Impávida. escrita por Lucas Piascentini


Capítulo 8
Capítulo 8 — Inútil.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pela demoraaaaaaa! Estou sem tempo para escrever e desculpem pelo curto capítulo!



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"Se eles descobrirem no exato momento o que eu sou, quem eu sou, será certo o meu destino. (Morte)."

Sinto-me uma inútil. Faz dez dias que voltei ao treinamento. Encontro-me agora no Salão de Treinamento de Armas. É fato que todos elementares de fogo devem aprender a lutar. Devem aprender a usar armas. Hoje é o primeiro dia desta etapa do treinamento. Entro na sala, reparo que meu irmão não está aqui. Alaric. Ele ainda deve estar se recuperando. Costumo esquecer-me que ele não é um onipotente, ou seja, sua recuperação é mais demorada.

Entro no salão revestido por pedras escuras, e vejo que há logo a frente uma plataforma de armas. Vejo arcos, armas de fogo, adagas... Diversos tipos de objetos sangrentos e penso em qual escolher. Na verdade, em hipótese alguma escolheria uma arma. Não tenho vontade de lutar, mas sei que tenho que treinar. Tenho que fingir ser normal.

Estou parada, observando algumas das pessoas treinarem. Vejo Roberta Jennys, uma menina ruiva dos olhos verdes, pegar um dos arcos e mirar em um dos manequins no final da sala. Ela encaixa a flecha perfeitamente e em um piscar de olhos, vejo a flecha pegando fogo e atingindo a cabeça do manequim em cheio. Arrepio-me.

Meus olhos flutuam pela sala, a procura do lugar do qual começa a sair o seguinte som:

“Bom dia queridos elementares, venho informá-los sobre o primeiro dia do treinamento de vocês”. Encontro o lugar da onde o som sai, são os autos-falantes nos cantos da sala. Tento prestar atenção, mas minha mente está flutuando. Observo atentamente todos. Sinto algo dentro de meu peito. Alguém parece apertar. Falta de ar. A voz feminina que fala termina o texto que durou cerca de seis minutos com as seguintes palavras:

“O campo de treinamento existe por uma razão: vocês devem aprender a lutar, pois no final, lutarão até a morte, ou até que um desista de ter elemento”.

Exatamente neste instante, minhas pernas se movem e corro em direção a um objeto, como se aquilo dependesse de minha vida. Seguro a adaga com força e tento atirar num manequim, mirando exatamente no peito dele. Ninguém parece prestar atenção em mim. Nem mesmo eu presto atenção em mim mesma. Sinto um calafrio atingindo meu estômago. Engulo em seco. A adaga gira suavemente entre meus dedos. Uma gota de suor atinge o chão.

A adaga voa.

Há algo, logo atrás da adaga, uma linha bem grossa. Observo que ela é do tipo mais complexo que pode existir no nosso mundo, uma linha de fogo. Um corpo se movendo tracejando um fogo no ar. Penso em sua fórmula física elementar, sou incapaz de imaginar. Nunca fui boa nisso e sei que não é agora que conseguirei calcular a massa de um elemento sobre a velocidade/peso de um ser. Fico em pânico quando a adaga chega ao, tecnicamente, destino.

Ela atinge uma coisa.

Não é o manequim.

Não suporto olhar para aquilo. Não suporto acreditar que o atingi. Peter está sangrando. Corro até ele. Minha visão falhou. Eu não o vi. Como? Minhas pernas correm em direção ao corpo dele, que está deitado ao chão. Ninguém parece vê-lo, exceto eu. Ninguém parece se importar ao menos.

Mas ao menos, eu deveria?

Percebo então o motivo da falta de importância: um a menos, uma chance de ganhar. Sinto repugnância desse pensamento, sendo assim, eu pego a cabeça dele e ponho sobre o meu colo.

— Só retire a adaga de mim. — Ele diz.

Posiciono minha mão sobre a barriga dele, onde eu o atingi. Estou febril. Há gotas de suor caindo do meu cabelo, que está num perfeito rabo de cavalo. Puxo vagarosamente a adaga e vejo Peter franzindo os lábios.

— Só retire...

