Obrigado e Volte Sempre escrita por Loly Vieira


Capítulo 32
Dias de passarinho e colchas de retalhos.


Notas iniciais do capítulo

"Não vou dizer que foi ruim
Também não foi tão bom assim
Não imagine que te quero mal
Apenas não te quero mais"
Assim caminha a humanidade - Lulu Santos



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–Muito obrigada por ter cuidado dele, Brian. Você realmente foi muito legal por isso. - Ufa, finalmente isso tinha saído.

Passei pelo menos 2 horas para decorar aquela frase. O plano era declamá-la, resgatar o Bento, sorrir, acenar e dar o fora de lá o mais rápido possível. Nessa ordem. Mas não deu certo.

Minhas pernas estavam bambas desde que eu tinha tocado a campainha do seu apartamento. Eu ainda lembrava da última vez que tinha estado ali. O pequeno incidente no seu aniversário que acarretou na nossa separação, foi o mesmo dia que eu conheci Jeff. Pareciam que 20 anos haviam se passado desde então. Eu não queria manter um relacionamento próximo ao meu ex, mas ao ver meu cachorro cinzento esparramado no seu sofá com o rabo abanando e a patinha enfaixada, eu me derreti no tapete indiano da sua sala.

Droga. Fugindo totalmente do plano.

–Ôh, Bê! - Grunhi/ronronei/silvei em sua direção. Seus olhos caramelos cheios de vida me fitarem. - Eu sinto muito, Bê, isso nunca mais vai acontecer, mamãe promete. - Ele lambeu minha bochecha. - Ah sim, mamãe promete sim.

Só parei de me comportar como uma louca assim que Brian soltou um risinho discreto. Corei dos pés a cabeça, lançando-lhe um sorriso envergonhado.

–Não se preocupe, Brian, nós já estamos indo. - Cuspi rapidamente.

–Hey... Está tudo bem. Fica só um pouco. Eu realmente preciso dar uma pausa no trabalho. - Apontou para sua escrivaninha, como sempre um amontoado puro de papeis, blocos, pastas e canecas de café. Sorri, porque certas coisas nunca mudavam. - Você poderá ficar, certo? Só um pouco.

Seus olhos pidões nunca me deram uma alternativa, de qualquer modo.

–Claro, um pouco. - Logo acomodei-me ao lado de Bento no sofá que ficou mais do que feliz em posicionar a cabeça na minha coxa.

–O que aconteceu com seu rosto? - Fitei-o sem entender por um momento até notar do que ele falava.

–Eu... - Pense pense - Me bati em uma porta de vidro.

–Parece doloroso.

–Náh! Não é tão ruim quanto parece. - Desviei meu olhar do seu porque mentir para Brian nunca tinha sido algo fácil.

–Eu vou trazer algo para você beber. Licor de menta continua sendo o seu favorito?

–Não... Bem, quer dizer sim. Continua. Mas eu não posso... Estou dirigindo. - Cruzei as pernas e ele acompanhou meu ato. Opa. - Água está bom.

–Capuccino?

Assenti com um sorriso meia boca.

–Está ótimo, obrigada.

Ele sumiu para a cozinha e eu me pus a acariciar as orelhas caídas do meu cachorro, sussurrando baixinho o quanto eu me sentia mal por ele.

–Ele também sentiu a sua falta. - Declarou Brian com um sorriso cordial nos lábios. - Não que ele tenha me falado muito...

Soltei uma risada mais por educação e levei a bebida aos lábios. Maldito seja se aquele capuccino não era 10 vezes melhor que os do Lewis. Assim que deixei a caneca de lado, notei que ele me observava atentamente. Limpei a garganta.

–Brian, eu sinto que pode ser inútil pedir, mas eu quero pagar todas as despesas.

Ele tomou isso com um arregalar de olhos, ofendido.

–Você não vai pagar por isso.

–Eu devo pagar.

–Está tudo bem, Alma. - Bebericou da sua bebida como um lorde inglês faria e sorriu para mim. - Eu tenho que fazer isso por Bento.

Estiquei-me até ficar na ponta do sofá, a mesinha do centro separava eu e ele.

–Ok,eu tentei o mais fácil. Você não tem que fazer isso por ele, Brian. Eu quero pagar, eu vou pagar.

–Alma, querida, eu sei como as coisas com dinheiro são complicadas com você.

Não gostei da forma como ele tinha dito isso e a minha vontade de sair dali só crescia.

