Eu fiquei chocada com o tamanho das asas dele.

-Você precisa de mais alguma prova?

Eu balancei a cabeça negativamente. As asas foram desaparecendo lentamente, até sumirem por completo.

A minha cabeça se encheu de dúvidas. Com certeza vovó sabia daquilo. Ela devia saber desde o começo. Mas desde quando?

-A quanto tempo minha avó sabe sobre isso?

-Desde sempre. Esse foi um segredo passado de geração em geração na sua família há cem anos.

-A minha família sabe disso?

-Apenas as mulheres. Rafael sempre vem conversar com elas quando fazem 18 anos. Idade suficiente para entender toda essa loucura.

-Eu ainda não tenho 18...

-É por isso que estávamos esperando o momento certo. Mas tudo saiu do controle. Eu não devia ter vindo, mas não conseguia ficar mais tempo longe de você.

Era por isso essa atração desenfreada que eu sentia por ele. Nós vivíamos juntos.

-E como funciona este negócio de... de... Os Anjos podem namorar? Quero dizer...

Ele sorriu e sentou-se na minha cama e fez um sinal para que eu me sentasse do lado dele.

-Claro que sim. Deus não criou um por um.

-E vocês fazem...

-Fazem?

-Você sabe o que eu quero dizer.

Ele riu da minha cara e fiquei envergonhada.

-Do mesmo jeito que os humanos. A única diferença é que quando nos apaixonamos, é uma vez. Não é como aqui que os humanos vivem trocando de pares. Pra nós é eterno. Quando encontramos a pessoa certa, ela passa a ser o centro de toda nossa existência.

Essas palavras tinham sido lindas e mexeram comigo.

-Você estava me esperando este tempo todo?

-Desde o dia em que Deus enviou sua alma para renascer.

-Mas como vocês sabiam onde eu ia nascer?

-Para que você nascesse com todos os seus poderes, você tinha que nascer de algum descendente de Ângela. O avô da sua avó era o único irmão de Ângela. Quando sua avó nasceu, achamos que era ela, mas Deus não quis que fosse assim. E ela só gerou o seu pai. Quando sua mãe ficou grávida, eu soube que era você.

-Você me acompanhou desde que eu estava na barriga da minha mãe?

-Sim.

_Você acompanhou toda minha vida?

-Não! Quando você fez 15 anos, Rafael não permitiu que eu ficasse mais perto de você. Por que ele sabia que para mim, seria muito difícil vigiar você sem chegar perto. Deve ter sido quando Daniel se aproximou.

Ele falar em Daniel, fez meu corpo se arrepiar. Só que agora era medo.

-Meu Deus. Eu não acredito que namorei com ele por dois anos e nunca aconteceu nada. Ele nunca disse nada.

-Pode ter certeza que existe um porque por trás desta atitude dele. Ele com certeza tinha um plano e acabou quando apareci.

-Você disse que eu sempre fui protegida. Como nunca reparei e nem senti nada? Porque esses poderes que tenho, se são tão fortes assim, só apareceram agora?

-Você é filha de um Arcanjo e de uma humana. A primeira de toda história do Céu e da Terra. Não sabíamos como e quando eles iam se manifestar. O tempo que você viveu no céu, eles quase não apareceram. Chegamos a achar que talvez eles só se desenvolvessem de acordo com os séculos que você fosse vivendo. Mas vejo que aqui, eles são muito mais potentes. Quanto à proteção, quando Rafael me mandou voltar para o Paraíso, ele colocou no meu lugar outro Arcanjo: Miguel. Ele está aqui há 3 anos te guardando de perto.

Miguel? Quem poderia ser? O único Miguel que eu conhecia era o namorado da Kelly. Mas não podia ser! Não seria possível.

-Por acaso é o Miguel que eu estou pensando?

-Se está se referindo ao namorado da sua amiga, é ele sim.

Levei as duas mãos ao meu rosto. Só faltava a Kelly ser um Anjo também...

-A Kelly é...

-Não. Ela é cem por cento humana. E não sabe de nada.

Como eu ia esconder aquela bomba da minha melhor amiga? Miguel era namorado dela. Um ser celestial. Eles viviam tão bem. O que ia acontecer com ela quando ele tivesse que voltar ao Paraíso. Aparentemente, ele a amava muito. Seria possível existir um futuro para os dois?

