Bianca estava ao lado da cama enquanto passava um lenço umedecido com água na testa de Maria. Assim que a atriz acordou e notou a presença da amiga, sentou-se na cama, tentando colocar os pensamentos em ordem. Não fazia ideia de como havia chegado ali.

Ela vestia ainda o mesmo vestido de festa da noite passada, apesar de estar sem os sapatos. Uma sensação de tranquilidade preenchia seu peito. Tentou explicar com quem saiu da festa, mas Bianca possuía uma resposta melhor.

– Donatella chamou um carro de aluguel e a trouxe até o hotel. Você bebeu mais do que uma dama deveria ter bebido em uma festa. – Sorriu a loira, que em seguida abriu as cortinas das janelas, para clarear o quarto escuro. – Vamos, vá tomar um bom banho. Vou levá-la para tomar o chá da tarde em uma confeitaria maravilhosa que me sugeriram.

– Não, não. – Maria deitou novamente na cama, resmungando algo que Bianca ignorou.

– Eu não aceito um não como resposta. Além do mais, teremos companhia. Átila irá me encontrar lá.

– Mais um motivo para eu não ir. – Maria enfiou a cabeça embaixo do travesseiro, mas Bianca a puxou para fora da cama, empurrando-a para dentro do banheiro.

– Já disse que não aceito um não como resposta. – Ela sorriu, enchendo a banheira. – Fique linda. – Assim que ela saiu do banheiro, Maria decidiu mergulhar o corpo naquela maravilhosa banheira. Ficou ali por quase uma hora e só não dormiu porque a camareira entrou para ajudá-la.

Maria aceitou com paciência a ajuda da camareira para arrumar seu cabelo em um elegante penteado e chapéu com uma longa aba. Vestiu uma calça reta e camisa de seda cor creme. As mulheres naquela época estavam cada vez mais ousadas na moda. E as atrizes do início da década de trinta eram as maiores responsáveis por essas mudanças, afinal, suas imagens rodavam o mundo. Com Maria não era diferente. Ela fora convidada para participar de um coquetel de uma grife famosa em Paris. Maria estava ansiosa por essa festa, mas estranhamente esqueceu completamente do convite com os últimos acontecimentos.

Ela sabia que não fora Donatella quem a levou até o hotel. Recordava-se muito bem da noite passada, e principalmente, recordava-se de ter encontrado um corpo. Um corpo mutilado.

Arrepiou-se com as lembranças, mas mal teve tempo de se recompor, Bianca já estava de volta ao quarto. Havia trocado de roupa e usava um espalhafatoso vestido com contas e franjas. Uma tiara prateada na cabeça e carregava a cigarette entre os dedos.

– Você está belíssima. Mesmo de calças. – ela torceu o nariz, mas Maria ignorou. – Vamos, vamos. Não é nada educado deixar um homem esperando por tanto tempo.

Bianca a apressou. Maria não estava interessada em segurar vela, mas a acompanhou sem reclamar. Ouvindo Bianca falar sobre a bela noite ao luar que tivera na noite passada. Que passearam de barco e depois foi levada para o hotel, onde trocaram um longo beijo.

Maria sorriu, tentando parecer interessada na história que Bianca contava. Mas só conseguia se lembrar de Hades, uma mulher sem cabeça e a noite calma e perigosa.

O que será que Bianca acharia disso? Riu internamente, imaginando a amiga levando-a para um hospício.

Ao chegarem na confeitaria, foram recebidas por uma jovem que as levou até a mesa indicada. Átila Mazza estava acompanhado de Calyce. Isso deixou Maria mais confortável, ao menor teria alguém para conversar. Por outro lado, Bianca fez um bico detestável.

Alguns bolinhos, chocolates e chás depois, eles já pareciam mais íntimos e Bianca deixou de lado o ciúmes desnecessário.

– Já participei de jantares onde atrizes se recusavam a comer. Fico contente que as senhoritas não compartilham dessa ideia absurda. – Átila comentou da maneira mais gentil possível.

– Somos mulheres italianas, viemos de cidades pequenas. Não comer, não é uma opção para nós. – Bianca respondeu, sorrindo e piscando de maneira cúmplice para Maria, que concordou.

– É verdade. Nós trabalhamos tanto que se ficarmos sem comer, não iríamos aguentar uma hora sequer no palco.

Maria e Calyce trocaram um olhar. Algo naquela mulher incomodava Maria, mas não um incomodo ruim, era mais uma curiosidade. Como se ela tivesse respostas para suas perguntas. Embora ainda não soubesse quais perguntas fazer.

Surpreendentemente, Maria não esperava pela presença de Hades naquele momento. Já passava das cinco da tarde e o sol estava muito fraco. A noite chegaria mais cedo naquele dia.

– Senhoritas. – Ele as cumprimentou, curvando-se cordialmente. – Que alegria encontrá-las aqui.

– Senhor. – Bianca já o conhecia, Donatella apresentou-o a todos em uma noite a qual Maria estava no camarim se arrumando. – Que agradável surpresa.

Maria nada disse quando Hades segurou sua mão e a beijou. O garçom trouxe mais uma cadeira e organizou a mesa para o novo membro.

– Assim me sinto excluído, meu tio. – Afirmou Átila, deixando as duas atrizes surpresas com a novidade revelada. – Só solicitou o cumprimento das damas. O que será de mim sem a sua benção?

– Átila, você já é bem crescido para minha benção. – Hades piscou para Calyce. Ela não parecia surpresa, muito menos desrespeitada pelo gracejo. Maria sentiu uma pontada de ciúmes.

Talvez a mesma coisa que Bianca sentia ao ver seu pretendente ao lado da loira. Ela era tão graciosa, que poderia fazer muitos se apaixonarem.

– Correto, mas fico imensamente contente por ter aceitado meu convite. Estou de passagem por Paris e não sei quando retornarei. –

As palavras de Átila caíram como uma bomba na cabeça de Bianca. Ela deixou a xícara de chá cair, e enquanto gaguejava sobre ser distraída, limpava com o guardanapo seu vestido manchado.

Hades deu de ombros, e fitou o sobrinho.

– Algo errado acontece? Algo que eu deveria ser avisado?

– Até o momento não. – Calyce respondeu, deixando Maria curiosa com a intromissão de uma mulher na conversa entre homens.

Ela realmente não parecia ser qualquer mulher. – Mas precisamos partir, senhor.

– Minha querida. – A voz de Hades causou calafrios em todos. Seu tom de voz tornou-se frio. – Não deixe de me trazer notícias.

– Sim, senhor. – Calyce levantou-se e pediu licença a todos. Bianca estava ocupada com seu vestido manchado e Átila a convidou para retornarem ao hotel. Antes de ir, Bianca perguntou se Maria os acompanharia, mas Maria não a ouviu, estava com seus olhos fixos no homem sentado ao seu lado.

Maria desejava perguntar se aquela noite não passou de um sonho, mas não era a pergunta certa a fazer.

– Essa noite, após o espetáculo. Eu gostaria de conversar.

– Seria uma honra minha querida. – O tom frio se foi, e agora havia somente uma voz irrecusável. – Acho que tenho uma novidade para você.

Ele sorriu, deixando a atriz mais curiosa.