A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 31
Queime até as cinzas




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- O que alguém ganharia contando a Sorah tudo isso?

- Foi Nely. Tenho certeza. FOI ELE! – acusou Belthor ainda na cama, recuperando-se.

- E o que ele ganharia então? – quis saber Íris não conectando os fatos.

- Sorah sabe o ponto fraco dele. Nely está contornando a volta de Kiev. – lamentou o humano cheio de hematomas e cortes – Quando Nely matou Gaulis, o garoto foi espero o suficiente para prendê-lo com gelo. E Nely não conseguiu sair dali até que Nacknar o libertasse. Esse é o ponto fraco dele. E com a volta de Kiev, aquela lifing se fortaleceu o suficiente para destruí-lo. Já Nacknar tem que ser queimado até só sobrarem cinzas. Sorah sabia disso. Para evitar que perdessem, Nely quis passar Sorah para o lado dele. Para adquirir confiança, aproveitou-se que Kiev era contra que ela estivesse do nosso lado, e certamente estava enchendo a cabeça dela de besteiras contra nós e contou tudo isso.

- Quer dizer que agora tenho que lutar contra Sorah também? – pasmou-se Sabrina – Não tem como!

- Estava tudo tão fácil… era óbvio que algo de ruim aconteceria. – lamentou Lia – Agora temos que pensar numa forma de reverter a situação.

- A um dia da final? É melhor que Sabrina desista…

 

                                                 ***

 

Nunca viram aquele lugar tão movimentado. Não havia lugar para tantos lifings. Eles se agrupavam na entrada e na saída. Espremiam-se em busca do melhor lugar para ver a final do torneio, quarenta e sete dias após seu início.

Aquilo tornara-se um enorme palco no inferno, em que seus espectadores assistiam duas criaturas se matarem como numa briga de galo. O local tinha uma atmosfera pesada. Quem não gritava andava de cara emburrada. Os enormes lifings com jeito de vikins eram os que mais assustavam. Suas peles deviam medir mais de três centímetros de espessura. O único consolo de Sabrina no meio de tantas pessoas era saber que tinha força suficiente para matar grande maioria dos que assistiam. Com exceção de certo lifing, em local privilegiado, cercado por brutamontes por todos os lados, todos, no mínimo, a um metro dele, gastando uns oito lugares só para si. Uma figura imponente, de rosto sereno, de beleza delicada. Cabelos prateados e presos no meio das costas. Sentado como quem manda no mundo, Kiev esperava pela luta de Sorah.

Belthor, ainda cheio de curativos, conseguira bons lugares para todos bem cedo, ainda de madrugada. Se bem que a essa hora a maioria das arquibancadas já estava toda ocupada. Todos queriam um lugar para ver os quatro mais poderosos lutadores se matando numa luta até o fim.

A juíza finalmente foi ao centro do tatame, cerca de meia hora antes do início marcado da luta. Sabrina e Sorah ainda não estavam presentes. A lifing nem tinha aparecido desde a luta contra Belthor.

Colocando as mãos sobre a boca, a juíza murmurou algumas palavras. Em seguida, sua voz ecoava por todo local, como se usasse um poderoso amplificador. Mesmo toda barulheira que os lifings faziam era sobreposta por sua voz.

- Bem vindos à grande final deste torneio!

Os monstros comemoraram em grande euforia.

- A luta será de Sabrina e Sorah contra os organizadores do torneio, Nely Férius e Nacknar! – após mais comemorações, a juíza continuou – Tenho certeza que os quatro lutadores darão tudo na final e lhes proporcionarão sangue e diversão! Mas antes, Nely Férius gostaria de dar-lhes uma palavrinha.

Nely subiu no tatame vagarosamente, com um traje roxo por cima das vestes negras de guerreiro. Caminhou sem pressa e pós a mão sobre a boca, exatamente como a juíza. Logo sua voz também ecoava por todo local.

- Preparei uma surpresa nessa última luta. Ela será disputada em duplas. Ou seja, todos os quatro lutadores se matando de uma só vez. Prometo-lhes duas coisas. Que minha dupla vai ganhar. E que terão sangue. Muito sangue.

Os monstros urraram em grande comemoração, e começaram a berrar o nome de Nely, formando um gigantesco e desorganizado coral do inferno.

