Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 35
Fogo. Aqui.


Notas iniciais do capítulo

Nyah, você diz que eu posso escrever aqui, mas eu sei que você tá me iludindo. Bolada.



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Gente, eu quase morri. A situação tava tão séria que já estava vendo no meu atestado de óbito: foi uma causa perdida, morreu de amores ♥ ~se ligue que eu sou boa nessas frases bregas de orkut~
O capítulo de hoje (eu adorei escrevê-lo) vai para a ApplePie, a Carol, por ter feito um top 14 de recomendações mais fofas ever ^.^
Eu fui chamada de sensacional ~requebrei até o chão~
Muito obrigada, Apple, suas palavras foram gentis e incrivelmente doces como uma maçã do amor (coincidências).

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Maldito. Sujo.

–E agora o Sam já está vindo?

–Pergunte isso mais uma vez e você só poderá tomar sorvete de creme com passas.

Imediatamente Mel crispou os lábios e fez um gesto de zíper fechando.

–Melhor assim.

Eu duvidava que as mocinhas lindas, perfeitas e cheias de XOXO's tinham que limpar a cozinha. Quer dizer... Leitor, você imagina mulheres como Blair esfregando uma porta de geladeira? Ou limpando a privada, ou lavando roupa?

Já fazia algum tempo que estava ali, quase torcendo os braços para limpar a geladeira, com um limpa móveis. Nesse dilema de me perguntar se poderia, de fato, considerar uma geladeira como um móvel.

Eram quase 14 horas. Sam logo chegaria.

Tinha lido o rótulo na embalagem e não tinha nenhuma advertência à geladeiras.

–Tia...

–Só um minutinho, meu bem.

Esfreguei os cantos da porta.

Será que o Jeff iria vir com o Sam? Ou simplesmente largá-lo lá na portaria e Pequeno Newton subiria sozinho? Se bem que na matéria de entrar no meu apartamento, Jeremy possuía uma louvável nota 10.

E também ninguém dizia que limpa móveis só tinha uma função, certo? Eu via minha mãe limpando, as escondidas, os livros antigos do meu avô falecido. Livros de capa dura, páginas amarelas e cheiro de tão velho que o Adão e a Eva ficariam surpresos. Lembro que ela os devolvia enrugados na prateleira, assobiando, ainda por cima. Como se assobios não mostrassem que você era culpado.

–Tia...

–Mel... Só um segundo, preciso limpar isso.

Esfreguei com mais afinco a geladeira. Meus dedos já começavam a ficar dormentes, mas ignorei isso.

E se eu visse Jeff novamente? Meus hormônios estavam tão loucos nos últimos tempos que eles poderiam controlar cada grama de juízo que restava do meu corpo. Iriam assumí-lo então eu seria apenas um fantoche coberto de luxúria e atacaria um homem que, mesmo com culpa no cartório, não estaria pronto para ser subterrado por um mulher hormonal.

E então também tinha o fato da porta da geladeira ter essa mancha horrível que só parecia aumentar a cada esfregada.

–Capeta! Capiroto! Satanás! Inferrrno!

–Tia!

Jesus. Agatha iria me proibir de ver sua filha se soubesse do meu vocabulário rico.

–Vamos fazer um trato, certo Mel? - Joguei o pano na pia e peguei a bucha de lavar pratos. Detergente. Como não pensei nisso antes? - Não repita algumas palavras que você ouve sair da minha boca. Porque eu não quero dizer essas coisas, mas há momentos que minha língua controla meu corpo inteiro, mesclado com uma coisa chamada hormônio que você irá saber logo. É terrível Mel, essa dupla se apodera de todo o seu corpo e você fica parecendo a Cruela Cruel nos piores dias.

Ouvi um resmungar suave do outro lado da cozinha e então passinhos se aproximaram. Uma mãozinha bateu no meu ombro e Melaine disse com uma voz gentil, como quem testemunha sua tia tendo uma crise de loucura:

–Olha só tia, pode falar o que quiser, mas pare de destruir sua geladeira.