Puxo com toda a força que meu braço é capaz de gerar. A barriga dele emana litros e litros de sangue. Sinto algo salgado escorrendo de meus olhos. Eu estou trêmula. Vejo que onde realmente eu o atingi, está queimado... É como se eu tivesse assado aquele pedaço de carne, fritado, feito algo do tipo. Ponho vagarosamente minhas mãos sobre o lugar que sangra, na tentativa inútil de fazê-lo parar de sangrar.

Mas pelo visto não é inútil.

Quando retiro minhas mãos da barriga dele, o lugar que encontrava-se machucado, percebo que não está mais machucado.

— Desfaça isso, agora!

Peter ordena. Minhas mãos estão trêmulas, sou incapaz de ao menos olhar para ele. Eu não sei o que fazer, nunca soube na verdade. Não faço à mínima ideia o que eu fiz.

A sirene toca.

Esse barulho é o do intervalo, devemos descansar agora, mas como descansaria? Se eu sair daqui e deixá-lo todos vão ver que ele se curou, ou melhor, que eu o curei. Não tenho escolha a não ser esfaqueá-lo novamente. Seguro a adaga firmemente.

— O que você vai fazer? — Ele me encara intrigado. A adaga, do estilo ocidental, passa pelos meus dedos como se ela fizesse parte de mim. Como se fosse uma extensão de mim. Levanto a mão, que está segurando a adaga, e ponho força, não muita, e enfio, tecnicamente, na barriga dele.

Não, eu não enfio. Não há sangue.

Uma luz nasce em frente o corpo dele.

Sou levada.

Não estou mais lá.

Estou parada em frente a uma espécie de tribunal. Como se eu estivesse cometido o maior pecado de todos os séculos. Eu não acredito no que eu acabei de fazer, não acredito que eu vim parar aqui do nada. Tudo é tão confuso que nem sei se meu nome é esse mesmo. Não sei se me chamo Cassie.

A sala em que estou é composta por mármore branco, estou sentada em um banco, como se estivesse aguardando meu chamado. Como se eu tivesse cometido um crime, será que cometi?

— Cassie Kingsley.

Uma voz masculina anuncia meu nome e levanto-me exatamente no mesmo instante, mesmo que contra a minha vontade. Sou levada, puxada, como um imã puxa um ferro. Uma porta de mais ou menos dez metros abre quando paro em frente a ela. Há desenhos nela. Sou capaz de ver chamas, homens, morte, sangue, sou capaz de sentir até o cheiro de sangue que ela emana até minhas narinas.

Entro e vejo cadeiras e mais cadeiras. Há uma mesa com três pessoas, que aparentemente desconheço. Um homem careca no lado esquerdo. Uma mulher de expressões sérias. E reparo que o terceiro é Peter.

— Estamos aqui para o julgamento de Cassie Kingsley.

Prendo minha respiração, não por querer e sim porque sou obrigada.

— Meritíssima, acredito que isto não seja necessário. Ela não me feriu por mal.

— Peça licença para falar, Peter Korian.

— Mãe, por favor.

Meus olhos se chocaram contra o olhar dela. Eles eram idênticos ao de Peter. Eu não sabia ao certo o que deveria fazer. Então, sentei-me na cadeira no meio do salão extenso, todo feito para mim, para meu julgamento. Minhas pernas tremiam como se houvesse um terremoto dentro de mim. E havia.

Eu era uma folha dentro de um redemoinho. Tudo só piorava, tudo só se embolava.

— Cassie Kingsley, é com grande inconveniência que digo que você machucou, numa tentativa mortífera, Peter Korian.

— Não. — Digo interrompendo-a. — Jamais o machucaria numa tentativa “mortífera”, jamais machucaria Peter. Jamais. A realidade é que eu não o vi. Ele estava... Não sei explicar, é como se ele estivesse invisível. E depois de machucá-lo, tentei ajudá-lo. É como se meus desejos — recuo ao pensar na palavra, penso se devo dizê-la, mas concluo que sim — onipotentes se realizassem, mesmo sem eu querer... Quer dizer, eu queria, mas não sabia que era possível, que era provado. Eu o curei. Só que fiquei com medo deles me descobrirem.

O pior que eu não sabia a quem me referia quando dizia “deles”. Uma espécie de caça-onipotentes?

