Th1rteen R3sons Of Peter Pan escrita por justhannahbaker


Capítulo 14
I care about a strange star


Notas iniciais do capítulo




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Vou dizer: conseguir remédios é uma coisa... Complicada. E pra falar a verdade meio chata. Eu não tenho obrigações e bem diferente da vidinha que vocês levam, eu faço o que eu quiser. Eu podia ter saído pra brincar, saltar das nuvens, provocar o capitão, falar com rabos de peixe, pescar, caçar animais... Mas... Sei lá... Eu fiquei esquisito... Isso nunca, quer dizer, já aconteceu, mas faz tanto tempo... Quando eu me preocupei de verdade com alguém... Na maior parte do tempo eu não estou nem aí! Só quero brincar e me divertir! Simples assim!

Mas como pode? No meio do mato eu acho um corpo de menina e eu o levo comigo pro meu abrigo. Mas ela... A pessoa... Sei lá quem tá doente... E eu fico... Tá, eu falo: preocupado. E até mesmo triste. Pronto, falei! Eu sei o que você tá pensando: mas você nem sabe quem é essa menina! Pois é, eu não sei! E daí? Queria ver se fosse com você, tá? Uma menina doente, que ficava tremendo, gemendo e falando coisas por um segundo que ninguém entende. Eu não fico doente, não sei o que ela tinha, mas me preocupei. E se ela morresse?

N Ã O!! Eu dizia na minha cabeça. Isso NUNCA!!

Aí fiquei no quarto umas duas horas, porque não consigo ficar parado por muito tempo. Ficava de olho nela e a menina não melhorava. Eu arrumei minha roupa feita de cascas, talos e folhas, peguei meu embornal cheio de bugigangas e saí do abrigo. Tenho que ficar por ali, pra dar uma olhada nos inimigos... Vi que tudo estava no lugar: uma manhã normal na ilha. Voei baixo para dar um oi para os esquilos, passarinhos, capivaras, cotias, macacos e todo animalzinho que eu via de manhã. Aproveitei pra tomar um bom café da manhã com direito a uvas fresquinhas!

O céu estava azulzinho e coberto de nuvens fofas, pena que eu não podia pular nelas! Daí, fiz uma pequena viagem que durava horas e talvez dias a pé e voando deu mais ou menos meia hora.

Cheguei ao povoado como quem não queria nada, cumprimentei todo mundo que conhecia e que eu não conhecia também. As ocas deles estavam mais arrumadas do que o meu abrigo. Já, de manhãzinha a fogueira sempre acesa e tinha algumas mães e mulheres trazendo lenha.

- O que o trás aqui? – perguntou um homem que tinha saído para caçar. Ele devia estar com um baita dum mal humor. E todo pintado, como sempre.

- Quero falar com uma amiga! – respondi no mesmo tom e de cara feia.

- Você não tem amigos!

- Tenho SIM! – respondi, apertando os olhos, embravecido – Vai me ajudar, ou não? Ou vou ter que entrar?

- Não precisa! – ele despejou uma grande ave morta no chão e olhou firmemente para uma das mães. Ela saiu. – Quem você procura?

- Tiger Lily! – o rosto do homem ficou branco. Não só por causa do nome, mas porque ela tinha aparecido por ali naquela hora.

Depois de alguns minutos, entrei em uma das ocas para conversar. Sempre tem fumaça por lá. Fumaça e chocalhos. Tiger Lily estava fazendo rituais, como sempre, ao lado dos familiares e velhos, alguma coisa assim. Mas eu nunca tive paciência pra ver tudo isso até o final. É chato.

Eu tentei falar pouco, só disse que precisava de uns remédios.

- Pra você? – perguntou. Depois me olhou com aquela cara esquisita de que está tentando tirar tudo de você. Aí fiquei com raiva: não é nada legal quando sua amiga se parece com Atena.

- Não. – eu disse – Pra uma pessoa.

- Uma pessoa... – ela disse, parecendo rir – Então quer dizer que voltou pra cá? – eu sabia do que ela falava. De quem, na verdade.  

- Não, não é quem você tá pensando... Nenhum deles voltou... – “Graças a Deus!” uma coisa que eu nunca dizia e ia dizer. Ela olhou pra mim embravecida. Tinha certeza que ainda lembrava. De tudo.

