Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 30
Sussurros no Vento




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Três dias se passaram sem que a neve desse trégua. Com o vento e os flocos brancos que não paravam de cair, Maximilian não conseguia recriar as trilhas para Andrômeda e, por causa disso, Jane não conseguia completar a sua missão e voltar para Volterra.

Ela já começava a ficar irritada novamente.

— A neve parará logo – diz Maximilian do sofá, tentando acalmar a vampira que andava em círculos ao redor da mesa de centro, na sala, um comportamento que ele nunca a tinha visto fazer até aquele momento, e que já o deixava preocupado.

— Essa espera já está ficando insuportável! – confessa Jane entredentes.

Maximilian engole em seco. Ele estava aproveitando cada minuto de seus dias ao lado dela, torcendo para que sua criadora demorasse ainda mais a aparecer, pois sabia o que lhe esperaria ao final daquela missão. No entanto, Jane não parecia apreciar aqueles momentos tanto quanto ele, e isso o magoava.

— A neve parará logo! – repete, como uma garantia de que retornaria ao trabalho assim que o tempo estivesse propício.

Havia tanta coisa que ele ainda não sabia sobre ela, tanta coisa de sua segunda vida que sequer teria tempo para descobrir. E como poderia, afinal? A sensação de que morreria em breve o atormentava todos os dias, como uma espécie de maldição, e, mesmo que Andrômeda demorasse a aparecer e seus dias naquela casa se prolongassem, o pressentimento continuava lá, o atormentando e o consumindo por dentro.

Tudo o que o vampiro podia fazer era suportar aquilo em silêncio, lutando para que o medo da morte não chegasse até o seu rosto e para que Jane não o visse mais. Ela o orientara a enfrentar o seu destino e ele estava tentando da melhor forma possível, querendo que, ao menos naquele ponto, ela sentisse orgulho dele.

A emboscada era outro ponto que lhe trazia mau presságio. Apesar de a vampira não falar a respeito e nem lhe contar suas possíveis suspeitas, Maximilian sabia que aquilo tinha sido arquitetado para ele e que somente um grupo de pessoas desejava a sua morte naquele momento: os Volturis. No entanto, como eles saberiam que estavam ali? Ele não havia dito a ninguém para onde iam e comunicou a Jane somente quando estavam fora de Volterra. Então quem seria o mandante de tal ataque? Será que Demetri os havia localizado? Ou a emboscada era obra de Andrômeda?

Maximilian sente um arrepio atravessar o seu corpo ao pensar em sua criadora, como se o simples fato de pensar a estivesse chamando para perto. Internamente, ele desejava que Jane conseguisse mesmo matá-la, porque se não pudesse, estaria perdido nas mãos dela...

— Está fazendo aquela cara de novo!!! – esbraveja Jane sentindo ainda mais raiva, reconhecendo no rosto dele o semblante de “eu vou morrer em breve”. Ao contrário do que o camaleão acreditava, ela sabia que ele ainda tinha medo, ficando satisfeita com seus esforços em não deixar aquilo transparecer. – Eu já lhe disse que isso me irrita!!!

— Tem razão, você disse.

Maximilian sorri, engavetando todas as suas teorias e dúvidas no fundo de sua mente, mas o seu sorriso não alcança os seus olhos, o que incomodou a vampira de uma forma particular, afastando momentaneamente a sua preocupação com a missão. Ele já não sorria tanto e não a confrontava como antes. Em Volterra o camaleão se animava por muitas coisas e, às vezes, batia de frente com ela para retirar-lhe algum tipo de reação ou respostas maiores que monossílabos, no entanto, agora parecia mais retraído. Ela sentia falta do seu sorriso.

A vampira se aproxima da janela de repente, colocando-se a olhar para o lado de fora enquanto seus olhos se esbugalhavam com sua própria constatação. Ela sentia mesmo falta de seu sorriso? Sim, ela sentia, mas não fazia ideia de quando isso começara a acontecer.

O camaleão se levanta depois de cinco minutos de silêncio e sai do cômodo, secretamente atiçando a curiosidade de Jane, que já não conseguia se manter alheia a sua presença ou a tudo o que ele resolvia fazer. O vampiro retorna meio minuto depois, caminhando para a mesa de centro.

Jane não ousou se virar, mas manteve os ouvidos atentos aos seus movimentos, constatando que ele depositara algo sobre o móvel no centro da sala e se sentara sobre o tapete. Logo depois ela ouviu o som característico do grafite sendo raspado contra o papel, denunciando que Maximilian estava trabalhando em um desenho novo.

Sua cabeça se move levemente e seus olhos vermelhos tentam enxergá-lo pelo canto dos olhos, não conseguindo mais conter a curiosidade e flagrando o camaleão a observá-la.