–É o seguinte, Brian: você foi legal quando eu precisei, eu agradeço muito isso e gratidão não se paga, mas minhas contas no veterinário eu posso assumir e você não tem porquê se preocupar, de qualquer modo.

Tive que engolir de vez o resto do meu capuccino, desceu queimando, mas disfarcei com um sorriso amarelo. Brian engoliu em seco e se remexeu no sofá.

–Está tudo bem. Não adianta discutir com você, não é?

Não respondi.

–Bem... Me conte mais sobre esse seu... Novo namorado? Pensei que você iria passar mais alguns dias fora. Ellie tinha me contado que...

–Ele não era meu namorado. Só um amigo.

–Vocês conheceu esse seu amigo antes ou depois de nós terminarmos?

Pisquei duas vezes antes de notar que ele falava sério. Oh, Cristo.

–Exatamente no dia que eu te peguei transando com aquela loira neste sofá, Brian. Você gostaria de me perguntar mais alguma coisa?

Ele corou. Bastante.

–Fui tão estúpido. Nunca vou me perdoar por...

–Acho que é melhor eu ir. - Coloquei a caneca na mesinha do centro e me levantei.

–O-ok. - Brian se levantou, desajeitado. - Eu te ajudo com o Bento.

Sem jeito, eu e meu ex movemos o cachorro cinzento até Mary, meu carro velho. Assim que eu garanti que ele estava seguro e a porta do banco de trás foi fechada, girei nos calcanhares até Brian, seus olhos azuis me fitando com um quê melancólico.

–Você sabe, Brian... O pagamento poderia ser parcelado?

–Claro que sim.

–Dez vezes sem juros? - Arrisquei, mordendo o lábio.

Ele sorriu, já mais bem humorado.

–Isso ainda me manterá em contato com você, então sim.

Acenei com a cabeça, entrei no meu carro e dei partida. Eu sabia que Brian era um capítulo passado, eu espero que ele também saiba.

–Eu nunca pensei que morar junto fosse dar tanta dor de cabeça. Veja bem: eu só exijo que ele seja um pouquinho mais organizado e sabe o que ele me responde? Que se a cerveja estiver gelada para ele já está ótimo. Quero dizer... Que diabos de resposta foi essa? - Ellie estava quase partindo ao meio o cookie que colocava no prato. - O que você acha que ele quis dizer, Alminha?

–Acho que o Collin é assim. Ele não se incomoda com a própria bagunça. Só você está se estressando nessa história. - Processei mais uma quantia na caixa registradora. - Mas você não está errada em falar com ele sobre isso. Tente mostrar seu lado de uma maneira que ele possa entender que esse é o seu jeito também e que isso é importante pra você. Acho que vocês podem encontrar um meio termo entre vocês.

Ellie mirou os cookies, pensativa durante alguns segundos, até que um sorriso surgisse em seus lábios e ela me olhasse com carinho.

–Você tem razão. Vou fazer isso.

Dei um meio sorriso em sua direção.

–Desde que você voltou da viagem, você se tornou como melhor amiga do meu namorado.Eu estaria um pouco enciumada se não confiasse em você.

–Não exagere, Ells. Nós só conversamos durante alguns momentos. O seu pit bull domesticado tem opiniões interessantes sobre a vida.

–O quê? Você está falando sobre o placar do jogo decisivo da copa América?

–Cale a boca e faça seu trabalho.

–Hm, esse mau humor é porque o Jeremy não fala com você há duas semanas?

–E o seu é por causa da tampa da privada, não é mesmo?

Ellie soltou um palavrão baixinho e me deixou só com a gentil caixa registradora.

Hoje não estava sendo uma quarta agitada no Café do Lewis. Só faltavam 1 hora e meia para terminar meu turno e naquele dia eu estava especialmente ansiosa. O tio Oliver (ok, eu tenho que para-lo de chamar de tio) havia entrado em contato comigo há três dias para que nós conversássemos sobre meu futuro.

Eu estava tremendo nas bases. Nós iríamos nos encontrar num restaurante cinco estrelas para um jantar de negócios. Olha só isso... Eu, Leitor, tendo jantar de negócios!

–Olá-áá! - Cantarolou uma voz fina. Balancei a cabeça, afastando os pensamentos e me foquei na figura a minha frente. Era Lorraine, uma mulher de cabelos roxos (agora um pouco mais azulados) que sempre vinha com seu cachorrinho pequinês na bolsa canina. Fazia muito tempo que não a via por aqui.