- Então é quem...? Aquela foi a última e a única vez que...

- Por favor – eu disse tentando ficar calmo. Eu tinha que ficar calmo. Se não ela nunca ia me dar os remédios – Vamos deixar isso pra lá... É... Outra pessoa...

- Tá – ela falou encucada. Eu sabia que queria dizer mais coisas, lembrar mais coisas, perguntar mais coisas... Mas eu não queria... Se eu fizesse isso, eu... Ainda mais porque eu preciso correr e pegar esses remédios!

- Então... – eu comecei encucado com uma vontade de sair logo dali. Vamos dizer que a minha chegada tinha causado umas confusões. Normal. – O que vai ser?

- O que vai ser o que?

- O que você vai querer pelos remédios? Eu faço qualquer coisa! – vamos dizer também que eu sou esperto. Se eu aceitasse os remédios de graça, numa boa, de um jeito ou de outro Tiger Lily ia começar a fazer perguntas. E eu teria que responder. Não quero que ela pense que eu sou um amigo mau, mas eu sei... Não tá na hora de contar... A verdade...

- Qualquer coisa? – olhou pra mim como se perguntasse. Eu fiz que sim com a cabeça – Olha... Tem um povoado... Uns parentes... – ela olhou por fora da oca – Mandaram uma mensagem e nós queríamos responder. Se você pudesse entregar...

- Já entendi. Mas o que é? – ela se levantou, mexeu em um monte de coisas e pegou uma caixa.

- Acho que é isso aqui. Nem eu sei o que tem aqui dentro! – era uma caixa feita de madeira. Pequena. Eu podia levar numa boa. Mas... Levar uma caixa sem ver o que tem lá dentro...

- É bom você não abrir – falou – Te conheço, Pan. Se abrir, eu vou saber de qualquer jeito! Olha lá! – pelo jeito nunca vou saber o que tem na caixa. Fiz cara feia.

- Onde esses seus parentes moram? – perguntei esperando ela sentar de novo.

- Na América. Sabe onde é? – eu sei. A Estátua? Vou lá de novo? Lá fora?

- Mas é lá fora... Lá fora... Lembra? – claro que lembro.

- Eu sei. Eu não ligo... Mais... – ela me olhou de um jeito... Quase que como... Intrigada.

- Fica no norte de um país... Não sei o nome, mas lá tem... Uma Estátua, eu acho... Foi o que os parentes disseram quando mandaram a mensagem.

- Vou agora mesmo!

- Vou preparar os remédios agora mesmo... Mas você tinha que me dizer... – ela tentou.

- Por favor...

- Tá, seu cabeça de coco! Ande! – e saiu da oca.

E eu voei. Eu tinha certeza que a viagem ia ser longa, por isso me preocupei. Eu ia conseguir os remédios... Tiger Lily era minha amiga de muito tempo, ia me ajudar... Mas a menina... Doente, sozinha ali... Pode ser duro dizer isso, mas tomara que ela fique doente até eu voltar. Sou mau? Nem pensar! Mas e se ela acordar... E quiser levantar... E ir embora?

NÃO!! Tenho que ficar atento! E brincar um pouquinho também, tá? Afinal, ninguém é de ferro! Já falei que viajar é muito divertido, ainda mais quando se pode voar. Todo mundo quer voar! Pena que querer não é poder! E pena que não possam experimentar essa sensação maravilhosa!

Agora estou com a caixa e chegando a New York. Até eu fiquei espantado de como eu gostei daquela cidade... Das luzes... E da Estátua da Liberdade!

Eu não podia deixar de ver tudo de novo: as luzes da cidade, o movimento das pessoas, mães, pais, crianças principalmente. As telas planas chamadas de... Tevês! É isso! As TV’s, as placas elétricas e os carros... Até eu queria ter um negócio daqueles! Devia ser tão divertido! As praças... O shopping... E eu acabei de entrar lá!

Eram quatro horas, porque eu demorei mais do que gostaria para visitar New York. Tinha gostado mesmo de lá. Depois de ver as fábricas (não gosto, mas eu vejo) porque eu me lembrava de algumas coisas... Da Inglaterra.