O olhar da juíza, ou melhor, mãe de Peter fuzila-o. Sinto certa dor. O que ele fazia?

A mesma luz que me trouxe me leva.

Estou de volta ao meu corpo, como se nada estivesse acontecido. Peter está sobre meu colo. Recuo meu olhar ao olhar dele. Ele ri, um sorriso ao mesmo tempo meigo, ao mesmo tempo odioso. Eu não sei explicar a sensação que sinto. É nova. Não, eu não o enxergo como deveria.

Ouço o barulho da sirene anunciando que o intervalo acabara.

— Do que ri? — Pergunto no tom mais poético que encontro na minha voz.

— Da situação. Da perspectiva. — Ele responde, com um sorriso largo no rosto. Percebo que existem efélides em seu rosto.

Não respondo. Não vejo graça, pelo contrário. Levanto e deixo a cabeça dele largada no chão, sem pedir explicações sobre o que aconteceu, porque além do mais, eu sei que Peter não diria.

Abro a porta da sala de treinamentos. Não tenho coragem para lutar, para treinar, tenho medo de ferir alguém.

Começo a andar e só depois de ter andado muito percebo que seguro firmemente a adaga ensanguentada, o cheiro de ferrugem me lembra Peter fazendo careta à medida que eu retirava a adaga de sua barriga. Penso em voltar e devolver a adaga ao seu respectivo dono, a sala de treinamento. Só penso, pois não o faço. Agacho, levanto a barra da minha calça e encaixo a adaga dentro do meu tênis, em seguida cubro-a novamente com a barra da minha calça. Não sei por que a guardo, mas simplesmente guardo-a.

— Srta. Kingsley? — Ergo minha cabeça e no mesmo instante uma gota do meu suor atinge o chão. Pergunto-me se eles sabem que eu peguei a adaga, aflita, mordo os lábios.

— Sim. — Respondo a moça de cabelos compridos de um tom alaranjado no lado esquerdo, e no direito, rosado.

— Vosso irmão acordou. Achei que seria interessante avisá-la para eventualidades, ou apenas amor de irmãos, gostaria de falar com o mesmo?

Fico espantada pelo fato de ela usar um modo arcaico de dizer “seu” e apenas balanço em afirmativa com a cabeça. Ela veste um espécime de roupa social no conceito de Faísca. Um top less com a consoante F no lado esquerdo dentro de uma espécie de circulo, porém em formato de chama. Sigo-a. Pergunto-me se estou preparada para ver o meu irmão, depois de algum tempo... Depois do que ele fez comigo.

Quando finalmente chego à porta da enfermaria e a moça, da qual me esqueci de questionar sobre o nome, sai, recuo dois passos para trás e penso seriamente se estou preparada para vê-lo. Decido que não estou.

Saio andando apressadamente, sem motivos, começo a correr. Uma mão segura meu braço esquerdo.

— Cassie. — É a voz de Alaric. Empurro sua mão. Tenho nojo de olhar para face dele. Acima de tudo, tenho nojo dele.

— Desencoste de mim, Alaric! — Grito mais alto que gostaria.

— Cassie Kingsley! — Ele agora grita, virando-me violentamente. Não sabia dessa sua força. Ele me pressiona contra a parede. Tento me livrar dele e sinto o bafo dele de café atingir minhas narinas de forma asquerosa.

— Alaric Kingsley! — Grito empurrando-o. — Existe um modo, não sei, de você me soltar?

— Não até você me ouvir.

— Eu não quero te ouvir, Alaric. Não depois do que você fez.

— Eu não fiz nada. — Ele argumenta.

— Porque alguém impediu. — Digo.

Ele fica alguns segundo em silêncio.

— Me desculpe. — Ele fala. — Eu não fiz por mal... Eu estava com medo... Você não sabe...

— Alaric, eu gostaria de te entender, mas toda vez que eu tento, todas às vezes, sou incapaz! Era mesmo necessário me machucar?

— Era. — Ele responde. — Ou era eu ou você. Albert disse isso e eu sei que ele estava falando sério. Sei que ele faria tudo para te eliminar. E se eu não contasse isso, ele contaria o meu segredo para a Sociedade que me aniquilaria de vez.

