Dias Mortos escrita por Misty


Capítulo 24
24: Morta para o mundo...


Notas iniciais do capítulo

Minha flor, murcha entre
As páginas dois e três
O florescer único e eterno
Se foi com meus pecados
Ande pelo caminho escuro durma com os anjos
Peça ajuda ao passado
Toque-me com seu amor
E revele para mim meu nome verdadeiro

*Nightwish



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Eram tempos estranhos e perigosos, a lua azul estava se aproximando e isso deixava os moradores de Egerver inquietos e prontos para fazerem orações a todo momento. Mas eles apenas não sabiam, que a fé não salva aqueles que já estão perdidos.

Para sempre Egerver era uma cidade condenada, nunca vi forma de mudar isso, apesar de muitas vezes, quando os via gritando sobre os badalar do sino, meu coração se apertava. Eles mal conseguiam se defender sozinhos.

Mas apesar de tudo, havia um único lugar onde os amaldiçoados da lua azul, não podiam chegar, esse lugar era o circo Lacrimosa da cidade. Um lugar que sempre me fascinou desde do inicio dos tempos, era misterioso e belo, perigoso e em sua forma mais estranha havia ali uma delicadeza mórbida, que me fazia sonhar. Foi nesse lugar que eu me perdi e apenas agora estou conseguindo me restabelecer.

Com minha memória de volta, eu conseguia lembrar muito bem, como se fosse ontem o que havia acontecido naquela época.

Quem conseguia sair a tempo da cidade, se refugiava no circo. Nos como senhores do submundo, não podíamos fazer nada a não ser ver o trabalho inútil dos caçadores de sonhos em tentar deter as almas pecadoras e sedentas que caminhavam sobre Egerver, capturando na pior forma os humanos e lhes tirando cada sopro de vida.

Mas havia uma família em particular que me fazia esteirar os olhos, os Desmund. Eles eram estranhos e distantes, e eu sabia muito bem que a dançarina Felícia mexia as escondidas com magia negra, eu mesma certa vez fiz uma pequena troca com ela, eu sabia que era questão de tempo até a mesma acabar completamente louca e levar seus familiares consigo. Mas também havia a mais nova, talvez a mais pura e casta em todos ali, sua alma parecia irradiar uma delicadeza formidável e invejável, Kizzy era o ser mais puro em toda aquela cidade de almas negras e distorcidas.

De certa forma eu gostaria muito de proteger essa alma, que era como uma chama prestes a se apagar em meio a escuridão.

Então eu me aproximei, e vocês devem imaginar a reação da pobre humana ao falar com a própria Lilith. Mas a deixei calma, me impressionando como ela podia ser diferente da irmã que já não estava no juízo perfeito.

Mas eu me enganei, Kizzy era apenas um rostinho inocente, ela poderia ser muito pior do que qualquer senhor da morte.

Quando sua irmã apareceu morta e seus pais também, a garota fez um teatro com muita choradeira e drama, ela ficou um tempo com o pessoal do circo, mas eu tinha minhas desconfianças. Ora eu conseguia sentir a densidade da sua alma, que antes pura agora estava começando a ficar negra.

Casper muitas vezes me dava olhar de reprovação, ele não entendia meu fascínio por essa criatura, nem mesmo eu....talvez eu estivesse com inveja se sua alma tão pura enquanto a minha era carregada por sombras, eu poderia ter sua alma em um piscar de olhos mas preferi tentar ser um pouco gentil de deixa-la em paz, mas ela não tinha a mesma intenção.

Acredite ou não, a pequena megera estava no submundo, eu sentia com deleite todo seu fascínio e como ela queria tudo aquilo, mas quando se virou para mim, com os olhos injetados dizendo “Quero um pouco disso tudo” eu não pude deixar de rir, ela não sabia onde estava se enfiando.

Óbvio que rapidamente eu a expulsei de lá, mas ela não parava. Lembro-me muito bem que a vi se jogando para cima do meu Casper, isso me fez sentir uma onda de ódio que aos poucos estava começando minha ruína, pois desde do começo era esse seu jogo.

Ela sabia que não podia contra mim, mas iria usar meus próprios sentimentos como uma arma para me derrubar.

Eu estava amarga, me sentindo mais do que nunca claustrofóbica em minha própria casa, eu não estava feliz e isso não era bom. Certa vez, quando fui buscar uma pequena alma, adivinhem com quem encontrei, Kizzy em sua pior forma.

A pequena alma não era nada mais que Dustin, o garoto de cabelos claros que estava sobre seus braços, com os olhos abertos e um corte profundo na garganta. Fiz uma careta, enquanto caminhava até o beco, onde os dois se encontravam e tentei controlar minha raiva.

“O que pensa que fez?”-disse entre dentes, sentindo minha magia rodopiar a minha volta. Eu posso ser uma senhora das trevas, mas nunca na minha vida assassinei alguém.