Estou no shopping. O mesmo shopping de antes, apesar de ter outros shoppings acho que prefiro esse, já que foi o primeiro que eu entrei. Acho que fica num lugar chamado... Como era mesmo... Upper... Upper Est Side!

Fiquei abaixo do relógio, na pracinha. Acenei pra algumas crianças ali, mas só uma conseguiu me ver. Que pena!

Saio do shopping. São quatro e quinze ainda é dia. Vou ver a Estátua. Pra uma pessoa normal, visitar toda New York demoraria dias, comigo é diferente! Vou ver a Estátua.

Subo e giro e voo rápido demais. Não posso esquecer do que vim fazer aqui: o trabalho.

Em vez de ficar em cima, fiquei em baixo, na mesma pracinha que encontrei o estranho, o sátiro do meu sonho. Ali tinham muitos velhos e crianças... As crianças não paravam de correr e os velhos ficavam gritando com as crianças e dizendo: não corram, cuidado! Vocês vão cair desse jeito! Dane-se! Quem liga se cair, se cair se levanta, ué! Fiquei olhando o movimento da pracinha por alguns segundos, quando levo um baita de um susto:

- Pan! – me chamou. – Aqui!

Não subi. Corri. A toda. Ele estava perto das pistas, no ponto de luzes, vendas e lojas mais perto da praça. Eu corro até lá, ele está em frente a uma venda pequena. O letreiro elétrico dizia: “COFFE BEAN, O MELHOR CAFÉ DE UPPER EAST SIDE

- VOCÊ! – Gritei – De verdade mesmo?

- Claro! – ele disse. E claro que eu sabia quem ele era: o sátiro dos meu sonho.

- Porque você não usou o seu superpoder? – perguntei rindo amarelo.

- Isso é só pros casos especiais... – ele disse, vermelho – E... Cansa. Todo superpoder cansa!

- Sei como é... – falei – O que tá fazendo aqui?

- Você não viu a placa, cara? – ele riu como se eu fosse louco – Coffe Bean! O MELHOR café do Upper East Side! Tem todos os tipos de café! Mas eu venho mesmo pra comer umas enchiladas de queijo! Já comeu? – eu olhei pra ele, espantado. Fiquei vermelho. Tinha comido umas maçãs no café, mas não tinha almoçado nem comido de verdade. Faço um não com a cabeça.

- Então você tem que provar! Vamos entrar, vamos!

- Obrigado, mas eu não posso. Vim aqui a... Trabalho – argh!

- Eu também! Quer dizer, na verdade eu vim visitar o meu amigo Percy, ele é um meio-sangue!

- Meio-sangue?

- Meio deus, meio humano. Ele é filho dos deuses que eu te falei, da mitologia grega. Se lembra? Como a senhora Atena?

- Er... Claro que sim... Atena é... diferente... – eu ia dizer horripilante! Mas não podia dizer isso em voz alta. Se o sátiro consegue entrar dentro da minha cabeça, imagine o que aquela Estátua pode fazer... Além disso, eu sei que ela tá na espreita... Me olhando de longe... Se eu estragar com tudo, ela dá cabo da minha aventura. E eu não posso nem pensar nisso!!

- Então ele é filho de Atena? – perguntei. Se fosse, nem iria queria saber desse aí.

- Passou longe! Ele é filho do rival dela no Olimpo... – começou a sussurrar, e deu uma olhada em volta para ver se a Estátua não estava viva ali, escutando a conversa – Poseidon, deus do mar e dos terremotos!

- Legal – falei – Quero conhecer ele algum dia! – ele deu uma risadinha.

- Você não quer ir? A mãe de Percy faz um monte de coisas gostosas! – a mãe de Percy. Não quero ver mães agora.

- Desculpa, a gente conversou tanto tempo que nem perguntei o seu nome, só sei que é um sátiro da mitologia grega!

- É Grover – ele falou. Depois me olhou e apertou os olhos com preocupação – Mas...

- Eu tenho que ir, cara. Tenho um trabalho a fazer! – ele me olhou mais fortemente e por um segundo o senti dentro da minha cabeça de novo. Nada legal.

- Você tá apressado. Diz aí o que tem que fazer, quem sabe eu possa dar uma ajuda! – esse cara pode ser estranho, mas tem cara de ser tão legal. Que nem eu! Sou muito legal também!

