Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 36
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Uma vez com o pensamento tomado por alguém, difícil tomar de volta. Cuidado, Milena, que as coisas não estão fáceis. Principalmente se exigem de você tamanha atenção.
Enjoy.

P.S: alguns links passados de trilha sonora ficaram bugados, mas se continuar acontecendo, só fazer a busca no youtube com o nome da música que sempre deixo. Hoje tem uma o/



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O domingo passou bem rápido, que quando deitei na cama sabendo que tinha que acordar cedo pra arrumar as coisas do evento na faculdade, percebi que queria mais umas 24h de descanso. Queria apenas focar nesse trabalho, sem me deixar levar por qualquer outra preocupação. Queria, né, não foi isso que consegui. Engraçado que ultimamente é o que menos consigo, sempre perco essa batalha.

A presença da Becca, foi isso que me incomodou. Acho que isso sempre me deixou inquieta, só então pude perceber. Vivo falando da cabeça oca do meu irmão sem olhar para meu próprio umbigo. Tenho que culpar os genes, porque só sendo isso... Fomos todos jantar na casa de Djane, dona Ana havia deixado para nós. Foi praticamente premeditado que ela conseguiria me levar pra jantar lá, porque tinha dispensado dois convites de almoço.

Só falta agora o seu Júlio, avô do Vinícius, me arrastar também, porque já fui sequestrada por dois membros da família Garra. Não conto com seu Filipe, ele não faria graça dessas comigo. Ao contrário dele, é “adorável” chamá-lo de “tio”. Deixa só ele chegar de viagem...

Nem preciso dizer que ao chegar na casa meu irmão ficou me cercando e de olho em tudo o que eu e Vinícius fazíamos. O que nem precisava mesmo, porque a Becca estava lá, se era no posto de “namorada” eu não sei. O clima ficou estranho de um jeito que não sei bem explicar... ficava um olhando pro outro. Digo todos. Peguei Djane olhando de mim pra Becca várias vezes, meu irmão fez de tudo pra sentar do meu lado e deixar Becca a minha frente na hora de comer e eu sentia certa confusão no semblante de Vini. Não lhe tiro a razão, porque não tava fácil mesmo. Tive que intermediar a conversa várias vezes pra diminuir o climão.

Foi por isso e por ter que levantar cedo que nós nos retiramos não muito tempo depois do jantar. Além disso, Murilo tinha que resolver a besteira que ele fez e era bom que fizesse isso logo pela manhã, pra se livrar do incômodo. Demos carona pra Rebecca que ainda ia pra casa de sua amiga Michelle por ser caminho da nossa. Por toda a noite eu fiquei observando bem, eles não estavam tão próximos assim... Digo, Vini e Becca.

Não que eles tivessem mostrado muita coisa desde que ela apareceu, mas... Eu devia era seguir o que a Flávia tinha me dito, esperar que o tempo passasse um pouco pra ver o que ia suceder mesmo. Só não podia garantir que um argumento saísse de minha cabeça... o fato de ele ter me beijado. Teria como esquecer esse pequeno mínimo minucioso miúdo ENORME detalhe?


Trilha indicada: Michelle Branch – Everywhere

http://www.youtube.com/watch?v=hc9k3-fwwYM


Turn it inside out so I can see

The part of you that's drifting over me

And when I wake you're, you're never there

When I sleep you're, you're everywhere

You're everywhere


Se vire do avesso para que eu possa ver

A parte de você que está controlando sobre mim

E quando eu acordo, você nunca está lá

Quando eu durmo você está, você está em todo lugar

Você está em todo lugar


Ao acordar na segunda na minha cama tive a impressão de que alguém estava ao meu lado. Até puxei o lençol pra verificar. Devia estar sonhando só pode; não me lembrava de nada, no entanto. Espreguicei-me com o celular tocando o alarme e só de ter isso em mente, procurando esse anônimo dos meus sonhos, que um não tão anônimo tomou meus pensamentos. Não acredito que cheguei a esse nível, de mal acordar e já tê-lo povoando minha mente. Isso é um caso seríiissimo!


Just tell me how I got this far

Tell me why you're here and who you are

´Cause everytime I look you're never there

And everytime I sleep you're always there

Só me diga como eu cheguei tão longe

Me diga porque você está aqui e quem você é

Porque toda vez que eu olho você nunca está lá

E toda vez que eu durmo você sempre está lá


Tão sério que cada vez quando acho que o tirei do meu pensamento, lá estava ele fazendo graça de novo. Ao contrário de ontem que amanheceu friozinho, essa manhã chegou bem ensolarada. Coisa de tempo estranho. Me sentia ótima, dormi muito bem e estava disposta para esse dia maluco que começava. Até arrisquei vestir o “memorável” vestido branco que me levou ao Vinícius. A imagem passava de novo aos meus olhos, uma bela distração, porque quase bati uma vitamina no liquidificador sem tampa, quase. Se não fosse meu irmão, isso ia dar uma zona total. Precisava parar de pensar tanto. Como se faz isso mesmo?