“ Esse é meu sacrifício para todos no submundo, ouvi boatos de que Lilith não está dando conta do recado, eles querem alguém um pouco mais cruel então me candidatei”

Então eu sabia, Felícia não tinha se matado e nem mexia com magia negra porque queria, era fato de que ela queria proteger a irmã, que estava de certa forma louca. Então Kizzy a matou, em seguida fora seus pais.

Pois para um sacrifício ser aceito no submundo tem de ser de quatro mortes, assassinadas de preferência, então por último uma alma roubada.

Dessa vez a sortuda foi eu.

“ Como pode ser uma pessoa de níveis tão baixos, já vi muitas coisas do lugar onde venho, mas de tudo você é a que me da mais repulsa”-disse com uma erguida nas sobrancelhas, ela apenas se levantou e me estendeu o corpo da criança morta, então ouvi alguns choros, fiz uma careta para Kizzy, que sorria”O que mais está escondido aqui?”

“ Olhe por si mesma”-sussurrou me dando passagem, por um momento parei e testei o ar, havia ali morte, tristeza, alegria, e novamente a morte.

Caminhei pelo beco escuro, com apenas uma fraca luz a gás dos lampiões, deixando um rastro doentio por meu caminho. Era uma mulher, estava jogada perto do muro de tijolos, com o vestido amarelo fluorescente rasgado e sujo de sangue. Me aproximei sentindo seus choros de desespero apertarem meu estômago, por debaixo do seu cabelo claro havia um profundo corte na testa, que ainda soltava sangue, ela apenas resmungava, mas eu sabia quem era.

Penélope, era Penélope Erstanding. Uma das melhores cantoras de ópera que tive o prazer de ouvir.

“Minha...criança...ela o...roubou...”-dizia se esforçando para manter os olhos abertos, então tombou de lado, em sua própria miséria e sangue.

Me levantei, fazendo minha capa escura voar a minha volta, sentindo o vento frio da noite cortar sobre nós. Kizzy já estava enchendo, eu não me importaria que ela fosse a primeira pessoa a morrer em minhas mãos.

“ Eu mesma terei o imenso prazer de a cada maldito dia lhe arrancar uma boa dosagem de sangue e dar para minhas fiéis companheiras se deliciarem em seus banhos, arrancarei todo seu puro sangue até que você seque, então usarei sua pele para fazer um belo casaco”

Hó sim, eu a odiava. Pois tentei ajuda-la e o que ela fez, simplesmente arruinou tudo! Estragou a única alma pura nesse mundo e matou, ou melhor assassinou e isso é uma das muitas coisas que não tolero nesse mundo sujo que vivemos.

Pois ninguém, nem mesmo nós do submundo temos direito de tirar a alma um dos outros.

Ela riu, gargalhou como se tivesse vinda do próprio inferno, enquanto jogava o pobre garoto ao chão. Ela não estava sozinha, em meio a escuridão olhos vermelhos foram aparecendo, eu os conhecia, eram minhas almas, meus companheiros.

E agora estavam se rebelando contra mim.

“Traidores! Como podem em nome de tudo que prezam, passa ao lado dessa humana patética”gritei sentindo o poder da minha voz ecoar na escuridão da noite. Alguns deles me olharam com algo perto do medo, sim eu sabia que eles me temiam.

“Você não serve para mandar no submundo....”disse um jovem de pele escamada e olhar de fogo. Eu sentia minhas energias serem drenadas, a última coisa naquela noite que disse como Lilith fora.

“ Sou apenas justa”

Mas eles não gostavam disso, eles queriam alguém sujo no poder e quem melhor do que Kizzy. Ela, a garota com olhar angelical e alma pura me roubou tudo, completamente tudo.

“Ataquem”sussurrou em uma voz baixa, eu não podia lutar já que a mesma estava com o amuleto Inviskin, meu único ponto fraco e ela não temeu em usar, nem mesmo meus chamados “amigos”  temerem em me atacar, me jogando contra a parede e sugando tudo que havia dentro de mim.

Me tornando uma Kizzy sem nome, sem passado, sem nada....até agora.

“Ninguém nunca se lembrara de quem fora Kizzy, ou alguma Lilith! Agora olhe para si mesma e contemple o quão ordinária está, eu agora sou Lilith rainha de todas as almas escuras e sombrias de Egerver e você, é apenas Kizzy uma louca caçadora de sonhos sem importância, que apodrecera no sanatório, onde estavam planejando me jogar!

Então foi isso, eles me carregaram até o sanatório me deixando a mercê da sorte, até que a alma boa esquecida de Penélope sentisse que eu precisava de ajuda. Casper vivia sobre uma nova ordem, mesmo assim eu sabia, agora eu me lembrava e como sei que não estou louca, a pessoa que eu via pela janela, olhando diretamente para mim, com asas negras batendo levemente contra a neve era ele.

Casper nunca me abandonou, ele era meu eterno guardião.

Agora eu devia a todos, Penélope e sua perda, ao casal Inviskin que sempre cuidaram de mim, a Casper e todas as vezes que me olhava pela janela, a mim mesma e minha identidade roubada.

Eu tinha o direito de derrubar Kizzy.


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