- Bom... – comecei – Tenho que fazer uma entrega. Uma amiga minha... Pediu que eu entregasse essa caixa, mas eu não sei o que tem dentro, pra uns parentes dela que moram aqui... Na América!

- Onde? Aqui em New York?

- Não, no norte...

- Mas como você vai...

- Ela é índia, Grover – ele se espantou ainda mais quando pronunciei seu nome – E todo mundo sabe que não existem mais muitas tribos por aí... Tudo culpa do homem branco!

- Você... Isso é... EXATAMENTE o que eu penso! – achei que ele ia chorar de felicidade. Carinha estranho. Ele apertou os olhos. Disse:

- Mas você tá falando das tribos de índios do norte... Então...

- Você conhece? – interrompi. Talvez ele pudesse me dizer onde ficava os tais parentes da minha amiga.

- Eu não... Mas sabe, nós, sátiros, dríades, náides, e todos os outros da mitologia grega que nascem e vivem da natureza gostam dos índios. Eles sempre defenderam a terra, vivendo dela, mas sem precisar destruir nada!

- Isso é EXATAMENTE o que eu penso! – eu soltei uma risada. – Você é bem legal, Grover!

- Você também é bem legal, cara. O Percy ia gostar de te conhecer, acho que todos nós seríamos grandes amigos!

- Acha mesmo?

- Com certeza!! – aí ele parou de rir e disse – Ei, já sei! Uma amiga minha podia te ajudar!!

- Como?

- Ela podia levar essa caixa aí pra você!

- Mas como ela vai...

- Ela é uma dríade, Pan. – ele soltou uma risadinha. Espertinho. Mas ele pareceu meio preocupado como se não tivesse certeza que eu fosse mesmo Pan. Dá pra acreditar? – os espíritos das árvores!! Elas gostam muito dos índios, e são amigas deles!!

- Mas como ela vai me ajudar? Se ela é mesmo uma árvore, como vai até lá?

- Você nunca viu mesmo uma dríade, viu? – ele riu – Olha, mas vamos torcer para Júniper não descobrir! Se ela descobre, me mata!

- Quem é Júniper? – perguntei. Na certa devia ser uma sereia! Sereias não são confiáveis!

- Minha namorada! – ele ficou vermelho de repente – Ela... Ela é uma dríade! – ele ficou a ver navios por um momento – Ela é bonita! Você devia conhecer... – depois parou. Me olhou de alto a baixo , pigarreou e disse – Acho melhor você não conhecer ela não... Quer dizer...

- O que é namorada? – perguntei. Ele ficou vermelho que nem um pimentão, e depois começou a rir.

- Você não sabe o que é uma “namorada”?

- Não sei.

- Então... Vamos ver... Uma namorada é... – ele parou de novo. Olhou pra longe e disse – Olha! Uma dríade! – ele pareceu mais aliviado como se não me dizer o que era uma namorada  fosse melhor. Mas eu vou descobrir!

- Grover, o que está fazendo aqui? – aí eu vi a tal dríade. Ela tem a pele verdinha, como as folhas de uma árvore, os olhos alaranjados como folhas secas e o vestido também alaranjado. Não sabia que uma árvore podia ser fofinha assim.

- Você me conhece? – ele perguntou. Que bom, provou do próprio veneno!!

- Claro que conheço, bobinho – ela deu uma risadinha e olhou para Grover de um jeito esquisito que fez ele ficar ainda mais vermelho – Você não virou membro do Conselho dos Ancião de Casco Fendido e Rei dos Sátir...

- Caham! – Grover deu tapinhas nos ombros da dríade nervoso – Pobre, árvore, nem sabe do que está falando...

- Então já que eu não sei do que estou falando, você não vai se importar se eu disser a Juniper que nós...

- NÃO!! Amn... Quer dizer, não, não que cabeça minha, amn...  como é o seu nome?

- Mara.

- Legal. Bem legal seu nome q... – Mara deu um sorriso amarelo – Bom, eu queria saber se você podia ajudar o meu amigo aqui.

Ela deu uma olhada em mim, e sorriu:

- Posso sim, claro. O que é?

- Ele tem que levar essa caixa pra uns... Índios que vivem no norte...

