Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 37
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Correria e conversas. Muito significativas por sinal.
Mas cadê vacina contra certos bicos, cadê?
Enjoy.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/397313/chapter/37

Quase 2h atrasada para meu compromisso, quase pirei ali na sala de espera da maternidade, engolindo um grito.

– O que foi? Algum problema?

– Problema? Problema é fichinha, eu tõ mais que ferrada. Tenho que ir embora agora...

– Eu te levo.

– Não, não precisa, você pode ficar aí com a Becca e...

– Não, eu disse que ia te levar e vou te levar.

– Vini, é sério. Acho que ainda vou ter que passar em casa e você devia ter voltado para o trabalho, não?

– Eu liguei avisando do imprevisto ainda pouco, logo depois de falar com meu amigo. Você não ligou?

Não. Estava perdendo minha sanidade pensando besteira de você, irada pela inconveniência de situações que nos rondam. Isso ocupa bem a cabeça de uma pessoa, fica difícil lembrar até dos próprios compromissos... disse a mim mesma, olhando sua expressão amena me bloqueando de chegar ao corredor, causando-me maior desconforto.

Não bastava esse meu momento crítico? Não, devia estar acostumada que não, pois ele estava ali apontando meu erro, sendo a culpa dele. Fico irada é comigo mesma. Como pode isso?

– Não. Estava pensando em... bom, tinha outras preocupações pra me lembrar do meu compromisso na faculdade.

Enquanto não o deixei que me levasse, ele não arredou o pé do seu bloqueio. Não sei se a raiva que tinha era dele ou minha mais, eu só queria ir pra casa logo. Mas o que são algumas horas a mais quando já estamos atrasados? Fabiano ia me trucidar, fato, ainda mais porque ele me pediu diretamente pra falar com ele antes do evento e sendo quase meio de tarde, não valeria a pena eu ir lá pra levar bronca e depois ter que voltar em casa pra me arrumar e então voltar para o turno das palestras. Antes eu me arrumasse toda logo de uma vez e fosse direto.

– Ainda está chateada?

Vinícius dirigia rápido por eu ter pedido. Na verdade, foi a condição de minha concessão de deixá-lo me levar para casa, pois, mesmo não querendo pegar ônibus para ir embora, eu o faria se fosse preciso. E quase fui, quando ele demorou devolvendo as coisas das meninas que tinham ficado no porta-malas do seu carro. Eu não o olhava, mantive o olhar baixo no asfalto e linhas brancas da avenida passando rápido, porque não queria me martirizar ao me centrar nele.

– Não. Só estou pensando se... o Luciano tem um caixão reserva ou algo assim.

– Quem é Luciano?

– É um cara lá da recepção. Famoso quebra-galho.

– Milena, não se sinta mal. Você ajudou uma grávida, a criança deve estar nascendo agora por você ter se importado de cuidar. Foi um imprevisto e ninguém pode recriminá-la por isso.

– Não tinha pensado por esse lado...

Ando tão cega ultimamente que se bato em árvores na minha frente penso ter merecido por não ver claramente as coisas que estão ali e eu não as percebo. Poxa, eu salvei vidas hoje, não? Eu seria uma pessoa horrível se deixasse todos na mão ali no Center e atravessasse a avenida pra cumprir meu horário... seria indigna, isso sim. Pior talvez do que eles que atropelam as pessoas e fogem sem prestar socorro por causa do pânico que lhes acometem. Foi então que levantei o olhar pra ele, encontrando o receoso dele em mim.

– Você tem razão.

– Sei que tenho, mas é bom ouvir você falar.

Ele fazia aquilo pra me animar, tinha essa certeza. O sorrisinho que capturei de seu perfil controlado e observador do trânsito leve daquela hora da tarde contribuiu bastante para minha constatação. Fazia isso porque sabe que eu adoro debochar daqueles que se acham demais, como meu irmão. Um rolar de olhos meu foi seguido por um cruzar de braços pra enfatizar minha opinião quanto a esse comportamento dele vaidoso.

