A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 32
O viajante




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- O que fazemos agora para achar Zigor?

Belthor achou graça na pergunta.

- Achar? Não temos nenhum assunto para tratar com ele. Zigor é quem tem que nos achar, se quiser a Lágrima. Aliás, ele está realmente perto. É só uma questão de tempo até nos encontrar.

- Vendo por esse lado… mas mesmo assim, o que faremos quando encontrá-lo?

- Nós o matamos. – respondeu Sorah secamente, como se sua voz invadisse a conversa entre Belthor e Sabrina – E não me venham com essa história de que ele não morre porque Nely disse a mesma coisa e virou um cubo de gelo.

- Sorah, será que não dá pra ir ver como Kiev está? – insinuou Belthor cansado da presença da lifing.

- Não se preocupe. Não vou te bater, bastardo.

- Está aqui porque se arrependeu. – afirmou Belthor. – Está aqui porque já se apegou muito aos humanos e sabe que não nos mataria.

- Pelo contrário. Não me arrependo de nada. E se tivesse outra chance, faria exatamente a mesma coisa. Ou melhor. Teria te matado. Estou aqui porque quero. Nada mais.

Ficaram em silêncio alguns minutos. Sorah estava sentada no chão, encostada na parede, onde a luz da lua não chegava. Dart e Sabrina permaneciam imóveis dividindo uma rede. Se pudessem ver os olhos da lifing veriam que ela os olhava com profunda feição de desgosto e ódio.

Belthor havia cedido seu lugar na rede à Íris, que a dividia com Mirian. Então ele e Mia também se mantinham sentados encostados na parede oposta à de Sorah.

- Dentro de três dias será a festa de encerramento… - balbuciou Íris como quem não quer nada.

- Festa? – assustou-se Mirian – Não estou sabendo de nada.

- Um bando de generais dos três reinos se encarando, algumas lifings discutindo a última proeza de seus maridos e vendo quem é mais rica… Nada de mais… - suspirou Sorah.

- É uma noite de gala? – estranhou Sabrina, achando que lifings fossem incapazes de fazer qualquer coisa que não fosse matar – Devemos mesmo ir?

- É a noite de entrega do prêmio. Quem sobreviveu ao torneio está convidado. Lifing humanóides, de preferência com algum posto no exército são bem vindos. Humanos muito bem vestidos têm quase cem por cento de chance de saírem vivos. – ironizou Belthor – E sim, temos que ir.

- Mas eu não tenho roupa nenhuma! – reclamou Sabrina.

- Eu compro vestidos pra todos! – acalmou Mirian.

Sabrina tinha vivido tanta coisa ao lado da amiga que havia esquecido que ela era rica.

 - Posso mandar vir alguma coisa pra mim de meu reino. – comunicou Dart – Vai ser a primeira vez que vou dignamente… das últimas vezes eu fui com roupas normais.

- Kiev mandará trazer roupas pra nós dois. – disse Sorah, fazendo questão de dizer o nome de Kiev bem alto, para que certo lifing escutasse.

 

                                                 ***

 

Quando Sabrina despertou todos ainda estavam dormindo. Pelo menos foi o que imaginou, até notar a falta de Sorah.

Passou por todos e fechou a porta levemente, para não fazer barulho. Desceu as escadas da torre vazia até ver a claridade do dia iluminar crescentemente o corredor circular.

Espreguiçou-se à porta da torre, aproveitando os primeiros raios de Sol daquele domingo.

Em meio ao som matinal da natureza que despertava, Sabrina ouviu o som de estralar de dedos. Assustou-se quando, ao se virar, deparou-se com Sorah, estralando uma mão na outra e olhando-a cheia de desdém, como quem se prepara para uma luta. A cabeça meio tombada para trás e os olhos mirados profundamente nos dela era o clássico jeito da lifing de avisar sobre sua raiva.

- Afaste-se dele. – foi o que disse, com o típico jeito de quem sabe exatamente o que está fazendo.

- Dele quem? – assustou-se Sabrina.

- Dart. – respondeu ríspida – Vai obedecer ou quer que eu te dê motivos?

- O que foi? Estamos felizes juntos. Não precisa se meter.

Sorah ergueu uma sobrancelha.

- Felizes? – riu um pouco – Acha que é “a” mulher da vida dele não é? Sei como é isso. Milhares já acharam a mesma coisa.

- O que quer dizer?

- Você não é a primeira nem vai ser a última mulher na vida de Dart. Falo isso para seu bem. Afaste-se dele.

- Você é que não quer admitir que perdeu! Que ele gosta sim de mim! Não importa o que você diga, eu confiarei nele!

- Um rostinho bonito é tão importante assim pra você? Será que o tempo que ficará com ele vai compensar a perda? Escute o que digo. Desde que conheço Dart, nunca ficou mais de dois meses sem uma mulher. – Sorah deu um curto riso – E convenhamos, já estou do lado dele há quarenta anos. É bastante gente.