- ÍNDIOS? Nossa, adoro índios! Ajudo sim, ajudo sim! – e arrancou a caixa das minhas mãos – Pra quem é, a caixa? Qual tribo? – Grover olhou pra mim.

- A tribo de Tiger Lily!

- Tiger Lily? É esse o nome da sua amiga? – perguntou Grover.

- É sim!

 - Então tá, procure por Tiger Lily, hã... Mara! E hã... Você quer alguma coisa pela ajuda?

- Bom, se pudesse mandar uns morangos do Acampamento, séria ótimo!

- Pode deixar, então! – fiquei quieto durante toda conversa. Era difícil falar com uma árvore.

- Vou agora mesmo! – ela disse – Tchau, Grover, tchau, amigo do Grover!

- Tchau... Árvore – falei. A dríade saiu correndo, mas não consegui ver seus pés. Depois de a vermos ir embora, ficamos olhando para o céu.

- Bom... – disse – Acho que por hoje é só!

- Não vai comer umas enchiladas comigo?

- Fica pra outro dia! – falei – Tenho que ir. Preciso cuidar... Er... da minha aventura.

- Tem alguma coisa a ver com o que a senhora Atena te disse, aquele dia? – ele perguntou amuado.

- Tá dentro da minha cabeça, sátiro?

- Não sei... Vai saber! Então, foi muito legal te dar uma ajuda, será que você não podia me dar uma mãozinha também, cara?

- O que você quer? – já tinha me acostumado com aquela pergunta.

- Bom... Quando você vier aqui de novo... Queria que conhecesse meu amigo Percy...

- Só isso?

- E também, que me contasse essa história maluca, de... Você ser Pan.

- Eu prometo! – ri. – Vou vir comer essas tais enchiadas que você falou!

- As enchiladas são uma delícia! – ele riu – Até mais, Pan.

- Até mais, Grover! – saio correndo. Grover continua acenando. Depois de perder ele de vista, levanto voo.

Não percebi quanto tempo eu tinha ficado na América. Tempo demais. Até queria voltar ao shopping de New York para ver as horas. Mas eu não precisava. Por do sol novamente. Já eram seis horas quando saí dali. A viagem ia ser longa.

Não quis passar por estados e pelo país, eu fazia isso, quando queria enrolar e aproveitar o momento. Mas eu não tinha nada pra aproveitar, não tinha tempo para brincar. Tá, tudo bem, confesso que eu brinquei a valer, corri a toda, como o vento e voei ao lado das estrelas. Quando se está no espaço, você tem umas sensações esquisitas: fica zonzo, tonto e ás vezes parece que tá caindo ou dormindo. Se não é isso, parece que o seu corpo voa tão rápido, que chega a desmoronar, como se estivesse se dissolvendo, desde a ponta dos pés. Ou o contrário: você se sente leve, solto e o mais importante de tudo: vivo.

Fiquei nessa brincadeira a viagem inteira. Quando eu chegar, o normal seria ver o amanhecer e o nascer do sol. Mas isso não vai acontecer, pois eu estou muito preocupado.

Chegando ao mar, eu avisto a terra. Como eu pensava, o mar não estava nem tranquilo, nem embravecido. E sim, escuro. O céu estava branco e as nuvens que não estavam pra brincadeira anunciavam uma forte chuva. O ar estava frio, não tão frio  como quando neva, mas ainda sim, frio. Estou voando a toda para a floresta, espero não acordar os meus inimigos.

Graças a Deus, os barqueiros e o capitão devem estar longe, esta terra é grande e a praia mais ainda, e eu não vi seu barco.

Entro na floresta. As sombras das árvores e dos animais me seguem, mas eu não posso falar com nenhum deles.  Continuo voando baixo e voo por um tempinho, até ver, no lado esquerdo da floresta, a tribo. Vou descendo.

Diferentes da outra vez, os índios estão bem mais felizes em me ver, os velhos, os pais, as mães, o cacique e todos em volta da fogueira começam a gritar e a rir. Fico ao lado do mastro, já tinha sido preso lá: não é nada legal, tá?