Pisquei para sua mão apoiada em mim e então para o sujo na geladeira que só vinha crescendo. O que antes era um pequeno pedacinho agora cobria quase de uma extremidade a outra da geladeira. Estava toda descascada e parecendo que o Edward mãos de tesoura tinha entrado para tomar um suco de laranja.

Eu quase chorei abraçada a minha sobrinha de 5 anos. Bem ali. Mas mordi o lábio e juntei minha dignidade.

–Porque aqui tá tudo tão arrumado?

–Hoje acordei com vontade de arrumar.

Mas era tão mentira quanto a morte do Elvis. Não conseguia manter minha vida arrumada. Estava tudo tão bagunçado em minha cabeça que eu só queria me segurar em algo, afirmar que ao menos em alguma coisinha eu tinha tudo sob controle. Meu apartamento velho poderia competir com os livros do vovô, mas agora ele estava arrumado. Tanto os livros e CDs quanto os produtos de limpeza estavam organizados de modo alfabético.

–Você nunca acorda com vontade de arrumar.

Estava pronta para protestar quando a campainha tocou. Derrubei a bucha grudenta no meu pé. Aos sons de animação de Mel, fui com a sandália de dedo grudando na minha sola a cada passo atender a porta. Minha sobrinha tremia de animação, eu de nervoso.

HORMÔNIOS?! SE VOCÊS ESTIVEREM OUVINDO ISSO, CONTROLEM-SE PELO BEM DA HUMANIDADE!

Nas pontas dos pés, espiei pelo olho mágico. Não vi ninguém. Espichei-me mais um pouco e então vi uma cabeleira morena. Suspirei. De alívio, decepção? Não sei.

Abri a porta e um vulto loiro se meteu na minha frente. Pensei que Mel iria derrubar Sam no segundo seguinte, mas não, ao invés disso, estendeu a mão, toda cordial e com um sorriso que mal cabia em seu rosto. Bento rodeava os dois com uma alegria que exibia em seu rabo comprido, batendo-o nas minhas canelas.

Sam corou. Estendeu a mão e então eles trocaram um aperto firme. Quase desabei na minha estrutura. Os olhos castanhos desviaram-se da minha sobrinha e caíram em mim.

–Olá, Pequeno Newton! - Estendi a mão também. - Adorei esse negócio de apertar mãos, me sinto em uma reunião de negócios.

Ele sorriu e Mel soltou uma risada em seguida. E maldito seja se isso já não fez minha tarde.

–Ok, vamos entrando. Antes que Bento fuja e eu tenha que correr atrás dele com o pé grudando na sandália.

Ouvi o cochicho de Mel para o garoto enquanto ela se esforçava para puxar o cachorro pela coleira, fazendo com que ele entrasse dentro do apartamento.

–Hoje a tia Al tá estranha, mas não fale isso pra ela. Só disfarce.

Revirei os olhos. Estava fechando a porta quando eu ouvi passos apressados nas escadas.

–Samuel!

Meus dedos dos pés enrolaram-se instantaneamente. Eu, meus hormônios e minha língua não estávamos preparados para a visão que se seguiu. Fazia quase um mês que eu não o via, mas lá estava ele, como se nada o abalasse. Parecendo tão perfeito e intocável que até a Avril Lavigne invejaria.

Sem morder os lábios, Alma, você não é aquela garota de cinquenta tons de cinza.

Jeff estava em sua calça jeans habitual, sua blusa de manga comprida habitual e seus cabelos maiores e mais bagunçados que nunca.

–Olá, Vida. - Ele teve a decência de parecer tão encabulado quanto eu. Então ergueu uma mochila do Jake, de Hora de Aventura (faz de conta que eu só sabia o nome por causa da Mel). - Ele esqueceu isso no carro.

Olhei para o objeto erguido e então para ele, e novamente repeti o processo.

–A mochila para emergências! - Sam gritou atrás de mim e então foi ao meu socorro. - Obrigado, pai. Imagine o que eu faria se a casa pegasse fogo?

E já não estava? Ou essa sensação era só comigo?

Tratei de espichar um sorriso nos lábios e empurrar minha mão para cima. Um aperto de mão, Alma, sério? Estava prestes a colar minhas mãos atrás das costas, pensando que ele não tinha visto, quando a sua mão grande e calorosa cobriu a minha. Mirei seus olhos verdes acastanhados e por pouco cai, mas tenho a certeza que quebrei.

