Eu acordei como sempre. Fui ao banheiro, me pesei, fiz café da manhã para Myuu. Todas as vezes, na exata hora em que eu acabava, ela saía de seu quarto, com os olhos entreabertos, a roupa levemente amassada e os cabelos despenteados, murmurando um "droga, estou atrasada". Como sempre, eu lhe disse que já havia comido, desejei um bom dia e saí. Corri de casa até a escola, aproveitando que não fazia sol e eu não suaria para fazer um exercício.

Novamente, cheguei cedo demais e sentei-me no meu lugar. Um pouco menos desconfortável que no dia anterior. Não por ser o segundo dia, mas por ter saído com Naruto e Sakura no dia anterior. Eu não tinha mais medo de olhar para eles e encontrar, no loiro, o sorriso comercial, e na rosada, o olhar ameaçador.

Os minutos se passavam, os alunos chegavam. Reconheci Tenten, mas baixei meus olhos, fingindo ler um livro, para que não ficasse sem saber como agir quando ela me encarasse. Vi quando Naruto entrou no segundo exato em que o sinal de entrada soou, juntamente com um professor novo. O loiro se sentava na primeira cadeira da fileira do meio. O último lugar que eu escolheria. O professor apresentou-se como Yamato, e comunicou-nos que ministraria a matéria que eu menos apreciava: geografia.

Toda a conversa sobre tipos de solo, relevo e vegetação logo no primeiro horário era como um soco no estômago. Dei falta de Sakura, e também de Sasuke e do ruivo sem sobrancelhas. Perguntei-me onde ela estaria, e olhava frequentemente para Naruto, tentando encontrar em sua expressão algum tipo de resposta.

- Gostou do clube? - Ino me perguntou cochichando, no meio da explicação sobre escudos cristalinos.

- Muito.

- Sabia - ela disse, com seu sorriso perfeito, piscando um olho. - Desculpe, mas não faço parte do clube desde o ano passado. Sabia que você se daria bem, só precisava de um empurrãozinho.

Eu sorri, de cabeça baixa. Nunca passara pela cabeça dela comparecer.

- Obrigada - falei sinceramente.

Aguentei duas aulas de geografia e saboreei uma de história. Quando o intervalo começou, me apressei em dirigir-me a Naruto, antes que ele saísse. No entanto, o loiro não se levantou de sua carteira, guardando alguns papeis no caderno.

- Oi - me forcei a falar alto, e acabou ficando agudo demais. Naruto me olhou surpreso, e eu continuei antes que ele dissesse alguma coisa. - E aí, correu tudo bem ontem?

- Sim, tudo. Dormiu feito uma pedra. Mas hoje, quando chegamos aqui, tirei os olhos dela por uns minutinhos e ela desapareceu completamente - o loiro falou grave, fazendo soar como se Sakura fosse uma criança. - Estou pensando em ligar para ela, mais tarde.

- Se tiver acontecido algo, me avise.

Ele comprimiu os lábios e fez que sim.

Eu já retornaria para a minha cadeira, não fosse o "hey" apressado de Naruto. Virei-me e vi seu rosto iluminado, seus olhos brilhantes como se houvesse acabado de conceber a ideia do século.

- Você não quer me ajudar com as coisas do grêmio? Todo mundo já recusou, você é minha última esperança - explicou, dando de ombros.

Lembrei-me do que Myuu dissera, sobre ser bom para mim me ocupar com atividades extra-curriculares.

- Tudo bem.

- Eba - Naruto disse, esfregando as mãos, com um sorriso diferente.

Ele me guiou até a grande sala que eu visitara no dia anterior. Agora, estava vazia, ao contrário do que eu imaginava que estaria no intervalo. Naruto jogou sua pasta na mesa como se estivesse em casa, e se pôs de frente para mim.