´Cause you're everywhere to me

And when I close my eyes it's you I see

You're everything I know that makes me believe

I'm not alone

Porque você está em todo lugar pra mim

E quando eu fecho meus olhos é você que eu vejo

Você é tudo que eu conheço que me faz acreditar

Que eu não estou sozinha


Aproveitei que meu irmão sairia na mesma hora pra pegar carona. Tê-lo ao meu lado era minha esperança de me concentrar em outra coisa, porque se pegasse o ônibus era capaz de passar da minha parada de novo e sair andando pra faculdade do mesmo jeito, porque eu bem me conheço, sei que quando me deixo levar pelo pensamento, preocupação ou alguma assim, acabo deixando algo pra trás. A possibilidade de ficar perdida num mundinho meu era muito grande. Repassei o plano com meu irmão sobre ele se entregar e lhe desejei sorte quando ele me deixou na entrada da faculdade. Não me lembro da última vez que ele me fez essa gentileza. Hoje parecia que nada ia me tirar a paz do espírito.

Mal chego e Fabiano me chama pra ajudar a Mariana, monitora dele. Quer dizer, me grita, né, o homem estava uma pilha. Lá vai a Milena terminar de ajeitar o material que ia ficar de exposição. A agitação era certa ali, não demorou muito e todos os monitores estavam trabalhando. Não se via um de folga, até porque todo mundo sabia que se parecesse que estava de folga, alguém te escalava pra um trabalho ruim.

Estava terminando de grampear uns cartazes no mural do saguão com Dani, e Bruno na mesa ao lado, preparando as listas que os alunos iriam assinar de presença, resmungava algo sobre o convidado especial. Eu não estava nem lá nem cá, por assim dizer. Por que logo hoje a minha cabeça resolveu pifar? Tenho mais coisas pra me concentrar...


‘Cause you're everywhere to me

And when I close my eyes it's you I see

You're everything I know that makes me believe

I'm not alone

Porque você está em todo lugar pra mim

E quando eu fecho meus olhos é você que eu vejo

Você é tudo que eu conheço que me faz acreditar

Que eu não estou sozinha

– Né, MILENA?

– Oi, Dani? Er... é.

– Viu, ela acaba de confirmar que está planejando o assalto ao Banco Central, deve estar naquela parte que tem que calcular o tempo de apagão do sistema de segurança pra saber qual opção é melhor pra invadir. Ela é boa com números...

– O quê, menina?

Bruno responde:

– Viu, eu estava certo. Ela tava sonhando acordada mesmo. Esse sorrisinho aí num me engana...

– Olha, eu estou aqui lendo o cartaz de projeto sobre Gestão Escolar e vocês fantasiando sobre minha pessoa. Tô vendo, tô vendo o trabalho de vocês. Deixa Fabiano pegar vocês de moleza aí.

Por um triz escapei, inventando uma desculpa qualquer, a primeira que me veio, não importando se era sem noção ou não, contanto que livrasse minha barra. Estou perigando, é fato. Quase me entreguei pra Fabiano, quem sabe se ele me desse um trabalho mais pesado eu pegava no tranco de vez...

A manhã toda foi assim, eu disfarçando ao máximo. Me entreguei de fato pro diretor Fabiano, que me deixou organizando umas salas com as aparelhagens de apresentação. Não era um trabalho muito pesado, uma sorte, mas estava servindo de grande ajuda.


You're in everyone I see

So tell me

Do you see me?

Você está em cada um que eu vejo

Então me diga

Você me vê?


Numa dessas que surgiu a primeira mensagem do dia no meu celular. Nem precisava dizer que isso me deixava mais avoada do que o costume, além de curiosa. Dizia “GOOOOOOOOOOOOOOOOOL”. Pelo jeito ele conseguiu vender um imóvel na tal empresa que ele trabalha... ele voltou há pouco tempo e tem se esforçado muito pra conseguir uma venda. Engraçado que Vinícius se lembrava de mim pra mandar uma mensagem dessas. Estava quase na hora do almoço quando a segunda chegou: “Pausa para almoço? Estou na porta”.

Muito presunçoso, não? Achando que é só estalar os dedos para eu aparecer? Há. Podia muito bem deixá-lo sozinho na porta esperando por horas só por causa disso... A grande pena é que não consigo. Se estivesse nas salas de frente pra avenida o procuraria da janela, mas estando numa das salas do fundo do prédio não tinha como fazer isso. Além disso, um fio de fome tinha costurado um cobertor de lã na minha barriga. Respondi a mensagem com um “Só porque eu tô com fome...” pra não dizer que eu não respondi ou me entreguei demais.

Ao chegar ao primeiro pavimento, vi Dani, Bruno e mais uns monitores dispersos terminando de juntar as coisas pra poder sair. Tento sair de fininho não sei por quê. Pego minha bolsa, e quando acho que tô chegando à saída, diretor Fabiano me grita. Tive que voltar ao pátio:

– Sim, senhor?

– Não demore, todos têm que estar aqui pelo menos às 14h. Estourando 14h30. Só porque o evento começa 15h não quer dizer que vocês tenham que chegar essa hora. Tem muito detalhe ainda pra verificar. Te espero na minha sala quando voltar, quero conversar sobre uma coisa. Você tem 1h, então melhor nem sair das redondezas nesse almoço. Senão...

– Tudo bem, eu sei de um lugar perto para almoçar. Estarei em sua sala antes que o senhor pisque.

