Shalom - As Memórias de John Sigerson escrita por BadWolf


Capítulo 2
Capítulo 2: David


Notas iniciais do capítulo

Aqui vai mais um capítulo...



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Arrêtez, mon frère, mes chaussures sont neuves…

Seus devaneios foram imediatamente interrompidos por aquelas palavras em Francês, ditas por uma voz feminina em uma entoação um tanto conhecida. Era mesmo Esther – não, Miss Katz – falando aquelas coisas? E por quê justo em Francês? Holmes sentia-se encabulado de ouvir aquilo, sentia-se intrometendo-se na vida da moça, que certamente estava sonhando e deveria ter o hábito de falar dormindo. Enquanto ficava refletindo sobre si, ele mal percebeu que a moça tinha usado seu ombro como travesseiro. A sensação deixou-lhe mais encabulado ainda, e ele acabou fazendo um movimento brusco que fez a moça acordar.

-Adonai, acho que dormi... Perdão, Mr. Sigerson...

-Tudo bem, Esther... Quero dizer, Miss Katz.

-Que horas são?

-Já está perto de amanhecer. Acho que podemos sair.

Primeiro, Holmes levantou uma pequena fresta da lona do bote salva-vidas. Não havia ninguém. Então, ele saiu primeiro, e deu a mão à Esther, que estava com os cabelos loiros levemente desconexos.

-Preciso saber o que aconteceu a David...

-Melhor a senhorita ficar aqui. Eu vou dar um jeito de sondar as coisas.

Ela o obedeceu, e ficou no mesmo lugar, enquanto Holmes caminhava pelo navio. Ele acabou escutando a conversa de um casal, sobre a prisão de um passageiro por roubo. Um russo tinha denunciado esse passageiro, alegando ter sido assaltado após vencer uma partida de pôquer. Um viajante francês acabou sendo encontrado com o dinheiro. Estava preso, e poderia ser deportado para a França, indo para uma prisão assim que colocasse os pés em solo francês.

Mais adiante, enquanto se esgueirava pelo convés, para preocupação de Holmes ele ouviu também a conversa de dois guardas.

-O Comandante está tratando pessoalmente do sujeitinho, não é...

-Sim, ele quis fazer isso ao saber que ele era um porco de um judeu. Mas o sujeito se recusa a confessar isso, diz que é católico convertido. Besteira!

-Parece que estão agora atrás da irmãzinha dele... – os dois riram maliciosamente.

“Preciso fazer alguma coisa”, pensou Holmes.

Holmes tinha estado algumas vezes em um navio bastante parecido com aquele, e na verdade, um pouco antes de derrubar Moriarty, ele estava preparando uma monografia sobre métodos de aprisionamento. Em um tópico desta monografia, Holmes se dedicou a debater as prisões feitas em navio, e em como manter um eventual prisioneiro. Ele apontava melhorias que permitissem o que se via costumeiramente. Crimes cometidos em navio impunemente, porque o prisioneiro conseguia fugir e quase sempre caía ao mar.

E se ele apontava melhorias certamente o fazia porque sabia dos pontos fracos.

Um navio como o Imponent tinha construção francesa, com algumas peculiaridades, permitindo-o saber a posição exata da sala de prisão do navio.

Ao se aproximar sorrateiramente de lá, com cuidado, Holmes acabou observando algo que o desagradou.

Um corpo.

Em seguida, um relógio caiu. Era o seu relógio de bolso, com o soberano de Irene Adler na corrente. Certamente, David o pôs no bolso do colete, e ele agora caíra no chão. Ao ouvir o som, o algoz virou-se e jogou o corpo no chão, revelando o rosto de não outro que não o de David. Tarde demais, ele estava morto.

O Comandante Lianov, como bem percebeu Holmes, segurou o relógio em suas mãos, porém, viu que ele estava quebrado, com uma rachadura na frente. Disse algum xingamento em russo e chutou o relógio para longe, enfurecido. Depois, pegou o corpo de David pelo pé, fazendo um rastro de sangue. Sem dúvida, David foi torturado até a morte para servir como simples diversão de um russo sanguinário.

