Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 34
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Um pouco de "murilismo" e...
Eita, coração!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/397313/chapter/34

– Eu devia ser pago por prestar esses serviços.

Bruno resmunga pela... milésima quinquagésima vez?! Perdi as contas faz um tempo. Queria poder beliscá-lo, mas seria um pouco injusto sendo que estou o usando de apoio. O convidado especial do evento está terminando de pegar suas bagagens pra chegar ao saguão onde estamos o esperando com uma plaquinha com seu nome escrito. Sempre me imaginei ser uma dessas pessoas que leva plaquinhas de identificação para o aeroporto e com uma bendita sorte eu encontrava outra pessoa com o mesmo nome e dali viria uma história de filme. Sendo eu desprovida de sorte, seguro o nome de Caio Lima Monteiro, mais conhecido como “Caio-em-cima-do-dinheiro” por causa de seu trabalho empresarial que sabe conquistar o mercado. Fiz uma pesquisa antes de sair de casa, claro. As pessoas saíam pela porta de desembarque e as famílias se reencontravam. Nem isso animava meu amigo reclamão.

– Você reclama demais, garoto.

– Não, Lena, me diz que você não concorda com isso.

– Claro que não, tô quase apelando para o energético pra me manter acordada mais tempo. Que esse evento passe logo, senão eu vou ficar careca só de estresse. Me diz se você também não anda com queda de cabelo?

Falava relativamente baixo só para Bruno ouvir, não queria que todo mundo ali na espera ouvisse sobre minha vida particular, principalmente se eu estava começando a ficar careca. Assim, olho de rabo de olho pra garantir que ninguém fique perto demais. Bruno está irredutível hoje, desde a hora que o encontrei para vir ao aeroporto. Já bufou e mudou de posição de espera umas mil vezes. Me pergunto se é só chateação por estar esperando o convidado mesmo, esperando achar um bom momento de perguntar isso sem que ele me olhe feio.

– Não ainda, deixa chegar domingo. Além de me preparar e organizar esse troço, tenho que estudar pra prova que vai ter quinta-feira. Mal vou ter tempo de estudar. Sorte a sua que fez prova logo hoje, bem antes do evento.

Havia ficado apenas pelo primeiro horário na faculdade, por causa dessa prova.

– Nem tanta sorte assim, olha meu estado de espírito... e físico. E ainda tem “expediente” amanhã cedo... Quero que chegue logo essa merda de segunda-feira, que chegue logo a quarta-feira à noite para que eu possa dizer a mim mesma “enfim um descanso, acabou”. Eu ainda tenho uma prova de Economia, mas é na semana seguinte do evento.

– É, acaba pra você, né? Você sofre agora, eu sofro agora e depois, não vou ter muito tempo pra estudar... Mereço resmungar. E não é só a faculdade que anda me esgotando, tem meu serviço também. Pedi uma semana de dispensa descontando das minhas férias pra não virar um perfeito zumbi. Tô sendo descontado por isso. Impressão minha ou esse cara tá demorando demais?

Olho para as pessoas que chegaram no voo que estávamos esperando indo embora e nada do cara aparecer. Deve ter alguma coisa errada mesmo. Me inclino na direção da porta pra ver se vejo algo ou alguém e nada... Ficamos apenas os dois de palhaços na porta com a placa. A cara do Bruno continua nada boa.

– É só isso ou tem algo realmente te incomodando?

– O que você quer dizer?

Lembro instantaneamente do que o irmãozinho da Natália me falou no outro dia que tombei com ele na loja, que ela voltará para o aniversário dela dentre algumas semanas. Será que ela entrou em contato com ele, convidando-o? Mas por que ele ficaria chateado com isso? Eles deram um ponto final na relação deles e tudo correu bem. Receosa, jogo logo uma pergunta pra não fazer rodeios. Acho que ele não está no melhor espírito para enrolações.

– É por causa da Natália que está voltando? Ela falou com você?

– O quê? Como assim? Que história é essa?

É, acho que pela cara que ele faz e a voz elevada que chama a atenção dos funcionários um pouco próximos de nós que eu vi levantar a cabeça na nossa direção comprova que ele não estava sabendo disso. Será que estraguei a surpresa? Ops.

– Meus jovens, desculpem a demora, mas aconteceu um acidente com minha mala e estava tentando resolver.

