Bem ao Lado escrita por Alessa Petroski


Capítulo 30
Capítulo 30




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Do chão de ladrilhos verdes e brancos vertia um líquido cor de barro, com um leve aroma de ferrugem e sal. Cada passo que eu dava me empurrava mais a frente e as paredes pareciam não ter fim, o teto não passava de uma forma escura e distante. Aquele era o corredor da escola e ao mesmo tempo não era, não havia as portas que davam para as salas nem havia alunos ali.

De repente o chão se inclinou na diagonal, como uma rampa, e meu corpo escorregou pelo chão com facilidade por causa daquele líquido estranho. Um vão estava a minha frente dando fim ao corredor. Segurei-me com toda a força que podia, com o corpo todo para a escuridão. Passos ecoou no corredor que continuava na diagonal e um rosto familiar apareceu. Sem lógica alguma, Vini conseguia se manter ereto ali sem dificuldade. Pedi por ajudar, mas de minha boca vazaram borboleta azuis e não palavras. Borboletas que desceram pelo vão escuro, e sumiram em uma pálida luz azul. Vini pisou em meus dedos e um barulho de osso quebrando tomou conta do lugar. Não havia dor, mas o som era horrível, tão horrível quanto unhas riscando um quadro negro ou uma colher batendo em um dente. Minha mão se soltou e ele partiu para a próxima.

Acordei suando frio e assustada com medo da escuridão daquele quarto desconhecido. Senti dificuldade para respirar e mesmo estando escuro senti tudo ao meu redor rodar como em um carrossel. Conforme fui melhorando fui lembrando-me dos detalhes do sonho que pareciam mais vividos e assustadores agora que eu estava acordada.

Liguei a luz do quarto e peguei meus óculos na cômoda. Tive que empurrá-la de frente da porta para sair. Quando estava saindo da cabana de Giane mais cedo – depois de ter ficado lá durante o almoço para evitar um encontro com a família feliz a qual meu pai fazia parte -, Lucius se aproximou de mim e disse que eu deveria trancar a porta do quarto enquanto estivesse nele. Na hora, senti vontade de rir dele e teria rido se sua expressão não fosse de preocupação. Afirmei que faria isso porque ele tinha razão. De uns dias para cá descobri mais coisas sobre o Vini do que durante o período que passamos juntos e eu não queria dar brecha para mais nada.

O problema que reparei ao ir dormir, depois de um jantar nada emocionalmente com meu pai e a família Fiore, é que a porta estava sem chave. E eu podia jurar que quando entrei pela primeira vez no quarto, vi uma chave na fechadura. Não estava tão tarde a ponto de incomodar a Isabella caso eu fosse perguntar por isto, mas seria incômodo porque acabaria criando certa tensão na casa.

Então, acabei optando por escorar na porta a cômoda que para mim era pesada por ser feita de madeira pura. Isto me deu uma falsa sensação de segurança e pude dormir em paz.

Segui pelo corredor escuro e vazio, contando mais quatro portas que eram de quartos parecidos com o meu. A cabana real, como Giane gostava de chamar, abrigava os quartos dos outros no terceiro e último andar. E eu acabei ficando sozinha naquele corredor. Era um pouco assustador porque a casa parecia ter só a mim como habitante, mas eu preferia este terror a ficar perto do quarto da Cat, onde meu pai estava com ela. Era meio nojento pensar que eles estavam juntos no andar de cima e tive que limpar minha mente para não pensar nisso.

Cheguei à cozinha do andar de baixo usando a memória porque eu não queria acordar ninguém acendendo as luzes. Peguei um copo de vidro no armário e o enchi de água no bebedouro. Sentei na pia de mármore enquanto olhava pela janela de vidro que ficava bem ali. Apenas as luzes das varandas das cabanas estavam acesas iluminando parcamente a estrada de tijolos porque havia pontos muito escuros.

Como se tivesse pressentido minha vigilância, Lucius saiu de um dos pontos escuros e por um momento, que prendi a respiração, esperei vê-lo acompanhado de alguma garota. Esperei ver Tamara, que também estava em uma daquelas cabanas e que havia passado todo o tempo em que estive na cabana da Giane se jogando para cima dele, que parecia ocupado demais olhando para o teto para dar a atenção que ela queria. Mas não o vi com ninguém, ele estava tão só quanto eu.

Parecia ter decidido no meio da noite que iria sair porque vestia apenas um short e uma blusa de manga curta mesmo a noite estando fria. E ventava, pude ver o cabelo negro dele assim como as folhas nas árvores dançando na escuridão.

Abri a janela e senti uma pontada no braço, acordando para o fato de que eu tentara abrir a janela com o braço com os pontos que havia tido a atadura substituída por um curativo largo. Eu estava louca para me livrar daquilo e ter os pontos removidos, mas o inchaço continuava e minha mãe havia dito que tirar os pontos agora faria com que machucasse mais e afinal, a pele não havia cicatrizado por completo.

Assobiei para chamar a atenção do Lucius e quando ele me viu e sorriu, senti-me como aqueles pedreiros que assobiam quando uma mulher bonita passa. Eu estava me tornando um poço fundo de vulgaridade.

