Bem ao Lado escrita por Alessa Petroski


Capítulo 31
Capítulo 31




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Estava ficando cada vez mais difícil me manter calma. O falatório das mulheres apesar de ser em um tom alto e irritante não estava sendo suficiente para me distanciar das memórias da noite passada.

Acordei pela manhã depois de uma noite mal dormida e fui logo para a cozinha do Acampamento sabendo que eu poderia ocupar minha mente trabalhando. Porém ao chegar naquela cozinha de chão e paredes com azulejos brancos e eletrodomésticos pratas eu logo percebei que não seria muito útil cercada por mães e donas de casa bem mais graduadas do que eu neste quesito. Tentei me tornar prestativa e acabei passando a manhã ajudando a enxugar as louças e agora eu estava esfregando o chão como se aquilo pudesse liberar algum segredo dos azulejos que me ajudasse com o que acontecera.

Eu não poderia ir atrás dos meus amigos porque eles com total de certeza me fariam falar o que acontecera. Ah, Lucius...

Se ele não estivesse passado à manhã inteira como salva vidas da piscina das crianças eu teria falado para ele. Afinal o bilhete influenciava tanto a mim quanto a ele e indiretamente aos outros alunos da escola porque eu sabia que eles ficariam confusos se soubessem do que acontecera entre Lucius e eu a margem do lago.

O que estava mobilizando os meus colegas nesta nova eleição era a rivalidade entre Lucius e eu e isso iria abaixo se soubessem do nosso envolvimento. Mas alguém havia nos visto juntos e ele iria acabar usando isso contra nós.

Na madrugada anterior, depois do primeiro beijo que dei no Lucius - seguido de mais alguns - fomos cada um para sua cabana sem falar muito. Ele apenas me fizera prometer que conversaríamos no dia seguinte. Quando entrei no meu quarto, com a cálida impressão dos lábios dos Lucius nos meus, avistei um cartão roxo em cima da minha cama. Um pequeno papel triangular que me fez tremer antes mesmo de ler o que estava escrito porque a sensação que me provocava já bastava para isso. O perfume doce do Vini estava tão presente ali quanto à cama ou quanto o guarda roupa. Parecia uma sombra que ficara para relatar ao seu dono minha expressão diante ao bilhete.

“A vista do seu quarto é boa, mas a do meu é ótima. Dá muito bem para se ver o lago e o casal que ali estava. Cuidado com os tremores que esta revelação vai causar em todos daquela escola.”

Não havia assinatura, mas isto não era necessário. A letra dele era irreconhecível. Até o quarto que ele invadira me trouxera as lembranças dos bilhetes e cartas que ele me mandava.

– Está pensando no Príncipe Encantado, Cinderela? – a voz do Lucius perguntou.

Levantei de uma vez do chão da cozinha e bati a cabeça na quina do balcão. Com a visão turva por lágrimas vi Lucius correr e pressionar a mão na minha cabeça. Ignorei as senhoras que estavam ali e fechei os olhos tentando refrear a vontade de gritar inúmeros palavrões. A quina do balcão não era pontuda, mas era de mármore e meu súbito levantar poderia até ter cortado minha cabeça.

– Agir como um cavalheiro socorrendo a donzela foi bom, mas está começando a ficar repetitivo – Lucius sussurrou e em resposta, enfiei o cotovelo na barriga dele.

Não ganhei reação alguma além de uma pontada no braço. Aquele cara tinha músculos bem fortes no abdômen.

– Viu? Tem que parar de se machucar, Joia, saiba que não precisa mais disso para chamar minha atenção.

– Vai à merda, Lucius – disse com os dentes cerrados.

Ele riu.

– Filho querido, acho melhor levá-la para tomar algum remédio para dor de cabeça – disse uma das mulheres na cozinha.

Lucius tirou a mão da minha cabeça e saiu da minha frente ao ouvir a voz dela. Ele assumiu uma expressão plácida, àquela que usamos na frente de nossos pais para passarmos por bons meninos e meninas. Soube imediatamente que aquela era a mãe de Giane, Flora, e mãe também do Lucius.