— O que pensa que está fazendo?

— Um desenho seu! Você roubou o meu, caso não se lembre.

— Não o roubei, apenas o obriguei a entregá-lo a mim.

Maximilian ri, dessa vez de verdade, fazendo a vampira voltar os olhos para o lado de fora e encarar o manto branco que ainda cobria o chão, enquanto um calor estranho a preenchia por dentro. Ela tinha mesmo acabado de fazer uma piada? Pelos céus, isso nunca tinha lhe acontecido antes…

Jane tinha os cabelos metade soltos e metade presos naquele dia, pois estava entediada o bastante para se irritar até mesmo com as suas próprias madeixas, não imaginando que aquilo atraía o camaleão de uma forma especial e intensa. Ele adorava os cabelos dela desde sempre, essa era uma das certezas que o acompanhou da vida humana para a imortalidade, e que agora o levava a desenhá-la.

Com os fios loiros caindo até a metade de suas costas e a forma com que a claridade do dia a iluminava, não diretamente a ponto de fazer sua cútis brilhar, mas o suficiente para fazê-la parecer a estátua de uma deusa, Maximilian não resistiu a tentação de retratá-la. A vampira não estava inteiramente de costas para ele, assumindo uma posição de “meio perfil”, proporcionando-lhe um ângulo perfeito de seu rosto olhando pela janela, o que lhe dava um ar romântico e reflexivo.

— Não conseguirá desenhar nada se eu ficar de costas – comenta ela, fazendo menção de se virar.

— Não se mexa! – pede com urgência, não querendo que sua cena perfeita se desmanchasse, fazendo-a retornar para a posição anterior. – Faço outro de frente depois, mas, por hora, essa posição está perfeita!

— Dois pelo preço de um? – questiona Jane apenas de pirraça. Maximilian estava feliz naquele momento, entusiasmado com o desenho como não estivera em todos os outros dias, e aquilo a aquecia por dentro. Seus lábios estavam sorrindo e seus olhos transmitiam a mesma emoção, e ela realmente gostava daquilo, porque significava que ele não estava mais pensando asneiras.

— Você me deve isso… Roubou o meu desenho – brinca, enquanto os olhos iam e vinham, alternando entre sua modelo e a folha de papel.

Suas mãos eram rápidas ao desenhar e seus traços eram precisos e perfeitos. Quando humano, ele se lembrava de errar as dimensões com muita frequência, contudo, agora que era imortal, tinha uma memória privilegiada e olhos extremamente aguçados para a arte, o que tornava a prática ainda mais fácil.

O esboço ficou pronto logo e Maximilian não pensou duas vezes em partir para o giz de cera, reforçando certos traços e dando ainda mais vida para o retrato de Jane. E, longos minutos depois, o vampiro anuncia o término de sua obra, como uma permissão silenciosa de que a vampira poderia voltar a se mexer, o que prontamente a vez se afastar da janela e se sentar no sofá, observando a belíssima ilustração que ele tinha feito.

Ele admirava o retrato com orgulho.

Ela gostava do seu sorriso. E não o queria morto.

— Maximilian, você não vai morrer! – diz Jane depois de um longo momento de silêncio, seguindo o mesmo caminho que Alec e decidindo-se a favor dele. Ela sempre conseguia o que queria, fosse por bem ou por mal, contanto que se mantivesse dentro das regras do clã. Ali, porém, ela não o queria morto e não o deixaria morrer, decidindo quebrar quantas regras fossem necessárias para isso.

O vampiro a encara com interesse, estranhando a certeza em sua frase e sentindo algo diferente dentro de si mesmo. Inusitadamente, e, como num passe de mágica, o pressentimento que antes o atormentava desapareceu. Quando Jane pronunciou tais palavras a sombra de morte que o perseguia sumiu, como se ela realmente tivesse o poder sobre a sua existência, como se estivesse nas mãos dela decidir se ele morreria ou viveria.

Maximilian arregala os olhos levemente diante do estranho acontecimento, mas sorri em seguida, sentindo-se subitamente leve de tudo o que o afligia. A ameaça de Aro não estava esquecida e ele sabia que ainda corria riscos, que não poderia voltar para a Itália, contudo o medo da morte final simplesmente desaparecera.

Ali, olhando pra Jane, tão relaxada no sofá como se nada pudesse atingi-la, de pernas cruzadas com aquele jeans que deixava suas coxas bem torneadas, o vampiro desejou tocá-la, abraçá-la e beijá-la. Entretanto, limitou-se a pegar mais uma folha para desenhá-la, desta vez de frente e em detalhes.