- Isso… isso não me importa! – gaguejou Sabrina, não sabendo se deveria acreditar. Esse perfil simplesmente não se encaixava em Dart.

- Me pergunto quanto tempo você vai durar… a garota com que ele ficou mais tempo durou três semanas. Ele não é muito constante, se é que me entende. Ah, e ele está acostumada com mulheres. Não com garotinhas como você.

- Cale-se! Chega! Não vou terminar com Dart só porque você quer!

- Depois não diga que não avisei.

- Ele disse que está apaixonado por mim!

- É… - concordou Sorah - a forma com que ele encara a paixão é bem original… Dart foi apaixonado por todas as mulheres com que ficou. Confessou isso a elas. Mas me disse que haverá apenas uma a quem amará. Ou seja, se ele disse que está apaixonado por você, não mentiu, mas a incluiu novamente em seu estoque de mulheres.

- Chega! Não acredito no que diz!

Sabrina ia andando depressa, pisando duro, sem lugar pra ir. Quando Sorah notou, ela já não estava à vista. Deu um sorriso, vitoriosa.

Estava tão despreocupada e distraída em pensar no que tinha dito que nem notou um humano aproximar-se.

Era alto, do mesmo tamanho que ela. Cabelos loiros, um bom porte físico, olhos verdes e aparência madura. Provavelmente não passava dos trinta anos. Aos olhos da lifing, apenas mais um verme. Mas podia admitir que era atraente, pois seu jeito de olhar passava confiança e calma. Não conseguiu sentir nenhuma energia acima do normal nele. Parecia estar procurando por algo, apesar de sua feição segura e firme.

- Desculpe-me, mas você é Sorah, a vencedora da competição?

- Depende. Quem é você? – respondeu, analisando-o dos pés à cabeça, procurando qualquer coisa que o incriminasse.

- Perdoe meus modos. Meu nome é Benfred Loire. Sou apenas um viajante.

- Então não tem valor pra mim. – afirmou Sorah virando-se para entrar na torre.

- Espere! – impediu o humano. – Preciso falar com Íris. Ela está? – quis saber, como se aquela fosse a casa de Sorah.

A lifing olhou nos olhos dele. Não havia nada em sua aparência, roupas – que eram significantemente humildes – ou olhar que o acusasse. Mesmo assim, o fato de conhecer Íris era intrigante. Principalmente porque ela carrega uma das almas de Yume dentro de si.

- O que quer com ela?

- Senhorita, receio que seja um assunto particular.

- Belthor não vai permitir que converse com ela a sós. – antecipou Sorah.

Por curtos segundos, Sorah pareceu notar uma leve contração no rosto do viajante ao ouvir o nome de Belthor.

- Tudo bem, eu… posso conversar com ela na frente dele. Mas leve-me até ela.

Sorah suspirou. Não queria subir as escadas de novo.

- É só subir pela torre. É a única porta marcada.

- Agradecido.

 

Quando ouviram a porta bater imaginaram imediatamente ser Sabrina. Mia havia sido a primeira deles a acordar e terminou por despertar todos os outros. Por tanto, quando o humano entrou já estavam procurando por algum assunto.

- É aqui que está Íris? – perguntou o belo homem, seguro de si.

Belthor foi o primeiro a se levantar. Não encarou o homem bem de frente, pois ele era um tanto mais alto. Não ficaria bem. Mas o olhou nos olhos, quase que o impedindo de entrar.

- Depende de quem quer saber.

O homem também o encarou, estando sério por apenas alguns segundos. Depois retomou sua face tranqüila, e que passava através dos belos olhos verdes a mesma tranqüilidade. Mas a presença de Belthor e tamanha proximidade pareciam não agradar o humano.

- Meu nome é Benfred Loire. Sou um humano comum, antes que pergunte. Apenas um viajante, como nota-se pelas minhas roupas. Mas trago-lhes uma boa notícia.

Benfred aproximou-se de Íris, sentada na rede. Ela assustou-se quando o jovem ajoelhou-se aos seus pés e beijou as costas de suas mãos.

- Em todos os meus sonhos jamais poderia imaginar que serias tão bela.

Íris permaneceu imóvel, espantada, chocada, assustada. Seu rosto demonstrava que jamais tinha visto o humano.

Mia riu ao ver que Belthor já franzia o cenho. Aproximou-se do rapaz e o empurrou, o que o fez perder o equilíbrio e cair para trás.

- Explique imediatamente quem é você e o que faz aqui!

Mia deu risada e cochichou à Mirian, sentada ao seu lado:

- O bichinho do ciúme ataca novamente!

Benfred, por segundos, pareceu odiar Belthor. Em seguida se levantou, agitando as vestes e recompondo-se, dando a impressão de ter ignorado a agressão.