–Oi, desculpe. Estou voando hoje.

Deu-me um sorriso simpático e deu de ombros.

–Está tudo bem. Todos temos nossos dias de passarinho. - Entregou-me uma nota de dez. - O café descafeinado de sempre.

***

–O que você acha daquela sua saia preta reta?

Enfiei a cabeça no meu guarda-roupa, prendendo o telefone entre o ombro e a orelha. Não sabendo exatamente se ela estava ali em algum lugar.

–Você acha que ela é o suficiente para o restaurante que eu vou? - Perguntei, temerosa.

–É claro que é, Alminha. Relaxe, vai dá tudo certo. - Aquela maldita saia deveria estar aqui em algum lugar.

–Gostaria de pensar positivo assim, Ells. - Praguejei.

Houve um murmurar do outro lado da linha e então um xingamento.

–Alma, vou ter que desligar, o Collin acabou de derrubar a pizza de cabeça para baixo na mesa de granito. - Soou raivosa. - Use a saia e aquela sua blusa branca que ganhou da sua mãe no seu último aniversário. Você vai arrasar.

–Obrigada, Ellie.

–Beijinhos.

E desligou.

Fiquei extremamente tentada a ligar para o Jeff minutos antes do motorista do Oliver aparecer na minha rua. Estava em pânico! O Bento já havia sumido para o aconchego do meu sofá há tempos só porque eu gritava sozinha dentro do apartamento.

Eu não iria saber como me comportar sem o Jeff para me aconselhar. Sentia saudades do seu jeito, da sua presença e da gorjeta dele. Eu provavelmente iria acabar com ketchup na minha blusa como da outra vez que eu fui em um desses restaurantes chiques. Deus! Onde que minha cabeça estava para que eu aceitasse conversar com o homem idoso em um restaurante?

Sam diria que minha cabeça está onde deve está. Só o pensamento dele me encheu de um sentimento bom e triste, ao mesmo tempo. Ele só tinha me ligado uma vez até agora, para dizer que tinha voltado da casa da vó e que estavam todos física e perfeitamente bem.

Cheguei a procurar o nome do Jeff na lista de contatos, mas desisti no último segundo. Não. Eu não iria ligar. Ele havia feito coisas imperdoáveis. Jeff era sinônimo de perigo e mesmo se meu coração não entendesse isso, meu cérebro (mô, te amo) captava isso muito bem.

Quando a hora chegou, eu já não estava tão ansiosa assim, me sentia para baixo de tal modo que nem uma tonelada chocolates tortuguitas me animaria. Antes de saí conferi o curativo do Bento ao menos cinco vezes e coloquei seus potinhos de água e comida logo abaixo do sofá (eu o mimava, eu sei). Olhei para mim no reflexo do espelho e eu estava bem. A saia de cintura alta caia perfeitamente bem com a blusa branca de decote largo em U e os meus negros sapatos altos finalmente haviam sido desenterrados do fundo do guarda-roupa.

Eu me esforcei para ser a garota perfeita pelos olhos da minha mãe a noite inteira. Sentei-me ereta, mastiguei muito e comi muito pouco. O que era uma droga. Porque estava pagando uma fortuna por um pedaço minúsculo de peixe que não me fez nem sentir o gosto.

Sabe aquele papo de uma tonelada de tortuguitas não me fazer feliz? Eu estava enganada.

O Oliver era um bom sujeito. Eu pude ver isso no modo como ele falava da sua profissão. Ele gostava disso, ele se dedicava como se fosse uma grande parte de si mesmo em jogo. Então a maior parte do jantar eu estava observando ele com os olhinhos brilhando enquanto o enchia de perguntas sobre suas histórias. Em momento nenhum o nome de seu sobrinho foi citado e eu gostei disso.

No final da noite eu tinha uma prova agendada para o final do ano e um buraco gigante na barriga de fome e nervoso, porém mais de fome. Assim que chegamos na frente do meu apartamento, sua mão pousou no meu ombro.

–Nos vemos na segunda da próxima semana?

Não precisei pensar duas vezes antes de assentir.

–As 9 horas?

–Da manhã? - Crispei os lábios, nervosa.

–Algum problema?

–É que eu estarei trabalhando a esse horário...

–Sinto muito, Alma, mas você terá que conseguir uma folga. Não posso reagendar sua inscrição e ainda tenho que repassar o edital com todos os assuntos. Quanto mais tempo para você estudar, melhor.