Sei bem do que se trata, mas fico calada. Não quero soltar uma palavra se quer, não, não quero mesmo. Mas preciso saber de mais coisas... É necessário.

— O que eu fiz para Albert? Por quê ele me quer no caixão?

— Ele sabe que você é forte. Ele sabe que há uma energia em confronto contra o resto. Ele sabe que essa energia está a seu favor.

Não respondo.

— Só ele sabe?

Ele fica em silêncio.

— Não, Carl e Lucca.

Meu coração para. Se isso quer dizer que eles sabem que há uma energia a meu favor, eles sabem que eu sou uma onipotente. Eles sabem de meus segredos.

Nossa conversa acaba por aí. Ele me solta e eu saio, o mais rápido que posso. Imagino o que pode acontecer se todos souberem o que eu sou. Se tudo ocorrer da maneira que temo que ocorra. Se eles descobrirem no exato momento o que eu sou, quem eu sou, será certo o meu destino. (Morte).

Imagino-me no Campo das Dores, sendo atacada por aqueles do qual eu temo. Imagino-me sem proteção. Sozinha.

Estou do lado de fora do prédio de dominação de Elo, onde moro, onde vivo. Não sei se posso falar que estou viva, quer dizer, não sei se posso falar que é onde vivo, pois não me sinto viva, sinto que apenas existo. Digo que esta é a primeira vez que me encontro do lado de fora do prédio. Existe uma brisa batendo sobre meus cabelos que são levados ao vento. Questiono-me se nenhum fio de cabelo havia voado para longe, digo, que nenhum fio tenha descolado do meu couro cabeludo e esteja agora, na terra, a fim de sumir na escuridão das plantas. Acredito então que sim, um fio, pelo menos voou e não possuo mais, porém não sinto sua falta, relaciono imediatamente com a nossa existência, relaciono que nós somos assim, existimos e depois que partimos não deixamos marcas... Somos iguais fios de cabelos em um couro cabeludo, nascemos, caímos e a maioria das vezes os donos dos fios nem percebem sua caída, assim como na vida. No mundo.

Paro de pensar e sinto apenas o vento gélido atingindo meu rosto de forma brusca. Ao meu lado há plantas que sinceramente, não sei o nome. Penso que aquela, (pequenina, amarela), pode ser chamada de dente-de-leão.

Adormeço ao deitar-me sobre o manto, ou melhor, a grama verde. Sinto-me eu mesma do lado de fora, em contato com o que me faz bem: A Natureza.

Acordo com alguém fazendo carinho em meu cabelo. Sinto as mãos quentes arrepiarem todo o meu eu. Não sei quem é e como sempre, não desejo saber. Não desejo acabar com este momento gratificante. Imagino que seja a pessoa pela qual vive perto de mim, em todas as situações, mas se considera anônima. Eu também a considero-a anônima. Tento imaginar o por que alguém se esconderia de mim, por que alguém não iria querer mostrar quem é? Não encontro explicações e isso só me deixa mais estressada.

Abro meus olhos e viro-me. Enxergo-o muito bem e me decepciono ao saber que é meu irmão.

— Você tem prazer em me irritar, não é mesmo? — Digo a ele de forma grossa.

— Desculpe, estava apenas querendo ser protetor. — Diz. — Não é isso que eu deveria fazer? Proteger minha irmã?

— Não acho muito propicio de sua parte fazer isso logo depois de tentar machucá-la, quer dizer, tentar machucar sua irmã.

Ele não responde. Sabe que estou certa.

— Desculpa. — Ele diz. — Você sabe o porquê eu fiz isso. Você sabe.

Encaro-o. Sei bem, mas mesmo que eu passasse pela mesma dificuldade que ele, mesmo que eu sentisse o mesmo que ele sente... Eu não o machucaria em hipótese alguma. Essa hipótese, na realidade, seria a primeira a ser descartada.

— Eu não tenho culpa sobre o que você é.

— Eu também não tenho culpa por ter me apaixonado pelas pessoas que jamais gostaria de sentir alguma coisa. — Ele diz em meio a um suspiro. — Eu não tenho culpa de ser apaixonado por Peter.


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Notas finais do capítulo

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