O convidado chega para nós num passo de gato, daqueles silenciosos que não nos dão aviso e como uma aparição misteriosa, se materializa a nossa frente. Veio numa boa hora, acredito que Bruno fosse capaz de me chacoalhar por respostas por aqui mesmo se necessário. Ironicamente, o convidado, seu Caio, é careca. Nada contra, longe de mim, olhei apenas umas fotos de quando ele ainda tinha cabelo, ele já não era tão novinho assim, só que isso não deixava de ser irônico, porque eu me sentia ficando careca a cada vez que levantava da cama e percebia vários fios deixados no meu travesseiro. Isso sim é preocupante. Preciso urgentemente de vitaminas. E um energético, por favor, bem geladinho.

Abaixo a placa e cumprimento o convidado em clara recepção e Bruno faz o mesmo. Pelo menos ele está sendo gentil. Ele não fica com cara de gentil quando o senhor relata seu problema e faz um pedido:

– Acreditam que a mala de uma passageira abriu e, carregada de produtos como óleos, hidratantes e shampoo caiu sobre parte da minha mala? Tenho que ir a algum shopping para comprar umas roupas pra compensar isso rápido, a empresa não vai resolver isso tão cedo como gostaria. Então poderíamos passar lá rapidinho antes de ir para o hotel?

O Bruno não gostou nadinha, entretanto, suspirou com força pra ser gentil com o homem. Na mente dele eu imaginava que se passava um mantra poderoso que soube controlar a aparição da veia nervosa de sua testa. Tem horas que o ofício vem primeiro que o cansaço e quando isso acontece, a coisa não é nada legal. Mas, o que fazer, né?



~;~



Seu Caio finalmente estava na fila do caixa pagando as compras. Ele me fez ficar na porta do provador masculino avaliando suas escolhas. Se não estivesse tão cansada teria dado melhores conselhos e até participado mais. Nos intervalos de troca e prova de roupa, eu sentava num banquinho da loja e me dava minutinhos pra fechar os olhos e descansar a vista. Bruno se recolheu na entrada da loja fingindo estar numa ligação para evitar ficar de cara emburrada com o homem.

Não iria pegar nada bem, então o deixei ficar no banquinho em frente à loja. Pensei que ele fosse aproveitar esse pequeno momento pra me bombardear com a história da Natália. Ele realmente devia estar cansado, pois nem puxou conversa comigo. Talvez seja por causa da presença do seu Caio no carro, então logo que este nos agradece a companhia e entra no hotel, espero que Bruno se manifeste. E ele não demora.

– Então, voltando a conversa, que história é aquela da Natália? E como você está sabendo disso?

– Hã... eu soube por acaso. Quando eu tava comprando o presente da Flávia, encontrei o irmãozinho dela lá e ele me contou.

– E por que não me disse antes?

– Sei lá. Vai que ela ia querer fazer uma surpresa ou algo do tipo. Eu só perguntei agora porque você realmente estava chateado, e me perguntei se era sobre isso, apesar de duvidar que fosse algo assim. Quer dizer, por que você ficaria chateado com isso, né?

– Eu não falo com Natália desde aquele dia e não estou sabendo de nada. Não ficaria chateado por isso, eu que ando aperreado com essa monitoria e tem as provas depois... isso deixa um cara bolado. Só vocês mesmo pra salvar a noite, senão eu já tinha feito besteira. Onde já se viu? Ficamos de perfeitas babás! Tivemos que levá-lo ao shopping! Isso não é de se indignar?

– Olha, se não tivesse o caco, eu até riria. Não era você que estava avaliando as camisas do cara. Mas, sabe, ele é um cara legal. Nós só precisamos de descanso pra poder aproveitar isso.

– Aquela noite do aniversário foi há alguns dias e parece agora uma eternidade. Falando nisso, quem era aquele cara que vocês estavam conversando no final da noite? Na hora que eu tava indo no banheiro, só ouvi um grito maluco da Dani e olhei pra trás.

– Ah, ela não te contou? Essa você não vai acreditar. Se lembra do cara que eu falei que topei numa loja, que ele me conhecia das cantorias do ônibus? Pois é, era ele. Parece que era aniversário da irmã dele ou algo assim, e como ele teve que trabalhar até tarde, aí só deu pra aparecer no final. Ainda bem que fizemos reservas, porque era por isso que o estabelecimento estava cheio daquele jeito. Mas aí, sabe como a Dani é meio espalhafatosa...

