The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 5
Capítulo 4 — Procurando




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/393331/chapter/5

Procurando

QUANDO CHEGUEI AOS ARREDORES DE TUCSON, já passava das nove horas da noite. Estava em silêncio. Todas as Almas confortáveis em suas casas. Estacionei o Troller num beco discreto e escondi as chaves usando um truque que meu pai me ensinara. Rastejei para baixo do Troller e fixei as chaves em uma das elevações perto da roda. Lola sacudiu o rabo quando reapareci de baixo do Troller.

 —Vamos, Lola. Humanos. —Repeti.

 Ela olhou para frente, um modo de assentir, e começou a caminhar lentamente, as patas tocando com cuidado no chão e o rosto baixo. Ela estava farejando.

 Segui-a tentando andar do mesmo modo que ela, com o máximo de silêncio.

 Lola caminhou alguns metros para fora do beco e parou. Quase cai por cima dela e me esquivei de seu rabo-baqueta. Ela ergueu as orelhas e olhou para a direita.

O hospital? Indagou Bruma.

Parece que sim.

O que os humanos estariam fazendo em um hospital?

Não sei.

Talvez Lola esteja errada.

Eu duvido.

Bruma fungou. Eu segui Lola, que agora andava quase saltitando em direção ao hospital.

Puxei-a com força para trás de uma cerca de madeira quando vi dois Curandeiros em seus jalecos na recepção. Eles conversavam animadamente. Mordi o lábio enquanto pensava o que fazer.

Corra para o beco, sugeriu Bruma.

Vou soltar Lola sobre eles.

São Curandeiros. Gritariam pelos enfermeiros e eles sedariam Lola. Péssima ideia.

 —Lola, senta.

 Ela obedeceu, as orelhas se ergueram esperando ordens.

—Lola, eu quero que peça carinho para eles. —Apontei os Curandeiros. —Carinho. Deitar e falar. —Repeti devagar. —Curandeiros. Vá.

Lola caminhou alegremente até os Curandeiros. Tentei observa-la o mais invisível possível. Lola se aproximou deles e deu latidos alegres, deitando no chão e rolando sob seus pés. Saí do meu esconderijo com cuidado. Os Curandeiros estavam distraídos com as gracinhas de Lola. Tentei caminhar normalmente até a lateral do hospital, longe da vista dos parasitas.

Eu odeio quando você fala assim, ralhou Bruma.

Certo, certo. Desculpe.

Apertei-me contra a parede azul clara do hospital e olhei ao redor. Ninguém. Assoviei baixinho, apenas para Lola escutar. Ouvi um latido em resposta. Lola passou correndo em direção à cerca onde eu estivera escondida.

Cachorra burra, reclamou Bruma.

Não mesmo.

Os Curandeiros deram alguns passos em sua direção, mas desistiram e voltaram a conversar. Lola reapareceu alguns minutos depois, correndo rápido demais para ser vista, mesmo que de relance, pelos parasitas.

Ela os despistou, disse Bruma, surpresa.

Minha menina.

Lola bateu com a cabeça na minha mão e lhe fiz carinho.

—Muito bem Lola. —Sussurrei. —Agora, aonde vamos? Humanos. —Repeti.

Ela reassumiu a pose de caçadora e ergueu as orelhas, enrijeceu o corpo e tremeu o focinho enquanto farejava o ar. Ela começou a andar lentamente até a parte de trás do hospital e eu a segui com cuidado.

Lola começou a correr certo ponto, e tive que me esforçar para acompanha-la. Fomos até os fundos do hospital, e Lola e eu paramos abruptamente. Sons. Vozes abafadas. Olhei em volta, mesmo no escuro, e via alguma coisa nos fundos do galpão anexo ao hospital. Estava a 50 metros de mim. Lola ameaçou uivar ­– indicando que tinha encontrado o que procurava – mas segurei seu focinho com as mãos.

 —Silêncio garota.

Ela obedeceu, sentando. Mandei-a ficar quieta e no lugar quando me agachava e me aproximava das figuras sorrateiras. Fiquei o mais próxima possível da parede, querendo ser invisível. Meu coração estava acelerado. Bruma deixou escapar um gemido agoniado na minha mente. Ela estava com muito mais medo do que eu.

Bruma...

O quê?

Se eles foram nos matar, decapitada ou baleada... Se tivermos certeza de que eles forem matar ambas, eu preciso que você me prometa que irá fatiar meu cérebro. Será rápido.

Mas não será indolor, ela gemeu.