– Aproveite seus segundos de razão, não se sabe quando vai ter novamente.

– Ah, é? Então tá, já sei como me deliciar no meu outro momento de razão.

– Como assim?

– Espere pra ver.

Okay, ou ele é muito esperto ou anda roubando minhas técnicas, porque ele estava bem ali usando a reversa, de deixar o outro desconfortável pra desviar o foco. Até segurei o cinto de segurança mais forte na minha mão, constrangida com a sua expressão presunçosa demais, daquelas que sabe bem do que está falando... o que é muito preocupante.

A água que me banhava escorria pelo chão do banheiro levando tudo isso que me consumia a cabeça, até mesmo a dor de cabeça que mal tinha percebido que tinha começado. Pensei que ele apenas me deixaria em casa. Surpresa foi a minha quando ele desligou o motor e desceu do carro. Não ia ser má, então o convidei pra entrar e falei que tomaria um banho rápido e me arrumaria... aí por uma brincadeira, ofereci o quarto do Murilo caso ele quisesse tomar um banho rápido, afinal ele também estava fora de casa desde de manhã e tinha andado por um hospital – sabe como as bactérias funcionam. Deixei que ele escolhesse uma camisa do meu irmão, sei que não se importaria de emprestar uma, e lhe dei uma toalha. Corria com meu banho e esperava que ele também estivesse apressado.

De volta ao meu quarto, após o banho, vesti ligeiro uma calça escura e minha camisa de monitora. Era toda preta e nas costas tinha em palavras garrafais brancas minha função. Um desenho do logotipo da faculdade fazia um charme no canto esquerdo na frente da camisa. Sendo um evento importante tinha que estar nos conformes sociais, então coloquei um cordão grande e brilhoso no pescoço – que ironicamente trazia um pingente de coração – fiz uma maquiagem leve, deixei o cabelo solto para enxugar e calcei uma sandália de salto relativamente baixo, pois sentia que ia ficar a noite em pé e não queria machucá-los.

Acrescentei um perfume e saí batido para a cozinha sem verificar se ele estava pronto também. Fiz dois sanduíches para comer antes de sair e logo ele entrou na cozinha, vestido com uma camisa azul clara social de Murilo. Justamente a que eu tinha dado de presente no Dia das Crianças ano passado e que me fez abrir a boca minimamente pela bela visão dele chegando com os cabelos molhados. Ele definitivamente não lembrava nada de criança, pelo menos não ali.

– Uau.

Espera, eu disse isso? Pensei alto demais? Aterrorizada por ter feito besteira, ajeito nossos sanduíches em guardanapos, atrapalhada demais pra dizer qualquer outra coisa que me comprometa.

– Preparei sanduíches para nós. Quer suco?

– Claro, mas primeiramente me deixe dizer isso. Isso tudo pra um evento na faculdade? Quem vai estar lá, o presidente? Porque ele vai dizer o mesmo que eu se for esperto...

É, não fui eu que pensei alto demais, graças a Deus. Era ele comentando mesmo... ainda bem que não fui eu. Mas... o quê? Se o presidente for esperto demais? O que ele quer dizer com isso? Melhor nem perguntar... Busco suco na geladeira e comemos rapidinho para sairmos logo. A louça suja deixo na pia, pego a bolsa e ainda em efeito bala saio puxando-o sem muitas conversas para a porta. Era melhor sair logo antes de começar o horário de pique e engarrafamento das avenidas...

Chegando à porta de casa, lá vem Murilo chegando do trabalho com cara de dar pena. Checo o relógio e prometo cuidar dele quando chegasse em casa, agora mais do que nunca tinha que ir pra faculdade, não tinha mais como demorar. Ao ver-nos saindo e, por descuido meu, segurando a mão de Vini por estar o puxando para o carro, Murilo sai de sua letargia pra vestir sua indignação de protetor demais.

