro de mim, que estava ficando úmida pelo contato iminente com minhas roupas molhadas. Ela ficou observando a camisa com uma sobrancelha levantada.

– É do Pedro?

Assenti enquanto tentava tirar a camiseta.

– É sim.

Ela sorriu, provavelmente pensando asneiras e tirou minha camiseta com um puxão. Minhas partes não expostas - como minha barriga - logo arrepiaram. Jonas jogou uma camiseta de manga comprida na cara da Marcela, que pegou com habilidade. Tirei o sutiã e o joguei no chão sem modos.

Depois de cinco minutos eu estava quentinha, embrulhada em cobertas como um enroladinho de presunto e queijo. Só que sem a parte do presunto e queijo. Me sentaram no chão acolchoado da barraca, enquanto eu assoava o nariz. Marcela secava meu cabelo com um secador sem fio cor-de-rosa. Observei o livro de capa azul bebê ao meu lado.

Com dificuldade, o peguei. Minhas mãos estavam um pouco úmidas, e não deu cinco segundos para Marcela dar um suspiro.

– Esse livro é lindo. Você deveria ler.

Soltei um gemido quando ela puxou meu cabelo com força e observei as páginas. Li um diálogo mentalmente.

“O Augustus deu um passo na direção dele e olhou para baixo.

– Está se sentindo melhor? - perguntou.

– Não - murmurou Isaac, o peito inflando por causa da respiração ofegante.

– Esse é o problema da dor - o Augustus disse, e aí olhou para mim. - Ela precisa ser sentida.”

– Hum. - Falei, por fim, colocando um marca página ali e jogando o livro no acolchoado. - Augustus. Augustus é um nome bonito.

Marcela sorriu, com uma expressão de simpatia.

– Não é? O Gus é todo bonito, na realidade. - Ela mordeu o lábio inferior. - Acabei de ler ontem, e… - Então, do nada, Marcela começou a chorar. Pisquei, cética. - Eu estou relendo! Oh, Gus!

Não dava para explicar. Era como mágica. Num momento ela estava sorrindo, simpática; no outro ela estava chorando, parecendo devastada. Olhei para Jonas, que olhava para ela, pasmo.

O que aconteceu aqui?– Perguntei, movendo os lábios.

Ele revirou os olhos.

– Marcela está assim desde hoje à tarde. Ainda está inconformada com a morte desse rapaz aí.

Marcela fungou e se jogou no acolchoado, chorando. Passei a mão no cabelo e percebi que ele já estava seco. Me joguei no acolchoado ao lado dela, me sentindo um rolinho com recheio Katrina. Eu estava me sentindo mal por algum motivo. Não era por causa do frio e da gripe, ou os espirros ou… Uhm, ranho.

Era como se meu coração estivesse pesado. Eu escutava claramente suas batidas, como se ele estivesse na minha garganta, pronto para saltar para fora.

Deus, o que é isso?

Sem pensar, soltei um suspiro angustiado. As lágrimas de Marcela escapuliam de seus olhos acompanhadas com vários soluços de pura tristeza. Jonas apenas mastigava alguma coisa, entediado.

De repente, os soluços de Marcela cessaram. Ela ficou muda por um tempo, apenas encarando o teto da barraca. Me virei de lado, pronta para dormir.

Não queria conversar com ninguém agora. Já era de noite e amanhã iriamos para casa. Eu só queria… Dormir e botar a cabeça no lugar.

Essa frase não fez nenhum sentido. Não é como se minha cabeça estivesse colada na minha perna. De novo: não faz sentido.

Nunca faz sentido.

Eu já estava quase pegando no sono, naquele estilo bolinho de dormir, quando Marcela deu um berro histérico. Abri os olhos depressa, cética e assustada. Tentei me virar para ela.

– O que foi, mulher?! - Berrou Jonas, aparentemente tão assustado quanto eu.

– Já sei! - Ela gritou, batendo palmas. - Já sei, já sei, já sei!

– Já sabe o quê? - Eu e Jonas perguntamos ao mesmo tempo.

Marcela se levantou, parecendo mais animada do que o normal.

– Eu… - Ela começou, vasculhando sua mala. - Vou dizer para o meu pai ligar para o John Green! - Provavelmente, na mente dela, era uma ideia brilhante. - Aí eu vou pedir para o meu pai dizer a ele para fazer um novo livro, sem a morte do Gus!

Jonas e eu estávamos embasbacados.

– Marcela… - Jonas começou, mantendo a calma. - Você não pode fazer isso. - Ele disse, como se estivesse falando com uma criancinha. - Tá bom?

Marcela se virou para nos encarar.

– Posso sim. Eu sou rica.

E voltou a vasculhar suas coisas a procura do celular. Jonas e eu nos entreolhamos.

– Marcela, você é muito exagerada. - Falei, olhando fixamente para ela. Eu não duvidava que ela realmente entrasse em contato com o João Verde. Então, para evitar possíveis gafes, botei meu cérebro para funcionar. Então eu tive uma ideia brilhante. - Marcela, por que você não faz uma história baseada nesse livro?

Os dois olharam rapidamente para mim.

– Você quer que ela faça uma fanfic? - Jonas perguntou, surpreso.

Eu nem sabia o que era isso. Mas assenti para socializar.

– Isso aí. Marcela, por que você não faz uma fa… - Como era o nome, mesmo? - Fi… Ah, esquece. Faz logo uma história baseada nesse livro e para de frescura no cu. - Apontei para ela. - E se eu ficar sabendo que você ligou para esse cara… - Torci o rosto. - Faço seu celular virar café-da-manhã do Hércules. Estamos entendidas?

Marcela assentiu, com os olhos brilhando.

– Uma história só minha, hein? Uhm, não é uma má ideia!

Ela socou tudo dentro da mala de novo e se atirou do meu lado novamente. Me embrulhei nas cobertas de novo e fiquei encarando o nada. Já estava ficando bem escuro lá fora, já que o pessoal havia desligado as luzes. Estava um breu, na realidade.

Os dois fizeram pequenos movimentos atrás de mim, pegando cobertas e se cobrindo. Jonas deu um suspiro.

– Ah, eu não quero voltar para a sua casa, Katrina.

– Acredite, nem eu. - Resmunguei, fechando meus olhos. - Ah. - Lamentei. - Eu queria comer alguma coisa agora.

– Como o quê? - Jonas perguntou.

– Uhm, sei lá, açaí. – Meu nariz começou a coçar, então eu espirrei. - Ah, inferno!

Jonas jogou uma caixa de lenços na minha direção. Ela caiu em cima do meu braço. Tirei, com dificuldade, minha mão de dentro do embrulhinho e tateei às cegas meu braço. Peguei a caixa de lenços e dei um puxão, retirando de lá um lencinho branco. Assoei o nariz, já prevendo a vermelhidão que iria ficar mais tarde.

