Aquela dor me fez retornar a realidade e uma lágrima escorreu pelo meu rosto. “tudo bem, talvez mais tarde eu me lembre do resto” pensei. Examino meu antebraço, há uma queimadura profunda de uns 15 centímetros. Contorci o rosto está realmente feia. Fora isso muitos arranhões, queimaduras leves e espinhos.

 Reparo em minhas roupas, meu vestido branco está queimado, rasgado. Com manchas de sangue e de fuligem. Preciso me trocar. Porém minhas roupas, minha casa e meu distrito, tudo está reduzido às cinzas. Meus pais também.

 Minhas lembranças voltam mais uma vez.

 Mais tarde meu pai chegou e nós fomos tomar café da tarde. Uma mesa farta, comparada a outras do distrito. Meu pai e eu nos sentamos, minha mãe sempre recebia comida no quarto.

 Eu e meu pai nunca conversávamos durante as refeições, Mas nesse dia foi diferente.

 – Eu sei por que você nunca diz nada. – Ele disse, enquanto comia uma torrada.

 Limitei-me a tirar a atenção do meu prato, e olhar para ele.

 – É por que muitas pessoas passam fome nesse distrito e em toda Panem, coitadas, e você tem pena delas, filha. Acha que não dizer nada enquanto come, é um jeito de agradecer o que você tem.

 Olhei pra ele com raiva, e disse:

 – Eu não acho que sentir pena delas, vá ajudar a diminuir a fome e a miséria na qual elas vivem. Atitudes sim podem mudar alguma coisa, mas sentir pena é só um jeito de fazer sua consciência ficar limpa mesmo sem realmente se importar.

 Meu pai não disse mais nada. Quando terminei de comer, me levantei sem pedir licença e sai pela porta da frente. Como ele pode dizer aquilo? Sai correndo em direção à praça.

 Antes que eu percebesse, esbarrei em um garotinho que carregava roupas velhas e latas nos braços.

 – Cuidado moça!

 – Me desculpe. – eu disse, entregando a ele uma lata que caiu perto de meus pés.

 – Ei, você é a filha do prefeito, não é? Meu irmão fala de você.

 Me agachei para ficar do tamanho dele.

 – Fala? Quem é o seu irmão? – Perguntei.

 – Ah, o nome dele é Gale, e o meu é Rory.

 – Prazer te conhecer Rory, o meu é Madge.

 – Eu sei quem você é.

 Eu sorri.

 – Isso parece pesado, – Falei, apontando para o que ele carregava. – Quer ajuda?

 – Não, eu consigo sozinho. – Dava pra ver o esforço em seu rosto. – Tudo bem, talvez com essas latas.

 Ajudei Rory a levar as coisas para sua casa. Ele me apresentou à sua mãe, Hazelle Howthorne, ao seu irmão Vick, e sua irmã Posy.

 – Mamãe, eu contei que Gale fala dela.

 – Filho, que coisa feia.

 – Se servir de consolo – Me atrevi – Ele não disse o que Gale falou sobre mim. Eu já vou embora, foi muito bom conhecê-la Sra. Howthorne.

 – Igualmente Madge, volte quando puder.

Me despedi das crianças. Quando cheguei à porta, ela se abriu e ele apareceu.

 – Oi e até logo Gale. – Eu disse. Passei por baixo de seu braço que segurava a porta. Andei o mais rápido possível para longe dali. Não que eu tivesse medo de Gale ou coisa parecida, mas ultimamente vê-lo me dá calafrios.

 – Madge, espera! Madge Undersee!

Esperei, mas não olhei para trás. Ele parou na minha frente e disse:

– Eu nunca te agradeci pelos remédios que você levou quando eu fui... – Ele olhou para baixo e hesitou– Quando eu precisei.

 – Gale, eu só... só quero que ninguém se machuque. – Tentei continuar andando, mas ele se colocou em minha frente outra vez.

 – Você não quer ninguém se machuque? – Ele começou a falar mais baixo – Parece que a capital não tem esse lema.

 – Eu entendo...

 – Não, você não entende!

 – Minha tia morreu nos jogos.

 – E daí? As pessoas morrem de fome a cada dia que passa tudo por culpa dessa maldita capital.

 – Quem não entende é você – Pressionei meu dedo indicador contra seu peito. – Ser corajoso não te torna imortal.