E eu não tinha tempo pra isso...

– Mas o que é isso? Pra onde tu tá levando minha irmã?

– Pra faculdade.

– E tu me responde nessa normalidade toda, é? Mas num vai mesmo, vocês andam muito grudados pro meu gosto.

– Com todo o respeito, Murilo, eu não estou fazendo nada demais, só estou levando-a para a faculdade, afinal, depois daquela tensão no hospital hoje, era o mínimo que eu poderia fazer...

– Que tensão no hospital? Que história é essa, Milena?

– Olha aqui, Murilo, eu não tenho tempo pra suas gracinhas de irmão protetor, então já pra casa que eu tenho que ir pra faculdade, nos falamos quando eu chegar, estou atrasada o bastante.

Deixo-o no vácuo e entro bufando no carro de Vini Ai que ódio do meu irmão! Se eu pudesse, daria logo um tabefe nele pra ver se pegava no tranco pra se comportar melhor, ainda mais com essa obsessão dele de ficar em cima de mim quando tem alguma presença masculina me acompanhando. Ele nunca soube, mas o meu último namoro, que era um primo de um conhecido no trabalho lá dele, começou justamente por causa disso.

Estávamos numa festa de confraternização da empresa e meu irmão me apresentava seu ambiente de trabalho quando ele pegou o Charles entrando no banheiro feminino. Parece que as brincadeiras dentro daquela empresa já viraram tradição, porque não tem um ano que não tem trote por lá. Dessa vez tinham trocado as placas do banheiro e meu irmão o ajudou para não ser pego pelos companheiros. Conversa vai, conversa vem, Murilo notou um clima de mim pro Charles e passou quase a festa toda no nosso pé.

Dias depois teve um churrasco com os colegas dele do departamento e eu acabei indo. Lá encontrei o Charles de novo e pra provocar meu irmão, por uma briga qualquer que tinha tido pela semana, falei com o Charles para fazer uma brincadeira... apenas fingir que estivesse realmente rolando alguma coisa. Só não contei com o fato que nessa festa tinha muita bebida e meu irmão ficou bem alterado... teve uma briga lá e com Murilo não batendo bem das ideias, ele pensou que era comigo e foi atrás de Charles.

Eu tentei impedir, mas foi inevitável... Passei vergonha nesse dia, tanto que nem fui mais pra nenhuma festa que envolvesse os colegas do meu irmão ou mesmo ele próprio. Charles não se machucou muito... Me senti culpada do mesmo jeito, por isso fui atrás dele uns dias depois, para poder pedir desculpas. Foi então que o clima bateu de novo e namoramos por um tempo... só que não rolou muito sentimento, aí não durou muito mesmo, para grande felicidade do meu irmão. Idiota! Só amando muito essa peste mesmo. E não estou toda amores pra cima dele agora.

– Desculpa por isso, tem horas que meu irmão exagera...

– Sem problemas, acho que o entendo.

Ele liga o carro e sai pela rua que nos leva para avenida. Fala como se fosse a coisa mais normal do mundo, dando de ombros. Não tinha como não olhar bestificada pra ele depois dessa... como assim ele o entende?

– Você fala de sua mãe e eu do meu irmão. Se você o entende, não deveria entender sua mãe?

– Estamos quites então, você a defende e eu o defendo.

Com essa eu tive que bufar. Tinha que estar brincando.

– Defende por quê, se foi ele que acabou de te repreender ali?

– Ele só está tentando cuidar de você... e isso não é fácil como parece mesmo.

– Há! Como se precisasse, né? Fala sério, até parece que sou oferecida ou algo assim... Não tem porque ficar em cima de mim e ficar todo ciumento.

– Vai ver ele tem medo de te perder... por isso tenta se assegurar de você e com quem você anda.

– Então você realmente está do lado dele?