Joguei o papel sujo dentro de uma sacola de plástico. A joguei em um canto, juntamente com a caixa de lenços. Ergui meu olhar e fiquei encarando a camisa de Pedro, que estava pendurada em cima da minha mala. Fiquei encarando-a, me lembrando do momento que tivemos há pouco. Mordi o lábio, sentindo novamente aquela sensação terrível.

Empurrei meu rosto contra o acolchoado, sentindo meu estômago dar uma voadora no meu diafragma. Era como se eu fosse vomitar um carneiro.

Marcela soltou um suspiro angustiado. Abri um olho, vendo se ela estava bem. Marcela se virou para mim.

– Acha uma boa ideia eu colocar um helicóptero na fanfic?

*

E finalmente vieram os sonhos.

Jason estava sentado de frente para mim, tomando chá. Estávamos sentados numa mesa circular, que estava cheia de xícaras e bules coloridos. Eu estava vestindo um vestido cheio de babados, azul. As mangas eram compridas e com babados na altura do pulso. Meu cabelo estava preso em um coque apertado por uma fita azul bebê.

Estávamos tomando chá no meio de um parque, com árvores de folhas amarelas e rosadas, se balançando alegremente. Jason comia um pedaço de bolo de chocolate, e vários passarinhos pousavam em cima de sua máscara. Jason parecia não gostar daquilo. Ele abanava o rosto, tentando espantá-los.

Dei um risinho e enchi minha xícara com um chá verde. Jason olhou para mim.

– Posso cortar a cabeça desses pássaros ao meio? - Ele puxou debaixo da mesa seu facão.

Juntei as sobrancelhas.

– Não. O sangue vai cair no chá. - Fiz uma careta. - Não quero tomar chá com miolos de passarinho.

Jason deu de ombros, casual. Isso fez com que duas aves voassem para longe.

– Seria um molho especial para mim.

Assenti, compreendendo.

– Bom, para você, aposto que não é nada de mais. Já que você matou duzentas e oitenta e cinco pessoas. Além de pendurar oitenta e cinco cadáveres em árvores ou tetos.

Ele pareceu incrédulo.

– Como você sabe disso?

– Li no seu dossiê. - Expliquei, casual, enquanto bebericava o chá. Então lembrei de uma coisa. - Você poderia matar Marcos e Kátia para mim, não poderia? Já que suas vítimas preferidas são jovens instrutores de acampamento.

Ele assentiu com prazer.

– O.k. Guarde um pouco de bolo pra mim.

Ele tirou facão do bolso e se levantou, chegando aos seus um metro e noventa e seis. Jason chacoalhou a lâmina, espantando os pássaros. Ele acertou um sem querer, que foi partido ao meio. Olhei feio para ele.

– Ops. Desculpe-me.

Lhe dei língua.

– Só vá logo. O chá está esfriando. E se sentar mosca eu não vou espantar. - Avisei, seca.

Ele se encolheu e assentiu, submisso.

E lá se foi o Jason, andando calmamente para matar aqueles vermes.

Acordei com o barulho do rádio-despertador de Jonas. Eu me levantei com o susto, me sentando no acolchoado. Eu estava suando frio, com a raiz dos meus cabelos ensopada. Minha respiração estava descompassada por conta do maldito sonho.

Meu Deus, o que diabos eu havia acabado de sonhar? Era realmente isso que eu queria para àqueles dois? Que suas tripas fossem espalhadas pelos telhados?

Passei a mão no meu rosto, que estava suado, e fiquei pensando por um tempo nessas questões.

Realmente, realmente… É muito mais fácil você guardar no seu coração ódio, rancor e mágoa de uma certa pessoa do que simplesmente perdoá-la. Às vezes, todos nós pensamos que algum feito em nossa vida não tem perdão. Muito menos motivo.

Olhei ao meu redor. A barraca estava quase vazia. Marcela e Jonas já haviam acordado, e eu percebi que eles estavam do lado de fora, conversando animadamente. Todas as coisas foram guardadas, e as únicas coisas que restavam ali eram os cobertores, eu, o rádio-despertador e minha mala. Além de uma muda de roupas que estava nos meus pés.

Notei que meus tênis estavam ali, sorrindo e mostrando o dedo do meio para mim. Nada de camisas com botões faltando.

Pedro tinha vindo.

E ele tinha me visto babando enquanto eu dormia.

Eu definitivamente tenho que parar de sonhar com bolos e chás.

Marcela entrou na barraca sorrindo. Ela tinha prendido o cabelo em um coque apertado, e estava vestindo uma jardineira jeans com camiseta de manga comprida cinza.

– Bom-dia, flor do dia! - Ela parecia especialmente feliz. Me perguntei o porquê de toda aquela alegria. Como se lesse meus pensamentos, Marcela respondeu: - Minhas amigas irão vir para o meu aniversário!

Forcei um sorrisinho e me levantei. Peguei a muda de roupas e fiquei encarando meu tênis.

– O Pedro… Hum… Ele veio aqui? - Perguntei, já sabendo a resposta.

Marcela assentiu.

– Sim, sim. Ele passou aqui, deixou o seu tênis, te deu um beijinho na testa, pegou sua camisa e foi embora.

Isso não melhorava muito minha situação.

– O que ele é? - Perguntei, agitando os braços. - Meu pai?

Marcela deu risada e foi se afastando.

– Não é essa pergunta que você deveria estar fazendo.

Juntei as sobrancelhas.

– Ah, é? Qual pergunta eu deveria estar fazendo, então?

Marcela enfiou uma perna para o lado de fora da barraca e olhou para mim, com um sorriso estranho nos lábios.

– Deveria estar fazendo: “por que raios eu ainda não casei com ele, mesmo?

E, antes que eu jogasse o rádio na cabeça dela, Marcela escapuliu, rindo como uma idiota. Revirei os olhos e encarei o aparelho.

07:47

Ah, não. Por que eu acordei tão cedo?

Eu já estava pronta para me jogar novamente nas cobertas e ficar ali, dormindo, completamente escondida e bem. Mas, como se fosse mágica, a cabeça de Jonas brotou ali dentro.

– Antes que você vá dormir novamente, saiba que os ônibus saem às oito e meia. Então se apresse e vamos logo.

Tcs, bosta.

*

Então, às lindíssimas oito e vinte e sete, lá estávamos nós três… Quatro: parados ao lado do ônibus, que no caso, estava esperando o motorista, que fora comer alguma coisa e acabou sendo abduzido.

Isso daria um ótimo romance.