Ali. Bem na frente da porta do meu apartamento velho alugado. Quebrei diante do seu olhar, bem na sua frente e ele não se abaixou para catar os caquinhos.

Pede pra ficar comigo, Jeff. Vamos, por favor. Pede pra ir junto, a gente se resolve no caminho da sorveteria. Faremos as pazes durante um sorvete de morango e um de chocolate. Ninguém vai notar. Pede, Jeff.

–Foi bom te ver. - Murmurou.

Meus ombros caíram e o sorriso só se tornou mais vacilante. Acenei. Seu olhar foi para o meu lado, apertou os lábios e deslizou a mão para o ombro de Sam, firmando-se ali por mais tempo que o necessário. Ele já tinha desistido? Meu Deus, ser difícil é realmente complicado!

–Eu venho te buscar. - Afirmou com tanta convicção que eu me perguntei, cá com meus botões, se ele estava mesmo seguro em deixar o filho comigo. Mas as duas crianças estavam muito envolvidas em uma brincadeira com o Bento no chão do apartamento, que nem prestaram mais atenção em nós dois ali, parados desconfortáveis.

–Ele vai ficar bem. - Garanti, precisando me defender.

–Eu sei que vai, Vida. São essas emergências que me preocupam.

–Eu posso lidar com tudo isso.

Em um momento pensei ter visualizado um olhar triste, mas foi tão rápido que atribui essa miragem aos hormônios.

Quer saber, Jeremy? Vai embora! Vai mesmo! Eu não preciso de você. Como se eu tivesse comido mais chocolate que o devido nos últimos tempos só por sua causa. Que ousadia querer culpar meus mais novos amiguinhos chamados quilogramas só por sua causa. Vai embora logo.

–Hm, eu sei que pode parecer estranho, mas você entrou na minha casa recentemente?

–Como hoje?

–Hã, não. Algo como sem ser convidado?

–Estou sendo convidado hoje?

–Mais ou... Jeremy, estou falando sério.

–Espero que isso seja um "obrigada pelo presente"?!

Ficamos nos encarando por alguns instantes. Os gritos agudos e infantis ecoavam do meu apartamento até o corredor. Tinha quase total certeza que a cuidadora da idosa no apartamento ao lado estava espiando pela fresta da janela.

–Não posso aceitar, Jeremy. Espere um segundo que vou devol...

Sua mão segurou meu antebraço antes que eu girasse nos calcanhares.

–Sua mãe não ensinou que é falta de educação recusar presente?

–Ela também me ensinou que é perigoso aceitar presentes de estranhos. - Rebati.

Recuou como se meu corpo fosse feito de lava pura, diretamente do Vesúvio recém acordado.

–É o que somos agora? - Sua voz tinha um tom doloroso, mas transbordava irritação.

Arrependi-me de cara.

–Não quero brigar. - Falei baixinho, mas ele ouviu por cima das brincadeiras das crianças. - Mas nesse momento não temos nada, Jeremy, e seria estranho aceitar um presente tão caro.

–Eu não teria serventia nenhuma com essa câmara. Por favor. Fique.

–Mas...

–Por favor. - Crispou os lábios em um sinal de impaciência. - Tenho certeza que você fará um bom uso com ela. Por favor.

Mais uma vez tombei os ombros tensos. Jeff enfiou as mãos nos bolsos da calça. Certos detalhes não mudam.

–Tudo bem.

Balançou a cabeça. Ficou ali parado por mais alguns segundos e então sorriu. Sorriso mesmo. Nada de fachada, como estava fazendo antes. Só isso já foi o suficiente para meus lábios rasgarem em acompanhamento.

–Eu ainda não acredito que você confundiu B.O. com OB. - Meu queixo caiu e ele riu. - Até mais tarde, Vida.

Mas como diabos ele sabia disso?

***

–Tá legal crianças, hoje vamos todos na Mary! - Foi uma voz mais animada que o devido, mas eu estava tentando me animar também.

