Supernatural: Destiny. escrita por theblackqueen


Capítulo 3
A Time At The Roadhouse.


Notas iniciais do capítulo

Acho que não vou conseguir leitores :( De qualquer jeito, eis o capítulo 03.



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O sol já estava alto e o relógio marcava 14h50min quando finalmente o carro parou em frente a um bar de estrada. Nós não estávamos no Kansas, estávamos em Nebraska. Era a primeira vez que e eu nem conseguia acreditar que estava tão longe daquela cidade e nem havia percebido. Giuseph chacoalhou Melizza e sonolenta, a loira desceu do carro. Todos descemos.

— Bem vinda ao Roadhouse. — Disse Giuseph.

Eu estava um pouco inquieta, admito. Não queria causar incomodo e eu ainda estava mal pelas crianças do orfanato. Encarei um pouco o bar e entramos. O interior do bar era como o de qualquer outro, com mesas, cadeiras, um balcão, uma mesa de sinuca. O lugar estava vazio naquele horário.

— Ellen! — Chamou Giuseph.

De uma das portas que existia no bar vi uma mulher de cabelos loiros, um tom escuro, que vestia uma camisa verde e calças jeans.

— Giu, Mel! — Disse sorrindo simpática. — Eu achei que demorariam a chegar...

— O velho fusca não me decepciona. — Giuseph disse divertido.

— Ah meu Deus! Não me diga que ainda dirige aquele carro velho? — Ela disse com reprovação, depois seu olhar parou em mim. — Oh, me desculpe, querida. Meu nome é Ellen Haverlle. Jo! Ash! — Chamou.

— Já vou, mãe. — Ouvi uma voz responder.

Uma voz feminina que com certeza não pertencia à figura que saiu da mesma porta por onde Ellen passou. Esse tinha as roupas amassadas, uma aparência bem relaxada. Cabelos claros e compridos, eu os achei um pouco estranhos a princípio.

— E ai gente fina! — Cumprimentou.

— E ai Ash! — Disse Melizza.

— Mel! — Outra loira disse ao sair de outra porta, essa mais magra que Melizza, mas da mesma altura, cabelos loiros e lisos, usava calça jeans e uma blusa marrom de manga curta.

Melizza e ela se abraçaram, pareciam grandes amigas.

— Essa é a minha filha Jo. — Disse Ellen. — E o Ash aqui ajuda no bar.

— Muito prazer. — Disse um pouco tímida. — Sou Elisabeth Casttle.

— Ash, podemos falar um minuto? — Giuseph perguntou.

— Claro. — Respondeu o cara com cabelo estranho.

Os dois saíram para o lado de fora do bar.

— Sinta-se à vontade. — Ellen me disse. — Tem uma cama no quarto da Jo, você pode ficar pelo tempo que quiser.

— Muito obrigada mesmo. — Eu disse enquanto esfregava uma mão na outra, nitidamente sem jeito. — Eu não quero mesmo incomodar.

— Imagina... — A loira, Jo, me disse. — Não vai incomodar.

Eu sorri.

— Vocês devem estar cansados. — Ellen disse. — E com fome.

— Eu apaguei no caminho. — Disse Melizza. — Mas aceito um bom pão com manteiga.

— Claro... Vem comigo. — Disse Jo. — Elisabeth, quer vir?

— Não, obrigada. — Respondi tímida.

As duas entraram por uma das portas.

— Não quer mesmo comer nada? — Ellen insistiu.

— Não, de verdade. — Eu disse. — Eu não estou com fome...

— Entendo. — Ela disse. — Mas quando quiser, é só ir e pegar. Eu sei que deve estar um pouco tonta com tudo que aconteceu.

— É, eu... — Eu estreitei o olhar para o chão enquanto lembrava tudo que havia acontecido. — Eu ainda não consigo entender muito bem o que houve.

— Depois você vai digerir a história melhor. — Ellen disse. — Quando o Giu me ligou, eu não tive dúvidas em deixá-la vir para cá. Precisa de um lugar para recomeçar.