- Vou te colocar no cargo de vice-representante, já que estava mesmo vazio - murmurou a última parte, com desaprovação. - Os líderes cuidam apenas de suas próprias salas, vou te apresentar a eles depois, enquanto nós cuidaremos da organização geral. Percebo que você é tímida, então os trabalhos de comunicação ficarão comigo.

Naruto estava soberbamente empolgado. Parecia que, ao aceitar a proposta, eu lhe havia tirado um enorme peso das costas. Me veio a impressão momentânea de que ele não gostava tanto do que fazia, nem da gravata que vestia.

O loiro me explicou com boa vontade como o sistema funcionava, e perguntou-me se eu podia ficar depois da aula.

Voltamos à sala. No mural, havia um comunicado sobre o clube de literatura, marcando as reuniões para todas as segundas e quintas, no mesmo horário.

Assistimos a mais duas aulas de química, e pra variar, já comecei o ano me perdendo na matéria. Pediria ajuda a Myuu. Ela era dentista, afinal. Aquela era sua área, então ela deveria ser menos pior que eu.

Depois da aula, como prometido, ficamos eu e Naruto no grêmio. Algumas pessoas estavam por lá também, e Naruto nos apresentou. Ele saiu por um momento, para comprar seu almoço, e eu fiquei vendo as fichas dos alunos. Sasuke era Sasuke Uchiha. E não forçara sorriso nem pra foto anual. Constavam ali algumas suspensões, e sempre notas muito altas, uma combinação rara. Achei também a do ruivo, que se chamava Gaara. Sua ficha, no entanto, estava em branco. Naruto chegou animado com seu almoço japonês, impregnando toda a sala com seu cheiro.

- Por que a ficha dele está assim? - mostrei-lhe a ficha de Gaara, lembrando-me que, ao todo, o ruivo só assistira à aula de inglês.

- Ele não é aluno regular do segundo ano. Está no terceiro, só paga alguma aulas na nossa sala. Aquela é a irmã dele - Naruto fez sinal com a cabeça para uma loira do outro lado da grande mesa. Apresentara-se como Temari, e tinha sempre uma expressão séria, quase furiosa, que contrastava com suas feições suaves, seu cabelo loiro-areia e seus olhos bonitos. Era de poucas palavras, assim como o irmão parecia ser, embora o ruivo, com sua aparência distante e olhar vazio, fosse invariavelmente mais inalcançável do que ela.

Estávamos cuidando de carimbar e separar por ano e classe todas as fichas. Eu começava a ver por que, afinal, Naruto ficara tão feliz com a minha ajuda. Aquilo levaria mais de uma semana.

E, embora tivéssemos toneladas de coisas a fazer, o silêncio que se formava puramente pela falta de assunto não era agradável. Foi mais por isso e menos por curiosidade, que ao comparar a ficha do loiro com a de Sasuke, me pus a fazer perguntas.

- Vocês sempre estudaram juntos? - os dois papeis indicavam que, ao menos, na mesma escola sim. De verdade. Pré-escola, fundamental e ensino médio.

Naruto me olhou surpreso, quase como se tivesse levado um susto com minha voz. Olhou para os papéis que eu segurava, desconfortável.

- Sim. Se karma existe, isso explica por que tive que estudar na mesma sala de Sasuke todos os anos da minha vida. Espero que o próximo quebre a série.

- O que aconteceu com ele? De aluno exemplar até a quinta série a baderneiro no resto do fundamental e relapso no ensino médio.

O olhar de Naruto parecia querer me dizer da maneira mais gentil possível que eu estava me metendo onde não deveria.

- Eu realmente não sei muito sobre a vida do Sasuke - respondeu, por fim.

Outra mentira.

Naruto fez questão de parecer mais concentrado no trabalho do que realmente precisava. Minhas perguntas o deixaram extremamente desconfortável, um desconforto que subia pelas cortinas, quebrava as janelas, varria o chão e caía sobre meus ombros.

Naquela tarde, eu aprendi, por experiência e com excelência, qual assunto em particular não deveria tratar com o loiro.