Dois pares de olhos me encararam desconfiados. Engoli em seco, coloquei as mãos na cintura, respirei fundo e rezei pro Cara Lá De Cima que ninguém tenha destruído nada nesse meio tempo que eu passei no banheiro, mergulhando meu rosto em porções de água.

–Mandem vê. Estou preparada.

Foi Mel que se pronunciou primeiro.

–Fizemos um acordado.

–Acordo. - Sam corrigiu.

–É, um acordo. Isso aí.

Fechei os olhos, massageei as têmporas e desejei do fundinho do meu coração que não fosse nada que envolvesse a máfia italiana.

–Digam.

–Só vamos pra sorveteria, se o Bento vier junto.

Sam concordou veemente, como quem assina em baixo, fazendo de conta que não tinha feito o roteiro.

–O Bento não vai caber no banco de trás. Vocês dois já vão estar lá.

–Então ele vai na frente, ué. - Mel rebateu rapidamente.

Olhei para minha sobrinha, então para Pequeno Newton e deslizei o olhar para Bento. É como se ele soubesse a discussão em jogo e estava bem ao lado deles. O rabo abanando suavemente, mas os olhos pidões. Esqueça isso, aquele cachorro sempre tinha olhos pidões.

–Tudo bem. Vou pegar a coleira e vocês vão ao banheiro.

–Não estou com vontade de ir ao banheiro.

–Melaine, nós já tivemos essa conversa e você sabe que ir as pressas ao banheiro com um sorvete na mão é furada. Das grandes, gigantes, enormes.

–Mas titia, eu não estou com vontade nenhuma.

Praguejei comigo. Aquela seria uma tarde memorável.

–Todos acomodados?

–Sim! - Gritaram as duas crianças do banco de trás. Bento balançou o rabo ao meu lado, animado com a nova aventura.

Poderia ter dirigido para a sorveteria mais próxima, o que seria totalmente sensato na situação, mas não. Eu, Alma Manfredini, tive que dirigir para a "melhor sorveteria do mundo" que ficava a exatas 1 hora e meia de distância da minha casa, incluindo o terrível engarrafamento que tivemos que enfrentar e as várias músicas da Taylor Swift que eu tive que repetir no carro para a alegria de Melaine. Além do fato de que tinha um cachorro com a cabeça pra fora do carro, latindo para qualquer motorista que fizesse contato visual com ele.

Estávamos ouvindo pela quinta vez seguida shake it off quando consegui espremer Mary em um espaço entre dois SUVs. Bento estava tão eufórico que assim que o carro parou, ele fez uma manobra ninja para sair pela janela aberta, mas acabou ficando preso com metade do corpo pra fora, já que sua guia estava presa no freio de mão. A essa altura eu já estava enlouquecendo e gritando, e quase rasgando a guia com os dentes.

Escorreguei do meu banco e quase me bati em uma moto quando saí de Mary, caí na calçada, mas conseguir soltar a guia de Bento. Se você, Leitor, pensou que o cachorro cinzento se abalou com esse pequeno acontecimento, você se enganou. Solto, ele estava mais animado que nunca. Pulando e latindo, ele foi recebido por Mel e Sam aos berros de alegria.

Nesse momento, já tínhamos a atenção de todos da sorveteria e mais um senhor de meia idade que espiava na janela da sua casa. Céus, isso estava marcado no livro do destino para ser um desastre. Graças a Deus que meu aniversário só era uma vez ao ano.

–Hm, senhora? - Uma das funcionárias nos barrou logo na frente. Olhou para mim, para as crianças e então para Bento, com um olhar de nojo tão grande que eu quase ofereci um dos saquinhos de plástico que estavam no meu bolso, no caso de ter que recolher cocô, para ela poder vomitar em paz. - Não aceitamos animais nesse estabelecimento.

–Mas você é um animal. - Sam rebateu, por um momento todos na sorveteria prenderam a respiração. - Existe certos grupos, e como não somos uma planta, um ser sem-vida ou um elemento da natureza, somos animais. Então, se o problema não for aceitar animais, essa sorveteria vai fechar.

O silêncio prosseguiu e eu soltei uma risada de nervoso mais semelhante ao relinchar.

