When You're Strange escrita por Jamie Hermeling


Capítulo 17
A máscara mais corajosa


Notas iniciais do capítulo

Desculpa a demora! Essa semana na faculdade foi muito, muito pesada e eu não tive tempo pra nada.
Espero que gostem!



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Minhas consultas eram pontualmente às 17:00hrs. Sim, pontualmente, pois Myuu fazia questão de me lembrar uma hora antes, e de cinco em cinco minutos perguntava se eu não ia me arrumar. Não adiantava fingir que estava dormindo, nem no banheiro, nem estudando. Bem, não adiantaria, mesmo se eu tivesse tentado. Não tentei, embora pensasse nisso todas as vezes.

Minhas consultas não eram na clínica do doutor Namikaze. Myuu me falara, muito empolgada, de como ele era requisitado, como sua agenda era lotada e como atendia até celebridades. “Até o cantor daquela banda que você gosta” – o que não foi tão específico. Na verdade, segundo ela, o psiquiatra em questão estava lotado, só me atenderia pela amizade que tinha com a minha tia. Nossas consultas seriam espremidas entre o turno dele na clínica e no hospital. Eu nunca havia entrado num hospital psiquiátrico. Não, não havia esquizofrênicos e dementes espalhados por aí. No saguão de entrada e na sala de espera era tudo até mais calmo do que um hospital normal. Os corredores eram mais silenciosos, menos movimentados, e talvez por isso, mais sufocantes.

Doutor Namikaze me avisou para chamá-lo de Minato. Ele era simpático e natural, não sorria demais, mas suas expressões sempre passavam confiança. No entanto, eu ainda não gostava dele. Parte de mim ainda o via como o inimigo, e o fato de ele ser tão bom e tão astuto agravava essa situação. Nós falamos sobre minha infância. Contei pela segunda vez o que eu só havia contado ao meu antigo psiquiatra: como meus pais se separaram, como minha mãe bebia e como morreu num acidente de carro pouco tempo depois. Como meu pai se casou de novo bem rápido e como agora mora na Irlanda. Como nós quase nunca nos falamos – parte, culpa dele, que não parece muito interessado em cruzar o oceano e me ver, parte culpa minha, que faço de tudo para não atender nem retornar seus telefonemas ou e-mails curtos. Depois de algumas sessões, Minato conseguiu até mesmo me fazer confessar como eu era e sempre fui isolada, como eu mal tive amigos e nunca tive um namorado. Na verdade, eu não sabia como começar ou manter conversas, segundo meu antigo psiquiatra, era minha autoestima baixa. E acho que era mesmo, porque eu sempre tenho medo de eles me acharem uma pateta e rirem do que eu falo. Conversamos sobre meu pânico de que alguém veja o meu corpo. Provavelmente, essa é a principal razão pela qual eu nunca tive um namorado. Não consigo lidar com o mais simples contato físico. E jamais conseguiria me despir na frente de meninos que mal conhecia, como outras garotas da minha idade. Na verdade, não acho que conseguiria nem se eu conhecesse o menino por cem anos.

Ele me perguntou como o interesse no meu corpo surgiu. Eu não lembrava exatamente de uma data. Lembro que era muito magra quando criança, e isso sempre era motivo de brincadeiras idiotas das outras crianças. Eu nunca gostei do meu corpo, desde essa época. Eu olhava para as minhas pernas e via que as minhas duas cabiam numa só da minha colega. Não sei o que faria para voltar a ser daquele jeito. A partir daí, comecei a comer muito sem fazer nenhum exercício para poder engordar. Quando ganhei a primeira camada de gordura na barriga, no entanto, me desesperei. Acho que foi assim que começou. Toda a propaganda e padrão de beleza imposto não ajudaram muito.

Eu sabia que quase todas as pessoas anoréxicas têm depressão. A anorexia se instala com base numa autoestima estilhaçada, o que, ainda por cima, leva a pessoa a se isolar da sociedade, completando o quadro. Havia uma razão pela qual eu passava tanto tempo quanto fosse possível dormindo. Havia uma razão pela qual, de uma hora para outra, eu ficava vermelha de chorar e havia uma razão pela qual eu pensava com certa frequência em suicídio. Havia razões. Minato disse que trabalharíamos isso juntos. Foi muito bom porque ele foi a primeira pessoa para quem eu contei sobre minha vontade recorrente de não viver mais, e a voz dele me fez sentir abraçada.