Administradores com o tempo sacam que um bom sorriso e um aceno de assentir valem de mil quando estão fazendo pressão em nós. Sempre concorde com seu chefe, e se tiver alguma objeção, concorde do mesmo jeito e acrescente seu “porém”, como se fosse só algo ademais. Os chefes não gostam de ser contrariados, então tem que falar com jeitinho pra não parecer uma afronta, porque se parecer... bom, você tá “marcado”, quer dizer, lascado. De volta à saída, encontro Bruno caminhando para o estacionamento do fundo. Ele me grita. Hoje todo mundo resolveu sair gritando, depois estão reclamando que estão sem voz e não sabem do porquê:

– Quer ir conosco? Dani deve tá tão amarela de fome que já rumou para o carro. Vamos pegar um fast-food e voltar logo pra cá pra terminar mais cedo e ir pra casa. Sorte grande essa que ficamos apenas com o turno da noite com essas palestras, isso que é revezar!

– Graças, a partir de amanhã só ficaremos no turno da noite. Entramos mais tarde e saímos mais tarde... Valeu, mas não estou pra sanduiches agora, quero algo com arroz. Fome de comida.

– Tem uns pratos feitos na hora lá, se você quiser. Não temos muito tempo mesmo...

– Er... na verdade, eu vou encontrar com... com o Vini agora. Acho que vamos num self-service dali do Center. É comida, é rápido e é perto. Não quer vir?

– Ah, não. Tô doido por um sanduíche. Mas vai lá, com o Vini. Só não demora, viu, senão Fabiano vai puxar de mim e eu vou puxar teu pé lá no Center. Você não quer um empata, quer?

Sinto um instinto verde jogado pra mim novamente? Combinaram, fizeram um complô, estão armando um plano pra eu confessar algo? Porque de uns tempos pra cá parece que a câmera anda me mirando demais. Só eu citar “Vini” e as pessoas ou me olham com brilho diferente ou fazem um comentário com uma ponta de outra coisa diluída na conversa e nos gestos. Desconfiava de Djane, tenho que desconfiar do Bruno também? Esse falso malabarismo de chave dele meio que o está entregando. Então uso a velha técnica do efeito contrário, colocando-o numa má situação também. Agarro a chave no ar quando ele a joga e com tom bem mais significativo, atiro de vez:

– E você, quer?

– O quer você quer dizer?

– Num sei, me diz você.

– E-eu? Foi você quem falou.

– Okay, Bruno, eu tô com fome e não tenho muito tempo. Depois nos vemos e você me conta essa história direitinho. Nem que eu tenha que te arrastar pra um churrasquinho com pagode de novo...

Saí, livre, leve, solta com o maior sorriso sacana que tinha pra oferecer. As pessoas pensam que podem brincar comigo, não sabem o que podem acontecer a elas. Uma olhada sobre o ombro me deu a visão de atordoado dele, que de pensativo, olhou para o relógio e correu para o estacionamento. Chego à entrada sem saber para onde ir, onde exatamente Vini estava, pelos mil carros que passavam na rua naquele instante. Se ele tivesse me gritado, poderia nem ouvir pela barulheira de carros e ônibus da avenida. Dou uns passos a frente quando... algo bate no meu rosto e tudo fica escuro. Por reflexo dou um grito e a risada de Mariana me atinge:

– É só sua camisa de monitora. Não podia sair sem levar a sua.

– Valeu. Eu acho...

Aceno de volta e ela segue um caminho contrário ao meu com seus companheiros de monitoria. Volto meu olhar para a entrada procurando meu companheiro de almoço pra não perder mais tempo. Foi então que vi, do outro lado da rua, mexendo na gravata e...

E o que é aquela coisa que vem em nós quando vemos um homem de terno e gravata? Momentânea perda de ar? Bombardeamento de ar no coração? Ou é ar de menos, ou ar demais. Tanto faz... Bom, ele não estava de terno. Tal vestimenta estava pendurada em seu ombro, quase caindo, e a camisa social branca estava dobrada nos cotovelos. Devia estar muito calor mesmo, agora que senti a diferença de tempo por sair da sala com ar-condicionado. Me permiti olhá-lo por 5 segundos pra não dizer que fiquei encarando... mas, ô belo conjunto para se admirar tão pouco. Além da roupa formal de trabalho, ainda levava um óculos pendurado no bolso da camisa e os cabelos arrupiados. Continuava entretido remexendo na gravata que parecia não querer largar dele. É, eu ficaria desse jeito se estivesse pendurada no seu pescoço... quer dizer, o quê? Eu pensei realmente isso? Apaga, apaga, apaga. Eu não pensei isso!

Atravesso a rua e sem aviso prévio, dei um jeito na sua gravata ali mesmo. Cheguei chegando pegando-o pela gravata. Talvez quem por ali passasse e visse de outro ângulo, pensaria outra coisa. Algumas pessoas têm fetiches com gravatas... mas não, isso não se tratava de dominação. Sentia seu olhar gritante mirando-me por esse cuidado que eu prestava, sem contar do seu perfume que dançava no meu nariz com nossa proximidade. Assim que consegui tirar, de um nó meio maluco, fui logo o empurrando para o carro, entrando em seguida no banco do acompanhante:

– Ande, ande, temos pouco tempo.

Vinícius resmunga:

– Essa sociedade que nem mais “oi” diz.

– Gosto de ser diferente. Mas já que pediu, oi. Agora ande com esse carro para o Center ali na frente. Tem self-service, é rápido, é bom, barato e perto. Vamos.

– Calme, senhorita. O chofer aqui tinha outros planos.

Chofer não planeja, faz o que a patroa diz, se quer ter seu salário no fim do mês...

– Opa, remuneração. Estava esperando a senhorita tocar nesse assunto. Onde vamos mesmo?