— Você e o senhor Ruso são amigos há muito tempo? — Indaguei.

— Desde o tempo em que o pai da Jo era vivo. — Ela respondeu. — E eu conheci a Carly, a mãe da Melizza. Era uma grande caçadora.

— Caçadores. — Repeti. — Até ontem achei que essa palavra definia outro tipo de caçadores, tipo... De coelhos. É muito estranho pensar que existem pessoas que caçam fantasmas e demônios.

— Você se acostuma. — Ela disse. — Vai aprender muito por aqui, os caçadores sempre passam pelo bar.

— Eu vou ajudar no bar. — Eu disse. — E no que for preciso enquanto estiver aqui.

— Desde que se sinta à vontade...

Giuseph e Ash voltaram. Ash sentou-se no balcão, pigarreou de leve e sua atenção foi direcionada a tela de um computador.

— Não quer tomar um café, descansar um pouco antes de voltar para a estrada? — Ellen perguntou a Giuseph.

— Aceito o café depois Ellen, mas agora eu vou ligar rapidinho para o Bobby. — Disse ele, parecia um pouco preocupado.

— Bobby? — Ellen o fitou com atenção. — Aconteceu alguma coisa?

— Não, nada. — Disse ele.

Ellen não se convenceu por um motivo que estava bem longe do que eu já sabia. No fim daquela tarde Melizza e Giuseph partiram. Foram para a Kansas, mas logicamente não acharam nenhuma pista de onde o “padre”, as “irmãs” e os outros que também estavam possuídos. Eu não sabia o que levava Giuseph a caçá-los a partir daí. Não era só uma promessa, nem simplesmente um caso inacabado, era mais que isso e era algo que ele não ia deixar passar. Algo que nem Melizza chegaria a saber na época. Depois de Kansas, Mel e o seu pai seguiram com sua vida normal. Um fantasma ali, uma bruxa lá. Caçadas no norte, no sul, no leste e no oeste do país. Claro que Giuseph estava atento a todo e qualquer sinal que o levasse ao demônio. Não só ele, mas Ash, outros caçadores que ele conhecida como um chamado Bobby Singer, todos eles ficariam atentos ao demônio. Não podia reclamar da minha nova vida. Gostava muito mais dela do que da outra, por mais que insistisse em não admitir. Um mês naquele bar e tudo foi mudando, tudo que me acorrentava ao passado naquela cidade. Os dias naquele bar eram interessantes. Adorava ouvir as histórias que surgiam aqui e ali sobre as caçadas, mesmo odiando as cantadas que alguns idiotas passavam tanto em mim quanto em Jo. E no final, as respondia à altura. Ash era uma pessoa bem diferente do que eu achei que fosse à primeira vez que o vi, com aquele cabelo excêntrico e aquele jeitão largado. Posso dizer que aprendi muito com ele a respeito de computadores. Ele era um gênio. Eu e Jo éramos bem diferentes, mas nos dávamos bem. Ela era extrovertida, geniosa, acho que é por isso que ela e Melizza eram tão amigas. As duas se conheciam desde pequenas. Já Ellen, acho que ela foi a que mais me ajudou naquele tempo. Eu vou agradecer a ela sempre. Ela foi uma mãe em muitos momentos. Foi um tempo tranquilo, ignorando todos os pesadelos que eu tinha com aquela cena. Até hoje sinto o cheiro de café fresco pela manhã ou do pão que a Ellen fazia aos domingos. Talvez seja atípico falar sobre um bar de estrada assim. O dia a dia lá não era tão mecânico quanto o do orfanato. Mas aquela calma não durou para sempre.