Não demorou muito para que ele sugerisse terapia de grupo. Sinceramente, eu achava que era só um lugar aonde você ia para constatar que existiam pessoas mais perdidas que você. E é um pouco disso mesmo. Mas é legal falar para pessoas que sabem exatamente que sentimento é aquele, que situações são essas. Todo mundo se dá um pouco de esperança, que sozinhos, somos frágeis demais para ter. Só havia um garoto entre nós, e a maioria eram bulímicas um pouco mais velhas do que eu.

Foi quando eu saía de uma dessas sessões de terapia em grupo, com esperança por mim e empatia pelas outras, que encontrei Naruto na sala de espera. Estava sentado na segunda cadeira, com a cabeça um pouco baixa. Nem me passou pela cabeça o que diabos ele poderia estar fazendo ali. Tudo que eu pensei foi em sumir dali, correr, me esconder. Me teletransportar. Só que a surpresa me paralisou por segundos suficientes. Suficientes para ele me ver e sorrir gigante, como sempre.

Eu simplesmente me encostei na parede, como se estivesse encurralada de perto. De fato, Naruto não ligou para a minha falta de simpatia e continuou se aproximando com a sua. Ele carregava uma sacola de papel que parecia estar cheia e pesada.

– Você se consulta com o meu pai, isso sim é coincidência.

Naruto falava como se aquele fosse o acontecimento do século. Levantei automaticamente minhas sobrancelhas ao receber aquela informação, mas na verdade, não me surpreendi muito. Meu colega era praticamente uma versão mais nova do pai, não fosse seu rosto quadrado e os traços delicados de Minato. De certa forma, um me lembrava o outro, embora o desconforto e cansaço sempre presente em Naruto não existissem no pai. Talvez se eu não estivesse tão envolvida e preocupada com a terapia, teria dado um jeito de conferir se não havia um “Namikaze” no sobrenome do garoto à minha frente.

– Eu só vim trazer algumas coisas para ele, já que é dia de plantão. Você pode me esperar? Podemos tomar um sorvete, ou não sei. Eu volto já.

Naruto falava depressa, com certa inquietação. Achei estranho aquele convite. Talvez ele estivesse curioso sobre o que me levava até o consultório. Bem, se fosse assim, eu só me levantaria e iria embora. Confirmei com a cabeça e mandei uma mensagem para Myuu. Ele se demorou uns três minutos, nos quais eu fiquei batendo os dedos no braço e evitando a atendente que me encarava do balcão.

A tarde estava fria e o céu já estava cinzento, como esperado do outono. Como eu gostava. O vento frio e sem rodeios tornava tudo mais acolhedor. Em tempos assim, às vezes eu gostava de sair caminhando pelas ruas à noite sem um destino específico. Infelizmente, não era uma atividade frequente, devido sua estranheza.

Naruto não quis saber sobre meu problema e eu achei ótimo. Aliás, não era realmente do feitio dele. Naruto era a pessoa que sempre tirava as melhores notas do colégio e ficava na escola depois do horário, mas também tinha grande sensibilidade para tratar os outros.

Nós andamos duas ruas até pararmos numa sorveteria que eu nunca havia visto, apesar de ultimamente andar muito naquela região. Os portões eram de ferro pintado de verde, e de certa forma, o prédio tinha algo inglês. Naruto sentou-se numa das mesas do lado de fora, o que foi uma boa decisão. Para mim, sorvetes combinavam infinitamente mais com frio do que com o calor.

– Meu pai achou bom a gente estudar junto. Disse que você é “uma boa garota” – piscou um olho.

Isso era bastante inesperado, já que, há alguns dias, o doutor Namikaze recebeu uma ligação minha em plena madrugada. Eu liguei só para xingá-lo. É claro que ele me ouviu com calma e na próxima consulta foi uma pessoa maravilhosa. Eu me senti estúpida.