– Só “meio”, né?

– Pois é, agora o cara tem duas fotos nossas. Pra Dani, ah, ela mais que ganhou o dia. Mas quem curtiu mesmo foi a aniversariante. Se não fosse por mim e pelo Vinícius que ia dar carona pra ela, era capaz de ela voltar com esse cara aí, de tanto que eles ficaram conversando. Tava maior climão entre eles.

Acho que pela primeira vez em toda a noite, Bruno se deixa levar pela risada. Pelo menos não ia dormir emburrado. Os bocejos já tinham nos dominado, só precisávamos urgentemente se jogar na cama. Ainda assim, desperto de volta quando Bruno me deixa com uma pulga atrás da orelha por causa de um comentário.

– E o que Flávia disse a respeito depois?

– Ela gostou do cara. Também, né? Quem não iria gostar?

– Aquele seu amigo, Vinícius, por exemplo.

– O que você quer dizer com isso?

– Eu? Nada.

– Hum.



~;~



Finalmente chego em casa depois de mais uma jornada na faculdade. O cheirinho do almoço atravessa minhas narinas desde a hora que piso em casa. Me sentia sendo levada por ele como nos desenhos animados, flutuando de fome. Hoje trabalhamos bastante para deixar quase tudo no ponto pra segunda-feira, estava mais disposta quando acordei cedo essa manhã. Ainda bem que no dia eu só trabalharei com as palestras, no horário da noite. Só não na segunda, porque ainda tem que preparar algumas coisas antes de tudo começar, como as salas, o atendimento, o auditório, os suprimentos e outras coisas lá. Bruno agradeceu tanto por isso, que acho que Djane ficou sem graça. Ela me convidou pra almoçar na sua casa, mas eu queria vir na minha mesmo descansar um pouquinho.

Encontro dona Bia mexendo numa panela na cozinha e ela me cumprimenta. Digo o quão cheiroso está tudo e que o que me separa daquele almoço é o banho. Quando vou caminhar para o banho, ela me para com uma voz preocupada:

– Menina Milena, melhor dar uma olhada no seu irmão.

– Como assim? Ele tá mal?

– Mais ou menos. Não o viu na sala? Ele nem parece se mexer, parece bem tristinho. Eu tentei falar com ele algumas vezes essa manhã, mas ele não falava direito.

– Estranho. Eu passei direto pra cozinha que nem o vi. Obrigada, dona Bia. Eu vou lá vê como a peste está.

Metade da mesa da copa está posta com parte do almoço. Como a fome estava me consumindo e o cheiro me chamando, dei uma beliscada na torta de frango. Esfumaçava ainda, queimou um pouco minha língua e não liguei pra isso. Dona Bia numa pose com uma mão na cintura fez cara feia pra mim e me empurrou pra ver meu irmão. Eu estava com fome, oras. Consegui pelo menos roubar uma banana da geladeira pra forrar o buraco da minha barriga.

Chegando na sala que eu vi que a TV estava ligada num canal qualquer, meio baixo de volume. Vi meu irmão esparramado no sofá abraçado a uma almofada e o olhar baixo sem foco. Parece sério mesmo, pois paro quase ao seu lado e ele nem me percebe. Não fala nada e não se mexe. Acho que se eu ficasse na sua frente da TV era capaz de ele também não perceber. Tem algo muito errado nisso.

– Murilo?

– ...

– Murilo?

– ...

Me abaixo, com os joelhos de encontro ao chão pra ficar no seu nível. Só então ele me percebe e solta um “oi” baixo. Não tinha cara de cansado, era outra coisa. Também me deixa preocupada. Por isso sento ao seu lado na ponta do sofá e ele logo apoia a cabeça no meu colo num suspiro longo.

– O que foi, maninho? Qual o problema?

– Eu fiz besteira.

– Quando você não faz?

Uso um tom de voz descontraído pra ver se anima mais o coitado e nem assim ele melhora, continua na mesma posição e com o mesmo tom baixo. Não lembro de tê-lo visto assim alguma vez. O que pode ser que tenha feito que fizesse tanto estrago? Sem uma resposta, tento novamente.

– O que você fez? Quer falar?

– Bom, acho melhor falar logo, né? Assim você não fica no meu pé...