– Não vai me jogar uma cantada completamente sem graça? – ele indagou chegando perto da janela.

Perto até demais.

– Não cheguei a este ponto. Ainda – respondi irônica.

– Ainda – ele repetiu baixinho – Mas devo confessar que estamos parecendo àquelas velhas fofoqueiras que ficam na janela.

– Não sou tão velha assim – respondi em minha defesa.

– Mas está bem descabelada, minha Joia.

Exagerei na expressão de ultrajada e ele riu. Além de estar descabelada como ele havia dito, eu estava de pijama, mas pelo menos usava um casaco de lã que me cobria por inteiro.

– O que está fazendo aqui fora?

– Conversado com você, não é óbvio? – ele fugiu da minha pergunta.

– Antes de me ver engraçadinho.

– Mergulhado em lembranças – ele colocou a mão sob o queixo anguloso – Saiu bem poético isto.

Concordei com a cabeça.

– Quer sair?

– Agora, Lucius?

– Sim, tem medo do lobo mau? – ele arqueou uma sobrancelha grossa.

– Nunca tive medo de você.

Alguns segundos depois eu estava saindo da cabana ao lado do Lucius. Pensei em sair pela janela, mas isto ficaria romântico demais ou suspeito demais, então fui pela porta mesmo. Ainda bem que eu havia descido com sandálias porque eu não estava com nem um pingo de vontade de voltar para aquele quarto nada familiar.

Lucius e eu saímos andando, traçando um caminho nos pontos onde a luz não estava presente. Eu geralmente teria ficado com medo de encontrar um bicho peçonhento, mas a presença do Lucius era forte ao meu lado e isso me deixava com uma sensação real de segurança. Não sentia isso por ele ter um porte físico grande, mas porque havia algo nele, algo que não era físico, que tornava sua presença forte. Algo que era difícil de encontrar. Algo que me faria saber onde ele estava na escuridão.

Paramos em um lugar afastado das cabanas, um caminho entre dois caminhos que poucos utilizavam. Havia um lago artificial e perfeitamente redondo cercado por alguns bancos de madeira e alguns postes, que estavam acesos. Era um lugar especial para casais, mas que eu nunca tive interesse em visitar. Sentamos em um banco de costas para tudo, que além de ficar de frente para o lago nos dava uma visão perfeita da floresta.

– Eu estava pensando no meu avô – Lucius revelou – Está chegando o dia em que faz um ano que ele morreu.

Eu sabia que no momento palavras não seriam de grande utilidade. Apenas segurei a mão dele e isso o pareceu assustar. Mas ele manteve seu rosto virado para frente enquanto eu o admirava descaradamente de perfil. Lucius era realmente belo, não uma beleza comum, mas como se cada parte do rosto dele tivesse sido escolhia a dedo para ser bela. O mais talentoso pintor não seria capaz de criar algo tão harmônico.

– Como ele era? Seu avô?

– Incrível, ele era ótimo contando histórias e se preocupava com todos. Tinha um humor atípico. – ele sorriu, um sorriso infantil – Ele viveu poucas e boas. Ele se apaixonou uma vez, sabe, não por minha avó, mas por uma garota da nossa idade. Ele era mais velho do que ela alguns anos e ela era de uma família católica tradicional. E ele era judeu, um judeu que só poderia casar com uma judia.

Esperei ele falar mais, mas ele não o fez. Era como se ele estivesse decidindo se deveria contar algo que parecia esconder de propósito.

– O que aconteceu com ela?

– Ela casou com outro, teve filhos, uma neta. E esta história me fez prometer a mim mesmo que quando encontrasse a garota certa eu lutaria até a minha última gota de sangue se perder para ficar com ela.

Lucius olhou para nossas mãos juntas, sua pele branca contrastando com minha pele morena e eu soube de súbito que aquilo havia sido direcionado a mim. Que ele lutaria por mim e contra mim para ficarmos juntos. Decidi não ser a vilã e fiz algo que nunca me arrependeria.

O beijei. Ele não estava tão distraído quanto pensei ou, talvez, tenha tido a mesma ideia, eu não tinha certeza, mas de imediato ele correspondeu ao beijo e segurou minha nuca. Apertei com força no seu ombro, querendo tê-lo mais perto. Enquanto ainda nos beijávamos ele passou meu braço esquerdo por cima no seu ombro.

Eu ri com a boca na dele.

– O que foi? – ele sussurrou se afastando apenas alguns centímetros de mim.

– Sério que está preocupado com o meu braço?

– Não quero você com mais um motivo para reclamar.

– Isso não é verdade. Eu não...

Parei de falar porque eu estava reclamando. Colei minha boca de volta na dele e voltamos a nos beijar.

Nem em mil anos eu havia imaginado que beijaria o meu rival, o garoto que passara um longo tempo me provocando.

E era isto que eu fazia naquele banco de madeira com a luz do poste criando sombras ao nosso redor com apenas a certeza dele a minha frente.


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