Apesar de não compartilharem os mesmos genes, os dois se pareciam muito ao possuírem a mesma beleza bem arquitetada. Flora tinha o nariz comprido, mas levantado na ponta em um ar meio de arrogância, mas seu sorriso e as marcas de expressão dos dois lados da boca de lábios grossos deixava em evidência sua mania de sorrir por tudo, o que a deixava meiga. Ela não era ruiva que nem a filha, seus cabelos eram negros e curtos, ligeiramente enrolados, mas a cor da pele e a cor dos olhos eram compartilhadas por mãe e filha.

– Esta é minha mãe, Flora e mamãe, está é...

– Ruby, amiga da Giane – falei interrompendo o Lucius de propósito e apertando a mão dela.

Eu tinha mais ou menos a ideia de como Lucius me apresentaria, mas depois de passar a manhã com aquelas senhoras eu sabia que aquele não era o melhor lugar para se contar algo que não queríamos que fosse divulgado. Apertei o pulso dele e soltei com receio dele ter se ressentido.

– Ah, sim, parece que você é quem tem posto minha filha na linha – ela disse em tom simpático.

– Quisera eu, senhora – murmurei e ela sorriu - Giane é uma ótima amiga.

– Sei que sim.

Os olhos de Flora brilharam de orgulho e ela, preocupada, mandou que saíssemos de lá. Mas só sai quando ela garantiu que meu trabalho por hoje estava concluído.

A área coberta para as refeições não estava completamente vazia, o homem que cuidava da churrasqueira parece ter caído no sono em uma cadeira, a barriga grande subindo e descendo a cada respirar.

Lucius caminhava ao meu lado, mas era claro que ele parecia evitar fazer contato. Deixei por isto mesmo sabendo que aquele não era o lugar certo para termos uma conversa. Apenas me limitei a seguir seus passos, mas quando vi que ele tomava o caminho do lago o puxei pelo braço.

– Ali não.

Fui até a floresta e lá adentrei. Aquelas árvores eram altas e próximas o suficiente para evitar bisbilhoteiros que estivessem em lugares altos com binóculo ou qualquer coisa de que Vini possa vir a usar. Lucius me puxou e pressionou-me corpo contra o tronco de uma árvore. Pensei que ele fosse-me beijar, mas ele parecia estar medindo minha sanidade com o olhar.

– O que aconteceu? – ele falou devagar.

– Aquela pancada não afetou minha capacidade de compreensão – tentei dar de ombros, mas ele me segurava bem ali contra a árvore e seu aperto não machucava, mas me deixava imobilizada.

– Ruby – ele falou meu nome como se fosse um pedido.

Levei a mão ao bolso de trás de meu short azul e tirei de lá o cartão roxo. Entreguei a Lucius, o que o fez se afastar de mim. Ele não ficou surpreso.

– Foi o Vinícius, não foi?

Apenas confirmei com a cabeça.

– As coisas se complicam mais – ele disse.

– As coisas sempre foram complicadas, Lucius.

Olhei para o chão de terra, buscando uma solução que os azulejos não me deram. Eu não queria me afastar de Lucius e nem abriria mão da minha candidatura. Assim como ele não iria fazer o mesmo. Eu nunca iria tirar aquela oportunidade dele pela forma errada. Ainda tenho vontade de vencer, mas não pedindo para ele recuar.

– Acho melhor acabarmos com isso – falei estupidamente negando a minha própria vontade.

– Acabar com o quê? – ele perguntou irônico com aquela raiva em seu olhar.

Pressionei o corpo com mais força contra a árvore. Nunca pensei que ele iria me machucar, mas as pessoas são imprevisíveis e aquela fúria nele me assustava porque eu era a única ali que poderia ser atingida.

– Ah, Ruby, não se assuste – ele se aproximou e tocou minha face delicadamente.

– Não?

– Não, minha Joia – ele beijou meus lábios suavemente – Não é de você quem tenho raiva, nuca tive. Nossas discursões mesmo sérias me divertiam. Lembra-se da tatuagem de grifo que tenho? – ele mudou de assunto de repente, mas parecia ser algo importante então fiquei calada - Àquela que viu quando foi ao meu apartamento de surpresa para falar com Giane? Eu a fiz para me lembrar de manter o controle, o equilíbrio.