Eu estava sentada no chão, encostada na roda do ônibus, como uma mendiga, enquanto Marcela não parava de publicar em redes sociais o seu vestido-caro-pra-caralho, fazendo com que várias garotas fiquem morrendo de dor de cotovelo. Jonas decidiu-se: iria de Luigi. Sim, aquele mesmo, do Mario Bros.

Derek disse, via mensagens para Marcela, que iria como um dos “Três Mosqueteiros” e eu fiquei pensando que lugar ele iria assaltar dessa vez para conseguir grana para a roupa. Do que o Pedro iria ainda era um mistério.

Ainda.

Eu não havia gostado das minhas próprias roupas. Eu vestia uma camiseta regata branca, de algodão. Um cardigã roxo que eu nunca tinha visto na minha vida cobria meus braços. Nas pernas, me deram uma calça jeans cinza confortável e botas. Eu não queria me trocar porque isso daria muito trabalho. O meu cabelo estava solto, e eu nem quis penteá-lo.

Um vento forte batia de todas as direções, e eu me perguntei internamente como Marcela conseguia ficar com as pernas de fora daquele jeito. Barney estava sentado do meu lado, observando a movimentação, quieto.

Bom, graças a Deus que ele está quieto.

Os motoristas chegaram alguns minutos depois, andando sob as vaias dos alunos. Me levantei rapidamente e bati na minha bunda, limpando minha calça de sujeira. Peguei Barney pelas orelhas e o arremessei na direção de Marcela, que levou um susto. Ela o segurou pelo pescoço enquanto Jonas sorria e acenava para a gente.

– O.k., moçoilas, eu encontro a senhoritas mais tarde.

E foi saltitando em direção ao seu ônibus. Dei de ombros e peguei as nossas malas, empurrando todo mundo que fazia uma fila para subir primeiro. Fui toda desastrada até um dos assentos do meio.

Eu odeio ficar no fundão. Não sou milho de pipoca para ficar saltitando quando a chapa esquenta.

Enfiei nossas malas no espaço em cima dos assentos e me sentei ao lado da janela. Eu sempre fico na janela, não discuta.

Marcela colocou o Barney no chão, entre minhas pernas e as costas do outro banco. Ela se sentou, parecendo cansada.

– Ah… - Ela suspirou, olhando para cima. - Sério que iremos voltar? Aqui estava sendo tão bom.

Dei de ombros.

– Não gostei desse lugar. Só me ferrei enquanto eu estava aqui. - Passei a mão no nariz, que doía por conta do números de vezes que eu o assoei.

Marcela sorriu e fuçou no seu celular.

– Vamos tirar uma foto, Katrina.

Arregalei os olhos.

– Não mesmo. Tire essa câmera de perto de mim antes que eu a jogue pela janela.

Ela alargou o sorriso.

– Para de frescura. É só uma foto! - Ela pegou a manga do meu cardigã. - Vamos, vamos, vamos, vamos, vamos, vamos! Por favor, por favor, por favor!

Revirei os olhos.

– Eu nem penteei o cabelo hoje. Não vou ser exposta assim, nas redes sociais.

Falar com a Marcela é a mesma coisa que falar com paredes. Ela foi tão acostumada a ter tudo que sempre quis, num piscar de olhos e sem objeções, que se esquece que nem todos são assim. E, quando alguém diz “não” a ela, Marcela acha um jeito de fazer com que essa pessoa mude de ideia.

Ela ajustou a câmera do seu celular e abriu um sorriso simpático. Ela posicionou a câmera de um jeito que nós duas aparecêssemos.

– Marcela, vai tomar no cu. Eu não vou fazer pose para uma foto merda.

Marcela perdeu a graça e abaixou o celular, me olhando.

– Então você prefere que eu filme toda essa sua ceninha e poste no Face? Com prazer, madame.

Semicerrei os olhos.

– Você irá para o inferno.

Vários alunos já estavam sentados em lugares variados. Dei um suspiro, já que eu odeio foto. Ajeitei-me no banco, enquanto Marcela sorria, vitoriosa. Ela ajustou o aparelho naquela mesma posição e sorriu.

Acho meio injusto as pessoas saírem bonitas nas fotos com sorrisos forçados. Eu geralmente não consigo. Então, para não perder o costume, dei língua para a câmera. Marcela deu mais um sorriso de satisfação quando abaixo o celular para observar a foto.

– Ah. - Ela exclamou, animada. - A foto ficou linda. Vou postá-la agora. Uhm, legenda? - Ela se virou para mim.

Pensei por um instante.

– Que tal: “Eu e minha amo!

Ela revirou os olhos.

– Hum, engraçadinha, você. - Marcela começou a cutucar a tela. - Vou colocar assim: “eu e a, até então, megera indomável!

Comecei a rir.

– Você não vai colocar isso!

Ela deu ombros.

– Já coloquei.

Eu ia reclamar com ela, mas o ônibus começou a chacoalhar. A professora de português sorriu para todo mundo com uma prancheta na mão.

– É bom que todos estejam aqui. Mas, só por garantia, farei a chamada.

E assim ela foi chamando número por número. “Fulano!” “Aqui.” “Ciclano!” “Presente.”

– Vinte e três! - Foi a vez do número mais lindo da chamada.

Levantei meu dedo.

– Oi.

Ela sorriu e fez uma anotação no papel.

– Olá, Katrina. Vinte e quatro!

E continuou. Depois de alguns minutos, Marcela soltou uma exclamação de surpresa.

– Santo Cristo!

Olhei para ela.

– Quê?

Marcela olhou para mim, completamente animada.

– Nossa foto foi curtida umas cem vezes, “megera”. Só o fato de você estar presente é o suficiente para que as pessoas curtam feito loucas. Ah, um comentário do… - Então ela riu histericamente. Peguei o telefone da mão dela.

Era Jonas. E ele dizia, sem cerimônias:

“Tão lindas q nem parece q cagam.”

Soltei uma risada escandalosa. O comentário dele recebeu várias curtidas em pouco tempo.

O caminho todo foi um verdadeiro saco. Eu cochilei várias vezes, mas parecia que só se passavam cinco minutos. Marcela dormia profundamente no seu banco, com o celular no colo. O pessoal do fundo estava cantando e jogando comida um nos outros. A professora estava lendo um livro, sem se importar com a baderna nos fundos. Fiquei encarando as coisas passarem pelo vidro da janela.

Fiquei perguntando-me o que Pedro estava fazendo naquele instante. Rocei o dedo no meu queixo delgado, sentindo que não estaríamos bem depois daquilo.

É óbvio que não estaríamos bem depois daquilo. Por quê? O que eu esperava? Que ele simplesmente se esquecesse e pedisse uma xícara de açúcar?

“Oi, vizinha! Então, vamos esquecer que eu acabei de te pedir em namoro, tá bom? Eu vim aqui para pedir um pouco de açúcar, porque eu estou fazendo suco de laranja natural. Quer um pouco?”