 

Sabrina preparava-se dentro de seu quarto. Não fazia a mínima idéia do que fazer. As coisas pioraram ainda mais nos últimos dias. E agora, que ouvira Nely dizer sobre a luta de duplas, seria praticamente dois contra um, pois milagre seria se Sorah sequer fosse assistir o massacre.

Estava tudo acabado.

Dart abriu a porta do quarto sem bater. Sabrina estava sentada na rede pensando em tudo que vem ocorrendo. Ele sentou ao seu lado.

- Está com medo? – perguntou ele.

- É claro que estou! – respondeu Sabrina, achando a pergunta óbvia – Vou enfrentar quem não pode ser morto!

- Ele não pode ser morto. Mas pode ficar inconsciente.

- E de que isso importa? São dois contra um! E eu nem sou capaz de lutar contra Nacknar, quem dera contra Nely e ele de uma só vez! Dart… você não sabe onde Sorah está?

- Não me importa onde ela está.

- Mas a mim importa! Se ela estivesse ao meu lado, quem sabe não tivéssemos uma chance, por menor que seja!

- Não sei e honestamente não quero saber.

(honestamente?)

 

Sabrina caminhou lentamente em direção ao tatame, passando por um corredor de urros, vaias, comemorações e gritos que se tornou a entrada. Respirou fundo e adentrou na arena. Olhou para os lados procurando por Mirian e os demais. Automaticamente procurou por Nicka e Hebel. A lembrança de que estes foram mortos por quem iria enfrentar dentro de poucos minutos lhe causou uma forte dor no estômago.

Seus olhos passaram rápido por quem não imaginava que estaria ali. Sorah estava parada, encostada numa das colunas que suspendia as arquibancadas. Ao mirar a humana, aproximou-se sem pressa.

- Você demorou. – observou a lifing, calma, porém cheia de raiva.

Sabrina não sabia se agradecia ou se se desculpava diante da figura imponente de Sorah.

Nem tudo estava acabado.

 

- Os quatro lutadores já podem subir ao centro do tatame! – anunciou a juíza.

A expectativa crescia a cada segundo. Os lifings deram outro urro comemorativo ao verem que a luta se iniciaria. Nely era favorito absoluto. Se por acaso acabasse matando Nacknar também, desde que houvesse sangue, estaria tudo perfeito.

- A dupla ou membro da dupla que restar de pé vence. – avisou a juíza – E o vencedor ganha as três partes da Lágrima Escarlate.

Murmúrios por parte dos monstros. Provavelmente a grande maioria não sabia do prêmio. Nely reagiu com um sorriso. Olhou para Sorah e piscou um olho, tentando confirmar o combinado. A lifing desviou o olhar, irritada.

- E que comece a grande final do torneio! – mandou a juíza afastando-se.

Os quatro lutadores se encararam alguns segundos. Os monstros se calaram. Nenhuma planta se mexia.

O golpe foi tão rápido e repentino que junto dele veio o susto latejante de dentro do peito. Viu-se indo ao chão se poder fazer nada para impedir.

O choque foi curto, porém dolorido. Seus olhos se fecharam com a mesma força e intensidade que a dor.

Sabrina, ainda caída, olhou para Sorah, como num pedido de ajuda. Mas a lifing manteve a figura indiferente e passível, parecendo estar num outro plano, onde nada acontecia nem atingia. Mas a olhava, com um olhar vingativo. Parecia dizer que merecia aquela dor.

E enquanto notava o que estava acontecendo Nacknar desferiu-lhe um fortíssimo golpe e, antes que atingisse o chão, Nely a arremessou a, pelo menos, cinco metros de altura. Seu parceiro saltou logo em seguida e desferiu uma cotovelada, que a fez voltar direto de cabeça no tatame de pedra.

E Sorah não fazia absolutamente nada.

Sabrina levantou-se devagar, tendo a vista embaçada. A dor era insuportável. Aquilo tudo era justo? Nunca fizera nada a Sorah!

Nacknar, rindo, dava chutes no estômago da humana ainda caída. E ria ainda mais quando a mesma tossia sangue.

Não podia ficar ali aceitando todos os ataques. Além do mais, se perdesse, Sorah obviamente contaria a eles como juntar as partes da Lágrima, colocando Íris em risco. Não podia ser assim.