O teatrinho acabou quando entramos no Center, um minishopping que tinha no bairro, e, a caminho do restaurante, encontro mais uma pessoa que me faz pensar que o universo não queria me deixar almoçar em paz. Rebecca e uma amiga grávida estavam passeando por lá e nos cumprimentaram. Foi um “oi” pra cá, “oi” pra lá, minha fome me deixava cega e meio tonta.

A grávida era irmã de Michelle, a amiga de Becca, fazendo últimas compras para o bebê. O nascimento estava marcado pra dali um mês, cesariana. Eu só no “beleza”, “que lindo”, “que bom”, naquela vontade de sair logo porque o buraco de fome estava do tamanho do buraco de ozônio, eu podia sentir. Nem pra observar a tensão clara entre Vini e Becca, estava mais nem aí. Podiam se agarrar ali que eu nem... é, nem tanto assim.

Eu tentei, tentei mesmo não ser rude, estava com fome e se precisasse eu deixaria os três ali conversando. Ou devia dizer os quatro, se a mulher estava grávida? Só sei que estava sem tempo para ser conveniente...

– Se vocês não se importam meninas, eu tenho que almoçar rápido antes que meu diretor me esfole, ou meu colega me cace, e eu estou morrendo de fome, então se vocês quiserem, fiquem aí a vontade que eu tenho que ir...

Batida saí pelo corredor até o restaurante, que graças, GRAÇAS, estava sem fila. Nem me detive para olhar pra trás, pensava só “comida-fome-comida-fome-comida”. Ao pegar meu prato e talheres que percebi que Vini estava bem atrás de mim com uma expressão desconfiada. Bem, acho que era isso. Era capaz de ver ele assado na brasa com uma maçã na boca como nos desenhos animados, porque nada mais que o buraco da fome me tirava atenção. No caixa, ele não me deixou pagar pelo meu prato e eu poderia muito bem ter reclamado, só não tinha forças ainda pra isso. Esperasse ele quando eu terminasse de comer.

A comida estava maravilhosa, bem no ponto morno que eu adorava. Achava lindo não apenas comer, mas saborear as coisas, sentindo uma combinação de gostos que meu estômago aplaudia. Acho que fechei até os olhos me deliciando, não tinha mais nada que eu prestasse atenção. Às vezes a fome é dominadora mesmo. Ainda assim, envolvida na recarga de energia, eu senti aquele olhar dele me fincando.

– O que foi? O que tanto me olha?

De reta final no prato, aproveito meu breve tempo após a mastigação para falar, pois falar de boca cheia é má educação. Ele comia devagar como eu, mastigava bem, mas aposto que não sabia saborear, ele não sentia o real sabor da comida. Dava pra ver que estava um pouco distraído.

– Ou você estava com muita fome ou... num sei, ainda estou pensando no que poderia ser isso que ocasionou esse comportamento estranho.

– Isso se chama saborear uma comida bem feita. Não basta só mastigar e saciar o seu cérebro...

– Ah, não me referia a isso. Sinto em dizer, mas você foi um pouco grosseira com as meninas. Ainda mais quando a Alexandra está sensível com tudo.

– Oh. Não era minha intenção, é só que... eu realmente precisava comer alguma coisa. Eu tenho, hã, menos de meia hora para voltar.

– Meia hora? Mas ainda nem comecei a conversa.

– Te disse que meu tempo era curto, você que não quis acreditar. Se for fazer biquinho, vai tentar com meu supervisor, vai.

– Não ia fazer biquinho... ia tent... espera um segundo que meu celular está vibrando... Alô? Hey... O que foi? Não. Aqui? Tem certeza que chegou a hora? Okay, okay, eu ouvi... Tá, estou indo aí.

Ele desligou e ficou encarando o celular por uns 3 segundos de eternidade que me mataram de curiosidade. Seu semblante estava um tanto confuso e pra mim devia ser algum problema no trabalho dele. Só não entendi de primeira o que ele quis dizer com:

– Temos um problema.


~;~


– Ai-minha-nossa.

Com o almoço sacolejando dentro da minha barriga quase voltando pela nossa corrida básica até o outro lado do Center, onde tinha um supermercado, fomos ao encontro de Becca e Alexandra, esta que estava entrando em trabalho de parto no meio da escadaria do estabelecimento. Os gritos de dor chamavam atenção de todos e ninguém sabia o que fazer, paralisados. Eu não era médica, só senti que tinha que colocar ordem na confusão. Ainda mais quando se tratava de uma grávida raivosa brigando com a Rebecca, dando a luz num shopping e ninguém tomava uma atitude.

– SAI DAQUI, SUA VACA.

– Mas Alex, deixe-me te ajudar.

Puxo Becca do lado de Alexandra e peço para as pessoas dispersarem um pouco. Seguro na mão da mulher para que tenha confiança em mim, além de conseguir sua atenção. O importante de primeira era fazer com que se acalmasse para não prejudicar a si mesma. Eu não sabia o que estava fazendo, só estava fazendo, como se houvesse um instinto secreto me sobrepondo. Bom, estava aproveitando disso porque nunca fui boa nessas coisas de socorrer pessoas, geralmente ficava bem atrapalhada.

– Oi, Alexandra. Sou, eu, Milena, lembra? Nos conhecemos faz uns minutos ali no outro corredor...

Temi que ela me chutasse ou algo assim, dado ao que Vini tinha mencionado instantes atrás na mesa quando disse que Alexandra estava muito levada pela sensibilidade e eu não tinha sido muito gentil, além do grande humor de consideração que ela estava pra cima da Rebecca. Se não a tirasse a tempo dali, ia ter, além do nascimento, um homicídio. Só que aí ela começou a chorar e tive que me segurar para não acompanhá-la.