– Estou surpresa que ele pense isso – admiti. Peguei meu sorvete de menta.

– Você é gentil e responsável, acho que isso define uma boa garota para o meu pai. O que é engraçado, porque minha mãe é totalmente o contrário – riu.

Eu fiquei em silêncio porque estava constrangida, Naruto ficou em silêncio por uma razão desconhecida.

– Então, suponho que ele seja mesmo muito bom e tal? – ele abocanhou seu sorvete de chocolate, fingindo desinteresse na resposta. Ele fingia muito mal.

Eu realmente queria dizer algo satisfatório para Naruto, mas não havia jeito de fazer isso sem me expor. Portanto, tudo o que eu disse foi um “é, sim”.

– Bem, é o que todo mundo diz – ele deu de ombros, sem jeito, ainda olhando para o seu sorvete.

– E você não parece contente com isso?

As sobrancelhas de Naruto se levantaram, ele me encarou como se o que eu disse tivesse o pegado de surpresa. Depois riu, riu alto.

– Não, não exatamente isso. É que, existem dois tipos de pais, sabe? O tipo que você nunca, nunca quer ser como ele e o tipo que tudo o que você sonha é ser como ele. Meu pai pertence ao segundo grupo. Ele era sempre o primeiro da turma, tanto na escola quanto na Universidade. Ele foi pra Harvard e todo mundo sempre diz que ele é um gênio. Ele já até recebeu convites pra dar aulas em Universidades. Na verdade, acho que ele vai aceitar o mais recente. Ele é grande. E eu não sou um gênio, mas não quero ficar para trás mesmo assim.

Naruto encostou-se na cadeira, como se relaxasse.

– Isso é o que você quer ou o que é pressionado a fazer?

Ele balançou a cabeça, devorando o último pedaço de sua casquinha.

– Minha família não me pressiona a nada, na verdade, eles reclamam que eu me esforço demais. Eu sempre tive esse negócio de querer ser grande, e acho que sou orgulhoso também. Acho que detestaria meu pai se eu não conseguisse ser tão bom ou melhor – Naruto parou por um momento, olhando para os lados com os olhos cerrados e um fino sorriso, e eu tive que rir. – Ok, ok, isso soou mesquinho.

– Não, faz sentido. Acho que eu não posso te entender muito bem porque meu pai pertence ao primeiro grupo – dei de ombros.

A conversa fez com que eu contasse sobre o meu pai para Naruto também. Ele me disse que eu deveria ligar para o meu pai, ou pelo menos atender quando ele ligasse. Que talvez ele não me procurasse muito porque sentia que eu não o queria. Bem, não acho que isso sirva como justificativa, mas eu poderia pensar nisso.

Naruto me levou para casa. E ele deu um beijo na minha testa, como se pedisse para eu ficar legal. Ele sabia que havia muito mais do que eu contara. Ele me deu um sorriso tão quente que eu senti vontade de abraçá-lo. Mas eu agradeci e saí do carro.

Myuu perguntou com quem eu tinha vindo, e francamente, eu menti. Disse que fora com uma amiga. Minha tia era daquele tipo que faria insinuações maldosas. Eu disse “obrigada”, e entrei no meu quarto. Eu queria ser forte e abraça-la dizer obrigada por tomar a responsabilidade de uma sobrinha adolescente mesmo depois que sua mãe morreu. Obrigada por tentar ser boa e por reagir tão bem ao saber que ela não é perfeita.

Eu não estava comendo mais. Eu não estava tenho menos neuras, nem fingindo que comia menos vezes. Eu não esperava por isso num intervalo de tempo tão curto nem nos meus pensamentos mais otimistas, porque bem, não é mágica e não é fácil. Mas acho que estava percebendo com mais clareza o meu lugar e o lugar que as pessoas ocupavam na minha vida. Como as coisas realmente funcionavam. Como eu funcionava e por que dizia o que dizia, pensava o que pensava, sentia o que sentia e fazia o que fazia. Espero que isso seja um começo.


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