–Claro, tudo bem. Eu posso fazer isso. - Mas não estava tão certa.

–Pedirei a minha secretária lhe passar o endereço. - Abri a porta do carro. - Até logo, Alma.

–Muito obrigada pelo jantar, senhor Oliver. Até mais.

Esperei que seu carro sumisse da minha rua, com aquela ideia louca que a qualquer momento ele daria ré e me diria que era uma brincadeira, mas ele não o fez.

–Acho bom você entrar, menina, ficar aqui a essa hora é perigoso. - Dona Madalena, minha vizinha do andar de baixo deu duas cutucadas no meu flanco. Ela segurava quatro sacolas de plástico, tinha acabado de voltar do supermercado.

–A senhora quer ajuda?

–Seria ótimo para minhas costas, Alma. Obrigada. - A mulher usava um xale de tecido retalhado, cobrindo quase seu rosto inteiro por conta do tempo esfriado da noite. Caminhamos lentamente até seu apartamento, falando de assuntos rasteiros como as plantas do térreo e do gato mal humorado do 204.

Quando entrei no meu apartamento velho e alugado, sendo recebida com um abanar de rabo feliz de Bento, meus pés latejavam de dor. Acomodei meus sapatos altos no canto da cozinha e vasculhei a geladeira, contentando-me com uma pizza gelada. Repassei a noite inteira na minha cabeça, cada gesto, cada palavra, mas só uma coisa me prendeu mesmo: o xale de tecido retalhado da Dona Madalena.

Ele tinha me feito lembrar de algo que minha mãe havia me dito anos antes, quando eu e Agatha viemos para a cidade grande mal suportando o peso das nossas malas. Ela não conseguia falar direito naquele dia, seus soluços eram tão fortes que sacudiam seu corpo inteiro, lembro-me que não entendi quando ela começou a falar da colcha de retalhos da nossa já falecida avó.

Achei que minha mãe estava se afogando nas próprias lágrimas e já estava delirando, mas agora eu finalmente entendo. Ela tinha dito que estava fazendo uma colcha de retalhos também. Cobrindo buracos feitos pelo tempo com outros pedacinhos diferentes que julgamos que vai consertá-los. Não era um trabalho para se tornar o que era antes. Não. Mas era para se tornar algo mais forte.

Empoleirada no sofá com meu cachorro cinzento, que tentava a todo custo roubar um pedaço do meu verdadeiro jantar, eu desejei que certas pessoas fossem meus pedacinhos para cobrir os defeitos feitos pelo o tempo, como um retalho de uma colcha.

(N/A: o nyah não me deixou publicar duas fotos T.T)

Xícara de café ~ 5 dias depois... ~ Xícara de café


8 de agosto. Segunda-feira. 6 horas da manhã. Dia de inventar uma doença de nome complicado para meu patrão para ir até minha (cruza os dedos) futura faculdade.

E eu já estava tentando convencer Bento a soltar um osso nojento que ele tinha encontrado na rua.

Hoje era o mesmo dia que eu fazia 25 anos. Não que isso importasse para meu cachorro. Ou para qualquer outra pessoa que não fossem minha mãe e Ellie.

–Bê, querido, solta isso. Você sabe que lá em casa tem comida, você não precisa desse osso. - Seus olhos caramelos me olharam pelo canto e ele rosnou baixinho, não se rendendo.

Acabei desistindo porque isso já havia me rendido preciosos minutos e subi até meu apartamento com baba canina em minhas roupas.

–Eu te amo, querido, você sabe disso. Só tem horas que eu não gosto de você. Nem um pouco. Nada mesmo. - Piscou os olhos castanhos para mim, arrastou seu pote de ração com as patas e quando eu não o dei atenção, passou a escorrega-lo pela cozinha inteira. - Fico feliz que sua pata já esteja bem, Bento.

Quando meu telefone começou a tocar enquanto fritava um ovo, eu tive que equilibrá-lo entre meu ombro e bochecha.

–Oi mãe.

–Minha menina parece muito desanimada para quem está completando VINTE E CINCO ANOS! - Então ela começou a cantar parabéns para você do outro lado da linha. Eu sorri, porque essa era minha mãe e o jeito dela de dizer que me ama tanto assim.

Aproveitei para por o papo em dia. Contornando a existência de Jeff e omitindo algumas partes, eu contei da minha possibilidade de ingressar uma faculdade de enfermagem novamente. E melhor... Gratuitamente!