– Não, não chora. Eu estou aqui, o Vini e a Becca também. Vamos te levar pra um hospital, tá? Respira. Faz esse exercício pra mim? Só deixa entrar e sair, logo estará sendo atendida.

– Por que você está me tratando bem agora? Por que você não gostou de mim?

– Eu gostei de você, eu só estava atrasada. O tempo às vezes consegue ser maldoso conosco, não concorda? Agora vamos, vamos levantar e ir para o hospital.

Tentei passá-la para que se apoiasse nos braços de Becca, mas ela não quis me largar. Devagarzinho fomos andando até o carro de Vinícius, que Becca tinha dito que o marido de Alexandra tinha saído e não tinha como voltar tão depressa. Ela estava com ele no celular avisando-o para encontrar-nos no hospital que seria mais fácil, por isso chamou o Vini quando terminávamos o almoço, o que foi uma grande sorte, ter alguém conhecido próximo delas.

– Gente, o carro do Adam deu prego na avenida. Ele pegou uma carona pra voltar pra cá, deve estar chegando. É só o tempo de ajeitar a Alex no carro.

– Quem é Adam?

– É o marido da Alex, Lena.

Não sabia quem estava mais nervosa, ela (Becca) ou a grávida. Vinícius guardava as sacolas das meninas no porta-malas e eu e Becca tentávamos acalmar a mulher com suas contrações. Um segurança dali ofereceu ajuda vendo nosso desespero, só que não havia nada mais para fazer senão levá-la urgentemente ao hospital. Disse para Becca ir com ela no banco de trás, mas quando ela não gritava de dor, gritava pra outra se afastar. Num sei que briga foi essa entre as duas, mas não dava pra contrariar uma mulher nesse estado, então me ofereci pra ir. Tão logo apareceu um cara correndo em nossa direção, com uma roupa parecida com a de Vinícius. Era Adam. Se demorássemos mais um pouco ali, eu ia conhecer logo o filho deles.

– AMOR, AMOR, vim correndo. Meu carro... consegui uma carona... Becca me ligou. Está doendo muito?

– O que você acha dessa minha cara linda se remoendo de dor? Quer dividir um pouco, porque, olha, eu não estou recusando...

– Calma, Alexandra, sem exaltações, foca na respiração e no bebê.

Que negócio é esse que eu falava pra acalmar a mulher? Eu não me sentia eu mesma, as coisas saíam pela minha boca sem eu mesmo saber o que tanto eu falava. Só sei que funcionava, pois a grávida parecia relaxar mais um pouco. Vinícius sentou no banco do motorista e ligou o carro nos apressando. Aposto que não queria fazer um parto no seu carro. Eu também não queria aprender a trazer uma criança ao mundo, faria qualquer outra coisa pra não ver essa exata cena. Sem muitas delongas entrei logo no carro e deixei que a mulher deitasse sua cabeça no meu colo, enquanto o marido ficava com suas pernas, tentando acalmá-la. Becca foi para o banco da frente explicar o caminho e Vini pisou fundo.

Putz, essa mulher gritava. Teve uma hora que me senti dentro de um filme, todo mundo menos o motorista gritando quando a contração dava o ar da graça. Era a quarta de acordo com minha contagem desde a hora que a encontrei no supermercado. Prefiro nem imaginar como seria um parto natural, estando tão próximo dele... Ela apertava tanto meus dedos que acho que não mais sentia o sangue passar. Estava ainda bem, porque ela já começava a compartilhar um pouco da sua dor com o marido.

Na verdade, acho que eu até senti quando ela meio que o chutou no estômago. Eu tinha que arranjar um modo de mantê-la concentrada. Parece que só havia um jeito. Capturei o olhar preocupado de Vinícius pelo retrovisor e para ele acenei com a cabeça para me acompanhar, era a única ideia que tinha me passado:

– Alexandra, a dor deve ser terrível, mas pense sobre quando você contar ao seu filho como foi o nascimento dele. Ele vai desejar que você estivesse sorrindo e não gritando. Então vou fazer um joguinho pra descontrair, tudo bem?

– TUuu-do.

– Qual a capital dos Estados Unidos?

– Nova Iórque.

– Não, não é Nova Iórque...

– Texas?

O marido ri da coitada que não sabe a capital dos Estados Unidos. E que não sabe que Texas é um Estado, assim como Nova Iórque, não sendo esta apenas cidade. Queria eu dizer a ele como isso é perigoso, principalmente quando ele ainda não tinha se recuperado do chute dado pela esposa. Meu plano estava falhando...

– Ela não vai saber, pergunte a ela sobre a novela.

Becca dá a dica voltando-se para o banco de trás, o máximo que o seu cinto de segurança permitia. Só foi falar em novela que Alexandra aceitou sua mão para segurar. Mas, sério, novela? Eu não assisto novela pra saber o que perguntar. Agora lascou. Levantei o rosto sem saber o que falar e encontrei o olhar de Vini mais uma vez pelo retrovisor, sinalando para eu continuar. Só se... bom, se eu considerar que novelas são quase todas parecidas, dá pra saber mais ou menos um padrão. Assim as perguntas foram saindo sem antes eu pensar nelas direito:

– Quem são os protagonistas?

– William e Priscila.

– E quem é o gênio do mal?