As ocas ficam amontoadas uma do lado da outra. Mas não tem muita gente lá, todos vieram fazer festa no meio da fogueira. O velho pagé veio contar histórias e por isso todos estão à beira do fogo. O pagé é um velho magro de canga e pinturas no rosto, feito da tinta das frutas, como jabuticabeira. Velho, magro, mas conhecedor das coisas, e assim como Tiger Lily, ele tinha olhos como os olhos de uma Estátua.

- Tiger Lily, minha filha – ele chamou – Venha aqui, seu amigo voador veio te visitar! – os índios ao redor olham com curiosidade, pais, mães, velhos e crianças. Todos. Fazia tanto tempo que eu não visitava a tribo, de que não me passou pela cabeça que todos eles não me conhecessem.

Tiger Lily abre caminho entre a fogueira.

- Chegou tão rápido! – ela riu e depois olhou para multidão – A todos, este aqui é Pan, o herói voador que me salvou do malvado capitão! – vi olhares de surpresa entre todos, seguida de palmas. Dei um grande sorriso e cantei feito galo caipira.

- Este Pan – ela continuou – é um viajante forte e valente, não tem o nosso sangue, mas tem a coragem de um nascido índio desta tribo! – mais palmas, seguidas de risadas e um falatório sem fim. Todos queriam me cumprimentar e fazer um monte de perguntas, é eu estou acostumado com isso... Já você... Bom, você não é eu. Tiger Lily não deu brecha, recomeçou a falar:

- Hoje, Pan nos prestou grande ajuda! – gritou ela, na língua deles – Ele entregou a caixa com a nossa mensagem para os parentes, a tribo que vive na América! – os índios começaram a gritar. Até o cacique e o pagé deram vivas para mim. O fogo subiu, como se dissesse que aquilo era verdade.

- Então, também vamos ajudá-lo, vocês concordam? – nem esperei a resposta, porque ouvi em língua de índio: mais é claro! Sim! Vamos ajudá-lo!

- Obrigado! – agradeci, convencido.

- Vamos entregar este remédio... – uma velha índia veio trazendo uma bacia – que ele nos pediu para curar uma pessoa doente... – e queremos que leve essa sopa de lentilhas, para que a pessoa possa sarar logo e ver o sol brilhar! – mais vivas e vivas. O pagé disse algumas coisas e todos se sentaram, era hora da história. Mas o cacique e Tiger Lily vieram me agradecer.

- Muito obrigado, Pan – ele falou – Eu sei que não dos demos bem, mas saiba que o povo está muito feliz com sua ajuda. Todos estavam preocupados pra saber quem poderia levar a mensagem para os parentes... E então, você apareceu!

- Não foi nada – respondi – Obrigado pelo remédio! Eu não sabia como... – e lá vinha à preocupação de novo – Como conseguir o remédio!

- Tomara que... A pessoa sare! É ruim ficar doente! Quando fiquei doente, não tomei banho de rio...

- Er... – eu já queria me despedir, mas ele foi mais rápido e se juntou ao fogo. Tiger Lily veio com a bacia de lentilha e o remédio. Disse:
- Aqui – falou – Três goles ao dia. Esquente na fogueira. É um chá de ervas. Qualquer um fica bom logo!

- Obrigado! – agradeci, me preparando para partir – Muito obrigado! Er... Eu acho que já vou indo!

- Vou saber quem é... – ela disse – A pessoa... A pessoa de quem você está cuidando.

- Não vai não – respondi sério

- Vou sim! De um jeito ou de outro! – Tiger Lily estava com aquele brilho no olhar, um brilho mal, igualzinho Atena.

Aí eu levantei voo novamente, e dessa vez, ao coração da floresta.

Levei poucos minutos para chegar, mas estava atento a qualquer coisa. E de olho na praia: se o barco chegasse, eu ia saber. De um jeito ou de outro!

As folhas das árvores balançam, o vento frio fica ainda mais forte quando chego ao abrigo. Desço e olhando daqui e dali, abro a porta com força.

O corredor é feito de folhas. Não tem nada mais lá. A não ser, os escorregadores que ficam de todos os lados do corredor. Sento-me e escorrego.

Atônito, meu pé afunda nas folhas secas. Alaranjadas, amarelas... Mas não dá pra ver a cor das folhas. Tudo está escuro. Corro, derrubando qualquer porcaria que encontro pela frente. Minha casa, feita de troncos, árvores e pedras tem bastante coisa e bastante coisa que machuca, mas eu não tô nem aí. Já me acostumei. Já você... Você se assusta com qualquer coisa!