“Apesar de não parecer, Giane e eu somos próximos como amigos, conto tudo a ela e ela faz o mesmo comigo. Sei que ela te contou sobre o que aconteceu entre ela e aquele canalha. Quando ela chegou em casa chorando por causa do idiota do Vinícius aquilo me despedaçou e me fez sentir uma raiva que nunca senti antes. Eu nunca havia visto minha irmã chorar daquele jeito. Depois que cuidei dela saí procurando o Vinícius e o encontrei saindo do campo de futebol da escola. Ele estava sozinho, com aquele sorriso presunçoso no rosto como se nada houvesse acontecido. Então brigamos. Não foi uma briga bonita, mas foi justa apesar da diferença de idade. Desde pequeno pratico Taekwondo. Sabe aquela cicatriz no queixo dele?”

– Sei sim – falei finalmente encontrando a voz.

Vini me pedira em namoro com um curativo de pontos no queixo.

– Fui eu quem fez aquilo. Só com um soco. Não me arrependo do que fiz mesmo sabendo que não foi certo. Perdi o controle, o equilíbrio, mas eu tinha que fazer algo.

Lucius fechou os olhos, lutando contra as lembranças.

– Fui me acalmar naquela loja onde você e Ana sofreram o acidente. Saí de lá já quando estava muito tarde, não havia ninguém nas ruas, as lojas estavam com as luzes pagadas. Havia um terreno baldio ali, com o mato alto e nunca me preocupei com o quê ou quem poderia se esconder ali. Braços fortes me puxaram e quando percebi, Vinícius amarrava uma mordaça em minha boca e quando eu tentava falar aquilo me sufocava. Dois dos amigos dele me seguraram enquanto ele me espancava.

– Ei, Lucius – toquei em seu rosto e ele abriu os olhos avermelhados.

Eu queria que ele olhasse para mim para saber que eu estava com ele.

Ele não estava sendo fraco, aquilo que ele me contava trazia lembranças cruéis de um dia em que ele foi machucado emocionalmente, ao ver a irmã sofrer e fisicamente, de uma forma covarde.

– O que aconteceu depois? – indaguei entendo que aquilo precisava sair dele.

– Só contei para Giane, nossos pais nem souberam de nada. Mas ficaram muito preocupados e tentaram prestar queixa. Mas eu não deixei, o pai dele é quem é e sei que seria fácil ele tornar nossa vida um inferno para encobrir as sujeiras do filho. – ele me olhou novamente tentando ver se eu aguentava o que estava por vir e eu estava – Foram quatro costelas quebradas, contusões, hematomas. E três cicatrizes.

Lucius começou a desabotoar a camisa quadriculada que usava, as mangas estavam enroladas nos braços dele, mas ele foi bem ágil ao tirar toda a blusa. Meu coração acelerou e eu tive que repetir em minha mente que aquilo não era nada demais. Ele pegou em minha mão direita e a levou ao lado direito de seu corpo, onde estava a tatuagem de grifo. Ele moveu minha mão para os pontos exatos onde havia três riscos elevados em sua pele. Um na cabeça de águia do grifo, o segundo na asa e o terceiro era o maior, se estendia por todo o corpo de leão.

A tatuagem havia sido feita sob medida para aquilo.

– Foi feita assim porque eu quis que isso ficasse só para mim e para quem eu decidisse compartilhar o que aconteceu, para eu me lembrar da história dentro da tatuagem, dentro de mim. Os amigos deles me seguraram e ele me cortou, Ruby, o suficiente para me deixar cicatrizes.

– Ele é louco – murmurei – Louco. Louco.

– Você está bem, Ruby?

– Você estaria se tivesse namorado um cara doentio como esse?

– Não costumo sair com caras, Ruby - ele riu.

Eu poderia ter brigado com ele e isso foi minha primeira vontade, mas quando ele riu seu semblante voltou a ficar iluminado. Os olhos estavam vidrados em mim.

– Não vou deixar aquele crápula ficar entre nós. Ele esteve em seu passado, eu pretendo ficar no presente e continuar no futuro, Ruby.

– Vou pensar nesta proposta.

Ele me beijou. Só isso. E tudo isso.


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