– A-a-a vaca da mãe dela, que quer que ela case com o filho do vizinho dela... herdeiro de uma grande herança que iria garantir a vida que sempre quis, participando efetivamente da elite. Aí vem mais uma...

Devia dizer “aí vai menos um dedo ou mão” porque a cada contração, ela quase me arrancava uma parte do corpo. O mesmo para o marido, só que comigo era mais gentil. Não saberia explicar o motivo de tal fato. Sorte era do Vinícius, que só dirigia e não tinha ninguém estourando os ossos de seu ouvido.

– E esse cara, esse herdeiro, é bem apresentável?

– Ah, ele é liiiindo, mas... AAAAAH, ele tem um problema que quase ninguém sabe, só a família e a Priscila que acabou de descobrir.

– Qual o problema?

– Ele é casado. Ele tenta a separação faz tempo, mas a mulher sumiu. Foi porque o pai dela descobriu a passagem na casa do parceiro dele e então pegaram a filha também e...

A mulher falava e falava, entre gritos, arfadas, apertos e até xingamentos. Eu já tinha me perdido na história há anos, ela que falasse a vontade. Depois de um tempo, Becca também a ajudava falando de um personagem lá que eu nem sabia. Enquanto isso, o marido – que já tinha esquecido o nome, pois era capaz de chamá-lo de qualquer coisa depois dessa enxurrada de nomes e personagens e ações de uma novela maluca – ele ligava para a maternidade pra preparar a equipe de atendimento, que era conhecida dele. O que não faz os contatos nessas horas.


~;~


Sabe aquelas horas que você passa por um perigo e se mantém atônita até cair a ficha? Uma vez eu estava passando por uma rua meio deserta com uma amiga e um cara na bicicleta passou por nós, arrancando de vez minha bolsa. Na hora, eu não senti nada mais que o arranhão do puxão da bolsa pelo meu corpo, pois era daquelas transversais que passavam pelo meio do corpo e tinha alças finas. Minha amiga ficou desesperada na hora e eu nada. Caminhando mais um pouco para chegar na casa dela, eu desmoronei. Sei lá, ou eu senti tudo atrasado, ou o desespero estava selecionando um melhor lugar pra bater. Só sei que foi desse jeito que meio ocorreu novamente, sem a parte do choro ou da queda emocional.

Estava tudo bem, apesar dos gritos da mulher quase sem interrupções e da bolsa ter estourado no banco bem na hora que Vinícius conseguiu entrar na área da maternidade. Eu quase ri, porque o marido achou que tinha se mijado de tão nervoso que estava. Pra tirá-la do carro também foi a maior confusão e até lá estive na dura aguentando tudo, de boa. Quando ela entrou na emergência, levada por enfermeiras, Becca e o marido, eu fiquei lá na entrada olhando pra minha imagem vinda da porta automática de vidro fumê e... o personagem que interpretei me deixou por minha conta.

Não sabendo bem o porquê, eu fiquei paralisada. Simplesmente parada mesmo, tanto que algumas pessoas passavam por mim e eu mal me mexia. Acho que estava besta... De mim mesma, desacreditada. A única coisa que pensava era que eu tinha conseguido lidar bem com a situação. Foi mais uma certeza para minha ambição profissional, pois não tendo ninguém mais naquela hora que se mexesse, eu fui lá e controlei tudo. EU! É aquela sensação de se pasmar por um feito seu. Acho que fiquei tão orgulhosa de mim mesma que logo senti meus olhos encherem um pouco d’ água.

Vi, através do mesmo vidro, abrindo e fechando com a entrada e saída das pessoas, Vinícius caminhar para onde eu estava. Ele tinha ido deixar o carro no estacionamento após todos termos saído. Foi meio ele que me tirou do estado que me atacava, com um ar preocupado logo que ficou ao meu lado. Devia estar agradecendo por não ter que realizar um parto ou coisa assim... Pelo menos ele não reclamou pela bolsa da mulher ter estourado lá.

– O que foi?

– Nada.

– Hey, me diz. Nada de ficar guardando...

– O fato é que é nada mesmo, acho que só me emocionei mesmo. Foi tenso... ou devia dizer intenso?

– As duas opções e mais umas pra fechar o pacote. Vem aqui, já passou.

E tinha passado mesmo. Só não disse isso pra ele, não é todo dia que tenho a oportunidade de abraçá-lo. Umas mil vezes já fiquei na vontade, então tinha que aproveitar. Que patético isso soa. Mas não me impede de abraçá-lo e relaxar nos seus braços. Com seu braço ao meu redor ele me guiou para a emergência e fui. Sabia nem pra onde estava indo... só estava. Na recepção encontramos Becca comendo os dedos de pura ansiedade. Como um choque, eu parei e tirei o braço dele de mim. Eu não ia me prestar a outro papel.

– Vocês vão ficar aqui, né? O Adam entrou pra ver o parto e ficar perto da mulher. Se eu ficar aqui sozinha vou ter um troço.

– Er...

– Por favor, Milena?

Rebecca estava tremendo quando me se jogou em mim num abraço inesperado, tanto que me assustei. Não haveria por que para tanto nervosismo, haveria?

– Becca, você está... tremendo. O que aconteceu?

– Ela desmaiou quando foi levada pra mesa de cirurgia. Estou com tanto medo, Milena. Foi tudo culpa minha.

– O que foi sua culpa?