E Jane permitiu ser desenhada novamente, mantendo-se inteiramente parada, enquanto pensava no que faria a seguir. Seus olhos não se fecharam e o contato visual não foi desfeito em nenhum momento. A vampira acompanhou cada movimento dele enquanto desenhava, vendo a satisfação da atividade relaxar os seus músculos e a contemplação cintilar em seu rosto.

Ela não havia notado o quanto suas palavras o afetaram positivamente, espantando os pensamentos que antes o assombravam, acreditando que sua leveza e alegria devia-se apenas ao fato de desenhar novamente. Todavia, enquanto observava o semblante límpido e sincero de seu contentamento, Jane viu as pupilas do camaleão se moverem, estranhamente contraindo e dilatando três vezes seguidas. As mãos que trabalhavam animadamente no retrato param de repente e Maximilian olha em direção a janela, atraindo o olhar da vampira para o mesmo local.

— Ouviu isso? – sussurra ele, como se temesse ser ouvido por mais alguém, fazendo Jane estreitar os olhos e seus instintos se agitarem. Ela se concentra em sua audição, mas não ouve nada além do vento batendo contra as folhas das árvores.

— Não ouço nada.

— Tem certeza? – insiste ele, encarando-a como se esperasse uma resposta positiva.

— Tenho certeza. O que você ouviu?

— Alguém chamando o meu nome. Foi um sussurro, no entanto foi audível e totalmente compreensível!

Jane o encara com intensidade, tentando identificar se aquilo se tratava de algum tipo de prenda. Contudo, quando as pupilas de Maximilian repetiram o movimento de contrair e dilatar, três vezes seguidas, a vampira percebeu que algo estava extremamente errado.

— E agora, ouviu? Me chamou novamente! – declara, franzindo a testa.

— Não ouço nada – explica calmamente, como se estivesse falando com uma criança, fazendo o semblante do vampiro mudar de “alerta” para “pavor”. Seja lá o que fosse aquilo, ele sabia exatamente o que era. – O que isso significa?

— Andrômeda está chegando! – sussurra, sentindo a voz ficar estrangulada devido ao arrepio que atravessou o seu corpo. – Ela está por perto e está me chamando.

— Por que tem tanto medo dela?

— Porque ela é uma influenciadora – explica rapidamente, não sabendo que Jane já conhecia essa informação. – O poder dela é muito forte sobre mim, ele retira o meu controle e as minhas vontades. Ela me faz fazer coisas que não quero, Jane, e eu sempre sinto remorso pelo que ela me faz fazer…

— Se não tivesse tanto medo dela, não seria influenciado tão facilmente.

— Ela mexe com a minha cabeça há décadas, praticamente desde que fui transformado. Minha mente nunca teve defesas contra… – Ele para subitamente e Jane pôde ver o retrair e o dilatar em seus olhos mais uma vez.

Maximilian se coloca de pé instantaneamente, deixando o lápis de sua mão cair sobre o chão e rolar para baixo da poltrona, enquanto suas pupilas dilatavam exageradamente em seus olhos. Seu corpo bambeia levemente, como se o camaleão estivesse hipnotizado e totalmente fora de si, e dá dois passos em direção a porta principal, fazendo Jane se colocar de pé no mesmo segundo.

— Andrômeda – sussurra ele, chamando-a enquanto seus pés se aproximam mais três passos da porta, enxergando algo que Jane não via e ouvindo coisas que ela não escutava, mas fazendo uma onda de fúria atingir o corpo da Volturi.

Jane sabia que Maximilian não estava mais ali, que, do jeitinho que ele explicara, Andrômeda estava o influenciando, retirando seu controle e suas vontades, para que ele pudesse ir até ela. Eles estavam ali para atraí-la e agora que a vampira tinha encontrado o seu cãozinho perdido, ela o estava chamando de volta. Todavia, Jane não estava disposta a entregá-lo tão facilmente.

O camaleão franze a testa e avança mais dois passos, porém ela se coloca em seu caminho, espalmando a mão direita sobre o seu rosto e lançando sobre sua mente uma única e rápida porção de dor, como uma apunhalada, que balançou o corpo masculino e o fez cair para trás.

A dor atravessou sua mente como um raio, desfazendo momentaneamente o vínculo de influência que Andrômeda mantinha sobre ele e o lançando ao chão com um baque surdo. Maximilian levou cinco segundos inteiros para voltar a si.

— O que aconteceu? – questiona confuso, sentando-se no chão e não sabendo como havia parado naquela posição. No entanto, quando viu Jane saindo pela porta furiosamente, ele soube que aquilo era culpa de Andrômeda e que ela estava por perto, muito perto.


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