Acordei-me naquele dia percebendo a agitação que vinha da parte da frente onde ficava o bar. Não como a agitação dos fregueses, eram na verdade conversas bem animadas e risos. Ergui a cabeça enquanto os meus olhos iam se acostumando com a claridade vinda das janelas do quarto de Jo, cujas cortinas estavam levantadas revelando o céu azul e cheio de nuvens. Jo já não estava na cama, o que não era novidade, ás vezes Ellen a chamava para que ela fosse comprar qualquer coisa faltasse no bar. Olhei o relógio que marcava 08h55min. Levantei-me e vesti qualquer coisa. Calça jeans, uma blusinha azul-marinho simples, era isso que eu costumava usar. Depois disso, fui até o bar.

Para a minha surpresa, ali estavam duas figuras que eu já conhecia, e uma que eu nem fazia ideia de quem era. Em uma das mesas Melizza estava sentada ao lado de Jo. Na mesa ao lado estavam Ellen, Giuseph e o desconhecido. Ash estava sentado ao balcão, todo descabelado, o que indicava que assim como eu, ele provavelmente tinha acordado e isso não fazia muito tempo.

— Lili! — Disse Melizza sorridente.

Aquele apelido ainda soava péssimo.

— Elisa, eu já ia te chamar. — Jo disse.

Todos no bar me chamavam de “Elisa”. Melizza tinha razão, era muito formal “Elisabeth”, mas chamar de “Lili” estava fora de questão.

Mel era insistente, era a única que me chamaria assim, mesmo contra a minha vontade.

— Eu estava falando para o Giu o quanto você se adaptou bem ao bar, Elisa. — Comentou Ellen.

— É verdade. — Eu disse. — Mas é bom vê-los de novo.

— Elisabeth, esse é o Ralph. — Disse Giuseph. — Meu amigo caçador.

É claro que eu lembrava dele. Era o homem que havia ligado naquela noite enquanto estávamos no carro em direção a Nebraska, tratava-se de um dos caçadores que estavam de olho nos demônios. Ralph Merengger era um homem magro e esguio, de cabelos castanhos e bagunçados, um pouco mais jovem que Giuseph e seus olhos eram castanhos. Ele se levantou, me estendeu a mão e enquanto fazia isso, me encarava firmemente. De um jeito estranho e que me deixou bem constrangida.

Giuseph pigarreou, o que fez Ralph voltar a se sentar.

— Eu e Ralph vamos caçar no México. — Giuseph comentou, vi a loira bufar quando o pai disse isso. — É claro que a Melizza discorda.

— Eu não discordo. — Replicou Melizza. — Só queria saber por que é que eu não posso ir junto?!

— Atravessar a fronteira é perigoso. — Giuseph respondeu como se já estivesse cansado de explicar isso.

— É uma loucura até para os dois. — Ellen disse encarando Giuseph e Ralph, nitidamente ela não gostava da ideia. — O que tem no México de tão importante?

— Está tudo bem, Ellen. — Giuseph tentou deixá-la mais tranquila sobre a viagem. — Temos tudo planejado. Mas eu prefiro que a Mel fique no Roadhouse.

— Eu tenho 24 anos, pai! — Resmungou Melizza cruzando os braços.

— E eu ainda sou seu pai. — Giuseph disse inflexível, porem sua voz ainda tinha o tom amigável de sempre. — Você fica aqui e ponto.

Melizza grunhiu.

Ela passou o resto da manhã emburrada com o pai. Era engraçado vê-los discutir sobre caçada, parecia um assunto tão normal. No começo da tarde Giuseph e Ralph já tinham tudo preparado para partir. Eu e Jo ficamos na porta do bar enquanto Mel foi se despedir do pai.

Giuseph deu um beijo na testa da filha.

— São só duas semanas, Mel. — O ouvi dizer, depois se abraçaram.

Melizza nunca havia se separado do pai. Naquela mesma noite ela me disse isso. Depois que o bar fechou começamos a conversar, nós três, no quarto de Jo. Nós que nunca tínhamos parado para conversar.

— Você não sabe mesmo o nome dos seus pais? — Melizza indagou.

Ela e Jo estavam sentadas na cama de Jo, eu na minha.

— Não. — Respondi, pela primeira vez era estranho pensar nisso.

— E seu sobrenome? — Foi Jo quem perguntou. — Casttle. Você sabe se era de um dos seus pais?