– Ela ter se alterado. Não estava na hora do bebê nascer, ele está adiantado um mês. Quer dizer que ela se exaltou muito para acabar nisso. E fui eu a louca que quis discutir com ela no supermercado, porque eu estava dizendo a ela para não comer muito chocolate, porque isso a deixa enjoada e... ainda bem que você estava lá. Michelle vai me matar.

– Becca, você estava cuidando dela, nada demais. Você não tem culpa, foi um acaso, deve ter sido isso. Ela está sendo atendida, vai correr tudo bem, tá? Fica aqui que eu vou pegar um pouco de água.

Com um suspiro forte me dirigi para o outro corredor onde a recepcionista me indicou que ficava o bebedouro. Era estranho de estar de volta no hospital, mesmo não sendo o mesmo, apesar de próximo, ainda assim fui chamada atenção com umas imagens me mostrando como tudo tinha começado. Pra completar a figura, eu estava com o mesmo vestido branco. Coincidência? Prefiro não acreditar nessas coisas.

Bebi minha água e a caminho da recepção com uma água na mão, uma mulher me pergunta onde é o consultório do doutor Ary-alguma-coisa. Estranhei, claro, e fui sincera, disse que não sabia, oras. Tinha nem 15 minutos que tinha entrado na maternidade já queriam que eu soubesse os nomes de toda equipe? Povo maluco. Ao deixá-la pra trás, fui caminhando devagar pra não deixar a água cair, pois tinha muitas pessoas passando por lá no momento. Foi então que ouvi o que mais temia, me valendo de um digno facepalm:

– Eu perguntei pra mocinha daqui e ela disse que não sabia. Você acredita nisso? Que profissionais são esses que não conhece o próprio local de trabalho? Eu devia deixar uma nota de reclamação. Devíamos ter ido para a outra maternidade...

Me distanciei o máximo da mulher. Cheguei num corredor lá que não tinha muitas pessoas e me encostei na parede pra respirar melhor. Sério, o que tem esse vestido? Vou parar de usar, porque perdeu a graça me confundirem com enfermeiras.

Pior que as enfermeiras daqui usavam branco mesmo... no outro hospital, a vestimenta é rosa. Não demorou muito e uma voz surgiu no pé do ouvido, me deixando sobressaltada:

– Perdida?

– Ah. Um pouco...

– Você estava demorando, vim te resgatar... O que tanto pensa? Parecia tão concentrada quando te encontrei.

– Eu? Bom, pensava em doar esse vestido tão logo possível, porque não devia ser possível eu usá-lo duas vezes seguidas e nas duas eu parar em hospitais e ainda por cima me confundirem com enfermeira. Fala sério, o que tem demais no meu vestido? Isso é pra se preocupar, o que vai acontecer da próxima vez que eu o usar?

Ele RIU. Gargalhou. Alto, no meio do corredor. Eu estava falando sério, tão sério que quase joguei a água que tinha em mãos na cara dele pra parar de rir, mas uma enfermeira, de branco – pra me dar mais ódio – o cortou e pediu silêncio, que era um hospital e não poderia haver barulhos excessivos. Até aí tudo bem, eu ia fazer “lero-lero” pra ele, apontar um “bem-feito” na cara e cantar vitória quando percebi o olhar da mulher, dando uma boa checada no Vini, com direito a sorrisinho maroto. Ah isso, isso não foi NADA legal.


~;~


Bufei sem olhar pra trás um segundo e saí de lá com meu propósito de levar água à namorada dele. Que num cuida dele, deixa-o solto por esses corredores carregados de enfermeiras e mais umas mil mulheres, porque, afinal, era uma maternidade. Mulher é o que não faltaria. Quem sou eu mesmo para me preocupar? Que se danasse, oras!

Eu estava mais preocupada com Rebecca do que ele aparentemente. A coitada sofrendo pela amiga num parto de emergência, sozinha, se achando culpada, desmoronando na sala de espera, e ele com as enfermeiras. Que tome jeito, eu já disse que não ia me meter entre eles dois, é pedir demais. Eles têm que se resolver sozinhos... eu tenho mais o que fazer da vida.

Com dificuldade Becca conseguiu tomar a água. Mal respirava com o nariz entupido de uma crise de choro que tinha passado antes de eu retornar. Michelle e a família estavam a caminho, ela tinha conseguido falar com eles. Esperávamos então qualquer notícia, e tinha que permanecer naquela sala. Parecia que os ponteiros do relógio de parede não se moviam... talvez estivesse na hora de trocar as pilhas do objeto ou de desacelerar a atividade na minha mente.

Não demorou muito para que começasse a bater o pé no chão. Tem horas que não tem como ter paciência. Merda! Por que ela também não vai atrás dele? Faz o quê, uns 10 minutos que o deixei pra trás? Ele ainda tá lá com oferecida ou o quê? Putz, a namorada dele aqui na pior mesmo, e ele nem aí. Ela deve confiar muito nele, viu.

Ou sou eu que não confio assim? Descanso o rosto enterrando nas mãos ao apoiar os cotovelos na perna, numa respiração funda pra aliviar a tensão que se apodera de mim. Uma velha conversa com minha amiga Flávia me vem à mente, quando lhe contei sobre minhas grandes dúvidas que me consumiam quando se tratava de Vinícius, colocando em questão o fato de como ele trata a própria namorada, não a respeitando, assim como a mim também sendo desse jeito. Pior, uma insegurança que me cobre por qualquer atitude que possa me magoar.