– Olha quem fala. Mas não enrola, fala logo.

– Eu... eu armei uma vingança dos caras lá do trabalho, por causa daquela história do mural da vergonha. Só que deu errado, muito errado. Tão errado que posso levar uma suspensão ou algo assim...

– Tu tá ficando maluco ou o quê, Murilo? Como que... Você não...?

Eu não conseguia imaginar o que ele tinha feito. Nem conseguia completar as questões que queria perguntar a ele. Lembrei logo das fotos que eu encontrei no tal pen-drive dele no outro dia. Caramba, foi tão horrível assim pra caso dele levar suspensão?

– Eu sei, eu sei. Eu tinha todo um material pronto já, então soltei ontem. Ia ter uma reunião só com as pessoas do nosso departamento, com os caras lá do meu setor que me colocaram no mural da vergonha, então alterei uns slides. Entre alguns da apresentação de relatório eu coloquei umas fotos, com legendas e tudo mais. Era brincadeira. Só que... eu não pude ficar até o final dessa apresentação, me chamaram pra ordenar um caso lá que estávamos verificando faz uns dias e tive que sair da sala. Fiquei pensando “putz, vou perder o final”. Não podia dispensar, senão eles iam perceber que tinha algo errado. Quando tava no corredor, de surpresa a diretora apareceu e decidiu ficar por lá observando a reunião. Eu... eu gelei nessa hora.

– Ai-meu-DEUS! Murilo, seu... seu...

– Isso nem é o pior.

– Tem mais? O quê?

Eu estava a ponto de puxar ele pelo cabelo pra ver se a dor lhe trazia ao mundo real. Seria maldade, eu sei, ele já estava mal, mas vontade não me faltou. Merecia apanhar pela besteira que fez. Ainda bem que se arrepende, sinto isso pelo tom morto que ele descreve as coisas, ao enterrar sua cara na almofada que abraçava. Bato de leve com a banana na testa dele pra expressar a burrice dele e ele não reclama. Isso me deixa mais em alerta.

– Eu tive que seguir meu caminho pra verificar o outro caso. Fui me remoendo mesmo, não podia mais voltar e consertar, ia dar muito na vista, tive que deixar acontecer. Numa dessas fotos selecionadas estava uma minha também, pra desviar minha culpa no cartório, sabe? Quando voltei lá pra sala de reuniões, logo vi a diretora reclamando da falta de profissionalismo, de respeito e tal... Eu olhei pro meu amigo do lado que tava me acompanhando no outro caso, com cara de interrogação, mas sabia muito bem o que tinha acontecido. E então...

Estava tão curiosa de saber a história que acho que até a fome tinha amenizado. Eu já mordia a banana com curiosidade do que ele estava pra contar. Será que ele vai levar suspensão? Ou pior, perder o emprego por justa-causa? Putz! Imagine o que papai vai dizer disso...

– Então...?

– A diretora quer saber quem foi. Deixou sua assistente a cargo de descobrir isso. Logo que foi embora, a assistente dela, Aline, determinou que seria melhor a pessoa se entregar de vez, o que reduziria a punição. Deu um prazo de até segunda.

– E você vai lá falar com ela segunda, né?

– Eu... e-eu não sei.

Murilo fica bem sem-jeito, o que não combina em nada com meu irmão, conhecendo-o bem como conheço. Ainda mais gaguejando assim.

– Por que não?

– Porque... porque eu gosto dela, tá? Pronto, falei. Eu não quero que ela me veja como um babaca idiota que fez essa brincadeira. A diretora também ficou no pé dela, o que me deixa mais mal ainda. Sinceramente não sei o que fazer, de todos os jeitos que pensei em resolver eu me ferro.

– Quer saber o que eu acho?

– Eu sei o que você acha. Sou muito idiota mesmo.

– Também, talvez mais do que eu pensava depois dessa. Eu acho que você deveria ir na segunda e assumir.

Essa foi a única hora que ele olhou pra mim durante toda a conversa, de expressão que não sei identificar bem. Ele até levanta do meu colo e senta direito no sofá.

– Agora é você que tá doida, né? Não ouviu? Eu vou me ferrar!