Promete?

Não, Ashley. Não irei conseguir fazer isso. Desculpe.

 Dei um suspiro que soou triste.

Tudo bem.

Eu estava perto dos prováveis humanos. Eles estavam carregando caixas pequenas de algo armazenado no galpão.

Criotanques? Exclamou Bruma, tão surpresa quanto eu. O que humanos fariam com Criotanques?

Talvez os usem como refrigeradores, debochei.

Engraçadinha.

Dei uma risada silenciosa. Era engraçado o tom irritado na voz de Bruma.

Senti algo gelado tocar meu braço e dei um pulo, engolindo um grito. Era Lola.

Bruma riu em minha mente, debochada.

 —Lola, eu mandei você ficar quieta. —Sussurrei.

 Os humanos ficaram silenciosos. Estiquei meu pescoço e arregalei os olhos para enxergar melhor. Eles carregavam as caixas de Criotanques para dentro de uma picape preta. A caçamba estava coberta por uma lona. Se eu conseguisse chegar pelo lado contrário dos humanos e me esconder entre as caixas na caçamba...

Eles iriam descobrir você.

Quem não arrisca não petisca. Preciso tentar.

Ashley...

Vou mandar Lola primeiro. Se ela conseguir se aproximar da picape antes dos humanos percebe-la, eu a sigo. Senão, ela corre e se esconde.

 Bruma suspirou e assentiu.

 —Lola. Não deixe que eles a vejam. Longe. Dos. Humanos. Embaixo. Picape. Correndo. Vai.

 Não sei ao certo se Lola entendeu direito meus comandos, mas ela correu seguindo a parede pelo lado contrário dos humanos e seguiu correndo em linha reta até a picape. Os humanos não a perceberam. Lola rastejou para baixo do carro e ficou deitada lá.

Deu certo, exclamei.

Lola é pequena e ágil. Você é muito mais visível.

Então me deseje sorte.

Agachada, percorri o caminho de Lola arrastando as costas na parede. Quando a mesma terminou, me pus de pé com o tronco encolhido e retorcido para frente, tentando ficar menor. Conseguia ver três sombras de humanos se movendo. Eles iam juntos até dentro do galpão e voltavam juntos para carregar a picape. Que grave defeito. Eu teria que alerta-los quando me juntasse a eles.

Como é otimista.

Ignorei Bruma. Eu teria poucos vinte segundos para subir na picape, puxar Lola e me esconder. Era um risco que eu correria. Quando eles voltavam para dentro do galpão, disparei para perto da picape. Ela estava na beirada de um muro velho, que provavelmente servia de esconderijo. Escondi-me atrás dele de modo que os humanos não me vissem. Observei-os sorrateiramente enquanto deixavam as caixas na caçamba. Eram dois homens e uma garota. Eu só conseguia distinguir o contorno deles nas sombras. Os dois homens eram altos. Um era muito alto, o outro alguns centímetros maior do que a garota. Ela deveria ser cinco centímetros mais alta do que eu.

 Eles entraram novamente dentro do galpão. Era agora. A adrenalina tomou conta do meu sangue. Meu coração bombeava loucamente, quase esmagando meus pulmões. Pulei de trás do muro e gesticulei para Lola ao mesmo tempo. Puxei a lona o suficiente para pular dentro da caçamba. Estiquei as mãos e agarrei Lola pelas patas e ergui-a pela barriga. Ela era mais pesada do que eu imaginava, beirando 45 kg. Quase despenquei pela lateral da caçamba.

 —Lola, você vai ter que pular. Pule.

Lola tentou alcançar a beira da caçamba com seu corpo, mas derrapou.

—De novo, Lola. Pule.

Dessa vez, tentei agarra-la e puxa-la, mas quase cai junto com ela.

—Vamos Lola.

 Só para me deixar ainda mais nervosa, Bruma disse em voz alta sua contagem regressiva.

10. 9. 8...

 —Pule.

Lola se afastou. Ela deve ter ouvido humanos se aproximando.

 —Lola!

 Minha voz saiu como um guincho. Lola se curvou. Ouvi os humanos se aproximando.

5. 4...

 —Lola, pule!

Ouvi os ruídos dos humanos. Com um peso no estômago, me encolhi debaixo da lona.

3...

 Escondi meu rosto entre as mãos.

Ah, Lola, choraminguei.

Um ruído abafado chamou minha atenção. Tuf tuf tuf. Lola estava correndo? Resisti à vontade de colocar a cabeça para fora e olhar. Ouvi vozes.