Sinto um big-déjà-vu me bater logo que profiro isso. Parece uma antiga briga minha com Vini, só que ao contrário, quando falávamos de Djane. Realmente, quando eu os comparei, Djane e meu irmão, eu não poderia imaginar... o quão forte seria isso, porque, por mais semelhantes que fossem, cogitar uma ligação assim seria demais, não? Quer dizer, eu sei como fico indignada por toda a proteção do meu irmão e como ele fica irado com a mãe dele no pé, mas eu não dou motivos para o Murilo se comportar assim, dou? Da vez com o Charles foi só porque eu estava zangada com ele, eu não era – e não sou – qualquer uma ou oferecida. Só que... bom, eu sei também que Vini não dá motivos, pois os de Djane são completamente diferentes. Eu não tenho um Filipe na vida me atrapalhando ou perigando minha relação com meu irmão.

– Eu só acho que... tendo uma irmã muito bonita, deve ser difícil saber separar gavião de caras decentes.

– Eu não acredito que você disse isso.

O pior nem é o fato de ele estar fazendo o mesmo que eu fiz com Djane, como se estivesse provando que nem sempre as coisas são o que parecem, principalmente quando você está do outro lado ou mesmo é o alvo; o que me pega é o fato de, além disso, de estar acobertando o lado protetor do meu irmão – e eu não aprovava o lado protetor demais de Djane, só pra constar – ele disse o porquê de eu precisar de tal proteção, praticamente dizendo que eu preciso por ser... bonita. Muito bonita, palavras dele. Por que ele faz isso com meu coração? Ele gosta de deixá-lo animado ou algo assim? Isso porque ele nem sabe desses efeitos, imagina se soubesse...

– Não falemos mais sobre esse assunto... eu não estou a fim de ficar mais chateada.

– Tudo bem, se você diz... só que, você também percebeu que essa conversa foi muito parecida com uma que tivemos um tempo atrás?

Ele se mantinha atento ao trânsito e pouco olhava para meu lado, o que eu agradecia. Não estávamos num melhor momento ou lugar para discutir. E eu não gosto de discutir, isso me deixa com dor de cabeça. Assim encosto minha cabeça no apoio do banco e fecho os olhos para relaxar.

– Muito irônica, na verdade. O mesmo argumento que uso para falar de Djane você declarou em nome do meu irmão. Ou somos muito vítimas ou a razão se perdeu entre nós há muito tempo.

– Talvez um pouco de cada.

– Isso que preocupa... o quanto de cada. Realmente estamos quites, pois o que eu não entendo, você entende e vice-versa. Ambos temos razões específicas para acreditar neles, sem propriamente poder discuti-las.

– Por que não?

– Porque não é nosso dever. Eles têm que falar por si mesmos.

Eu tinha todas as razões mais uma vez, bem ali, prontas para serem ditas e não as podia dizer. Não poderia apenas tirar a rolha daquela garrafa de vinho e derramar as palavras que manchariam seu ser, eu tinha que esperar que Djane quebrasse primeiro antes de falar qualquer coisa. É angustiante ficar nessa espera, imagine para a própria que guarda tal história há anos!

– Tá, isso ficou estranho. Parecendo com meu tio falando coisa com coisa. Você sabe de alguma coisa e quer me contar?

Querer às vezes eu quero, sabendo que não conseguiria soltar uma palavra sequer. Que estoure logo! Nem eu aguento mais isso.

– Não... Mas olha, já estamos falando da mesma coisa de novo. De todo esse tempo você não me falou sobre o seu “Gol”.

– Parece que o universo não estava me deixando.

– Não brinque com o universo, Vini.

Porque eu sei, toda vez que falo do universo, ele me responde de alguma forma e nem sempre é algo agradável.


~;~


– Menina, onde você se meteu? Eu te liguei umas quinhentas vezes!

– Na verdade, Bruno, foram onze. As outras seis foram de Fabiano.

– Por que não nos ligou de volta?