Por uns bons 2 minutos ela não me respondeu nada. Passado o momento em choque, ela gritava e comemorava do outro lado. Prometendo uma visita até minha cidade natal, desliguei o telefone, me sentindo ao menos um pouco melhor agora.

Ainda teria que esperar 15 minutos até ligar para o senhor Lewis, então tratei de começar meu café da manhã, que consistia basicamente de ovos mexidos e o pão quentinho recém comprado na padaria. Ok, e talvez um cupcake. Porque era meu aniversário e eu queria um bolo, mas meu orçamento não permitia.

Assim que terminei, tomei coragem para ligar para o senhor Lewis. Ele não recebeu a notícia bem, disse que eu tinha acabado de pegar minhas férias (que duraram 2 semanas) e eu tentei explicar que minha crise de fibromialgia tinha me atacado. Era uma dor terrível entre os ombros, na supraespinal. Acho que ele acabou ficando confuso com essas palavras difíceis e aceitou de mau agrado. Obrigada aulas antigas da faculdade, obrigada ignorância do meu chefe.

O telefone começou a tocar quando eu tinha acabado de lavar o prato e os talheres. Era Ellie.

–DIZ AÍ MINHA IDOSINHA DE VINTE E CINCO ANOS! - Revirei os olhos.

–Bom dia Ells.

–Hey! Cadê sua animação? É dia de festa, bebê!

–Só você para me fazer rir, Elliezinha. - Guardei o prato no armário e os talheres na gaveta. - Não tenho nada pra comemorar hoje. Você sabe disso. Vou lá na faculdade daqui a pouco, estou quase sendo levada de cadeira de rodas de tanto que meus joelhos tremem.

–Respire fundo. Tudo vai dar certo. E... tenho uma surpresa pra você. - Silêncio. - Temos uma festa incrível hoje para seu aniversário.

–Você está preparando uma festa pra mim? - Oh Deus, eu tinha a melhor amiga de todas.

–Hã... Na verdade não. Vamos só entrar na festa de formatura de uma amiga. Mas funciona para seu aniversário também.

–Que amiga? Porque exemplar você só tem eu.

–Convencida. É a Sheila.

–Aquela que eu não suporto? Sheila-piranha?

–Essa mesmo. Não sei porque você a chama assim.

–Porque ela deu na frente do Brian enquanto ainda namorávamos e na minha frente.

–Nem foi tão na cara assim...

–Ela pediu o número dele para "quem sabe se conhecerem melhor"!

–Foi uma pesquisa de campo, Alminha.

–Da matéria de piranhagem? Por favor, Ellie. Não quero ir a festa nenhuma. Estou feliz no meu apartamento.

–Você vai sair hoje sim.

–Não vou.

–Você vai sim, nem que para isso eu tenha que pedir reforços.

–O que você quer dizer?

–Eu tenho formas mais sérias de te convencer a ir. Você pode escolher. Por bem ou por mal.

Tremi até os ossos. Aquela loira dissimulada era capaz de tudo.

–Jesus. É meu aniversário, Ellie, você não deveria me fazer te odiar no meu aniversário.

–Esteja pronta as 20 horas. PARABÉÉÉNS! O Collin também está mandando muitos beijinhos.

Uma voz abafada no fundo discordou com um "não estou não". Mais uma vez revirei os olhos.

–Tenho um recado para dar a ele. Ponha no viva-voz.

–Colocado.

–Oi Collin, eu desejo de todo o meu coração que a Interpol não apareça na porta de vocês hoje. Se aparecer, tenha certeza que não foi coincidência.

–Ai Alminha, que horror!

Ouvi uma gargalhada no fundo e então uma voz grossa:

–Parabéns, Alma penada!

–Tá. Chega. Alguém tem que trabalhar de nós duas. Qual foi a doença que você inventou pro senhor Lewis?

–Apoie a ideia que eu mal consegui me mover na cama. Você teve que ir hoje de madrugada na minha casa para trocar meu forro de cama ensopado de xixi.

–Eca. Tudo bem. Eu posso mentir sobre isso. Boa sorte hoje!

–Obrigada, Ells.

–Hoje. 20 horas. Tchau.

E então desligou.

***

–Hã, olá?! Você poderia me dizer em que parte fica a secretaria por favor? - Era a sexta pessoa que eu parava na faculdade para perguntar a mesma coisa. Acontece que quando eu concluía o início da instrução, eu esquecia o resto. O lugar ser gigante também não ajudava nem um pouco.