Porque eu era metade Anjo e metade humana, e tinha um destino a seguir.

Eu cheguei aqui pensando que eu tinha problemas interiores para resolver comigo mesma, e agora eu tinha um destino traçado com o Paraíso e com a humanidade. No final das contas, um romance mal terminado não era o maior dos meus problemas.

Agora eu entendia porque ele sempre fazia aquelas observações íntimas a meu respeito. Afinal, nós tínhamos sido íntimos. E muito, pelo relato dele.

-Nós éramos casados?

-Digamos que sim. – Ele sorriu de novo, como se lembrasse de algo.

-E nós...  você sabe!

-O tempo todo.

Pra que eu fui perguntar? Morri de vergonha. Mas eu estava muito curiosa.

-Não podíamos ficar sozinhos. –ele beijou minhas mãos. –Sinto tanto a sua falta.

Eu não sabia o que responder. Eu não podia dizer também, porque eu não lembrava de nada.

-Eu vou me lembrar? Digo da minha vida passada?

_Sim, Rafael em breve chegará para restaurar suas lembranças.

-Mas como vai ser daqui pra frente? O que vai ser da minha vida nesta confusão toda? Antes eu estava preocupada com qual faculdade eu ia fazer. Agora tenho que estabelecer paz e justiça entre o Paraíso e o plano terrestre. E como eu vou fazer isso? Eu vou ser capaz de fazer isso?

-São muitas perguntas. Hoje você já teve informação suficiente. Rafael vai querer arrancar minhas asas por ter te contado sem falar com ele antes. Vai tomar um banho e descansar. Daqui a pouco sua avó vai estar em casa e você vai querer saber mais coisa, eu tenho certeza. Tente dormir um pouco.

Como eu ia dormir?

-Ah sim, claro Sr. Arcanjo Gabriel! É muito simples. Olha, sua vida não é nada daquilo que você pensa. Amanhã vamos ali no Paraíso fazer um tour e depois voltamos para estabelecer a paz entre os povos... É, com certeza irei tirar meu sono de beleza tranquilamente  esta noite.

Ele não disse nada. Abri a porta do guarda-roupas e peguei uma calça de moletom e uma camiseta. Saí do quarto sem falar mais nada. Quando entrei no banheiro, decidi que por hora, eu não ia querer saber de mais nada. Eu ia ficar sozinha para tentar engolir aquela história toda. Nem quando vovó chegasse. Eu não queria mais papo hoje. Tinha sido demais. Eu estava sobrecarregada. Agora eu entendia o que queria dizer “estar com o peso do mundo nas costas”.

Quando saí do banho, não vi Gabriel em lugar nenhum da casa. Olhei ao redor da casa e nada. O sol estava quase se pondo. Deixei meu corpo cair na cadeira de balanço da minha avó que havia na sala. Comecei a me balançar.

Não passou muito tempo e anoiteceu. Eu estava com uma sensação estranha.

...Camilla...

-Vovó?

Era a voz da minha avó. Ela estava caída na varanda.

-Vovó!!!

Dei um grito. Minha avó estava muito machucada. Seu rosto e suas roupas estavam cobertos de sangue. Eu a abracei. Ela soltou um gemido de dor.

-Vovó, quem fez isso com a senhora?

-Camilla... Gabriel... tomem cuidado...

-Com o que vovó? O que aconteceu?

-Eles... estão... aqui...

-Eles quem?

Ela não teve forças para me responder. Vi quando seus dedos cheios de sangue tentaram tocar meu rosto. Vi a mesma mão cair pesadamente e seus olhos se fecharem.

-Vovó! Vovó! Fala comigo, por favor.

Coloquei meu ouvido em seu peito, mas ela não estava respirando mais.

-Não, vovó, não!

Eu me abracei nela e meus olhos começaram a arder.

-Vovó acorda. Não me deixa aqui sozinha. Por favor, acorda!

Senti minhas costas arderem e não sei como, mas as minhas asas estavam ali. Enormes e pesadas. Quase não conseguia suportar o peso delas. Mas eu não conseguia sentir mais nada além de dor. Eu chorava descontroladamente. Minha avó tinha morrido, nos meus braços. Eu estava sozinha. Onde ele estava? Onde ele tinha ido. Então chamei por ele com toda minha força.

-GABRIEL!