E cá estou eu, me ferindo por estar gostando daquele que não merece meu pensamento. Não devíamos ser mais do que amigos mesmo, pois, posso ser dura e rígida com as pessoas quando quero, mas tenho coração e com ele todo cuidado é pouco. Ainda mais sendo o coração um órgão rebelde que não nos obedece, só nos coloca em situações constrangedoras e ainda reclama quando a Razão quer ter mais razão que ele.

– Alguma notícia?

Como se tivesse se materializado a nossa frente, ouço quando deixa a questão aberta em busca de uma informação e mantenho-me quieta, espero que Rebecca me faça o favor de respondê-lo, mesmo que isso exigisse um pouco seu sistema nervoso abalado. Levanto o rosto de minhas mãos e devagar encosto a coluna no dorso duro da cadeira, olhando o perfil abatido da garota ao meu lado esquerdo. Com uma voz mais controlada ela conseguiu falar a respeito. Percebe-se o quanto tenta manter-se forte.

– Não, nada. Falei com a Michelle no celular, a família está a caminho. Deve chegar já-já. Onde você estava?

– Fui ver se conseguia alguma informação. Uma enfermeira me disse que achou o caso estranho, porque tinha acompanhado o pré-natal da Alex. Mas sabe como é gravidez, isso tudo se baseia em previsões... Ela ficou de trazer notícias. Mas Becca, você não sabe quem eu acabo de encontrar no corredor... não vai acreditar.

– Quem?

– Wellington, aquele meu amigo do quartel, meu vizinho. Não acredito que a irmã dele já está lhe dando sobrinhos.

Isso trouxe uma graça quase invisível que despontou nos lábios de Becca, que, provavelmente por conhecer essas pessoas que Vini falava, pareceu ir longe nas suas memórias para visualizá-las melhor. Sinto pois uma pontinha de inveja, querendo saber quem são. Só sabia isso que o tal Wellington trabalhava ajudando pessoas vítimas das enchentes no interior, que foi o que Vini me contou uma vez quando falou de seus amigos.

– Que lindo. Não era ele que estava fora trabalhando com famílias desabrigadas pelas enchentes?

– Esse mesmo. Aquele ali quando for pai, vai ser pior que coruja. Veio lá do fim do mundo só pra estar perto quando os garotos nascerem. E sim, são gêmeos. Parece que ele vai passar mais uns três dias na cida...

Michelle e o resto da família chegaram amontoando a sala de espera. Se contei bem, era umas sete pessoas, interrompendo o silêncio do lugar. Rebecca num pulo os atendeu explicando toda a situação, de uma forma confusa por ainda estar um pouco nervosa. Era um momento íntimo o deles, então permaneci quieta, relaxando minha perna para não mais bater nervosamente, apesar de ainda estar incômoda, remexendo no meu cabelo. Vini tomou o lugar vago ao meu lado que Becca estava ocupando instantes atrás e deve ter sentido ou observado algo que deixei transparecer. Chamou-me a atenção ao colocar uma mão no meu joelho, falando num tom tão calmo e quase sussurrado:

– Hey, ficou chateada por que eu ri sobre a história do vestido?

Antes fosse! Antes fosse, meu querido. Espero que nenhum rubor tenha me tomado, pois eu pensei coisas horríveis dele quando na verdade ele tinha encontrado e conversado com seu amigo. Que pessoa terrível eu sou, já saí o acusando disso, daquilo, querendo manchar de vez a imagem que tinha dele para o bem desse meu coração que vive de badalar rápido demais quando ele está por perto. Faço um gesto de desgosto com a boca e não respondo, querendo logo ir embora.

– Desculpa, mas eu não... eu... eu não quis rir, tá legal? Não devia ter rido e... não acho que você deva se livrar desse seu vestido. Ele é simples e eu gosto dele em você. Acho que ri por me lembrar da vez que eu mesmo achei que você era uma enfermeira, ri de mim, idiota de ter pensado isso naquele dia, não de você ou do vestido.

Agora sim eu me enterrei nas próprias mãos. Eu sentia sua sinceridade em como ele falava tudo, um brincalhão sério, e isso me batia lá no coração de novo. Se não era ele que o machucava, era eu que ia lá e passava a faca no meu próprio órgão em um momento de ira. Sou muito burra ou... apenas apaixonada? Burra, prefiro me considerar burra.

Pra não chamar mais atenção quanto a isso, dou um sorrisinho sem-graça e levanto para me despedir da Rebecca, que agora estava com companhia na espera do fim da cirurgia, eu não tinha mais o que fazer por aqui. Talvez Vinícius ficasse com eles ou com o amigo militar que não via há tempos... mas ele me acompanhou quando levantei. De repente eu não queria estar tão próxima dele, estava me deixando desconfortável, sufocada. Foi nessa hora que, ao ajeitar a bolsa, senti meu celular vibrando. Sem mais nenhuma noção de horas, a apreensão tomou conta de mim quando meu olho bateu no visor alertando 17 chamadas não atendidas. Tinha esquecido de tirar do modo silencioso quando saí da faculdade.

– Mer-da!


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Notas finais do capítulo

Eita que o dia foi puxado. Quer dizer, está sendo puxado pra Milena, porque ainda não acabou... As 17 chamadas que o digam, hein.

Trechin?

"- Parece que o universo não estava me deixando.
— Não brinque com o universo, Vini.
Porque eu sei, toda vez que falo do universo, ele me responde de alguma forma e nem sempre é algo agradável."



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