When You're Strange escrita por Jamie Hermeling


Capítulo 15
Até os ossos


Notas iniciais do capítulo

Bom, oi! Desculpa o atraso, é que o nyah tava passando por manutenção :~
Nesse capítulo, algumas coisas são ~finalmente~ expostas, apesar de ser um capítulo mais... Introspectivo. Espero que gostem :3



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A anorexia era muito mais do que parecia nas anotações do psiquiatra ou na cabeça da minha médica. A anorexia não era só um distúrbio alimentar – ela se tornou parte intrínseca de todas as facetas da minha vida. A anorexia, na verdade, guiava a minha vida.

A anorexia me fazia acordar e ir direto para a balança que eu mantinha no último compartimento do meu guarda-roupa. Em geral, quando eu constatava que havia ganhado massa – e mesmo que o número fosse irrisório – eu me passava um longo sermão e não comia absolutamente nada o resto do dia. Se, ao contrário, a balança mostrava uma diminuição de massa, primeiro eu dizia que era tão pouco que não era nem digno de consideração – mesmo que fosse um quilo ou quase – logo depois, me convencia de que aquele aparelho só poderia estar quebrado ou em má posição (e repetia o experimento pelo menos três vezes), afinal, eu estava sempre e sempre mais vergonhosamente gigante.

Às vezes eu me sentia tão fraca que não podia levantar, sequer enxergar as coisas direito. Eu ficava gelada, morrendo de frio, sabia que minha pressão – já naturalmente baixa – caía vertiginosamente. Eu conseguia sentir a consciência me deixando, e era desesperador. Eu já havia desmaiado várias vezes nessas circunstâncias, e sabia que a morte poderia vir a qualquer momento, mas isso não me parecia mais assustador que comer.

– Eu acho que você é madura o suficiente, por isso vou falar com clareza – a médica, amiga da família, dizia, olhando meus exames. Quando eu ainda morava com a minha avó. Nós éramos muito próximas. Quando a doença se agravou, foi impossível esconder dela por muito tempo. Foi aí também que eu comecei a fazer terapia. É claro que tudo foi interrompido quando ela morreu e eu vim morar com Myuu. Minha vó e eu tínhamos concordado em fazer disso nosso segredo, por isso minha tia não sabe. Não faz ideia. – Hinata, você chegou a um ponto em que seu corpo pode não suportar mais – Morrer, você quis dizer? Pensei que fôssemos falar com clareza. – Eu aconselho seriamente uma terapia. Você precisa voltar a se alimentar.

A anorexia fazia com que eu, que já tinha problemas para me relacionar com as pessoas, recusasse cada vez mais convites para sair, fossem de familiares ou de amigos. Tinha medo, pois sabia que provavelmente teria comida no lugar aonde me levavam, e eu precisaria inventar alguma desculpa, resistir às insistências, usar truques, e por vezes nada disso funcionava – eu tinha de comer para que não desconfiassem. E lá se ia mais uma porção de truques cansativos para ingerir uma quantidade bem menor do que aparentava.

Praças de alimentação para mim eram os lugares mais tenebrosos da existência. Tudo me fazia mal e realmente me sentia próxima de ter uma convulsão toda vez que passava por uma. Comida para mim havia se tornado algo não apenas extremamente proibido, mas extremamente nojento. Ver todas aquelas pessoas comendo, se sujando, mastigando, com seus pratos cheios e imundos... Era uma visão infernal. Até o barulho dos talheres tinha a habilidade de me ensurdecer. Eu me sentia sugada pela multidão. Era capaz de dar uma volta inimaginável no mais gigantesco shopping só para não chegar perto de tal antro.

No geral, havia duas principais razões pelas quais eu comia: obrigação social era a principal, mas às vezes eu me preocupava com os desmaios e a fraqueza e comia algo – as calorias eram rigorosamente fiscalizadas para serem as de menor número possível. Sempre que isso acontecia, eu sentia, antes e depois de comer, que inchara exponencialmente, e de forma irrecuperável. Me sentia um fracasso de todas as formas possíveis. Tudo que havia de errado na minha vida subitamente vinha à tona, mesmo que não estivessem diretamente ligados à anorexia. Seja qual fosse a razão, era sempre comer e ter vontade de morrer.

Foi por isso que, ao chegar em casa naquela sexta, eu não conseguia ingerir nada como havia prometido a Sasuke. Myuu havia adormecido no sofá, a televisão ainda estava ligada. Devia estar tentando ficar acordada para me esperar. Me surpreendi por ela ter feito isso, em vez de ter ido a mais uma de suas festas. Fui para a cozinha, abri a geladeira. Peguei uma barra de cereal. Pouca caloria, mas consegue te deixar de pé por bastante tempo. Mas não consegui abrir a embalagem. Por mais que meu estômago queimasse, era como se houvesse uma barreira intransponível nele. Olhei as outras opções. Leite, bolo, chocolate, coca diet, torta, pães. Tudo era exatamente como a barra de cereal. Sentei-me na mesa, com as mãos na cabeça. Tentei me concentrar em fazer a paranoia ir embora, em comer qualquer coisa, qualquer mínima grama que fosse. Meus olhos ardiam. Respirei fundo, repeti um mantra otimista e abri o armário. Cheio de biscoitos e enlatados. Peguei um biscoito e dei uma mordida. Engoli todo de uma vez, tossindo, sem me dar tempo de pensar. Peguei outro, mas não consegui leva-lo à boca. O gosto do primeiro biscoito amargava na minha boca, e me causava náuseas. Comecei a chorar. Sentei no piso da cozinha, baixei minha cabeça, abraçando os joelhos e amassando o pacote de biscoitos em uma das mãos.