– Você mesmo disse, que não importa o que você faça, você está ferrado do mesmo jeito. E melhor se entregar logo antes que descubram por eles mesmos. Se você chegar lá e falar a verdade, além da punição diminuir, vai mostrar quão forte e verdadeiro você consegue ser. Só foi uma brincadeira de mau gosto munida de tua burrice. A Aline pode ficar até com raiva de ti, mas logo deve passar, ela poderá ver que você foi íntegro de se entregar. É uma perda para um ganho maior.

– Faz um pouco de sentido. Não gosto quando você parece mais sensata que eu, só que dessa vez... é, acho que passei dos limites. Eu vou pensar a respeito. Valeu, maninha.

– De nada.

Me abraça carinhosamente e segue andando acho que para a cozinha. Ô bendito, nem me espera. Ainda tinha que tomar meu banho pra me refrescar, mas antes disso queria saber de uma coisa, antes dele chegar a cozinha lhe chamo:

– Murilo?

– Oi?

– Você gosta mesmo dessa Aline?

– Er... go-gosto. Por quê?

– Nada não. Vou tomar meu banho.

Com a banana dançando na minha barriga, deixo a casca num lixeiro da sala e caminho para meu quarto feliz. Ainda bem que não “tive” tempo pra juntar meu irmão com a Daniela, isso só traria mais confusão e exigiria uma perda de tempo. Eles acabaram achando outras pessoas. Quando estou de toalha indo para o banheiro, meu irmão me grita:

– Hey, MILENA?

– EU?

– Você vai na casa do Vinícius agora de tarde?

– Num sei. Djane tinha me convidado pra almoçar lá, mas vim pra casa mesmo. Ainda não falei com Vinícius.

– Eu tava pensando em levar uns games pra poder jogar um pouco. Sei lá, pra se distrair um pouco. Então depois você liga pra vê isso aí.

– Te aviso.

Entro no banheiro e meu celular toca, zumbido de mensagem. Parece que ninguém quer me deixar tomar banho hoje, nem me deixar comer. Volto à cama pra ver o que tinha chegado, no visor dizia “Vinícius”. Por antecipação aperto logo pra visualizar. Ele dizia “Escapou do almoço. Vou ter que ir aí te buscar, é? Olha, já sei onde mora...”. A presunção dele me tira um riso leve, parecia que ele tinha ouvido o Murilo falar ainda pouco, lá de onde ele estava. Deixo o celular jogado na cama e volto ao banheiro, depois o respondo. Queria deixar ele na expectativa, ele merecia um pouquinho. Além do mais, minha fome falava mais alto.



~;~



Ganhei de lavada duas vezes dos dois marmanjos num jogo de corrida que meu irmão tinha levado. E olha que eu não jogava há tempos! Vinícius disse que era o principiante, e Murilo, era o enferrujado. Meras desculpas. Estava tão feliz que puxei dona Ana pra uma tosca dancinha da vitória na sala quando ela apareceu com uma bandeja de lanches. Murilo roubou o controle das minhas mãos e disse que ia jogar mais uma rodada então com Vinícius, pra depois me ganhar. Meninos e seus problemas de ego, ele sempre têm que provar algo.

Deixo-os jogando e vou para a mesa. Não demora muito e Vinícius ganha. Um Murilo derrotado se senta à mesa pra disfarçar o fracasso. É capaz de ele culpar o fato da sua preocupação com a segunda-feira e seu trabalho por estar jogando tão mal. Eu não acreditaria, eu também estou cheio de compromissos pra segunda, finalmente o evento que planejamos lá no departamento vai sair, e nem por isso eu joguei mal. Então para ele não ficar resmungando sua perda, puxo outro papo ao pegar meu sanduíche:

– Eu trouxe algumas fotos do aniversário da Flávia, se vocês quiserem ver.

– Ah, sim, maninha. Nem me mostrou, né? Pior, nem me chamou! Poxa, eu devia postar aquele teu vídeo só por essa graça.

– Que vídeo?

Vinícius pergunta. Miro meu irmão com olhos semicerrados por ele ter mencionado o caso. Pena que ele tinha sentado um pouco longe de mim, senão tinha o chutado por debaixo. Estávamos cada um numa ponta da mesa no sentido norte-sul e Vinícius preferiu ficar a minha frente. Ai do meu irmão se falar sobre o vídeo, ai dele! Principalmente porque a vitória é minha, eu apaguei o vídeo do pen-drive dele e acho que ele ainda não percebeu. E ainda tenho o vídeo de segurança dele, que copiei pra três CDs e dois deles estão nas mãos de Flávia e Daniela. Ainda penso em quem deixar o terceiro CD, por isso o mantenho na bolsa. Murilo já tá ferrado no trabalho por tentar se vingar dos colegas, melhor ele pensar bem no que anda fazendo.