Sabrina formou uma bola de fogo nas mãos e mirou a perna de Nacknar, que ainda lhe chutava. Ao ver a chama, o morto vivo parou imediatamente e se afastou.

Ela não se levantou imediatamente. O corpo todo doía e as pernas estavam bambas e fracas. Arremessou uma labareda na direção de Nely. Grave erro. O morto recebeu o ataque sem nem mesmo se mover. Ou melhor. Foi na direção dele. As chamas não produziram efeito nenhum. Apenas o deixou irritado.

Usando as costas de sua mão, Nely deu um tapa da face da humana, suficientemente forte para que ela caísse novamente ao chão.

Ela virou-se na direção de Sorah novamente, esperançosa. Mas aquele mesmo olhar mantinha-se em seu rosto: de despreocupação, de vingança.

- Sorah! Dá pra ajudar? Ou vai ficar aí parada me olhando morrer? Por acaso isso te agrada? – insinuou Sabrina caída.

- Sim. Agrada-me muito. – respondeu Sorah pausadamente e serena.

Nely sorriu. Em seguida ergueu Sabrina pelo pescoço. Olhou bem no fundo de seus olhos temerosos. E lhe desferiu um soco preciso em sua têmpora, que a fez desmaiar instantaneamente.

Mesmo assim, o morto não a largou. Pelo contrário. Preparou o mesmo golpe que matou Nicka e Hebel.

Sorah moveu-se pela primeira vez na luta. Correu até ele.

- Disse que não a mataria. – lembrou a lifing.

- Sorah… É só uma humana, não importa nada a você.

- Disse que não a mataria. – insistiu com os dentes cerrados.

Sorah assustou-se quando Nacknar a segurou pelas costas, na intenção de garantir o golpe de Nely. Mas apenas segurá-la pareceu não ser o suficiente. Ele cotovelou fortemente a cabeça da lifing que caiu sem chance de evitar nada.

- E o nosso trato!? – gritou Sorah ainda no chão.

- Não ouviu a juíza? Apenas uma dupla pode restar de pé. De uma forma ou de outra eu preciso te derrubar. Apesar de que seria uma terrível perda. Você é uma ótima lutadora.

- Você é um mentiroso. Um cretino mentiroso. E eu juro que vai morrer!

Sorah passou para seu primeiro nível de força e socou a face de Nely com tamanha força que seu pescoço fora quebrado.

A platéia se levantou e comemorou em urros e berros.

O morto vivo foi forçado a soltar Sabrina, desfalecida, ao chão.

Mas não demorou a se levantar e colocasse o pescoço no lugar como quem estrala os ossos.

- Foi um belo golpe, minha bela rainha das neves. Poderia ter me matado. Claro, se já não estivesse morto.

Nacknar foi o único que riu.

Sorah partiu em sua direção. Mas seu golpe foi repelido num grande ato de cinismo, pois mesmo se tivesse acertado não faria efeito nenhum. A lifing sabia que ele defendia apenas para provar o quanto era intocável.

Sorah passou para o segundo nível de força enquanto desferia uma seqüência infindável de socos e chutes, absolutamente todos defendidos com extrema facilidade. Porém, quando assumiu os olhos vermelhos, sua velocidade aumentou consideravelmente.

E mesmo assim ele sorria ao defender os ataques.

Nacknar não precisava fazer nada. Permanecia parado, assistindo a luta.

Quando a lifing finalmente parou, olhou diretamente nos olhos de Nely.

- Não gosta de frio, não é?

Sorah adquiriu sua armadura, grande, imponente, proveniente do terceiro nível. Por alguns segundos o morto ficou um tanto assustado. Em seguida retomou sua expressão tranqüila.

No braço esquerdo de Sorah surgiu uma espécie de lança de gelo, que funcionava como uma extensão do braço. Como a espada que recebera algumas semanas antes. A mesma arma que usara durante a luta contra Dart.

Sorah cortou o ar. E na linha reta em que cortou, gelo pontiagudo ia brotando do chão, até que Nacknar saltou na frente de Nely e quebrou o gelo que atingiria seu parceiro.

- Que coisa linda. Dois homens desse tamanho protegendo um ao outro com a vida! Que grande amizade há entre vocês, não? – ironizou Sorah, pretendendo deixar Nely irritado o suficiente para caminhar com as próprias pernas.

