When You're Strange escrita por Jamie Hermeling


Capítulo 13
Me veja começar a sorrir




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Os últimos dias estavam se passando para mim com uma tela fina, porém intransponível, de bruma. Meus movimentos estavam mais lentos, as vozes das pessoas chegavam disformes aos meus ouvidos e eu caminhava sentindo o peso de dez tanques no lugar no meu coração. Eu não conseguia nem desabafar sobre meu sentimento – estéril demais para ser chamado de tristeza – no papel. Eu não conseguia falar nem definir meu sentimento, e ainda sim, era como se ele estivesse estampado em cada parte da cidade. Era um sentimento banal, que não merecia orgulho, que já devia, em alguma altura da vida, ter sido provado por cada ser humano.

Eu não tinha nada para falar, nada para chorar. Nada para curar. Mas eu continuava me sentindo doente.

Talvez tenha sido por isso que não protestei quando Myuu disse que marcara consultas e exames para mim, com uma voz grave e triste – como ela andava falando comigo sempre nos últimos dias. Talvez eu esperasse que, em algum raio-x, em algum sintoma, em algum detalhe, eles achassem o que realmente havia de errado comigo, esquecendo, por segundos, que eu tinha um pequeno segredo para esconder. Eu dei os ombros quando ela me comunicou. Era o que eu andava fazendo, expressa ou só mentalmente, para noventa por cento das coisas.

Saí com Ino na sexta. Apesar do esforço visível dela, eu acabei a noite num canto, sem beber, sem conversar e, claro, sem formar um par.

Com Sakura e Naruto, as coisas não estavam melhores. Acho que ela ficou furiosa por Naruto ter dado-lhe um esporro, e ele, por alguma razão, não tentou se reaproximar dela. E eu? Eu ficava bem no meio dessa situação desagradável, tendo o cuidado de não mencionar um para o outro.

Naruto não denunciara Sasuke. O caso acabou como um mistério, algum aluno qualquer devia ter roubado as chaves de Kabuto, e ele foi repreendido. Trocaram a fechadura e mudaram os testes. Isso, de certa forma, não me surpreendeu. Há algum tempo, eu tinha a nítida impressão que, por mais que Naruto e Sasuke não se batessem, o loiro estava quase sempre tentando protegê-lo.

Na quinta-feira, havia um movimento anormal no corredor, que se intensificava à medida em que eu me aproximava da minha sala. Perto da porta, vi Gaara conversando com Sakura. Tentei controlar minha surpresa e não olhar demais.

- Dá pra acreditar? – Ino se virou para mim assim que eu me sentei, com um sorriso gigante e uma agitação que mal a deixava continuar sentada. – Vai ter festa na casa do Gaara amanhã!

- Do ruivo? – “esquisito” ,eu quase completei.

- Sim, sim. Pode não parecer, mas esse cara dá festas como ninguém. Bebida, comida, música e gente de primeira.

- É sério? Eu pensei que ele fosse do tipo super-antissocial.

- Pior que é. Na verdade, eu não entendo por que ele dá todas essas festas. Me lembro de quando começou, ano passado. Pouca gente foi, e os que foram, só o fizeram por causa da irmã dele, a Temari. Ninguém botou fé numa festa do ruivo com olhar mortífero – ela riu. – mas quem não foi, se arrependeu. Só tem uma coisa: ninguém nunca o vê nas festas que dá. Na primeira vez que eu fui, revirei a casa inteira procurando-o para cumprimentá-lo, mas nem sinal.

Meus olhos automaticamente foram para a porta. Gaara entrava naquele exato momento. Nos encaramos por segundos, e seus olhos verdes quase me sussurravam que eu nunca saberia o bastante sobre ele.

- Você tem que vir – Ino arrematou, batendo na minha mão.

- Eu não sei, eu nem fui convidada.

Ela revirou os olhos, como se eu tivesse acabado de dizer a maior estupidez.

- Esse cara é um Gatsby, ele não convida ninguém pessoalmente. Todos estão convidados.

