O dia amanhecera ensolarado, Ciel acordou com o cheiro de comida de Miku. Lady Yuki estava ao lado de sua prima, lavando a louça e sorrindo, como em todas as manhãs. Grandes olheiras se formavam abaixo de seus olhos, perceptíveis para quem desviasse a atenção de seu sorriso.

   Seu dia passara como sempre, manhã de aulas, inicio de tarde educação física, e o resto de folga. Ciel não sabia como iria começar a conversa sobre a noite passada, mas sabia que tinha que dizer. Estavam na sala, Lady Yuki sentada nas pernas de Ciel no sofá, os dois vendo Televisão. Miku saíra com Ichirou. Foi então que o garoto tomou coragem:

   -Yuki...

   -Sim, Ciel?

   -Estive conversando ontem com Miku e...

   -Sobre o que conversaram? – Lady Yuki parecia apenas interessada, mas não estava ansiosa ou nervosa.

   -Ela me contou.

   -Te contou o que?

   -Sobre seu pai.

   Ciel aguardou a resposta de Lady Yuki, mas ao invés de ouvi-la dizer alguma coisa, a garota ficou ereta no sofá ao lado dele, olhando.

   -Ela te disse?

   -Sim.

   Para surpresa de Ciel, Lady Yuki começou a chorar, e se atirou em seu ombro. Chorou em silêncio, mas não segurou as lágrimas, deixando a camisa de Ciel molhada e quente. O humano não sabia o que fazer, preferindo deixá-la quieta, tirando todo seu peso das costas.

   -Não quero me casar... – Disse baixinho Lady Yuki, o suficiente para Ciel escutar.

   -Você precisa.

   -Para viver eternamente ao lado de quem não amo? Em um lugar onde jamais poderia haver lembranças ruins? Deixar a casa de papai repleta de solidão e tristeza? Como poderia fazer isso?

   -Mas aqui não é seu lar...

   -Aqui eu sou feliz. E lar é o que chamamos do lugar onde somos felizes. Já fui feliz lá, mas aquele tempo já passou. Não voltará mais, e se eu voltar para lá, serei infeliz.

   -Bobagem sua.

   -Acha bobagem te amar?

   -Acho bobagem deixar a casa de seu pai para viver uma vida como essa.

   -Essa é minha decisão.

   -Não é apenas sua, é minha também.

   -O que Miku te disse? – Lady Yuki entendera onde Ciel queria chegar.

   -Usagui me contou da corrente – Enquanto falava, Ciel passava lentamente a mão em seu próprio pulso, lembrando da sensação de estar “preso”.

   -Não fará isso, não é?

   -É para seu bem, Yuki.

   -Meu bem é do seu lado! – A garota começou a ficar desesperada.

   -Seu bem é no seu mundo.

   -MEU MUNDO É VOCÊ!

   -Yuki... não faça isso ficar pior... – Ciel não queria recuar.

   -Só ficará pior sem você!

   -Queria tanto ser uma Sombra – Repetiu sua queixa, desta vez para Lady Yuki.

   -Porque está fazendo isso? Não me ama? – A garota não conseguia se conter, suas lágrimas cada vez mais ferozes.

   -É justamente por que te amo que quero que você volte!

   -Eu não quero voltar!

   -Mas você deve voltar.

   -A dor... sem você será um inferno.

   -A questão não é esta. Eu sempre estarei com você, onde quer que esteja. Mas você precisa voltar e trabalhar no lugar de seu pai.

   -Não quero voltar... – Lady Yuki não achava mais as palavras.

   -Olhe, olhe, eu comprei quando fui pegar de volta meu caderno na sala que tinha esquecido. – Ciel tirava do bolso dois colares dourados, os dois juntos formando apenas um coração dourado. Ele era dividido ao meio, grande e pesado, com linhas finas e prateadas contornando quase todo o perímetro dele. – É para nos sentirmos mais próximos um do outro, e não nos sentirmos sozinhos nunca mais. – Disse isso e dividiu o coração, dando para Lady Yuki a metade e colocando em seu próprio pescoço a sua metade.

   A garota observou o meio coração que carregava em seus dedos finos. Estava quente, comparado de sua mão. Suas lágrimas o molharam.

   -Não... – Era só isso que Lady Yuki conseguia dizer.

   -Tudo vai ficar bem, eu prometo.

   -NÃO!!!!

   -Yuki, por favor...

   -Não, não Ciel, não! – Ela o envolveu em seus braços, não conseguindo suportar a separação. – Não faça, por favor, não me separe de você, não, não quero, eu preciso de você, CIEL!!