– Eu... não dava pra... eu estava um pouco ocupada...

– Com o quê?

Viro para meus amigos:

– Gente, eu QUASE vi a luz.

– Que luz?

Mal entrei no pátio e Mariana, Bruno e Dani avançaram em mim fazendo todos, desesperados, perguntas de uma vez só. Temi ser o efeito Fabiano no couro deles. Ao falar da luz, ninguém parecia ter entendido o que eu tinha falado... até que Dani arregalou os olhos e começou a gaguejar:

– A-a-a luz? A-a-aquela luz que as pe-e-essoas dizem para não seguir quando sofrem algu-u-um acidente?

– Não exatamente essa luz...

– Ufa. Quer me matar do coração ou o quê? Já estava morrendo aqui.

– Desculpa, Dani. Gente, eu... fiquei presa num hospital...

– O QUÊ?

Os três fizeram um coro de surpresa e, se fosse outra situação, poderia até rir, mas não agora, principalmente quando ainda tinha que encontrar o diretor e me preparar para o que viria a seguir.

– Bem, não exatamente presa. É que naquela hora que saí pra almoçar no Center, uma... conhecida minha estava com uma amiga grávida por lá, e a mulher entrou em trabalho de parto ali mesmo, bem na escadaria do supermercado. Eu tive que ajudar, nem pensei em nada na hora além disso. Eu só fui ver as chamadas não atendidas quando fui sair da maternidade, aí passei em casa e vim pra cá.

– Bem que tinha algumas pessoas falando de uma mulher grávida tendo criança no meio do Center, mas achei que um boato qualquer ou brincadeira. A tua sorte é que Fabiano não vai poder te matar por isso, mas hoje ele tá matando por muito pouco. Pra você ver, eu que sou monitora dele, estou fugindo...

– Mas eu não posso ficar fugindo dele. Vou pegar os cookies dele na cantina e partir pra cova da fera. Foi muito bom conhecer e trabalhar com vocês. Até a próxima vida. Aproveitem o intervalo de vocês.

Eu falava isso na maior descontração, não poderia ter tanto medo dele assim. O que seria meia hora de sermão? Eu tinha feito a coisa certa, afinal. Ele teria que entender... e se num entendesse, azar, eu teria a consciência limpa. Ao chegar ao estacionamento da entrada, Vinícius mais uma vez desceu do carro quando achei que ele ia embora, queria porque queria me ajudar a argumentar caso Fabiano se alterasse comigo. Para ele era inaceitável eu levar bronca ou gritarem comigo por eu ter feito o que fiz essa tarde:

– Não, Vini, você não vai entrar e ponto final. Eu que tenho que resolver isso e só, não preciso de testemunhas ou ajuda de quem quer que seja. Eu tenho boas justificativas, não tenho? Pois pronto.

Ele rodeou o carro para subir a calçada que eu começava a caminhar para deixar ele pra trás, insistia em entrar no prédio e na sala do diretor. O que ele achava que eu era? Uma dama indefesa? Atualiza, meu amigo, século XXI.

– Mas Milena... eu...

– Sem “mas”.

– Por que não? Qual o problema?

Ele segurou minha mão para que eu parasse de andar rápido e pudesse virar para dar atenção a ele. Mas eu não tinha tempo. Era umas 17h30 e eu não podia mais me demorar para falar com o diretor e começar meu trabalho da noite. Não era apenas questão de nota que me levava, era compromisso, e isso eu sabia valorizar bem, já tinha falhado o bastante.

– Porque não, oras. É um problema que só eu posso resolver, e eu não gosto que as pessoas resolvam pra mim, afinal eu posso muito bem me virar sozinha, muito obrigada. Se você ir, só vai me deixar constrangida e chateada com você. É isso que você quer?

– Não.

– Então pronto.