Isso foi o que Ino disse. E durante toda a aula, o professor tentava conter os múltiplos burburinhos que se formavam sobre a festa. Mas no intervalo, quando eu procurei Sakura para conversarmos, ela contou, de livre e espontânea vontade, com um sorriso torto:

- O Gaara veio me convidar pra festa na casa dele.

- Sério? Ouvi falar que ele não convida ninguém pessoalmente.

- Bem, a mim ele convidou. E disse que fazia questão. Olha, ele é bem mais simpático do que eu imaginava. Na verdade, eu pensei que ele fosse um Sasuke Uchiha, mas taí, fui com a cara dele.

Brinquei sobre um possível interesse do ruivo em Sakura e lhe arranquei um sorriso. Convidei-a para comprar roupas para a festa depois da aula, atividade para a qual Ino me convidara, mas Sakura declinou, dizendo que iria se virar com algo que já tinha. “Detesto comprar roupas”, ela vociferou, como se alguém estivesse obrigando-a.

Eu escolhi um vestido branco com transparências nas alças, e um sapato azul-claro. Ino ficou com um modelo vermelho com decote, que lhe caiu perfeitamente, como se, assim como Marilyn Monroe, tivessem desenhado-o especialmente para ela.

.....

Eu não fazia ideia de onde era a casa de Gaara. Ino tentou me explicar algumas vezes, mas como eu não conhecia a cidade, foi inútil. No fim, ela se ofereceu para ir me buscar, e eu abusei um pouco mais de sua gentileza ao pedir que buscasse também Sakura, já que a rosada, assim como eu, não sabia como chegar lá.

Myuu estava contente por minhas saídas, por eu não continuar a passar as sextas “definhando no meu quarto”, como costumava dizer, e quando Ino chegou para me buscar, disse numa alegria quase tocante:

- Boa festa, querida! Qualquer imprevisto, me ligue, a qualquer hora.

Fiz que sim e saí.

Sakura nos fez esperar ainda alguns minutos na frente do prédio onde morava. Eu fiquei com os vidros do carro de Ino abaixados para acenar para ela, e quando ela entrou apressada, pediu desculpas – estava pondo a comida do gato. Apresentei as duas rapidamente e seguimos para a festa.

Casaparece um pouco humilde demais para descrever o lar de Gaara. Havia um muro baixo, cercado de plantas, e um grande portão marrom de ferro no meio, que se encontrava totalmente aberto. O jardim belissimamente podado e extenso, com a piscina e o chafariz, parecia ter sido tirado de alguma pintura, e a construção de dois andares, colorida por um amarelo escuro e sóbrio, com suas portas rústicas e marrons, combinavam perfeitamente com tudo e com as passarelas de pedra. O jardim se encontrava tomado por carros e pela música que vinha, provavelmente, da sala. Nós descemos e, enquanto eu passava pela grande piscina, me perguntei se dali a algumas horas, depois de doses de álcool, algumas pessoas não seriam jogadas na água. Pela primeira vez reparei na roupa de Sakura devidamente: um vestido preto com pedras brilhantes, uma meia calça rasgada e all-star preto. Nem ali ela largava o tênis. Sua maquiagem era carregadamente preta, os cabelos estavam mais espetados que o normal e ela havia feito uma mexa roxa. Era, com certeza, uma das figuras mais chamativas.

Num repente, todo aquele bonito cenário se distorceu. Eu me senti tonta, minha vista, em seguida, ficou negra, e eu senti uma força enorme me puxando para baixo. A mão de Ino me impediu de cair. Eu estava em pé, minha visão estava de volta.

- Suas mãos estão frias – ela me disse, me olhando com rugas de preocupação na testa.

- Minhas mãos são frias – disse-lhe.

Continuamos o percurso. Antes mesmo de entrar na casa, Ino ficou presa num grupo que começou a falar com ela. Acenou para nós e disse que nos encontraria em breve.

O amarelo dentro da sala a fazia ficar aconchegante e sofisticada ao mesmo tempo. Estava apinhada de gente, até as duas escadas, uma de cada lado, que se uniam no centro e levavam ao segundo andar. O piano de cauda servia agora como apoio para as costas dos garotos. Olhei para o teto e quase foi uma surpresa não ver um lustre ali.