Comecei a rir sozinha, imaginando essa cena. Distraída, passei o polegar nos meus lábios. Minha testa estava totalmente colada no vidro da janela, que ficava embaçado com a minha respiração quente. Desenhei no vidro um bonequinho palito. Depois desenhei uma casa. Fiz meu hálito percorrer mais acima no vidro. Fiz uma bomba atômica em cima da casa, e desenhei um controle remoto na mão do boneco. Fiz um “P” em cima da casinha e um fio para fazer o cabelo do boneco.

Que no caso era eu.

Sim, eu estava me desenhando jogando uma bomba atômica na casa do Pedro.

Não, espera.

Não queria morrer também, então, por isso, fiz uma parede de aço indestrutível na minha frente.

O.k., agora é definitivo: eu preciso de tratamentos médicos urgentes.

*

O resto do caminho foi bem tranquilo. Tão tranquilo e tão calmo que eu acabei dormindo. O engraçado é que o caminho de ida é mais longo do que o da volta.

Eu nem consegui sonhar.

No fim, eu acabei acordando com algo coçando as minhas costas. Me empertiguei, extremamente preguiçosa. A pessoa me coçava gentilmente, e eu acabei me espreguiçando. Meus olhos ainda estavam fechados por motivos desconhecidos. Me cocei na nuca, e acabei me mexendo de uma forma estranha. Minhas pernas foram parar no alto do banco, enquanto minha cabeça ficava pendurada.

– Para de ser preguiçosa, Katrina.

Abri meus olhos devagarinho, e percebi que era Marcela. Ela sorria, parecendo satisfeita.

– Chegamos! - Ela exclamou, batendo palmas. - Os alunos já estão descendo. Iremos ficar por último se você não se apressar.

Bocejei algumas vezes; aquela posição estava boa para dormir. Resmunguei, não querendo levantar. Marcela pegou o meu braço e me puxou com força.

– Vaaamos!

Resmunguei alguma coisa e me levantei com dificuldade. Eu estava caindo de sono; Marcela pegou nossas bagagens e apontou com a cabeça para o coelho.

– Pegue esse aí e vamos logo. - Ela instruiu, sorrindo.

Catei a orelha dele e o arrastei pelo corredorzinho, que estava cheio de comida. Marchei atrás de Marcela, que cantava alguma coisa enquanto saltitava, feliz. Descemos os degraus altos. Quase caí no último, quando errei o tamanho dele. Fui catando cavaco até bater de frente no muro da escola.

Agora sim eu estava acordada.

Os alunos davam risadinhas ao ver aquela cena. Limpei a minha calça e observei Barney, que fora abandonado no meio do caminho. Dei uns tapas na bunda dele, que estava coberto de poeira. Abri sua barriga e tirei de lá um bombom. Enfiei ele na boca de uma vez só e catei outro.

E outro. E outro. No total foram seis. Encarei de volta todas as pessoas que me encaravam também. Vez ou outra eu mostrava minha língua cheia de doce para uma pessoa em especial, e ela me encarava como se tivesse chupado limão.

Esse mundo está tão hostil que nem comer sossegado pode.

Marcela chegou perto de mim, sorridente, fuçando no seu celular. Então ela deu uma risada histérica, como se estivesse vendo o melhor vídeo de comédia dos séculos. Marcela se apressou e mostrou o seu celular para mim.

Eu estava comendo, mas, quando vi aquela imagem, engasguei com o bombom, dando risadas também.

Era uma foto do Pedro. Os cabelos dele estavam para cima, como se ele não os penteassem há séculos. Os olhos estavam semicerrados, como se tivesse acabado de acordar. No seu ombro nu, havia Duque, com a mesma expressão. A legenda dizia: o que é um pente, mesmo? Serve de travesseiro?

Trinta e sete pessoas aprovaram aquilo.

Engraçado como os animais combinam perfeitamente com os donos. Fiquei matutando, pensando no que o Hércules era parecido comigo. Bom, ele tinha pose de valentão e malvado. Mas ele só era um maldito de um bonachão que ficava todo derretido quando via a Camila. Além de chorar pelos cantos da sala quando era ignorado.

É, não éramos iguais. Definitivamente não.

– Ah! - Marcela exclamou, parecendo surpresa, encarando algo atrás de nós.

Me virei, curiosa. Um sorriso bobo, quase que panaca se esparramou nos meus lábios. Hércules vinha correndo a todo vapor na nossa direção, com a língua para fora. A única orelha dele estava para cima, e ele parecia muito feliz.

Hércules voou em cima de mim. Nós dois caímos no chão com um baque surdo, e todo mundo parou para olhar. Ele abanava o rabinho, como se estivesse sentindo saudades de mim.

Hércules lambia minha cara como se tivessem passado ração para cachorro no meu rosto. Tentei afastá-lo, mas é meio complicado empurrar um peso pesado como ele.

Me sentei no chão com dificuldade, sentindo os olhares curiosos nas minhas costas. Esfreguei as costas dele com suavidade enquanto recebia lambidinhas carinhosas no queixo. Marcela passava a mão na cabeça dele, completamente feliz.

– Ah, que lindinho! Veio ver a mamãe, né? - Então, Marcela fez uma cara confusa. - Como que ele veio ver a mamãe, Katrina?

Dei de ombros.

– Não faço ideia. - Sorri, sacana para ele. Arreganhei os dentes e mordi o nada. - Auf, Auf!

Hércules respondeu ao latido com um outro latido. O.k., isso é óbvio; caso ele dissesse: larga de ser retardada, eu provavelmente estaria no hospital agora.

Me levantei com dificuldade enquanto esfregava a cabeça do cachorro. Foi aí que uma coisa estranha aconteceu. Hércules ficou olhando fixamente para um ponto adiante. Ele se empertigou todo, como se quisesse atacar e devorar alguma coisa. Me virei para ver o que ele estava encarando.

Marcos parecia um hidrante ambulante. Sua calça era de um vermelho forte, que chamava atenção. Ele sorria para algumas meninas do primeiro ano.

Uhm. Hércules provavelmente queria fazer xixi.

Olhei para ele, apática.

– Nada te impede. - Falei, apontando para o garoto. Hércules começou a andar, o rabo para cima, o balanço irregular e lento. - Vai com Deus!

Peguei a orelha de Barney e o pressionei contra meu estômago. Marcela não estava entendendo nada. Ela ficou olhando para mim, depois para o cachorro, depois para mim outra vez.

Ela ia falar alguma coisa, mas tapei a boca dela. Apertei seu queixo e girei a cabeça dela, fazendo-a olhar para os dois.

– Aprecie.

Hércules chegou de mansinho perto do Marcos. Ele olhou em volta, a orelha bem ereta. Então, quando eu pensei que ele iria mijar nele, outra coisa aconteceu.