Parecia ter funcionado. Ele vinha na direção de Sorah com ódio nos olhos. Coragem toda que sumiu no instante em que Sorah usou a espada novamente para congelar tudo num raio de dois metros.

E de novo Nacknar saltou em sua frente e o empurrou. Seu braço congelou-se, mas quebrando o gelo sem muita preocupação, ele se libertou rapidamente.

Sorah não conseguiria coisa alguma dessa forma. O único que tinha o frio como ponto fraco era Nely. Se Nacknar continuasse protegendo-o, acabaria morrendo sem energia. E o que gastava para formar uma pequena chama não compensava o esforço.

Foi uma das coisas mais difíceis de admitir de toda sua vida: Precisava de Sabrina.

 

Correu até onde a humana permanecia desmaiada e chamou por ela uma, duas, três vezes. Chacoalhou seu corpo.

Nada.

- Por que quer despertar a humana, Sorah? A intenção não era sua vingança? – lembrou-se Nely – Você não precisa dessa humana. Não precisa de humana nenhuma.

- Por que eu deveria ouvir um humano como você?

Sorah voltou-se a se dedicar em acordar Sabrina.

- Anda, humana, abre os olhos! Acorda! – pediu, chacoalhando-a.

Sabrina produziu alguns murmúrios inaudíveis. Estava mole sendo balançada de um lado para o outro, sem a menor reação.

Nely aproximava sem pressa enquanto Sorah mantinha esperanças de acordá-la. Não pode fazer nada a tempo de evitar o forte chute que veio por parte dele.

- Sabrina… - murmurou com a boca sangrando.

- Acho que ninguém da sua família um dia sangrou vestindo essa armadura. Você é um erro da natureza. Você desonra os lifings de seu território. Merece morrer. Admita isso.

- Maior desonra seria se desistisse no meio de uma luta.

Sorah se levantou e aproximou-se de Sabrina novamente. Ajoelhou-se e a balançou.

- Acorda humana! Não vá fugir desta luta! É a última luta!

Sabrina abriu um pouco os olhos procurando entender o que acontecia. As imagens estavam distorcidas e a cabeça latejava.

- Sorah…? – murmurou quando a visão da lifing finalmente chegou a seu cérebro.

- Levanta humana! Tem que lutar!

- Você não queria me ver morrer?

- Não me faça perguntas difíceis, agora levante e lute!

Sabrina achou graça. Mas estava feliz de ter a lifing novamente ao seu lado.

Viu que ela já vestia a armadura do terceiro nível. Não deveria estar forte o suficiente para destruir os dois com um único golpe?

Não fazia a menor idéia do que tinha ocorrido até o momento.

- O ponto fraco de Nacknar é o fogo, enquanto que o de Nely é o gelo. Encarregue-se de Nacknar. – mandou Sorah.

Os dois estavam parados. Não sabiam se deviam temer ou se estava tudo bem. Com as duas acordadas e desta vez unidas, o plano ia por água abaixo? Ou as coisas simplesmente não correriam assim tão fáceis quanto imaginavam.

Sorah partiu na direção de Nely preparando a espada de gelo. Este se desesperou e buscou Nacknar.

Ao ver que o parceiro de Nely ia ajudá-lo, ainda antes que Sorah completasse seu ataque, Sabrina impôs uma barreira de fogo na frente do morto vivo. Essa parede de chamas cresceu até rodear a lifing e Nely por completo. Já Sorah formou um segundo círculo de ar gelado. Não estava congelado, mas congelaria quem quer que tentasse ultrapassá-lo.

Nely olhou nos olhos de sua adversária. Os dois sérios. Não se moviam. A situação favorecia Sorah.

Fora das duas barreiras circulares de frio e calor, Sabrina ria do espanto de Nacknar. Se é que podia se dar ao luxo de rir.

- Não se esqueça humana, que agora prendeu sua amiga num círculo de morte. Ela não pode atravessar a barreira de fogo nem que queira. – lembrou Nacknar impaciente com o riso da humana – Quando Nely a matar, você será a culpada!

- Sorah não vai perder. Eu confio nela.

- E em você? Será que ela confia?

 

Dentro dos dois círculos, Sorah lançou pequenas partículas de gelo em direção à Nely. Eram como agulhas congeladas, ou os estilhaços de um vidro. A lifing sabia que não venceria dessa forma, mas era uma das maneiras de desviar sua atenção.