–Eu quis dizer que não permitimos animais de estimação. - Corrigiu-se ela, dando um olhar impaciente para Pequeno Newton.

–Vou só amarrá-lo e então podemos nos servir e ir embora.

Demos meia a volta e, enquanto eu prendia a guia de Bento em um poste extamente na frente da sorveteria, cochichei para minha sobrinha:

–Mel, querida, fiquei sabendo que eles mudaram alguns sabores. Acho que você terá que pedir para experimentar todos na lista para notar quais.

***

Nós caminhamos até um parque público ali perto. Mel estava entusiasmada para mostrar o quanto ela poderia escalar em um trepa-trepa para Sam, mas ele se sentia tão deslocado em um lugar entupido de crianças, que ele preferiu ficar comigo e Bento sentados no banco.

Seu sorvete tinha virado líquido no copinho de plástico há tempos e ele observava a papa com interesse.

–Você não quer mais?

–Não.

–Então posso jogar fora?

–Desperdício de comida não é certo, mas eu fiz um lanche em casa e... - Foi diminuindo a voz até parar por completo.

–Está tudo bem, Sam. - Veja bem, eu não sabia que teria que consolar uma criança por desperdício na minha vida, mas cá estou eu.

–Você tem medo de altura?

–Não.

Franzi o cenho.

–Então porque você não vai lá brincar com a Mel?

–Porque eu não quero.

Recebido, visualizado e processado. Sem insistências. Ficamos nós três ali, em silêncio. Bento tirava um cochilo debaixo do banco, enquanto eu havia desenterrado um livro de dentro da minha bolsa e Sam ficava calado.

Estava tão envolvida no livro de Carlos Ruiz Zafón que nem notei quando Mel sentou no banco.

–Desistiu de brincar?

–Lá tá chato, aqui é mais legal.

Foi assim que eu descobri que minha pequena Mel já amava, do jeito dela, o Pequeno Newton. Eu sabia que ninguém levava a sério esses amores de quando é criança, nem eu levo, mas é uma coisa tão inocente e meu Deus se isso não é fofo como o inferno (opa, Deus e inferno na mesma frase não pode, mas baixinho pode).

Não ficou silencioso durante muito tempo, logo os dois decidiram que estava na hora de perturbar o pobre cachorro e de bom agrado Bento se juntou a brincadeira. Larguei o livro no canto, mesmo na melhor parte, e observei os três ali entre gargalhadas e latidos. Só faltava um pequeno detalhe pra se tornar perfeito. Na verdade ele nem era tão pequeno assim, mas tanto faz, é só um detalhe.

–Coloca o cinto agora, Melaine! - Berrei tão alto que os vidros do carro estremeceram.

Já tinham se passado três quartos de hora e eu notei que já estava na hora de partir, mas aparentemente só eu tinha esse pensamento.

–Não! - Gritou de volta.

–Coloca!

–Não vou!

Estava prestes a gritar a mesma coisa novamente, mas Sam me interrompeu antes.

–Mel, é perigoso e ilegal não usar cinto de segurança no banco de trás do carro. Então, por favor, coloque ele.

–Tá bom então.

Segurei firme o volante. Trabalhando o lance de respirar 10 vezes profundamente. Eu poderia fazer isso. Sim, sim.

–Tia Al, acho que o Bento tá fazendo xixi no carro.

Esqueçam o que eu disse.

Parei o carro abruptamente, ganhando várias buzinadas e gestos legais.

–Bento para! Menino mau! Muito muito mau!

Teve a dignidade de abaixar as orelhas e parecer culpado. As crianças me acompanharam para o poste mais perto, não saindo dos meus calcanhares.

–Nós só vamos dar uma voltinha, o Bento não está com o rim regular desde o acidente.

–Pobrezinho. - Mel acariciou suas orelhas e juro por São Francisco que se o cachorro pudesse falar ele diria "ah sim, coitadinho de mim por ter que suportar essa mulher, coitado".

–Não fale com ele assim Mel. - Continuei andando e tagarelando sobre o como Bento sabia atuar perfeitamente bem. - Teve uma vez que ele me fez colocar comida pra ele 5 vezes porque ele arrastava os caquinhos e me olhava com a cara de faminto como uma verdadeira mula abandonada.