Hércules pulou na perna de Marcos e começou a fazer o “chá-chá-chá”, se é que você me entende. As garotas que estavam perto dele simplesmente gritaram e se afastaram. Marcos olhou, horrorizado para o estuprador-de-pernas-alheias.

Eu não sei quem estava mais incrédula: eu ou Marcela. Nós duas estávamos de queixos caídos, observando Hércules em ação. Marcos agitava a perna e ameaçava bater no pobre cão, mas tinha muita gente por perto, então ele preferiu não agredir meu animal.

E também, caso ele agredisse Hércules, os dentinhos lindos de morrer - literalmente - atacariam aquilo que ele chama de bunda.

– Eu estou horrorizada. - Marcela admitiu de repente, se soltando do meu aperto. - Olha que calça ridícula.

Marcos se soltou de Hércules e correu, gritando para que ele se afastasse. Mas o cachorro o seguiu. E foi aí que eu perdi os dois de vista atrás de uma árvore.

Fiquei piscando, um pouco cética. A vida é meio engraçada em certas ocasiões. Só fui perceber que mais ônibus chegaram quando Jonas desceu de um deles, parecendo mais do que feliz e extasiado.

Ele desceu as escadinhas de um jeito desengonçado e sorriu para nós, colocando suas coisas no chão.

– Olá, meus docinhos. Como vão?

Olhamos para ele.

– Você não vai acreditar no que acabou de acontecer. - Falei.

Ele semicerrou os olhos.

– Hum, o quê?

Contamos tudo para ele. Jonas não sabia se ria ou se lamentava sobre a calça ridícula de Marcos. No fim ele acabou rindo mesmo.

Todos nós estávamos prontos para ir para casa. Mas parecia que isso não fazia parte dos planos de ambos. Decidi ir na frente. Quando disse isso, eles deram um berro e me puxaram para trás.

– Não! - Gritaram ao mesmo tempo.

Semicerrei os olhos, desconfiada.

– O que é isto? - Perguntei, lançando-lhes uma expressão de raiva.

– Você, hum… Não pode ir agora, porque… - Marcela estava se embananando toda. - Hum…

Eu estava bem confusa. Cruzei os braços, esperando uma resposta deles.

De repente, Jonas soltou outro berro. Eu e Marcela nos assustamos.

– Pedro! - Ele gritou, eufórico, correndo na direção do italiano, que descia os degraus do ônibus, bocejando. Quando viu Jonas, ele acenou, cansado.

Jonas não perdeu tempo e agarrou Pedro pelo braço, arrastando-o. E só foi depois de um tempo que eu percebi a bola de pelos sob um dos braços dele. Duque estava com os olhos âmbar semicerrados, encarando Jonas com ódio. Ele queria ver Jonas morto.

A cada passo que Pedro dava, mais meu coração afundava no peito. Meu Deus, eu parecia aquelas garotinhas de histórias clichês. Olhei para os lados, evitando cruzar olhares com ele.

Marcela apertou um botãozinho no seu telefone. Ela sorriu, maliciosa, e o jogou dentro do bolso.

Eu não estava gostando disso. Eu pressentia o mal exalando daqueles malditos.

Os dois chegaram perto de nós, sorridentes. Pedro cumprimentou Marcela com a cabeça; ele olhou para mim por alguns instantes.

– Oi, Katrina.

Retribuí o sorriso, nervosa.

– E aí.

Pedro parecia satisfeito. Ele arrumou Duque nos braços, enquanto o gato ronronava.

– Bom, bom, bom, bom, bom… - Marcela tinha cara de quem sabe demais. - Estamos indo.

– Ah, ótimo! - Exclamei, exausta. - Estou morrendo. Preciso da minha cama.

Marcela fez que não com o dedo.

– Você não irá entrar no carro.

Pisquei.

– Oi?

Então, num súbito movimento, Jonas pegou o Barney de minhas mãos, enquanto um carro prata estacionava na guia, ao nosso lado. Ele abriu a porta do carro e se enfiou ali dentro. Marcela pegou a minha mala e a jogou pela porta. Eu ia reclamar, dizer que eles estavam ficando doidos, mas não deu tempo para isso.

Porque eles fugiram.

Isso. Fu-gi-ram.

Os desgraçados me deixaram sozinha com o Pedro. Peguei uma pedra que estava na guia e ataquei com toda minha força na direção do carro. Ela não o acertou, porque caiu alguns centímetros para o lado.

– Tomara que o carro capote! - Berrei.

Eu estava, ao mesmo tempo, chocada, transtornada e envergonhada. Me virei, e encarei um Pedro com a mão no queixo, contemplando a cena com um sorrisinho bobo no rosto.

– Que pontaria ruim, megera.

– Calado!

Pedro ergueu a mão livre e juntou o dedo polegar com o dedo indicador. Ele os encostou na boca, e fez um gesto engraçado, como se estivesse fechando um zíper. Ele ergueu a mão para o alto.

– Hum, hum? - Ele perguntou, como se dissesse: satisfeita?

Ri da cara dele.

– Besta.

Pedro deu uma risada frouxa; ele umedeceu os lábios e olhou em sua volta.

– Bom… Hum… Se isso não for desconfortável para você, podemos ir juntos. - Ele deu de ombros, tentando ser indiferente.

O clima entre nós dois estava ficando tenso de novo. Engoli em seco, tentando não deixar transparecer que estava muito nervosa. Joguei minhas mãos para a cintura.

– Podemos ir juntos sim, sem problemas.

Pedro assentiu, abrindo um sorrisinho.

– Uhm, ótimo.

Eu já ia atrás de Hércules, quando o próprio saiu de trás da árvore com um pedaço de pano na boca. Provavelmente Marcos tentou bater nele. Desejei que Hércules tenha arrancado a mão daquele desgraçado.

O cachorro abanou o rabinho quando viu o Pedro. Ele cuspiu aquele pedaço de pano vermelho berrante e lambeu a mão do italiano. Pedro esfregou a cabeça dele, simpático.

– Oi, amigão. Como vai?

Hércules latiu, feliz, e ficou observando aquela bola de pelos com curiosidade. Ele chegou perto de Duque, a orelha ereta. O gato ficou olhando Hércules sem interesse; virou a cara, debochado.

– Acho que eles se deram bem. - Opinou Pedro, passando a mão na cabeça do gato.

Sorri, mas no fundo, bem no fundo, eu queria que Hércules engolisse aquela cara cínica do maldito gato.

– Hum, vamos?

*

– Sabe, Katrina, eu não mordo. - Pedro parecia triste.

– Que bom pra você. Menos tapas na cara.

– Por que você está tão distante?

– Eu não estou distante.