— Não, nem sei se é real. — Disse, provavelmente foi inventado e era mais uma mentira daquele orfanato.

— Deveria pedir para o Ash dar uma olhada. — Jo sugeriu.

— Talvez. — Eu disse mais incerta, não queria mesmo remoer aquele passado, então mudei de assunto. — Você e seu pai caçam há quanto tempo, Mel?

— Meu pai caça desde pequeno. — A loira respondeu. — Meus avós, eles vieram da Itália quando meu pai era pequeno. Meu avô também era caçador. E o pai dele. É de família. — Ela pausou. — E eu também caço desde sempre.

— Você já morou na Europa? — Perguntei.

— Não. — Ela disse. — Mas ainda quero ir até lá. Minha mãe foi e me dizia que era lindo.

O olhar de Melizza pareceu triste ao falar da mãe, por mais que ela se esforçasse para não demonstrar.

— Sinto muito pela sua mãe. — Eu disse, era algo que eu queria dizer desde que a conheci.

— Minha mãe era uma grande caçadora. — Ela disse. — Ela e meu pai se conheceram durante uma caçada em Chicago. Um lobisomem. Mas minha mãe era melhor em caçar vampiros. Meu pai e ela nunca mais se separaram. Um dia ela foi pega desprevenida por um vampiro, ele queria se vingar pelo ninho. Ele a matou.

— Isso é horrível. — Eu disse estreitando o olhar.

Melizza me olhou por alguns segundos antes de desviar o olhar.

— Mas nós o pegamos. — Ela disse voltando a costumeira aparência controlada. — Cortamos a cabeça do desgraçado.

Essa era Melizza. Ela fazia o que fosse preciso. Muitas vezes no futuro eu iria vê-la em situações que deixariam as pessoas “normais” à beira de um ataque de nervos, mas ela não. Ela estaria sempre disposta a ir até o fim.

Os próximos dias daquela semana seriam tranquilos. A mesma rotina no bar. Nos primeiros dias Giuseph ligou para Melizza, da última vez que se falaram contou que ele já estava em New México.

Ainda que eu nunca tivesse tido curiosidade sobre meus pais, havia passado a considerar o assunto. Em uma das noites daquela mesma semana o bar estava pouco movimentado. Três caras estavam em uma mesma mesa jogando conversa fora, outras duas estavam ocupadas, mas por uma pessoa em cada uma, e outros dois homens estavam espalhados pelo balcão. Ash também estava no balcão. Ellen atendia. Jo e Melizza mais cochichavam e soltavam risinhos abafados enquanto as músicas da Cindy Lauper tocavam, cantora favorita da Melizza.

Ellen já estava impaciente, encarou as duas com a sobrancelha erguida.

— Será que as senhoritas Gargalhada e Risadinha não têm mais mesas para atender? — Ellen disse com ironia.

— Foi mal, mãe. — Jo disse.

— Qual é, Ellen, nem tem nada para fazer... — Resmungou Melizza ao se aproximar do balcão. — Não até alguém vomitar na entrada.

— Deve ter alguns pratos lá na cozinha. — Ellen disse. — Divirtam-se.

Melizza e Jo resmungaram alguma coisa enquanto obedeciam Ellen.

Eu já havia servido a cerveja de uma das mesas. Quando voltei, deixei a bandeja sobre o balcão e me voltei ao Ash.

— Ash, posso perguntar uma coisa?

— Aham. — Sonorizou subindo o olhar para mim.

— Acha que é possível descobrir quem sãos meus pais? — Perguntei, ele coçou a cabeça. — Quer dizer... Eu não sei seus nomes ou de onde são. Eu só sei que tenho esse sobrenome, Casttle. Fui abandonada no orfanato recém-nascida.

— Depende. — Ele disse depois que eu parei de falar. — Pode até ter algum registro. Você sabe se ela era da cidade, pelo menos?

— Não sei. — Disse suspirando. — Eles nunca me disseram nada.