– Nada não, esse aí gosta de enganar as pessoas, sabe? Querido irmão, te digo logo, isso pega muito mal... Não o chamei porque era coisa da turma, além do mais o sinal de telefonia estava péssimo, o Vinícius está de testemunha, e eu não sabia se ia dar certo a surpresa. Vini também pode provar isso.

– Mas ele foi.

– Obra do acaso. Se você fosse gentil como ele no dia, de me oferecer uma carona de volta, você teria tido a chance de ir. Foi tããããão legal...

– Hum. Então cadê essas fotos aí? Deixa eu ver essa história, porque ainda não acredito que você subiu no palco.

– Viu a pouca credibilidade que ele me dá? Depois quando faz as besteiras dele, quer colo meu.

Dou uma olha significativa pro meu irmão, do mesmo jeito que ele fez falando do vídeo eu aludi pra ver se ele toma jeito do que fala. Sei que num adianta muita coisa, mas não custa tentar. Percebo Vinícius olhando de mim para meu irmão, perdido. Ah se ele soubesse...

– E só por causa disso não vou mostrar as fotos agora. Vou vencer vocês de novo. Quem aceita meu desafio?

– Tá se achando porque ganhou, né, maninha? Pois bem, aquilo foi só aquecimento. Pode mandar bala que eu quero ver dessa vez.

Terminamos o lanche rapidamente e partimos para outra rodada. Por um triz, Murilo quase ganhou de mim. Não comemorei o quanto eu queria, o bico zangado dele era vitória suficiente para mim. Além do mais o cansaço começava a bater, então deixei Vinícius tomar meu lugar e jogar também.

Foi nessa que eles começaram a jogar, eu sentei do lado do Vini torcendo por ele. Aos poucos o sono chegou para uma visitinha e eu pisquei várias vezes tentando não me deixar ser levada por esse visitante, era tão difícil manter os olhos abertos. Deito a cabeça no encosto do sofá ouvindo os dois brigando pelo primeiro lugar na corrida, parece que Murilo batia no carro de Vini e este tentava cortar caminho por alguns campos, sei lá. As coisas soavam meio longe, mas eu ainda ouvia.

Sentia meu corpo mole agradecer pelo sofá macio, deixando a tensão aliviar e... parecia tão confortável que minha cabeça tombou pro lado e um perfume subiu. Eu tinha alcançado algo duro, não sabia o que era, lutava pra abrir os olhos e ver o que era, mas na altura do campeonato, já não tinha controle sobre minha letargia.

Ouvi então uma voz muito próxima. Era de Vinícius, chamando pelo meu irmão que pareceu não ter dado bola. Será que foi nele que me encostei? Não tinha mais forças pra lutar contra o sono que me pegou, eu tinha que me entregar e só. Logo depois ouvi a voz do meu irmão, parecia que comemorava algo e foi interrompido. Dona Ana, sim, ela apareceu e acho que ficou bem próxima a mim, pois ouvi dela uma reclamação por mim ao dizer “Olha quem dormiu e vocês fazendo zoada...”. Quis ter forças pra rir e nada, nem um esboço, pude rir só em mente mesmo.

Eles realmente acreditam que estou no mundo do inconsciente. Eu só estou muito cansada, isso sim. Dias assim como os de ultimamente eu não podia me deixar encostar em nada que dava nisso e... é muito difícil não se deixar levar, meus músculos relaxavam sem eu mesma controlar. Me mantive por tempos em pé, falando, andando, pra não dar brecha. Dessa vez, não sei, eu precisava de uns minutinhos pra recarregar minha bateria. Sinto Vini se mexer debaixo de mim no sofá – era nele mesmo que eu estava encostada – seguido de um carinho nos meus cabelos. Logo ele fala para meu irmão:

– Acho melhor levá-la ao quarto de hóspedes. Eu vou carregá-la.

– Não, deixa que eu faço. Sou o irmão dela, se ela dá trabalho, eu resolvo.