Mentira. Eu estava sim. Pedro andava na guia, com Duque sob os braços. Eu estava quase colada na parede, do outro lado da calçada. Hércules me acompanhava, parando toda a hora para xeretar um saco de lixo ou cheirar alguma coisa. Eu o puxava pelo pescoço, enquanto o metia entre eu e o Pedro.

Eu estava salva por enquanto.

Então, do nada, Pedro começou a rir. Ele olhou para cima, parecendo intrigado.

– Já que as coisas estão estranhas entre nós, devo deduzir que algo está mudando. Uhm, uhm, o que será?

Acho que eu ataquei umas cinco pedras nele. Pedro apenas desviava de todas, rindo feito um doido. Duque se cansou de toda aquela movimentação e pulou dos braços dele, caminhando glamourosamente pela calçada. Hércules chegou perto dele, curioso. E foi aí que eu percebi a diferença de tamanho de ambos. Duque era miudinho perto do meu lindíssimo cachorro. Hércules fungou o corpinho do gato, que respondeu com um ataque de garras e “raaawwr!”. Hércules se assustou e correu na minha direção, fazendo barulhos de cachorro.

Afaguei a cabeça dele enquanto observava Pedro, que estava lá na frente, andando de costas, virado para mim.

– Seu gato é um fresco! - Gritei para ele.

Ele sorriu.

– Eu percebi isso ontem, quando ele recusou o meu colo e foi dormir em uma almofada. - Ele parecia chocado. - Meu hamster nunca fez isso. Eu me lembro que eu embrulhava ele numa meia e colocava aquele saquinho de gordura do meu lado no travesseiro.

Semicerrei os olhos.

– Onde está seu hamster?

Ele se encolheu.

– No pneu da bicicleta do meu pai.

Oh, Deus. Eu iria sonhar com aquilo por uma semana. Fiz uma cara de desgosto.

– Me contar isso foi extremamente desnecessário, sabia?

Ele deu de ombros.

– Foi você que perguntou, não me culpe.

Joguei as mãos para a cintura e parei.

– Poderia ter simplesmente dito: está morto, bateu as botas, entregou a alma a Deus ou virou estrelinha.

Ele parou também. Duque e Hércules ficaram nos observando, sentadinhos lado a lado. Pedro cruzou os braços e me encarou.

– Eu não vou dizer que meu hamster virou uma estrelinha, Katrina. - Ele veio se aproximando de mim. - Essa expressão é meio ridícula.

Nós ficamos frente a frente, nos encarando. Eu ia atacá-lo no emocional e fazê-lo pedir desculpas. Eu sei, eu não presto.

– Quando meu avô morreu, foi essa a expressão usada pela minha mãe. - Falei, erguendo o queixo.

Pedro relaxou os ombros; ele descruzou os braços e passou a mão na cabeça, obviamente desconcertado.

– Tá, essa expressão não é ridícula, desculpe.

Sorri, vitoriosa.

– Tudo bem. - Dei de ombros. - Não gostava muito dele, de qualquer forma.

Pedro sorriu e ajeitou sua mochila nas costas, olhando para Duque.

– Vem aqui, seu algodão ambulante. - Ele pegou o gato com uma das mãos e o ergueu. O bichano miou em protesto. - Tsc, olha a rebeldia. - Então, num movimento rápido, Duque lascou a pata no queixo do Pedro. Arregalei os olhos quando vi que sangrava. - Ai, filho da mãe.

Me aproximei dele, e, sem aviso prévio, passei o polegar no seu queixo. Logo senti os pelinhos quase que invisíveis de sua barba roçarem no meu dedo, misturados com sangue.

– Ei, você precisa fazer a barba. Ninguém irá querer te beijar se você deixar a barba crescer e ficar como um mendigo.

Tirei de dentro do bolso da calça um paninho limpo - sempre tenha um caso você tiver gripe - e o pressionei contra o machucado dele. Pedro ficou me encarando, sem expressão. Seus olhos estavam semicerrados e a boca entreaberta.

Quando vi que não saía mais sangue, embrulhei o lencinho e o enfiei no bolso novamente.

– Novo em folha. - Fiquei como uma tonta, apreciando meu trabalho. - Como uma bunda de neném… - Pensei por um instante. - Só que… Com barba. - Olhei ao redor. - Isso não fez sentido algum.

Mas Pedro não estava prestando atenção. Ele estava olhando fixamente para os meus lábios.

E foi aí que eu percebi o quão aquilo foi estranho. Duque me encarava com um rosto malévolo, como se dissesse: se fodeu, trouxona.

Por que isso aconteceu, mesmo? Várias partes do ocorrido de ontem se passaram como um filme na minha cabeça. Forcei um sorriso.

– Olha só, é a primeira vez que vejo o Hércules comendo cocô.

Sim, eu sou ótima para desviar de assuntos.

Pedro passou os dedos no queixo, e depois nos lábios.

– Obrigado; isso foi muito gentil da sua parte.

Me encolhi.

– Hum, não há de quê.

Pedro olhou para cima, os olhos semicerrados.

– Katrina, provavelmente vai chover. Vamos voando antes que você fique pior do que está.

Eu tinha que concordar. Pedro pegou a minha mão com força e me puxou para caminharmos rapidamente. Eu dei alguns pulinhos, já que os passos dele eram maiores do que os meus. Hércules nos seguia, feliz, saltitando. Vez ou outra ele corria na nossa frente ou se assustava por conta de outro cachorro.

Duque estava no ombro do Pedro, aconchegado no pescoço dele. Ele me encarava de uma forma que dizia tudo. Os olhinhos semicerrados, e o rabo balançando levemente. Ele queria me matar.

As pessoas na rua nos olhavam com interesse. Perguntei o porquê disso para o Pedro. Ele me deu um sorriso como resposta.

– Pensei que isso era óbvio.

– Se fosse óbvio eu não estaria perguntando.

Pedro continuou andando, agora mais lentamente; sua mão ainda estava bem apertadinha, esmagando os meus dedos.

– Eu já tinha dito uma vez: nós dois formamos um casal muito bonito e peculiar, não acha?

Pensei por um instante.

– Peculiar… Hum, talvez.

Pedro começou a rir.

– Ótimo, você não descarta a ideia de sermos um casal. Isso é um meio, Katrina.

Eu nem preciso citar o quão envergonhada eu estava. Pedro estava tentando ao máximo fazer com que tudo fosse como antes. Só que isso era impossível. Impossível para mim, no caso. Eu queria gritar e sair correndo para bem longe de todos os meus problemas.

Pedro afrouxou o aperto. Meus dedos gritaram de alegria, porque finalmente respiraram. O italiano fez uma pequena carícia no calo do meu dedinho, que estava proeminente desde sexta, já que eu não escrevia desde então.