Chego finalmente ao quarto e a cama. Felizmente, tudo está exatamente como eu deixei. Prateleiras e criado mudo, cheio de velas, lamparinas, copos e outras bugigangas. Acendo algumas velas, dá pra criar fogo aqui rapidinho. Aí vi uma menina doente: com os cabelos no rosto, suada, tremendo e gemendo, igualzinho a última vez. Me senti mal por isso. Muito mal, e isso me espanta.  Mas eu não quero pensar que poderia ter acontecido alguma coisa ruim enquanto eu estava fora. Em vez disso, prefiro pensar que a menina pode sarar com o remédio e finalmente acordar.

Coloco a sopa de lentilhas dada por Tiger Lily no criado-mudo e eu pego a bacia de remédio. Me aproximo ainda mais da cama. Olho para a doente. O que fazer? Ficar parado é que eu não vou!

Aí eu crio coragem. Coloco a mão nas cobertas e subo para o pescoço da menina, com medo. Por que isso agora? Xingo um palavrão: a menina está congelada.

Nem penso duas vezes, pego a bacia com a mão esquerda e com a mão direita endireito o corpo para cima, pra que a menina fique sentada. Ela geme e se mexe. Logo logo vai abrir os olhos.

Dou-lhe o remédio. Sorte minha ela não ter acordado ainda, porque quase fiz a menina engolir o remédio garganta abaixo! Que afobação minha é essa? Será que eu estou com medo? Não. Eu não estou com medo. De jeito nenhum! Já te disse que eu não tenho medo de nada. NADA!!

Então por que eu estou assim? Eu não posso perder a minha aventura, certo? Mas... Eu não sei... Por que estou tão preocupado? Quer dizer então que... Eu estou mesmo me preocupando com essa menina?

Não sei. Mas minha cabeça, diz que sim. Olho para a doente. O remédio deve ser ruim porque ela geme e parece não querer tomar, mas eu seguro seus ombros firmemente fazendo com que ela tome. Mais atônito ainda, forço a bacia contra a boca da menina, mas ela resiste e derrama o remédio sem perceber. E desaba na cama. Xingo de novo.

Eu preciso me acalmar. Preciso! Mas não consigo ficar quieto. Olho para a frente e penso com mais calma. Tenho que dormir um pouco, cochilar, nem que seja um pouquinho e sonhar com a minha aventura e com coisas legais... Brincadeiras... Coisas boas! Das que toda criança sonha!

Podia fazer isso no alto de uma montanha ou numa caverna, mas não tenho coragem de deixar a menina doente aqui sozinha. Nem pensar! Aí então, eu me deito no chão, que tem um tapete de folhas secas e fecho os olhos. Pensei que por causa de tudo, ia demorar a dormir, mas dormi logo.

Não sonhei nada, dormi pesado. Mas não dormi a noite toda, do, só algumas horas. Três, ou quatro, acho. Ainda era madrugada quando levantei e fui para cima, como eu disse, minha casa fica no subsolo, sempre tenho que ficar de olho nalgum inimigo que possa estar por perto.

Meu cabelo estava cheio de folhas secas e eu suava em bicas. Mas não tinha nada lá em cima. Dali a pouco, amanhecia. Mas o céu estava limpo e sem estrelas. Daí fui dar uma olhada na menina, antes de cair no sono de novo. Coloquei mais um cobertor sobre o corpo e fiquei ali, quietinho tentando pescar alguma coisa. Tomei coragem e me aproximei, quando fiz isso, a menina começou a gemer. Mas diferente das outras vezes, ela agora tentava alguma coisa.

- Quem é você? De onde você veio? – eu sussurrei sério. A menina tinha o cabelo todo envolto no rosto. Perguntei mais algumas vezes.

- Es...

- Es...?

- Es... Tre... La...

É claro que ela devia estar maluca por causa da doença.

- Eu... E-eu sou uma estrela... – e suava tremendo e dizendo maluquices. Quem diria, essa aventura vai ser mesmo inesquecível, pois primeiro conheci uma estátua, depois uma árvore e agora acabo de conhecer uma estrela.

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