 —Ei, aquilo é um cachorro?

 Era a garota. Meu coração apertou.

 —Parece perdido. —Disse uma voz masculina suave.

 —Deixe-o para lá. —Ralhou uma voz mais grave e áspera.

 —Jared. —Advertiu a voz feminina.

 Alguém bufou. Outro alguém assoviou. Tuf tuf tuf. Lola estava voltando.

Lola! Brandiu Bruma.

Ela está obedecendo aos humanos?

Ela sabe que você está aqui. Talvez saiba que se entrar aqui, estará com você.

Minha menina.

 —Vamos ficar com ela? —Disse a voz feminina.

 —Você ficou doida? —Disse a voz áspera que só podia ser Jared.

 —Não vamos deixa-la aqui, Howe. Não no meio dessas Almas. —Sussurrou a voz suave do outro homem.

 —É só um cachorro. —disse Jared Howe.

 —Não custa nada, Jared. —Melodiou a voz da garota.

 Jared Howe resmungou e assentiu. A garota deve ter grande influencia sobre ele. Garota esperta. Ouvi alguém andando e as patas de Lola sobre o chão. E depois de alguns segundos, alguém levantou a lona. Empurrei meu corpo para trás, me escondendo nas sombras. O homem que abriu a lona tinha o rosto dourado de sol. Mesmo com pouca luz, vi olhos castanho-avermelhados e linhas em volta deles. Cabelos claros. Ele colocou alguma coisa sobre a caçamba. É peludo e amarelado, algo girando incontrolavelmente e quase acertou meu rosto.

LOLA!

Achei que ela ficaria para trás, sussurrou Bruma. Ela também estava feliz por Lola. Ainda bem que ela está aqui.

Com certeza. Menina esperta.

O homem acariciou a cabeça de Lola e a empurrou devagar para baixo.

—É melhor ficar quietinho aí atrás, amigão.

É uma menina, corrigiu Bruma.

 O homem fechou a lona e a picape tremeu quando ele e os outros embarcam no carro. Lola se mexeu, desconfortável, e rolou tentando me encontrar. Estiquei a mão e afaguei sua pata traseira.

 —Estou aqui, menina.

 Seu rabo-baqueta quase acertou meu rosto, e Lola rolou até seu rosto ficar de frente com o meu. Ela esticou a língua e lambeu meu nariz, um gesto que traduzi como um “olá”.

 —Fique deitada, certo? Não queremos que eles a expulsem.

 Lola lambeu novamente meu rosto, e estiquei a mão para afastar sua língua molhada. Afaguei sua cabeça e Lola acalmou seu rabo. A picape rangeu quando os humanos deram partida. Seguiram estrada. Eu queria afastar a lona para observar o caminho, mas Lola estava entre mim e a lateral da caçamba. Arrastei-me até encostar a cabeça na barriga peluda de Lola. A picape pulou quando passamos pela calçada, e se manteve estável até o asfalto sumir sob as rodas. Franzi o cenho. O terreno era irregular e solto.

Areia? Indagou Bruma.

Parece que estamos no deserto.

Criativo, disse Bruma. As Almas nunca imaginariam que os humanos se escondem no deserto. É muito improvável.

Então deve ser seguro.

E difícil de fugir.

Sorte nossa que não precisamos nos preocupar com isso.

 Bruma deu um suspiro cansado.

É, sorte nossa.

 A picape rodou por horas. Eu não conseguia medir com precisão o tempo, mas imaginei algo como duas horas e meia. Durante aquele tempo, consegui distinguir várias coisas na caçamba além dos Criotanques: comidas, roupas, medicamentos de Alma, munição de armas – coisa que desagradou Bruma – e algumas ferramentas.

Lola não conseguiu lidar muito bem com a distância. Remexia-se o tempo todo, acertando meu corpo com o rabo ou as patas. Em um momento, arranhou meu pescoço com as garras.

 —Cuidado, Lola. —Grunhi.

Meu coração acelerou quando a picape parou. Ouvi passos na areia.

Chegamos, informei a Bruma.

A-hã. Estou com medo. É agora ou nunca.

 A lona se mexeu. Meus músculos ficaram tensos. A lona foi afastada e a garota morena surgiu. Lola abanou o rabo. A lona saiu completamente de sobre a caçamba. Eu já estava apoiada sobre os pés. Estava exposta. Ouvi um som semelhante a um arquejo. Sem pensar direito, saltei sobre a garota.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Surviver" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.