Aos trancos e barrancos eu cheguei na secretaria. Só para saber que não era ali onde a reunião iria acontecer. Era na sala de reuniões (lógico!). Caminhei mais alguns quilômetros até chegar ao local. Minha blusa de alças e fininha grudava no meu corpo de um jeito nada agradável e meu cabelo tinha se tornado abrigo para aves rapinas.

Quando finalmente cheguei na sala, eu estava tão exausta que nem bati na porta, fui logo entrando, me achando A da casa por ter feito um tour pelo lugar. Acontece que JÁ estava tendo uma reunião e eu apareci de supetão.

Senhor Oliver ficou super vermelho, mas achou graça, os outros caras engravatados nem tanto. Recuei rapidamente e dei uma desculpa ridícula de "porta errada, não é o banheiro" sendo que tinha uma maldita placa gigante na porta e ainda de ouro com os dizeres SALA DE REUNIÃO. Só ela custava mais que meu apartamento e carro juntos.

Mas tirando esses pequeninos fatos tudo ocorreu bem. Senhor Oliver foi super gentil comigo e me explicou todo o edital e manual do aluno. Explicou-me como era a prova e indicou até alguns livros para que eu pudesse estudar melhor durante esses 4 meses que restavam. Foi tão fofo comigo o tempo inteiro... E ainda quando conferiu meus documentos para fazer a inscrição e notou que era meu aniversário, desejou-me parabéns! E ainda me deu a caneta da faculdade de presente!

Quando nos despedimos, ele estava levantando a mão para um acordo de negócios, mas eu fui mais rápida e o envolvi em um abraço tão apertado que talvez ele tenha que fazer uma radiografia da caixa torácica.

Voltei para meu apartamento em seguida. Toda saltitante por ter recebido o melhor presente de aniversário de todos. Estava cheia de esperanças. As coisas finalmente começaram a dar certo!

Foi quando eu estava estacionando a Mary que meu celular tocou. Nem vi quem era, crente que era Ellie para confirmar minha ida até essa festa maldita.

–Você sabe que eu vou. - Tratei de falar.

–Na verdade eu não sei, tia Al. - Foi quando eu ouvi àquela voz... Deus, eu estava com tanta saudade dela.

–Sam!

–Eu.

–Oh meu São Longuinho, aconteceu alguma coisa? Você e seu pai estão bem?

–Nossos corpos estão perfeitamente em funcionamento. Estou ligando para desejar minhas congratulações pelo seu aniversário.

–Saaam! Eu também quero falar com ela. Você disse que ia deixar eu falar com ela!

–Mel?! - Ouve um barulho do outro lado.

–Ah sim, nós estamos ligando do telefone da diretora. Tivemos que inventar uma história muito triste que o avô do Sam estava morrendo. Mas como ele já morreu, não tem perigo que algo ruim vá acontecer mesmo, né tia?

–Espera, Mel... Deixa eu colocar o telefone no viva-voz...

–Nãão! Me dá ele!

–Espera! Não invada meu espaço pessoal.

–Não estou invadido seu espaço pertual. Estou longe de você! Eu quero o telefone pra falar com minha tia.

–Espera!

–Mas eu quero ele!

–Pronto. Agora já estamos no viva-voz.

–Muito obrigada, crianças, isso foi muito legal da parte de vocês. Mas cuidado com a diretora, ela tem cara que mastiga criancinhas no almoço.

–Ela é terrível mesmo, tia Al. - Mel soltou uns barulhos de descontentamento.

Houve um limpar de garganta e então uma garotinha resmungando "fala logo, não fica pensando muito assim não. É só colocar pra fora".

–Vovó disse que não é delicado perguntar a idade de uma mulher - começou meu garotinho favorito - então gostaria de saber em que ano você nasceu.

Eu soltei uma gargalhada no meu carro velho.

–Eu nasci em 8 de agosto de 1989 (N/A: vergonhoso dizer que tive que pegar a calculadora?). E aliás... Como você sabe que hoje é meu aniversário?

–O calendário da sua geladeira. - Respondeu de imediato. - A Mel nem estava lembrava.

–Seu cara de xuxu azedo! Eu estava lembrada sim!

–Eu não tenho cara de xuxu azedo. Isso não faz lógica nenhuma. Nenhum ser humano pode ter cara de xuxu azedo.

–Você tem!