O cachorro cinzento empacou atrás de mim. Puxei-o pela guia. Nada. Virei pra trás. Perdi a respiração. Será que eu poderia apenas sair de mansinho?

As duas crianças tinham parado a metros atrás e... Juro que estou contando a verdade, Leitores. Eles, aparentemente, tinham acabado de furtar um par de muletas de um garoto mais velho com o pé engessado e estavam correndo (cada um com uma muleta engatada debaixo do braço) na minha direção a toda velocidade. O pobre garoto estava sentado no banco sem reação alguma.

–Tiaaaaa olha só como eu sou boa nisso!

Melaine estava prestes a deslocar um braço e o Sam tinha parado para ajustar a altura da muleta dele. Opa, do garoto lá.

Tenho certeza que eu iria direto para o céu depois do que ocorreu em seguida.

Bento corria atrás de Mel, eu segurava sua guia então eu ia junto, Sam corria atrás da gente e a mãe da menino apareceu, então ela corria atrás de todo mundo. Isso tudo as gargalhadas de Mel, latidos do cachorro, gritos meus, silêncio do Sam e berros da mãe do menino.

Foi uma cena diretamente programada do purgatório. Aparentemente eles estavam fazendo um questionário relâmpago de última hora lá em cima, era para saber quem tinha as últimas vagas para o céu. Eu acho que a ganhei por mérito.

Tivemos que sair correndo de lá porque a mãe do menino estava ameaçando chamar a polícia. Vejam bem, quem iria chamar a polícia por um furtozinho de alguns minutinhos? Que absurdo!

***

Acho que foi as 20 horas que notei que o Jeff não iria voltar hoje, mas definitivamente foi as 22:45 e 24 chamadas não atendidas depois.

Sam estava meio deitado, meio sentado no sofá da minha sala, com um Bento exausto ao seu lado deitado de barriga pra cima e olhos muito bem fechados. Meus lábios se fecharam em uma linha fina, mas nada que parecia agradável de ver.

Remexi-me no meu canto do sofá (o que não tinha sobrado muito). Impaciente com o documentário sobre acidentes domésticos, com o celular que não era atendido, com o sujo na geladeira e principalmente estava tão maluca de preocupação que poderia puxar Jeremy pelas orelhas se ele aparecesse na minha porta bem agora.

Não era a primeira vez que ele fazia isso. Eu não tenho uma memória tão ruim assim, Leitores, mas algo na atual atmosfera fazia com que meus nervos dançassem mambo dentro de mim. Roí os cantos das minhas unhas até que só sobrassem apenas carne pura (alguém afim de uma maminha aí?).

–Meu pai está atrasado. - Comentou Sam.

Foi a primeira vez que eu realmente prestei atenção nele e saí da minha bolha de preocupação. Ele finalmente tinha cortado os cabelos, mas não o suficiente, pelo jeito, em questão de semanas ele já estaria sobre seus olhos de novo. Seus olhos castanhos sempre me diziam muito sobre o que se passava lá dentro, mas eles nunca se focavam o tempo necessário aos meus.

–Um pouco, mas daqui a pouco ele chega.

Piscou na minha direção, pensando sobre isso. Cansado, definitivamente.

–Eu não acho.

Alma, as células precisam de oxigênio, por favor respire.

–Do que você está falando, Pequeno Newton? Ele só está um pouco atrasado. - Girei o tronco em sua direção.

–Tia Al - Falou calmamente como quem tenta explicar para uma criança números complexos. - Há regras no atraso.

Balancei a cabeça, sem querer concordar verbalmente com algo que eu não acreditava.

–Tenho uma ideia bem legal então.

E foi assim que as 23:17 acabei dividindo a cama com um garoto de 5 anos e um cachorro babão. Sam tinha me garantido que havia trazido roupas, mas eu duvidei que fosse algo confortável o bastante para dormir e foi por isso que lhe entreguei uma camisa minha e uma calça de moletom que Mel tinha deixado para trás em algum dia.