Viramos a rua do mercado e pisamos na calçada calejada e maltratada daquilo que chamamos de rua. Obriguei-o a atravessar aquele mar de piche para a minha calçada.

Pedro soltou definitivamente a minha mão de um jeito meio desleixado. Estralei os dedos, com a mente preenchida por pensamentos sem nexo, como bolo de casamento e um cachorro chamado Max.

Estávamos chegando perto de casa, e nada de carros chiques. Marcela e Jonas já deveriam ter chegado em casa há séculos. Olhei para o céu, e percebi que nuvens de chuva estavam gritando lá em cima, prontas para desabar.

Quando paramos na frente da minha casa, meu queixo caiu instantaneamente.

A grama do jardim estava aparada, com arbustos que nunca tinha visto antes. Vasos de flores estavam espalhados por aí, enfeitando o local. E o que mais me chocou foi o fato de que: a piscina estava limpa.

Limpíssima, na realidade. A água cristalina refletia as nuvens acima de nós. O vidro da janela da cozinha estava restaurado, como se eu nunca tivesse jogado uma panela de pressão por ela.

Na minha mente, eu tinha quatro opções para esse fato:

a) Will Smith e Tommy Lee Jones deram uma passadinha na minha casa e mataram a minha mãe, que, no caso, nunca fora minha mãe de verdade. Na realidade era um alienígena do mal pronto para comandar a Terra;

b) todo mundo foi morto num acidente de carro e quem habita a casa são novas pessoas;

c) decidiram limpar a casa;

d) nós dois havíamos errado de rua.

Compartilhei essas opções com o Pedro. Ele ia falar alguma coisa, mas o interrompi.

– Vamos descartar uma opção. Tem uma que eu achei ridícula. Que é a letra “C”, no caso. - Passei a mão no queixo, intrigada. - É óbvio que minha mãe não se daria ao luxo de limpar a casa. Ela é preguiçosa demais para tal feito. Realmente, Will Smith passou por aqui e eu nem peguei um autógrafo.

Pedro começou a rir.

– Isso foi meio exagerado da sua parte, não acha? Deve ter acontecido algo, como…

– Um tsunami? - Adivinhei. - Ou um tornado? Ou será que eu passei por essas bandas, de novo?

– Como uma festa. - Ele completou, olhando minha casa. - Talvez haja uma festa amanhã. É aniversário de alguém?

Dei de ombros.

– Não que eu saiba.

Eu já estava dando meia volta, perguntando-me quando erramos o caminho, cabisbaixa porque teríamos que andar mais, quando um cotoco com cabelos bagunçados e um pijama que eu nunca havia visto antes saiu de dentro da casa correndo, eufórico.

Camila correu com as perninhas gordas na nossa direção. Ela esbanjava um sorriso de criança nos lábios.

– Katina! - Ela exclamou, abraçando minhas pernas. - Senti saudade!

Afaguei o cabelinho ralo dela.

– Olá, macaca.

Ela olhou para o Pedro, sorriu, e correu de novo. Camila estava vestindo um pijama vermelho, cheio de elefantes. Ela estava indo para a beira da piscina. Eu ia correr para impedi-la, mas Hércules foi mais rápido.

Ele correu, balançando o rabinho, e entrou na frente dela. Hércules sentou-se, preguiçoso, tampando o caminho. Camila olhou para ele por alguns instantes. Depois, perdendo o interesse, ela se virou para mim, segurando a barra da camiseta do pijama.

– Ó! - Ela exclamou, mostrando o desenho dos elefantes para nós. - Um efante.

Pedro começou a rir. Ele provavelmente estava encantado com aquela nova espécie de Macaco Prego.

– Que efante bonito o seu. Posso roubar de você?

Camila escondeu a barra da camiseta, com a cara amarrada.

– Não pode roubar. É minha.

Pedro assentiu, sério.

– O.k. Ei, Camila, você gosta de gatinhos?

Ela assentiu.

– Gosto.

Pedro sorriu, se agachando para ficar na altura dela.

– Vem aqui.

Camila se aproximou dele, curiosa. Sorri ao ver a amizade bonitinha dos dois. Ambos sorriam, como cúmplices de um crime, enquanto se derretiam pelo gato. Aquele ser malévolo e destruidor de lares já estava fazendo a cabeça deles.

Me espreguicei e já ia deixando os dois ali fora, no frio, quando a porta de entrada se abriu num estrondo. Mamãe saiu de lá, toda desastrada porque calçava um salto alto preto, agulha até não der mais. Ela vestia roupa social - uma saia comprida demais para ela, preta, e uma camisa branca de botões - e pouca maquiagem. O cabelo estava solto, e ela carregava uma caixa de papelão.

– Oi, mãe; cheguei nessa bodega. - A cumprimentei.

Ela sorriu, passou por mim, me deu um beijo vermelho na bochecha e jogou com violência a caixa na rua, perto de sacos de lixo.

– Oi, meu amor. Como foi o passeio? Se divertiu? - Ela bateu as mãos, limpando-as.

– Na medida do possível. Os desgraçados estão aí?

– Sim. Eles estão na cozinha, tomando suco de goiaba. - Ela jogou as mãos para a cintura, parecendo cansada. - Pedro, querido, como vai?

– Muito bem, obrigado. - Pedro sorriu, simpático, enquanto agitava as patinhas de Duque. - E você, como vai?

– Além de cansada? Muito bem. - Mamãe assoprou uma mecha de cabelo que lhe caiu sobre os olhos. - Ah, Katrina, te contei as novidades?

– Mataram minha tia Flora? - Perguntei, um pouco esperançosa.

Mamãe me deu um tapa no braço, sem graça.

– Não, para!

– Então eu não quero saber. - Respondi, sem humor para aguentar fofocas.

Mas minha mãe me ignorou e assumiu uma expressão de entusiasmo, como uma jovem mulher ao descobrir que Brad Pitt havia posado nu e que o orçamento do mês daria para comprar a revista. Para você que não sabe, mamãe está no auge de seus trinta e dois aninhos. Sim, ela me teve com dezesseis anos.

No banheiro de um shopping, para ser mais específica. Ela já se cansou de me contar sobre seu parto, mas eu nunca me cansava de ouvir.

– Eu arranjei um emprego! - Ela bateu palmas, e me olhou como se esperasse minha aprovação.

Assenti.

– Nossa, isso é bom. No que você vai trabalhar, exatamente?

Mamãe olhou para os lados, para ver se alguém lhe escutava. Ela remexeu os dedos, inquieta.

– Vou tirar algumas fotos usando roupas de marca.

Meu queixo caiu.

– Você vai virar modelo? - Grunhi, incrédula.

Mamãe assentiu, com o rosto pegando fogo.