- Sabe que não tem como me vencer! – gritou Nely, ignorando as agulhas geladas que lhe atravessavam a pele – Mesmo que tenha forças suficientes, eu não morro!

- Muito pelo contrário. É você quem sabe que eu posso perfeitamente matá-lo… – Sorah pensou alguns segundos do que disse e em seguida corrigiu: - …De novo… eu acho…

- Sim, sim. Sei no que está pensando. Sua mãe também tinha esse poder, se bem me lembro. Não só congelar coisas, mas transformá-las em gelo eterno. Como um cristal. Consegue fazer com pequenos objetos. Mas seres humanos? – Nely permitiu-se rir um pouco – Nem usando toda sua energia. Claro que sua mãe e seu pai conseguiriam… A saber, seus antepassados construíram a imensa fortaleza que é o castelo do reino da Noite inteiramente com esse “cristal”. Mas uma jovem como você? Nem pedrinhas poderia conseguir.

- Não me subestime tanto. Lembre-se de que treinei nos últimos tempos com Kiev.

- Não me faça rir. Uma semana não é o suficiente para tanto.

- Veremos.

Nely riu e correu em sua direção, mantendo o sorriso. O forte impacto os fez recuar. Sorah não podia usar a espada de gelo contra ele. Era muito frágil e só servia para ataques elementares.

A lifing então subiu além das barreiras numa coluna de gelo que foi crescendo abaixo de seus pés. Ficou a quinze metros. Olhou-o de cima, como adorava fazer. Era alta, mas ele era ainda mais. E isso a incomodava.

Estendeu a mão esquerda a frente e uma continuação do pilar crescia a incrível velocidade. Sorah desceu deslizando por ele criando-o centímetro a centímetro conforme descia. Assemelhava-se a um tobogã de gelo. Mas apenas com o incrível equilíbrio de Sorah poderia descer por ele, de pé, sem o menor apoio. E ainda mais que quando partiu, ele não estava nem completo. Aliás, a lifing desceu quando só havia cerca de meio metro de gelo a sua frente. O resto foi criado durante sua veloz descida.

Na altura de Nely, Sorah bradou a espada e conseguiu congelar seu braço. Deu a volta, ainda “patinando” sobre o “tobogã“ e o perfurou nas costas, antes que pudesse ao menos se virar.

Sorah deixou que a espada se desprendesse de seu braço para que ficasse fincada no peito dele. Em questão de segundos outra se formou, idêntica à primeira.

Ela sabia que ele tinha certa dificuldade em se regenerar quando o ataque era daquele elemento. E era apenas isso que queria: ganhar tempo.

 

Enquanto isso, fora da barreira, Sabrina era praticamente massacrada por Nacknar.

O morto tinha absoluta consciência de que se fosse pego por uma labareda, não poderia se regenerar imediatamente. E isso lhe custaria muita energia. E, consequentemente, a derrota. E isso não permitiria jamais. O que estava em questão era sua segunda chance de vagar na terra. Se acaso perdesse e Nely ganhasse, provavelmente o mandaria de volta ao mundo dos mortos. Ou quem sabe, se seu parceiro perdesse… poderia finalmente se livrar desse medo. Ou melhor! Ganhar a Lágrima só para si. E a partir daí poderia escolher se a entregava a Zigor, ganhando perdão imediato pela traição, ou se ele mesmo se tornava um mayle e desafiava Zigor.

De qualquer modo, queria sair bem dessa situação. Para garantir seu pedaço do pão, tratou de tentar acabar com Sabrina antes que Nely acabasse com Sorah.

 

E por falar na lifing, esta praticamente ignorava seus curtos momentos de glória. Nely com aquela poderosa espada de gelo fincada em seu peito, não só tinha de se livrar desta, mas do congelamento que ela causava em seu interior. Não era fácil. Conhecia o poder que ela emanava. Mesmo que passe a um metro do adversário, ainda sim este terá qualquer parte do corpo congelada. Ninguém resistiria se ela atravessasse mesmo um ponto não vital. A espada se encarrega de congelar o resto do corpo todo em poucos instantes.

Mas não a ele. Nely já estava morto e mesmo que fosse congelado, era só uma questão de tempo para se recuperar.