Ele soltou minha mão e eu já ia virar pra seguir caminho, quando ele chamou-me mais uma vez, com um tom mais ameno e calmo. Eu sei que ele não queria brigar. Eu também não queria ter que gritar com ele.

– Lena?

– Oi?

– Pelo menos posso assistir às palestras? Não tenho o que fazer em casa agora.

A visão daquele bico digno de criança levada que sabe que não vai conseguir mais nada e ainda tenta se agarrar ao mínimo agrado me fez parar besta e risonha ali mesmo na calçada. Ainda mais como se ele estivesse sem-graça de me pedir isso, com as mãos nos bolsos da calça e aquele pezinho riscando o chão como se não quisesse nada.

Cadê minha vacina contra dengo de menino, cadê? Precisava de uma dose urgentemente! Anos e anos de prática com meu irmão, eu precisava resistir... Merda de paixonite que me puxava. Um simples “tudo bem” foi o gás para ele se contentar. Parecia criança mesmo, quando ganhava um balão pra se distrair. Era muito fofo. Ai, não acredito que ele está a esse ponto, destruindo minhas barreiras com um simples semblante meigo...

Então caminhamos até a entrada, que foi quando ele paralisou, bem de frente com a mureta, onde por vezes eu gostava de ficar sentada. Parecia que há mil anos eu estava ali esperando Djane vir me buscar e se desculpar comigo por ter gritado no dia que o Vinícius acordou... ou da vez que eu passei um momento off pensando na vida, e acabei mandando uma mensagem pra Filipe e toda uma outra confusão dali veio. Eu tinha minhas lembranças quase nostálgicas quanto àquela mureta, mas o Vinícius? Por que ele olhava tão fixamente para ela?

– Eu... sabe, eu não sei se vou conseguir entrar. Daquela vez que briguei com minha mãe aí, os seguranças me jogaram bem aqui depois que me bateram. Será que eles vão me reconhecer?

Senti um misto de preocupação e cuidado tão grande por me lembrar dessa parte em particular da história. Só no hospital que eu o vi machucado, que era por causa do acidente, e ainda sim me doía de vê-lo assim tão frágil. Era algo que me impulsionava a dizer que estava tudo bem, que ai daquele que tornasse a bater nele. Se pudesse tirar dele essa dor, eu tiraria... e o pior ainda nem chegou.

– Mesmo se eles reconhecerem, você tem a mim e a sua mãe aqui, além dos meus amigos que te conhecem do aniversário da Flávia. Eles não podem te barrar ou te machucar.

Com um suspiro de uma imagem longínqua que parecia povoar sua mente, ele me puxou e entramos no prédio. Como era um evento, estava aberto para muitos visitantes e ele pôde passar tranquilamente para o auditório, que ficava logo no começo, antes do pátio principal.

Munida de minha coragem, e dos cookies preferidos do diretor só pra todo caso, bato na porta do escritório dele em sinal de respeito e espero sua permissão para entrar.


~;~


– Cara, vocês não tinham nenhum outro CD melhor pra tocar não? Não querendo desprezar os clássicos, mas o clima tá meio morto por aqui...

– Lena? Mas... já? Você acabou de entrar na sala de Fabiano e ele...?

– Ele soube resumir a bronca em minutos que até fiquei embaralhada. Acho que fiquei surda de um ouvido. Só digo uma coisa, Dani, não o importune por nada nesse mundo. Seja o que for, não reclame... resolva.

Estava nos bastidores do auditório para terminar de aprontar tudo para as palestras que se seguiriam ali, como microfone, som, fiação, água mineral... coisas que devem ser checadas várias vezes para evitar incômodos futuros. Era pouco mais de 18h e a primeira palestra estava marcada para 18h45... o intervalo geral do evento estava no fim e os alunos começavam a entrar para se acomodarem. Bruno estava no meio do auditório colocando folhetos nas cadeiras da frente como reservas para alguns convidados da noite e eu ainda precisava ir para a sala dos professores checar os convidados, como o diretor me pedira.