–Hey, crianças! - Tive que berrar duas vezes até que eles parassem de discutir. - Tive uma ideia para comemorar meu aniversário. Esse sábado agora. Nós três e uma sorveteria.

–OBA! - Cantarolou Mel.

–Eu acho que tem alguém...

–Mas que dois pestinhas... - E então a ligação acabou.

***

As 20 horas eu estava pronta. Com a mesma roupa que eu tinha ido para o jantar com o senhor Oliver, vale frisar. Eu repetia roupa sim! E repetia tudo quando gostava. Fui até com a mesma maquiagem. Alguém da revista Caras me processe por isso.

20:30h eles estavam na porta do meu prédio para me buscar. Ellie estava tão radiante que eu tive que esconder meu mal humor. Estacionamos o carro quatro trechos antes porque não havia uma vaga mais próximo e fomos caminhando. Meus pés já doíam antes mesmo que eu chegasse no local do evento. Era um salão de festa imenso, lágrimas escorriam dos meus olhos e já com o símbolo do cifrão, aquele lugar transbordava dinheiro em todos os sentidos.

Eu sei que era algo gentil. Ela estava se esforçando para me ver bem. Repassei isso na minha um bilhão de vezes antes de ficar decepcionada. Eu só queria estar em casa. Ellie sabe que eu nunca gostei de festas. E me arrastar para algo assim...?

–Divirta-se um pouco, Alminha! - Seus longos e finos braços me serpentearam para um abraço apertado.

Graças a Deus que eu não parecia a única descontente nessa história. Collin estava atrás de nós duas com aquela cara de pit bull zangado dele. Minha amiga achava adorável... O que eu poderia dizer?

–É seu aniversááário! - Cantarolou ela.

E formatura da sua prima que eu não suporto, pensei em acrescentar, mas não o fiz. Ells não merecia isso.

Assim que seus braços me soltaram, ela saiu saltitando até o namorado. Quando ele a aconchegou em seus braços, como quem quer proteger do mundo e quiçá a galáxia, eu me senti um pequeno pedaço de queijo estragado no fundo da geladeira.

A música eletrônica era animada e em um segundo nós já estávamos nos dirigindo para o coração da pista de dança. Joguei longe minha carranca mal humorada e tratei de enfeitar um sorriso. Eu poderia fazer isso. Uma noite curtida. Eu poderia. Eu sabia curtir uma noite.

–Bebe isso! - Ela me empurrou uma bebida azul néon. Caro São Longuinho, eu nem sabia que isso existia! Onde você tinha enfiado essa bebida milagrosa?

Ela desceu rasgando pela minha garganta. Tossi uma vez e então outra. O que diabos era aquilo? Dei uma conferida com Ellie, mas ela já estava terminando de tomar a sua própria taça.

Passei os olhos para Collin e ele deu de ombros.

–Será que é seguro? - Franzi o cenho.

–Eu não diria que é, mas é seu aniversário. Você deveria experimentar. - Quando eu vi aquele sorriso estranho no rosto do namorado sério da minha amiga, eu decidi que precisava disso. Não queria ser a Alma mal humorada e contra-festas de sempre.

Tomei o resto e troquei por outro. E talvez mais outro. Não sei. Em algum momento nós fomos para a pista de dança.

Eu era boa em balançar os quadris no movimento da batida. Ellie estava na minha frente, com o pobre do Collin jogado para escanteio.

–Vamos massacrar isso daqui, Alma! - Com os cabelos perfeitamente desgrenhados, ela segurou firme minhas mãos e as levou para o alto. Dançamos umas cinco músicas, talvez oito.

Luzes verdes, azuis e amarelas piscavam ensandecidamente. Eu poderia fazer isso. Uma noite sem pensar no dia seguinte, nas minhas responsabilidades plantadas nas minhas costas.

Verde.

Azul.

Amarelo.

Boom. Boom. Boom. Acompanha o ritmo com o quadril. Mais uma música. Mais um pensamento jogado fora.

Amarelo.

Verde.

Azul.

Dei uma conferida em Ellie e ela tinha duas mãos presas em sua cintura. Collin não poderia deixá-la em paz nem por uma noite. Ao menos ela estaria dividindo a cama com ele e eu com um cachorro que precisava de um banho urgente.

Maps do Maroon 5 começou a tocar no volume máximo e eu fui a loucura.

–MEU SÃO LONGUINHO! EU AMO ESSA MÚSICA MUITO. MUITÃO. TANTÃÃO!