Sorah sabia disso.

A lifing nesse momento recitava palavras com grande ardor. Eram inaudíveis, mas seus lábios não paravam um segundo de movimentar-se enquanto ela mantinha os olhos fechados. Palavras rápidas, apressadas. Sua face demonstrava estar calma apenas por o que estava fazendo exigir isso. Com grande concentração, não moviam nem braços nem pernas. Parecia sequer respirar.

Pouco a pouco, foi falando mais alto, na mesma medida de tempo em que abria os olhos e que Nely se recuperava. Ela olhou pra ele com grande ira assim que o morto se livrou completamente da espada. E pronunciando palavras que ele não conhecia, provavelmente em algum dialeto lifing antigo, juntou as mãos à frente da boca, com apenas dois dedos de cada mão levantados, como num tipo de seita.

- … yerum conguit CONGET URALUM – gritou, abrindo os braços com energia.

Nely olhou ao seu redor e sentiu um frio percorrer a espinha. Não fora apenas uma impressão, como logo descobriria. Viu-se preso de um meio globo de gelo, junto àquela que o formara. A temperatura, não soube se apenas por temor, mas parecia baixar rapidamente. O que o separava do mundo exterior era uma fina camada de água congelada.

Descobriu então que realmente a temperatura caía com velocidade descontrolada. Cerca de um grau por segundo.

- Não vai me matar desse jeito! – gritou Nely – Eu logo irei descongelar e te matar! Antes que a juíza termine sua contagem.

Sorah permitiu-se rir. Estava no ambiente que mais gostava. O frio e escuro medo dos homens no olhar de sua vítima.

- Não é assim que vou acabar com você. Quer que eu explique antes que vire um cubinho de gelo?

Nely ia ficando mais azul ainda do que o tom que a morte lhe dera. Tempo era algo que não tinha.

- Quando estou em meu ambiente – começou Sorah, lentamente – não gasto quase nada de energia. Aliás, todos os elementais são assim, como você bem deve saber. Estou em meu terceiro nível de força, somando ao que Kiev me ajudou a conseguir. E por último, fica muito mais prático transformar uma pedra de gelo comum no que você chama de cristal do que formá-lo como gelo eterno logo de início. Portanto… creio que já esteja começando a perder os sentidos… mas não se preocupe. Eu serei breve. Também tenho tempo limitado para estar aqui. Se deixar passar de três minutos, a temperatura fica baixa até mesmo para mim. E em quatro minutos, e cinqüenta e cinco segundos, nós dois morremos com o zero absoluto. Mas claro que eu paro de diminuir a temperatura assim que o inimigo congela… o que pra você falta… uns quinze, trinta segundo no máximo, se for realmente forte.

Nely tremia o corpo todo. Parecia que até mesmo seus olhos tinham sido congelados. Não havia saliva líquida em sua boca. Segundo a segundo, ele começou a perder os sentidos, sem poder ao menos se mexer. Nely caiu como um enorme sorvete dentro de um freezer.

Sorah aproximou-se e parou de diminuir a temperatura. Estava começando a sentir os efeitos. Encostou a mão no ombro do morto de expressão de terror no rosto. Ainda o viu mexer os olhos em sua direção. Ela se aproveitou da mínima consciência que ainda lhe restava e sorriu. Fechou os olhos e tornou a situação de Nely eterna.

 

Mesmo estando tão favorecida de energia, quando desfez sua barreira de gelo ainda teve de esfriar o local onde se erguia imponente as chamas que Sabrina mantinha acessas. Passou por ela, ansiosa em ver como a humana estava indo.

E se decepcionou imediatamente. Principalmente porque ela fora arremessada em sua direção assim que saiu.

- Te deixo sozinha por dois minutos e é assim que luta? – bronqueou Sorah erguendo-a.

- Derrotou Nely? – impacientou-se Sabrina.

Nacknar lançou uma grande bola de energia no meio das duas, que por pouco não se desviaram. Mas ele emendou sua fala tão seguidamente do ataque que duvidaram que sua intenção era mesmo matar.

- Onde está Nely!? – berrou imediatamente.

- Está ótimo. – ironizou Sorah. – Ótimo pra pôr no refresco.

Sabrina comemorou em tom nervoso a quase vitória.