Sakura e eu falávamos sobre cada pessoa que aparecia, ríamos dos gestos afetados e invejávamos cabelos e pares. Até que ela viu a mesa onde estava a comida.

- Eu vou pegar um drinque e algo pra comer. O que você quer?

- Eu, nada – sorri meio nervosa.

- Como assim, nada?

- Bem, eu não bebo, e não estou com fome, também.

- Se a gente fosse comer só quando está com fome... Ainda mais numa festa. Anda, você precisa comer alguma coisa salgada, está gelada, deve ser pressão baixa.

- Não é pressão baixa... Minhas mãos são geladas, mesmo.

- Olha, com certeza você não é nenhuma vampira. Vou te trazer alguma coisa, espera aqui.

Era por isso que eu não gostava de festas. Eu ia acabar comendo e bebendo, como Sakura queria. Observei enquanto ela bebia seu drinque e pegava alguma comida. Tive a vontade urgente de sair dali. De ficar sozinha. Vi um casal que subia pelas escadas de mãos dadas. Parecia uma boa ideia. Naquela casa, com certeza havia um quarto ainda vazio no qual eu poderia me refugiar. Subi a escada correndo. Devo ter flagrado uns dois ou três casais antes de ter a ideia de ir para o último quarto do corredor. Bati a porta aliviada e me joguei na cama de casal extremamente macia que havia ali. Olhei para a mobília simples e para o teto. As batidas do meu coração faziam corpo vibrar como gelatina, senti o começo de uma câimbra nos pés. A música no andar de baixo martelava desconfortável na minha cabeça. Não sei quanto tempo fiquei ali, mas quando me dei conta, já estava em posição fetal, amassando todo o meu vestido. Me sentia fraca, duvidei das minhas capacidades de levantar. Eu estava respirando pela boca, como se estivesse fugida da polícia ou algo assim. Dá para entender meu susto quando a porta se abriu bruscamente e eu vi ali, no meio da entrada, um Sasuke de sorriso estranho.

- Eu sei o que você tem – ele comunicou, batendo a porta atrás de si.

Sasuke andou pelo quarto com sua calma e elegância e sentou-se na beirada da cama. Um pouco tonta, me sentei também, em resposta. Eu não estava entendendo nada, mas Sasuke sempre despertava algum tipo de alarme na minha cabeça. Talvez de perigo.

- Eu sabia que havia algo familiar em você – ele continuou. - E agora sei o que é. Eu estava no restaurante semana passada, quando você almoçou com sua mãe, eu acho. Acabei ouvindo parte da conversa. O jeito de pedir pouca comida, cortá-la em pedaços minúsculos e espalhá-los pelo prato pra dar a impressão de que comeu mais do que realmente comeu... Minha melhor amiga era assim também, anoréxica – Sasuke pegou nas minhas mãos e depois na minha testa. Sorriu diferente, no que talvez eu pudesse classificar como um tipo de tristeza. E eu não sabia mais o que pensar. – Apenas os dedos gelados, igual.

Eu queria dizer que ele mentia ou que estava enganado, mas não estava. Sasuke havia descoberto minha maior vergonha, e eu estava sem possibilidade de reação. Quis poder fugir, de novo, mas sabia que era impossível. Uma lágrima irracional tornou meu rosto gelado, também.

- Venha, não é o fim do mundo. Desça e coma um pouco, não vai ser nada bom se você desmaiar aqui, vai?

Não, não seria. Aquele era meu único medo. Odiava passar mal em frente a alguém e depois ser interminavelmente questionada. Fiz que sim e me levantei da cama. Sasuke andava lado a lado comigo, acho que estava preparado caso eu começasse a cair do nada.

- O que aconteceu com sua amiga? Ela melhorou? – resolvi perguntar, tentando elevar minha voz acima na música que se tornara mais alta.

- Não. Ela morreu – Sasuke respondeu simples, sem sorriso triste, sem pesar na voz. E eu senti minha pulsação vibrar, como se ele tivesse acabado de falar de mim mesma.


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