Mentalmente eu queria bater nele. Se ele se ofereceu pra me carregar, deixa, oras! Não se mete, Murilo! Consigo me mexer um pouco me virando um pouco e vou de encontro ao braço do sofá. Muito inteligente eu, virei para o lado errado.

– Não, tudo bem, eu vou. Fica aí, arruma o videogame que... que eu já volto.

Como um golpe de surpresa, ele me pega com facilidade nos braços e me levanta. Minha cabeça pende um pouco no começo até que dá de encontro com ele e acha conforto. Meu coração dispara num segundo e mesmo mole, tento controlar minha respiração pra continuar regular. Inspira, expira, devagar, Milena. Acho que seu perfume vai grudar em mim assim.

Seus passos lentos me embalam de vez. O sono ficava cada vez mais gostoso também. Estava a um passo de entrar na inconsciência talvez, não queria me deixar levar, pois queria aproveitar um pouco “dele”. Masoquismo, eu sei. Meu corpo encontra uma cama e ele me deita, ajeitando meus braços e pernas para não ficar numa posição desconfortável acho. Até puxou meu vestido para baixo. Estava mais pra lá do que pra cá, ainda assim não deixei de ficar alerta. Uma mão sua passa por meu rosto, mexe no meu cabelo e ajeita o travesseiro embaixo da minha cabeça.

– Tão... linda.

Foi um murmuro que me mostrou sua proximidade. Um arrepio subiu da coluna até o pescoço. Se pudesse, engolia a seco. Eu não poderia abrir os olhos agora, mesmo se a letargia me desse essa passagem. Principalmente quando ele encosta sua testa no meu queixo e respira fundo. Meu medo maior é que ele perceba meus batimentos cardíacos tão perto assim. Qualquer movimento meu que me entregasse estragaria o momento.

O silêncio no quarto era claro. Tendo ele encostado em mim a vontade era de puxá-lo mais a mim e saciar a vontade que tinha dele. Era algo quase inexplicável o efeito que ele fazia em mim. Por que tenho eu a consciência para não fazer besteiras? Por que sempre tenho que contar com a razão? Em meio a esse embaralho, ele começa a falar de novo. Se ele soubesse que não estava falando sozinho...

– Na primeira vez que te vi, estava tão perdido que lembro ter pensado em como eu a invejava. À distância, pareceu tão determinada que eu não me imaginava em voltar a ser assim algum dia. Pelo menos não tão cedo. Quando acordei no hospital, sabia que te conhecia de algum lugar, demorei um tempo pra me lembrar...

Ele me conhecia? De outro lugar? De onde? ONDE, SENHOR? Uma lembrança vaga de quando ele acordou e conversamos veio, me mostrando que ele tinha falado justamente isso, que me conhecia. Mas...? Sua respiração batia no meu pescoço me deixando mais inquieta. Se ele ia dizer mais uma coisa, que ele fosse logo ao fim. Merda, agora mesmo que não posso abrir os olhos. Mesmo ainda um pouco mole – não sabendo se era mesmo o sono me carregando ou por tê-lo tão assim em mim – a tensão do momento tinha me retesado. Ele alcança uma mão minha do lado do corpo sem desencostar sua testa do meu queixo e temo estar suando. Entrelaça nossos dedos e eu quase morro bem ali mesmo.

– Não acreditei que era você... quer dizer, quem diria? Bom, você não vai se lembrar disso tudo amanhã, né? Uma... pena.

Assim ele alcança minha testa deixando sua marca bem no meio com seus lábios, que passa para minha bochecha tão perto de outro lugar que me deixa numa luta interna tão louca de expectativa, para então calar-me os pensamentos e selar-me a boca com a sua num singelo encontro. Agora sim perdia as estribeiras. Foram... segundos sentindo-o naquele toque, maravilhoso, querendo tanto retribuir. Minimamente me mexi, não sei se ele sentiu. Quase, muito QUASE não retribuí com a vontade que tinha. Era como estar no papel de bela adormecida ao contrário. Isso sim é tortura!

Então ele me deixou. Quando abriu a porta para sair, abri meus olhos em mínimo e vi uma claridade vinda do corredor. Fechou e... agora com esse bombardeio no meu peito e uma mão onde seu selo me marcou, eu não via mais como dormir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Respirem.
Foi dose mesmo XD



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mantendo O Equilíbrio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.