– Então, hum… Vem um pessoal aí, para assinar um contrato comigo. Decidi dar uma geral na casa, para passar uma boa impressão… - Ela engoliu em seco. - Eles pediram para te ver, já que eu comentei que tinha uma filha adolescente.

Joguei as mãos para a cintura, mais incrédula impossível.

– Ah, não, mãe! - Exclamei, sofrida. - Eu vou bancar a “boa filha, dedicada e legal” de novo?!

Mamãe inclinou a cabeça para a esquerda, fazendo uma cara de cachorro abandonado.

– Sim. - Ela respondeu, piscando.

– Estou fora. - Falei, enquanto andava para entrar em casa.

Mas ela era persistente. Minha mãe correu e me deu um abraço por trás.

– Por favor! Não seja má, Katrina! Faça o papel de filha prestativa pelo menos uma única vez. Essa é uma chance grande! O salário é muito bom!

Batuquei os dedos no braço dela, que estava envolto na minha cintura.

– Salário bom, hum?

– Sim, sim! - Ela insistiu. - A gente pode comprar coisas que geralmente não temos a chance de comprar. Como… Hum… Camarão. Ou chocotone.

Pensei por alguns instantes.

O.k., o.k., vestir uma roupa social era - de longe -, uma coisa ridícula a se fazer. Mas era só por algumas horas. E seria um pouco egoísta da minha parte fazer isso com a minha mãe. Ela geralmente me dá muitas coisas boas; o.k., darei uma coisa boa para ela.

– Vou ter que vestir aquela camisa lavanda de novo? - Perguntei, sofrida.

Ela deu risada e me virou para me dar um abraço forte. Ela me deu outro beijo vermelho na testa.

– Ah, eu sabia que você iria fazer isso por mim. Obrigada, coisa linda da mãe.

E ela começou a me abraçar e me beijar no meio do quintal, como se aquilo fosse algo completamente comum. Aaah, mães. Tentei soltar-me dela ao máximo, só que ela tem um maldito aperto forte demais.

Pedro presenciava tudo aquilo com Camila nos braços, sorrindo. Duque xeretava um arbusto, enquanto Hércules bebia a água da piscina.

– O amor entre pais e filhos é realmente muito encantador, não acha, escoteira? - Pedro perguntou para Camila.

Ela assentiu.

– Mamãe gosta de apertar.

Pedro anuiu, disfarçando um sorriso. Livrei-me dos apertos da minha mãe, mas ela ainda sorria e se apoiava em mim.

– Eu também, sabe. Eu adoro apertar.

Resta saber o quê.

Pensamentos lascivos se foram da minha mente quando Serena bateu palmas, decidida.

– Eles chegam às duas. Essa senhorita aqui vai tomar um banho e se arrumar. - Ela fez sinal para que Camila fosse para seus braços. Quando minha mãe a pegou, ela se virou para mim. - Depois desse toco de gente vai ser a sua vez. Entendido?

– Huhum. - Murmurei enquanto ela passava por mim.

Pedro enfiou as mãos nos bolsos da calça e olhou para os lados.

– Acho que eu já vou indo.

Assenti, um pouco constrangida porque estávamos sozinhos de novo.

– Tá. A gente se vê.

Ele anuiu e pegou Duque pela barriga. Dei meia volta, pronta para entrar em casa quando Pedro me chamou, parecendo eufórico. Levei um susto graças a esse grito repentino, e me virei para encará-lo.

– O que foi?! - Perguntei, ainda em choque.

Era como se ele acabasse de lembrar a fórmula da Coca-Cola.

– Ah, Katrina, eu venho esquecendo de te perguntar uma coisa. Hum, nessa sexta eu tenho que entregar um trabalho. E eu soube, por meio da professora, que você entende muito bem de matemática. - Ele apontou para a casa dele. - Se você não se importar, poderia dar uma passadinha lá em casa, mais tarde? Eu tenho umas dúvidas, e a professora pediu para que eu falasse com você.

Cruzei os braços.

– Ela não tem tempo para saciar suas dúvidas?

Pedro deu de ombros.

– Pelo jeito que ela disse aquilo… Não. Mas, e você… Tem?

Pensei por um instante.

– Tá, tudo bem. - Cocei a minha cabeça, perguntando-me se essa era a melhor resposta. - Depois que eu resolver umas coisas aqui em casa eu passo lá.

Pedro sorriu, satisfeito; girou os calcanhares e saltitou em direção a sua casa, com Duque miando em protesto por conta daquela movimentação.

Não consegui evitar e sorri sozinha. Coloquei minhas pernas entre o corpanzil de Hércules, que apoiou suas patinhas nos meus pés. Andamos como um pinguim para dentro da minha casa.

Marcela comia batatinhas no sofá, assistindo à TV. Quando me viu, exibiu um sorriso malicioso.

– E aí, como foi seu passeio com o Pedro?

Desferi um olhar mortal para ela, enquanto fechava a porta. Hércules correu em direção à cozinha.

– Vou pagar com a mesma moeda. Você não perde por esperar. - Falei, erguendo o queixo e subindo a escada de mármore.

Marcela começou a rir, obviamente interessada nos meus planos diabólicos.

Eu já planejava um evento triunfal, como abelhas embaixo da cama, gatos pulguentos sendo jogados na mesma banheira que ela, cobras de mentira e baratas.

Mas todas as ideias geniais que eu tive se foram como dinheiro quando eu abri a porta do meu quarto. E eu tive que entrar em pânico.

O lixo estava vazio, sem calças e nem meias; o chão, que costumava ser repleto de papéis, embalagens, restos de comida e poeira, estava impecavelmente limpo. Dava para ver meu reflexo na madeira. Minha cama estava arrumada, com um lençol branco como neve. Os travesseiros foram trocados, o espelho fora polido e a cabeceira estava em ordem.

– Meu senhor… - Balbuciei, entrando devagar naquele território desconhecido. - O que aconteceu aqui?

– Aconteceu que eu limpei. - A voz de Isadora se pronunciava atrás de mim. - Katrina, você não sabe quantas baratas fugiram debaixo da sua cama quando eu passei a vassoura ali. Isso aqui era como uma caverna que veio do inferno! Não sei como eu ainda não infartei.

Ela começou a resmungar coisas sem sentido enquanto descia os degraus. Fiquei encarando aquela coisa limpa, sem sentido para mim.

Uma muda de roupas acenava em cima da minha cama. Ela mandava beijos e ria de mim.

– Lá vem a camisa lavanda de novo. - Murmurei entre dentes. - Ninguém merece.


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Notas finais do capítulo

Olááá onigiris~
Gente, sério, eu me apaixonei por este gato, mesmo que ele queira matar o Jonas UHEUHEHUEHUEHU E aí, o que vocês acharam? A opinião é importante para mim, hahahaha u-u
É isso!
Comentem Bastante!