Tinha que falar com Djane, mas ainda não a tinha visto e nem sabia se ia dar pra falar com ela. Só sei que o que ela fez era tudo que eu não queria que ela tivesse feito e se pudesse ou tivesse tido tempo, teria lhe pedido pessoalmente.

Quando Fabiano me permitiu entrar na sua sala, eu levava nas minhas costas os cookies que ele tanto adorava – que todos sabiam que era o fraco dele, até a própria gerente da lanchonete – pronta para que o viesse. Ele estava sentado na sua mesa observando algo no seu computador e, ligado no modo impaciente, indicou que eu sentasse. Antes mesmo de ele começar a falar, eu abri logo o bico, para mostrar coragem e sinceridade, pois sabia que com ele não valeria a pena enrolar:

– Mil desculpas, Fabiano, eu sei que prometi não me demorar e estou chegando agora. Sei que tenho o decepcionado um pouco com meu comportamento de ultimamente, mas tenho razões quanto a isso, contratempos, na verdade, que explicam minha conduta e eu posso dizê-los sem nenhum problema se assim o senhor quiser.

– Milena...

– Eu sei o quanto confia em mim e me sinto mal por não ter retornado suas ligações. Sinto por tê-lo deixado na mão assim sem mais nem menos e espero que esses eventuais acontecimentos não me deixem com uma má impressão, mesmo que interfiram na minha nota. Na realidade, por mais que tenha me dedicado a esse evento acadêmico, eu não me importo se merecer uma nota baixa por conta desses meus desaparecimentos, a experiência já está me valend...

– Milena, você pode parar com as explicações. Eu sei.

– Sabe o que, senhor?

– Sua supervisora me contou. Falou da vez passada, como você havia também se explicado para mim e também hoje à tarde, quando eu estava esperando por você. Djane me falou que você atendeu uma grávida no Center e eu ouvi as pessoas comentando. Não estou dizendo que gostei de ficar às escuras, tentei te ligar e isso me deixou muito furioso, por isso, quando acontecer algo assim, sejam lá as circunstâncias, avise-me antes que eu faça algo extremo.

Com o pacote de cookies aberto eu fingi pegar um como se já estivesse comendo e ele me acompanhou. Estava com cara de impaciente ainda, remexendo na papelada a sua frente como se procurasse por algo específico, preso nos seus pensamentos. Eu também estava... Como Djane soube? Só havia uma pessoa e essa em questão nem havia mencionado isso comigo. Era o tipo de coisa que me deixava indignada e eu já tinha discutido um pouco com Vinícius hoje, não queria ter que falar de novo. O mesmo para Djane, ela não poderia ter falado assim com Fabiano, não gosto quando as pessoas tomam minhas dores assim e tentam me defender... antes mesmo de eu realizar minha defesa. Fabiano encontrou bem rápido a folha que procurava e, pegando mais um cookie do pacote, ditou minha tarefa.

– Então faça o seguinte. O que eu ia lhe pedir mais cedo era que cuidasse da sala dos professores onde se encontram os convidados da noite e palestrantes do evento. Na sua ausência pedi para a Lídia, minha outra monitora, que os servissem e estivesse de prontidão para qualquer necessidade deles. Contudo, o meu real pedido era para observar a sala, pois estando o reitor lá, eu queria saber se ele quer promover um secretário de departamentos e se ele tem alguma figura específica para isso... eu sei, parece espionagem, mas era em você que eu sabia que podia confiar em manter isso em segredo. Então para as próximas noites, eu quero você lá, para o caso dele comentar.

Ele apontou pra mim e parecia ter finalizado nossa conversa. Eu queria muito ver minha cara de surpresa. Sério. Ou eu transparecia muita confiança para as pessoas ou eu tinha cara de trambiqueira. Torcia para ser a primeira opção, inevitavelmente lembrando a minha última trambicagem – foi só uma e só ela consegue fazer um estrago. Mas ele não tinha terminado a conversa, não, eu que continuava imóvel.