Segundo as palavras do Pequeno Newton "seu cromossomo Y nunca esteve tão ameaçado de virar um X na sua vida". Eventualmente eu acabei me esquecendo de me preocupar e foquei em animá-lo nessa aventura nova.

Peguei uma lanterna que eu tinha no armário do banheiro em caso de emergências e nos perdemos no meio das colchas. Fazer bichos nas sombras era uma especialidade que eu tinha desde que eu e Agatha éramos pequenas, sempre funcionava em momentos ruins.

Sam se esforçou para me imitar em suas mãozinhas curtas, mas gargalhou horrores quando Bento puxou a lanterna da minha mão e saiu correndo como se tivesse descoberto seu novo brinquedo.

Foi aí que decidimos que já estava na hora de irmos dormir. Foi isso que ele disse, na verdade, por mim ainda rolaria um lanche da madrugada.

–Tia Al? - Sua voz soava baixinha.

Eu já estava meio dormindo até aí, um olho já estava completamente fechado.

–Hmm?

–Se a casa pegar fogo... - Bocejou, acomodou-se no travesseiro ao meu lado. - Pode ir atrás da minha mochila.

–O que você carrega nela, afinal? - Fechei os olhos.

–Não sei, mas meu pai disse que era para casos de emergência. Mas acho que especialmente incêndios.

Casos de emergência. Oh. Meu. Deus.

Fiquei bem parada na cama. Os olhos mirando o teto, a mente rodando as engrenagens tão rápido que poderia ser capaz de ouvi-la. Esperei. Foi quase uma tortura me manter tão parada. As 23:36 só as respirações ritmadas de Samuel e Bento eram ouvidas no quarto. Levantei da cama com um salto ninja, sendo rápida e sem fazer barulho. Meu Deus, nem sei como não fui chamada pra ser uma das Panteras, maldita Cameron Diaz.

Voltei pra sala sorrateiramente.

Liguei a luz da cozinha e essa iluminou a sala o suficiente para que eu achasse a mochila de Sam. Abri-la soou tremendamente errado, mas eu só precisava confirmar algo...

Vasculhei-a de pé a cabeça. Roupas, a escova de dente e a pasta que ele tinha usado recentemente, mas nada demais. Soltei um suspiro de alívio, estava prestes a colocar a mochila no mesmo lugar, quando vi um papelzinho branco e surrado bem no fundo.

Meu coração estava a mil por hora, dançando loucamente na minha caixa torácica.

Em caso de emergência, ligar para o número abaixo.

No verso do bilhete havia uma absurda mensagem rabiscadas.

Mantenha ele seguro.

E você: não. Se. Envolva.

Droga³.

Como tentar não se envolver se eu já estava envolvida? Fiz uma busca implacável até encontrar o meu celular, com os dedos trêmulos, tive que digitar e apagar o número 4 vezes até acertar. O horário foi a última coisa que eu pensei quando colei o celular no ouvido. O que eu diria em seguida?

–Alô? Eu juro que não estou internada no hospício, mas é que eu estou com o filho de um cara na minha casa e eu acho que esse cara tá com uns problemas brabos. Inclusive, achei o seu número dentro de uma mochila do Jake de Hora de Aventura. Aconselho muito esse desenho. Você já viu? - Certo, eu já tinha meu discurso ensaiado, assim que o telefone fosse atendido, eu o diria. Foi o melhor que encontrei até agora.

Eu só... Não poderia deixar que algo de ruim acontecesse. Não com Sam, nunca, jamais com Jeff.

–Porra, é bom ter um bom motivo para me ligar a essa hora.

Eu quase caí da minha própria altura.


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Notas finais do capítulo

Se eu não postar até o dia 13 de maio, lembrem de me desejar feliz aniversário. Mas vou tentar postar antes para que vocês possam fazê-lo com mensagens mais legais hahaha Brincadeira, com um fundo de verdade gigante.
Estavam com saudades do Jeff e Alma interagindo bem lindamente? Eu gosto desse meu casal, uma pena se... Não deixa pra lá.
Muitas desculpas por não ter respondido a todos, mas acabei postando porque já estava tudo prontinho e tals :/
Por hoje é só pessoal.
Beijos e queijos :)



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