- Em primeiro lugar, peço que não perguntem minhas causas, nem meus meios.

- O que ganhamos com isso? – perguntou Dart, fazendo todos lembrarem que também estava na sala.

- Apenas não me perguntem e eu direi. Depois respondem se aceitam ou não minha ajuda.

Todos ficaram em silêncio. Em seguida, o estranho começou a falar.

 

                                                 ***

 

Sorah seguia o rastro da energia de certo lifing. Apenas um dia longe dele já lhe dava mal estar. Ficara tempo demais longe de Kiev. Não queria desperdiçar mais um único segundo que poderia ser aproveitado ao lado dele.

Notara que a energia se aproximava mais rápido que seus passos. Entendeu que ele também procurava por ela.

Não demorou, encontraram-se numa clareira cerca de um quilômetro da torre. Ele vinha carregando duas sacolas de palha.

- Venho da fronteira com nosso reino. – anunciou Kiev – Estou orgulhoso de você.

Sorah sorriu, sem encará-lo. Podia sentir o sangue corar-lhe a face.

- Se não tivesse te encontrado, jamais teria tido força suficiente para vencer.

- Sorah, Sorah… - murmurou a figura alta de cabelos prateados – Sempre muito dependente. Mas fico feliz de ter ajudado. Queria te ver, pois já mandei trazer suas vestes de gala para a noite da entrega do prêmio. Eram de mamãe.

Ele passou a ela a sacola. Sorah retirou as vestes que lá continham. Sorriu ao erguer acima dos olhos, um belíssimo vestido azul escuro, quase negro, na parte de baixo. A parte de cima era de um vermelho sangue. Havia diamantes contornando a silhueta da cintura. Era do melhor tecido possível de se comprar em toda Ilha Eid. Feito para uma rainha. No mundo de Sabrina, não custaria menos de cem mil reais, devido à grande quantidade de diamantes, e não só à belíssima alta costura. Estas pedras ainda eram especiais. Vinham do reino da Noite. E só por lá é que brotavam essas raríssimas e belas pedras. Mais bonitas e brilhantes que o diamante tradicional.

- Mandei vir também uma equipe para te arrumar antes da festa. Já é mais bela que este vestido, mas quero que todos aqueles generais olhem somente pra você, e não para esse pedaço de pano.

Sorah corou. Tentou desviar do assunto.

- Então já é mesmo o rei do reino da Noite.

- Estou arrumando as coisas aos poucos. Gostaria que você já estivesse lá, mas se insiste em ficar aqui com os humanos…

- Não vamos falar nisso, certo?

- Tudo bem, mas… Eles querem você, Sorah. Não imagina a felicidade de nosso povo ao ouvir que você está viva! A herdeira oficial da lenda está viva! Eu podia ver os olhos deles brilhando de esperança. O reino da Noite vai se reerguer com sua volta. Estão todos esperando por você.

- Eu não sei nada de comandar exércitos.

- Eu treinei para ser rei. Mas não sou herdeiro da lenda que está marcada em suas costas. É como se não fosse sucessor do trono. Já você…

- Chega, Kiev… deixe as coisas acontecerem… Preciso pensar em muitas coisas ainda.

- Está se afastando desse Bart, não é?

- O nome dele é Dart. – corrigiu Sorah – E acho que nunca estive tão longe dele quanto ultimamente. – respondeu, quase num lamento.

- Vocês dois são herdeiros da mesma lenda. Deveria matá-lo, sabia?

- Sabia.

 

                                                 ***

 

- Posso ajudá-los a derrotar Zigor.

Os presentes no aposento entreolharam-se. Um frio lhes percorreu a espinha.

- Como sabe sobre isso? – Mia foi a primeira a recompor-se do susto.

- Disse-lhes que não contaria meus meios.

- E como derrotamos Zigor? – desafiou Dart.

- Fazendo o que eu disser. Primeiro acho que posso treiná-los para enfrentar um mayle. Creio que ele estará muito forte. Precisam se especializar em magias de neutralização. Ou seja, em qualquer coisa que vá mantê-lo parado por bastante tempo.

- De preferência pra sempre não é? – ironizou Belthor.

- Não. Só o tempo de vencê-lo. – acalmou Benfred.

- E como pretende vencê-lo? – estranhou Mia – Mesmo que possamos imobilizá-lo por uma hora, não há como derrotar um mayle sem ser um mayle.

- Isso, meus caros, lhes direi em batalha.

- E por que deveríamos acreditar em você?

- Por que não têm outra opção. Estou errado?

Não estava.

 

                                                 ***


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Notas finais do capítulo

Alguém esperava isso do Dart? Anyway, o "quadrado" amoroso ainda tem muito o que se ajustar. Em breve, a suposta lenda marcada nas costas de Sorah será revelada.
Quanto ao viajante... digamos que ele é alguém muito importante. Ah, e podem apostar que a festa vai ser boa.



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