- Malditas! Eu mesmo vou matá-las!

Sorah virou-se para Sabrina rapidamente, antes que não pudesse mais falar.

- Eu o distraio. Você, assim que puder, queime-o até as cinzas.

Sabrina afirmou com a cabeça.

Sorah correu de encontro com o morto, sem praticamente energia nenhuma. Já quase não suportava manter o terceiro nível. E não tardou muito para que caísse para o segundo, antes mesmo do grande choque entre os dois.

Gelo não surtia o menor efeito em Nacknar. E seu poder era quase igual ao dele. Não seria uma luta fácil.

O corpo a corpo era mais difícil que contra Belthor, apesar de se lembrar bem de alguns movimentos que o guerreiro utilizava, e que se assemelhavam aos de Nacknar. Provavelmente tinham recebido o mesmo treinamento.

Não podia usar seu elemento para derrotá-lo, mas podia perfeitamente usá-lo para imobilizá-lo. E isso era tudo de que precisava.

Uma grossa camada de gelo cobriu Nacknar até os joelhos. Ele assustou-se e tentou quebrá-la, mas sem a mínima calma e tempo, a tentativa foi em vão.

Sorah correu para o lado de Sabrina e murmurou:

- Queime até as cinzas.

Sabrina estendeu a mão direita na direção de Nacknar e suspirou fundo, enchendo-se de coragem.

A labareda foi lançada com incrível poder até que o morto fosse encoberto pelas chamas como uma cortina vermelha que encerra um teatro, engolindo seus atores. Mas sabia que por detrás dela, Nacknar mantinha-se vivo. Se é que vivo é um adjetivo que possa ser empregado a ele.

No momento seguinte, ele urrava de dor e agonia. Sua pele desprendia-se da carne e já não podia respirar.

Sabrina quis parar. Não suportava aqueles berros. Mas Sorah a fez continuar.

A humana fechou os olhos e a vontade era tampar os ouvidos. Os urros incessantes de alguém que morria da pior forma possível latejavam e faziam um eco horrível em sua cabeça.

- Queime até as cinzas. – insistiu Sorah, vendo que ela estava a ponto de parar.

E assim, mais energia foi posta para que a temperatura aumentasse ainda mais. Simplesmente para que a morte seja mais rápida.

Sabrina chorava com a morte em suas mãos. Tentava gritar mais alto que Nacknar, para não ouvir seus berros implorando por piedade.

Àquela altura, provavelmente já não havia pele sobre a carne dele.

Nacknar fritava segundo a segundo. O cheiro horroroso de cadáver sendo cremado invadiu o local. Seus cabelos, mais sensíveis ao fogo, já tinham desaparecido quase por completo. Seus membros iam diminuindo gradativamente.

Até que ele parou de gritar.

 

Sabrina interrompeu o ataque e pôs-se a chorar. Mas Sorah a sacudiu e mandou:

- O que está fazendo!? Nacknar pode se regenerar! QUEIME ATÉ AS CINZAS!

Sabrina olhou nos olhos vermelhos de Sorah e engoliu o choro. Logo voltara a desferir as labaredas.

Até obedecer a ordem da lifing, e não sobrar mais Nacknar algum.

Sorah ainda aproximou-se do que restara. Alguns poucos ossos consideravelmente menores, queimados. Os que sobraram ainda unidos pelas juntas estavam retorcidos. O resto era pó. A lifing congelou os restos mortais de Nacknar e os transformou em cristal, apenas para prevenir. Não foi preciso grande esforço. O que sobrara era realmente pouca coisa.

A juíza aproximou-se temerosa depois de todo o show que tinha visto. Os monstros não se agüentavam nas arquibancadas. Gritavam os nomes das vencedoras com grande fervor. Era um clima de festa infernal. Não haviam rolado cabeças nem derramada de sangue. Mas dois estavam mortos. E de formas horríveis. Não havia show melhor que aquele.

- Após matarem Nely e Nacknar, Sorah e Sabrina são congratuladas com vencedoras deste torneio! – gritou a juíza, tendo sua voz alcançado todos no estádio – E receberão como prêmio, a lendária Lágrima Escarlate!

- Vencemos? – perguntou Sabrina olhando para Sorah.

- Vencemos.


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Notas finais do capítulo

E Zigor, comofaz?



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