   -Yuki...

   -CIEL! Por favor, Ciel, eu te amo, me desculpa por tudo, eu te amo Ciel, não faça isso comigo, não me separe de você!

   -Yuki, não...

   -Ciel, Ciel, meu Ciel, meu único amor, não, eu preciso de você, eu vou morrer sem você, Ciel!

   -Por favor Yuki, não diga essas coisas – O garoto segurava o rosto da garota de madeixas cor-de-rosa em suas mãos, não suportando ver seu olhar cheio de dor.

   -Porque faz isso comigo, Ciel? Eu não me comportei? Eu fui mimada? Não te amei o suficiente? – Lágrimas molhavam os dedos do rapaz e queimavam seu coração.

   -Você me amou mais do que eu merecia, Yuki. – Nem ele segurava suas próprias lágrimas.

   -Então por quê?

   -Porque você merece coisa melhor que essa vida.

   -Nada é melhor do que estar ao seu lado.

   -Sua felicidade é a minha também, Yuki. – Ciel beijou a testa de sua amada, tentando agüentar a dor.

   -Minha felicidade é ao seu lado, Ciel.

   -Não Yuki, não.

   Em um abraço firme, Ciel absorveu o perfume de sua Sombra uma ultima vez, e, juntando fôlego, disse baixo, mas firme, as seguintes palavras:

   -Mostre-me nosso laço profundo. A corrente, presa em seu pulso e no pescoço de Lady Yuki, surgiu, aparentando estar mais brilhante que no dia anterior.

   Ciel olhou aquela aliança, o meio coração nas mãos da garota, e seu olhar, mostrando uma tristeza jamais vista em sua face.

   -Eu te amo, Yuki.

   -Ciel... – Mais uma vez, o garoto a envolveu em um abraço longo e profundo, juntando seus lábios nos dela, beijando-a como jamais beijou outra. Pois jamais se apaixonara tão intensamente por outra mulher. Aquela, Lady Yuki, a sua Yuki, mais do que sua Sombra, mais do que qualquer coisa. Ela era sua respiração, sua força, sua vida, sua existência dependia apenas daquelas madeixas cor-de-rosa, sua voz não seria entoada sem que houvesse uma Yuki para ouvi-la.

   -Que se quebre esta corrente, e que desta, surja felicidade para suas duas faces. O brilho se intensificou ao quebrar. Foi um barulho seco, como se um único pedaço de vidro fosse partido em dois. Meio segundo depois, os pedaços sumiram, deixando apenas os dois corpos livres. Ciel observou tudo, então sentiu o peso do corpo de Lady Yuki aumentar.

   -Yuki?

   A garota despencara em seu colo, e Ciel, apavorado, não entendia o por que.

   -Yuki? Yuki, acorde! Yuki!

   O desespero começando a tomar conta do garoto, Ciel se ajoelhou ao chão, colocando delicadamente o corpo de Lady Yuki esticado ao sofá.    Testando o pulso, viu que a garota continuava viva, mas estava desmaiada.

   Miku então apareceu da janela, e seguindo-a estava Usagui.

   -Porque ela desmaiou? – Ciel nem quis saber como descobriram o que tinha acontecido.

   -Porque você quebrou a corrente. – Usagui fez soar a pergunta como patética, mas Ciel não deu ouvidos.

   -Miku? – O garoto tentou arranjar a resposta com ela.

   -Você daqui a pouco vai desmaiar também. – Respondeu ela, mesmo que não fosse esta pergunta.

   -Porque?

   -Para esquecer. – Respondeu Usagui.

   -Esquecer??? – Ciel cada vez mais desesperado estava.

   -Claro. Você não verá mais Sombras, e vai esquecer que elas existem. Ao menos, é claro, que alguém te conte. – Usagui respondeu novamente.

   -E Yuki, vai esquecer também?

   -Sim. – Miku disse.

   -Porque não me disseram isso antes? – Ciel começara a se sentir tonto, sonolento. Sabia que o desmaio estava por vir.

   -Certos segredos do mundo das Sombras não devem ser contados no mundo dos Humanos.

   -Isso é injusto... – O garoto se esforçava para não cair ao lado de Lady Yuki.

   -Contaremos a Yuki sobre você. Estaremos sempre por aqui, já que pertencemos a Ichirou e Makino. Se ela quiser, pediremos aos dois humanos a contar para você. Já houve casos de humanos lembrando de suas sombras, mas é muito raro, pois a separação já é uma raridade. Fique bem, Ciel.

   Foi a ultima coisa que Ciel ouviu após cair com a cabeça ao lado de Lady Yuki.