– E outra. Não comente por aí que eu peguei leve com você só porque confio em sua pessoa, pois sabe como as pessoas podem querer tirar vantagem. Não se preocupe com nota também, cada um vai passar por uma avaliação feita por mim com auxílio dos professores responsáveis, então se você tem se mexido em atividades, eu vou saber. Agora pode ir.

Tudo estava nos trinques. Dani foi chamar os palestrantes do dia na sala dos professores e eu fiquei nos bastidores para fazer a apresentação deles. Bruno logo apareceu lá atrás com uns panfletos.

– Hey, como foi com Fabiano?

– Ele resumiu bem sua ira, afinal, quem tem tempo hoje em dia para brigar com os outros? Mas é aconselhável não topar com ele, melhor evitar... Me diz uma coisa, você viu Djane?

– Tava na sala dos professores na última vez que a vi. Dani foi chamar os palestrantes?

– Foi. O senhor Caio vai ser o último, pra fechar esse primeiro dia. Carvalho vai fazer a entrada, junto com Djane. Estava pensando em assistir... então vou ficar nos bastidores, você pode ficar na porta do auditório com Dani, recebendo o público.

– Por mim tudo bem. Pensei que você ia ficar lá com os alunos... vi Vinícius numa poltrona. Se não fosse Flávia, acho que ele dormiria com essa trilha sonora que o diretor mandou colocar antes de começar.

– Ah, foi ele que mandou? Eu já ia pedir pra Dani ligar na rádio, porque olha, isso tá muito morto mesmo... E, pensando bem, acho que isso me deu uma ideia. Mas por hoje não vai dar tempo de ajeitar, amanhã eu coloco em prática. Me lembra de te falar.

– Tá. Vou lá pra portaria ficar abrindo a porta para as pessoas. Grande trabalho o meu, hein. Não poderia querer nada melhor.

– Eu sei, ainda mais na companhia de quem? Depois quero saber os babados.

– Mulheres, sempre interessadas nisso.

Ele balança a cabeça em negação como se ele não se enquadrasse no caso. Queria me enganar... eu sei que ele adora uma fofoca. Logo os professores chegam e vão pegando seus lugares reservados na primeira fila do auditório. Quando Djane aparece eu já estou mais calma, mesmo não podendo conversar com ela, então só dou um toque:

– Professora?

– Sim, Milena?

– Er... depois das palestras, será que a gente pode conversar um pouco? Vai ser rápido, eu garanto.

– Algum problema? É por isso que vi meu filho no auditório?

– Hã, tem a ver um pouco indiretamente. Mas nada pra se preocupar agora.

Professor Carvalho, Djane e Caio estavam no ponto e eu com o microfone na mão pra anunciá-los... sei que é besteira, sentir aquele friozinho na barriga, o amargo do chocolate pelos cookies que havia comido na língua num enjoo por falar em público. E eu já tinha me apresentado antes, cantei num microfone aberto, mas parece que num tinha jeito. Microfones me deixam com as mãos suadas, respirando forte e ansiosa. Eu consigo, eu consigo, eu... consigo? Eu consigo.

Sob os olhares de estranheza dos professores respiro fundo e me jogo no palco onde uma mesa foi posta para os palestrantes da noite, mentalizando o mantra “não gagueja, isso não é nada, não gagueja, isso não é nada”. Com um “boa noite” meio arrastado e o coração sentindo o peso dos olhares dos alunos, engulo em seco antes de chamar os professores e apresentar a temática da noite, além de fazer um breve comentário sobre o evento em geral. Volto para os bastidores para respirar melhor e fico por lá, pois o plantão da palestra hoje era meu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E não é fácil mesmo cuidar de um evento universitário desses. Parece que não acaba e... também não acabou pra Milena. Mas calmem que boas novas podem vir ;)
Né, universo?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.