Holmes recolheu seu relógio. Ele estava com o tampo de vidro rachado, mas ainda funcionava. Era um problema fácil de ser consertado, certamente. Colocou-o de volta a seu colete, de onde nunca deveria ter saído.

Agora, ele precisava cuidar de Esther.

Rapidamente, ele correu até onde estava Esther. Para seu desespero, ela não estava mais lá. Pensou nos lugares que ela poderia estar, nesses dias de convivência. Ela era esperta demais para ser pega, e também um tanto teimosa para obedecê-lo. Sem dúvida, procurou um lugar seguro.

O quarto de Alice.

Holmes foi até a terceira classe e a procurou no quarto de uma das amigas que a moça fez naquela viagem. Era Alice, uma russa do interior que, certamente, iria trabalhar na Inglaterra em uma de suas inúmeras fábricas. Uma pena, pois ela era uma moça bem alegre e jovial, talvez até demais para um britânico como ele.

-Martin! – ele parou um rapaz.

-Oh Mr. Sigerson! Eu senti falta de seu violino esta noite...

-É, eu estive indisposto...

-Que confusão foi esta com o Mr. Katz, não é?

-É verdade...

-Os guardas souberam que ele tinha uma irmã, e agora estão procurando por ela... Deus queira que não achem...

-Também acho, mas... Como assim, “souberam”?

Martin, que era um tanto alcoviteiro, logo quis conversar.

-Desconfiam que a moça estava viajando aqui com a passagem de uma Louise Molly. Deve ter roubado de alguém.

-Então Miss Katz esteve viajando sob identidade falsa?

-Exatamente. Bem, mesmo a moça não valendo muita coisa, eu espero que ela não caia nas mãos destes russos, ainda mais agora que eles sabem que ela é judia.

Holmes continuou sua caminhada até o quarto que Alice dividia com mais três mulheres. Bateu á porta como todo cavalheiro, e não teve resposta.

-Sou eu, Sigerson. – ele disse, sendo puxado imediatamente para dentro.

-Ah, Miss Katz! – suspirou de alívio, ao vê-la entre suas colegas. Ela parecia nervosa.

-David foi preso...

-Sim, foi... – balbuciou Holmes. Ainda não era hora de ela saber o que ele viu, pensou. Mudou de assunto.

-A senhorita precisa sair daqui.

-Mas como? Já sabem que a passagem que eu comprei não era minha!

De repente, eles ouviram o apito do navio. Estavam agora em solo francês.

-Chegamos à França! Preparar bagagem imediatamente! – era o que dizia os rudes marinheiros aos ocupantes da terceira classe do Imponent.

-Precisamos pensar rápido!

De repente, um guarda entrou, sem a menor cerimônia no quarto.

-Documentos, por favor...

-Ora, mas por quê...?

–Todos os passageiros da terceira classe terão suas identidades devidamente confirmadas, sem exceção, para terem autorização de deixarem o navio.

Droga.

Rapidamente, as moças recolhiam, entre seus pertences, seus documentos. Alguns não o tinham, e apresentavam os bilhetes de passagem, que constavam seus nomes. Depois de checar o dos demais, foi a vez de Holmes e Esther, que permaneceram atônitos.

-Seus documentos, senhor.

Holmes suspirou. – Estão em meu quarto. Os meus documentos, e os dela.

O guarda fechou o rosto. – E posso saber por quê?

-Porque... Bem...

-Porque ele é meu marido, oras. – intrometeu-se Esther.


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Notas finais do capítulo

Uma pena que David tenha morrido tão prematuramente. Confesso que foi difícil decidir se ele morreria agora ou permaneceria vivo. Matar um personagem é sempre uma situação embaraçosa.

Caramba Esther, mas que resposta! Quero ver como vai se sair dessa!

Thanks,
BadWolf



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