Fui toda empolgada na direção da minha melhor amiga com o intuito de afastá-la do pit bull do seu namorado, argumentando que ele a tinha pelo resto da noite, quando notei que ela já estava embolada com ele. Espera... Quando o cabelo do Collin tinha se tornado tão... Loiro? Quando o Collin tinha diminuído uns bons 5 centímetro?

AI. MEU. PAI.

Parti pra cima dos dois, pronta para acabar aquilo antes que fosse tarde demais, antes que o pit bull começasse a morder por aí. Mas notei que era tarde demais. Assim que eu consegui separar os dois um pouquinho, eu pude ver a figura masculina rígida atrás de Ellie e o estranho (futuro falecido).

Collin tinha uma poça de líquido colorido nos pés e vários caquinhos de vidro estavam espalhados por todo o lado.

São Longuinho das causas perdidas, me ajuda a segurar esse forninho pelo amor de Deus.

Eu pisquei e Collin já tinha atacado o futuro falecido. Foi com um soco certeiro na mandíbula ao som da voz doce e sexy de Adam Levine e ele foi ao chão, eu nunca tinha visto um homem cair tão fácil assim. Mas não ficou por aí, pit bull ainda tratou de dar uns chutes no estômago e costelas do sujeito que eu tinha certeza que iria matá-lo se alguém não tentasse impedir.

Inferno. Ninguém pensava em impedir a briga. Minha amiga estava paralisada e lágrimas já escorriam pelo seu rosto. Jesus, eu teria que salvar o futuro falecido.

–Collin, chega! Você vai matá-lo! Collin! - Joguei-me nas costas largas do homem. Cravando um braço ao redor do seu pescoço e tentando dar uma chave de braço para que ele ao menos me notasse. Ele ainda conseguiu dar uns três chutes até que cambaleasse para trás pelo meu peso.

–Me solta! - Rugiu. Seu cotovelo acertou duas vezes meus ombros e eu quase caí de dor também. Alguém tentou me tirar das costas dele, mas eu forcei meus braços mais apertado.

–Collin, querido, por favor pare! - Finalmente Ellie já voltava a vida e corria até a frente dele. Suas mãos tentando segurar seu rosto raivoso. - Você pode acabar machucando a Alma. Por favor. Pare. Nós vamos embora e então vamos conversar. Eu sinto muito. Foi um mal entendido e...

–Chega! - Ele berrou tão alto que juro: até a música ficou em segundo plano, a festa inteira tinha parado para ver a encrenca. Escorreguei das suas costas cambaleando.

Alguém segurou-me antes de cair. Não sei quem. Mas soltei um muxoxo de agradecimento.

–Foda-se, Ellizabeth! - Ele estava tão irado que nem sei se notou que suas mãos sangravam e tinham cacos pequenos de vidro incrustados na sua pele. - Espero que você tenha a porra do dinheiro para o táxi.

Algumas piscadas de olho e novamente ele já estava se movendo como o Flash, droga, aquele homem sabia como usar as pernas. Ele sumiu pela multidão rapidamente e me deixou para trás com um homem inconsciente e uma garota completamente em pânico.

Eu nem gostava tanto assim de festas de aniversário, mas de formatura eu sabia que havia um motivo para odiar.


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Notas finais do capítulo

Eu fui até rápida dessa vez, não fui?
Pensei em dividir esse capítulo já que ele saiu gigante, mas não o fiz. Espero que a maioria de vocês gostem de capítulos plus size.
Apesar de não ter o Jeff nele, foi o capítulo que eu mais gostei de escrever até agora. As férias também têm total culpa disso.
É o segundo Natal que eu passo escrevendo essa fic. Dá pra acreditar?!
Desejo a vocês um Natal maravilhoso, que vocês possam abraçar bem apertado (como quem quer matar sufocado) as pessoas que vocês querem bem. Sempre achei essa época do ano algo bem família e é realmente triste quando já não se tem alguém do lado que deveria ficar para sempre e mais um pouco, mas há muita gente por aí que merece o carinho que vc tem pra dar. Meu cachorro que o diga, fica com as orelhas em pé de tanto mimo que eu dou.
p.s.: por via das dúvidas também desejo um ano novo excelente. Quem mais aí tá investindo em mandingas para esse ano novo? Tô aceitando conselho.
p.s.²: não comam torta de frango, elas não são amigas.
É isso.
Beijo e queijo e chester ^^



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