A luz intensa que me cegou e fez meu olho lagrimejar com certeza não poderia ter vindo do meu quarto escuro. Não demorou muito tempo para que eu descobrisse onde estava. Senti um aperto na minha mão. Myuu a segurava. Havia uma agulha com soro enfiada no meu braço.

– Até que enfim, você acordou! – apertou a minha mão e me abraçou. Estava realmente preocupada. E eu não estava entendendo muita coisa. Talvez fosse o sono. – Tem algo que você queira me contar?

Na verdade, havia coisas que eu gostaria de perguntar. Mas já sabia as respostas, mesmo que não gostasse delas.

Eu sabia por que estava ali. Sasuke havia acertado em cheio, embora fosse óbvio. E também sabia o que viria a seguir.

– Agora que eu paro pra pensar, Hinata, eu nunca te vejo comer, você sempre já tem comido ou vai comer mais tarde. Seus exames não ajudam. E apesar dessas roupas largas que você usa, ontem, quando te socorri, pude ver o quanto está magra.

– Myuu, por favor, sem rodeios. Suas suspeitas estão corretas, está bom? Mas eu não quero falar sobre isso.

– Ah, mas nós vamos falar sobre isso, Hinata, você sabe que nós temos que falar sobre isso. É por essa razão que eu chamei um grande amigo meu pra te ajudar.

Alguém bate na porta. Myuu levanta a sobrancelhas e se põe de pé, andando rapidamente. Dá um sorriso cordial a abri-la, pra quem quer que seja.

Um homem de jaleco, loiro, olhos azuis e creio eu, por volta dos quarenta anos carrega uma prancheta e me olha com ternura, expondo um sorriso reconfortante. Não me incomoda, como os outros médicos.

– Doutor Namikaze é psiquiatra e um velho amigo. Tenho certeza que poderá te ajudar.

Viro a cabeça para o lado, desviando da áurea cheia de confiança do doutor Namikaze. Ele pode ser confiável, mas eu não sou. Eu não posso confiar nem depender de mim.

– Eu já fiz terapia antes, Myuu. Não funcionou.

Olho pro psiquiatra. Mantém a mesma expressão de ternura. O que vai dizer agora? Que ele sim, com certeza pode me ajudar? Que dessa vez tudo vai dar certo? Me pedir pra confiar nele?

– Bem, nós temos que tentar, não é? A terapia é necessária quando você não consegue se ajudar sozinha e isso te deixa em risco. Mas você também tem que contribuir.

Fico calada. Olho para o soro pendurado. Seria mais fácil dizer que não há problema algum comigo. Que o que aconteceu ontem não iria se repetir. Que eu não precisava ser ajudada. Mas eu também havia descoberto, há algum tempo, que essas frases não passavam de mentiras bonitas.

Eu não via nenhuma chance de melhora. Mas nunca fui muito otimista, ainda mais quando o assunto era eu. Como eu encararia Myuu se me recusasse a pelo menos tentar?

Uma lágrima escorreu. Encostei o rosto o máximo que podia no travesseiro, para escondê-la, abafá-la, apagar sua existência. Myuu disse que as sessões começariam na quarta-feira, e o doutor Namikaze se despediu de nós duas.

Recebi alta no dia seguinte, à tarde, depois de muito insistir que já me sentia bem e que iria me cuidar. Talvez houvesse dedo de Myuu nisso.

Havia três ligações perdidas, de Sakura. Estava desde ontem tentando me contatar. Ainda bem que era domingo e eu não perdera aulas, senão seriam mais perguntas, e mais mentiras.

Tranquei-me no meu quarto e me joguei na cama.

– Oi, Sakura.

– Oi... Onde você esteve?

– Em casa. Fiquei meio doente depois da festa.

Ah sim – ela murmurou, sem perguntar mais detalhes, como “doente de que?” “você está bem agora?”. Agradeci. Existem certas gentilezas que só incomodam. Felizmente, eu não precisava me preocupar com isso quando se tratava de Sakura.

– Mas por que todas as ligações?

– Hum... Eu fiquei agitada pra contar pra alguém coisas que aconteceram na festa. Enfim, deixa eu te perguntar. O que você estava fazendo com o Sasuke lá em cima?

– Ciúmes? – perguntei, zombeteira.

– De você, sim.

– Não, a gente estava só conversando mesmo. Eu estava passando mal, acho que foi algo que comi, e o Sasuke me achou e me ajudou a descer.

– Vish... Que espírito divino foi esse? Ele não tem cara de quem ajuda alguém de graça.

– Sakura, não foi só pra isso que você me ligou – ri. – Desembucha. Você encontrou o Naruto, foi?

Naruto? Olha, o Naruto é um babaca, isso sim. Felizmente, não o vi muito. Hinata... Sabe o Gaara?

– O que tem o Gaara? – perguntei, me corroendo de agitação e curiosidade.

A gente ficou, um pouco. Eu queria mais, mas ele é super estranho. Acho que tem algum tipo sociofobia. Sério, ele é muito estranho! Não bate bem da cabeça. Acho que estou apaixonada– disse, com ar brincalhão. – Não resisto a garotos problemáticos.

– Haha, disso o mundo está cheio.

Acho que as predileções de Sakura diziam muito sobre ela. Conversamos mais um pouco sobre futilidades, morremos por meninos bonitos do colégio, falamos mal de pessoas que não gostávamos – mesmo que fossem primeiras impressões, mesmo que nem as conhecêssemos direito. Sakura era o tipo de pessoa que tinha algo de ruim a dizer sobre todo mundo. Quando desligamos, fiquei rindo ainda ao lembrar da conversa por horas. Para falar a verdade, eu não estava muito acostumada a ter amigos, mas estava contente por começar a ter Sakura como uma.


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