— Eu posso tentar entrar no sistema nacional e procurar informações suas nos arquivos antigos de adoção, ou talvez no registro municipal para tentar achar algo. — Ash me disse. — Mas isso vai levar tempo.

— Tempo não me falta. — Eu disse. — E se puder fazer isso por mim, pode levar quanto tempo quiser.

Eu não tinha tanta certeza disso.

Até que pensei em pedir ao Ash para esquecer a nossa conversa, mas esse assunto deixou de ser importante alguns dias depois. Melizza, Jo e eu estávamos limpando as mesas e Ellen fazia uma lista de compras, coisas que estavam faltando no bar. Foi ai que o telefone chamou.

Ellen atendeu.

— Alô... — De repente a expressão de Ellen mudou, ela parecia ter se assustado com qualquer coisa. — Ralph, fala mais devagar...

— Ralph? — Melizza sobressaltou. — Aconteceu alguma coisa?

Ellen apenas nos encarou enquanto ouvia o homem do outro lado da linha. Nós nos aproximamos.

— Onde isso aconteceu? — Ela continuou indagando. — E você, onde está? — Algum tempo depois ela baixou o olhar. — Se acalme, vamos dar um jeito de te tirar daí.

Desligou.

— Ellen, o que foi? — Melizza perguntou um pouco hesitante.

— Eu... Ahn... — Ellen titubeou, seu olhar pareceu triste. — Melizza, o seu pai e o Ralph, eles foram atacados em Carlsbad.

— Atacados? — Melizza ficou mais nervosa ainda. — Policiais?

— Não. — Ellen disse, pausando logo depois. — Demônios.

— Como assim demônios, Ellen? — A loira continuava sobressaltada com a notícia. — E o meu pai?

— Ralph disse que seu pai desapareceu. — Ellen contou engolindo a seco.

Ralph e Giuseph haviam se hospedado em um motel barato enquanto esperavam à hora de atravessar a fronteira. Estavam em Carlsbad, em New México. Na saída do motel os dois sofreram um ataque. Eles já estavam no carro. Uma fumaça negra os envolveu e Ralph acordou horas mais tarde, deitado no acostamento ao lado do motel. Giuseph havia sumido. Ralph Merengger foi levado ao hospital, de onde fez a ligação, mas acabou morrendo um dia mais tarde. Nunca soubemos se as causas foram realmente naturais, mas é certo que tudo indicava que não. Naquela mesma tarde, com a notícia da morte de Ralph Merengger, um dia depois do desaparecimento do pai, o desespero de Melizza aumentou.

— O que é isso, Melizza? — Ouvi a voz de Ellen perguntar séria, então me virei na direção do som.

Eu estava sentada ao lado de Ash. Enquanto ele tentava achar alguma pista pesquisando no computador, eu ia lendo jornais da cidade onde Ralph e o senhor Ruso estavam tentando achar algum outro ataque ou sinal nos dias anteriores. Claro que não só nós estávamos atrás de informações. Ellen havia avisado a alguns contatos. Ela e Jo estavam arrumando as mesas quando Melizza saiu do quarto com uma bolsa e um mapa nas mãos.

— Eu vou atrás do meu pai. — Ela respondeu.

— Você enlouqueceu? — Ellen perguntou incrédula. — Melizza, nós não sabemos onde seu pai está...

— Eu não posso ficar parada esperando, Ellen. — Melizza cortou. — Ele é a única família que me resta.

— Nós somos sua família também, Melizza Brown Ruso. Conheci seus pais logo quando me casei. Eu vi você nascer. — Ellen disse firme. — E eu não posso deixar você se arriscar assim.

— Mel, você não pode ir assim. — Jo disse. — Sem saber para onde ir e o que fazer.

— Vocês não entendem, eu preciso achar o meu pai. — Insistiu. — Eu não posso abandoná-lo. Eu sei o que fazer e eu posso fazer isso.

— Espera pelo menos termos alguma informação. — Jo pediu.

Depois de um tempo Melizza cedeu. Mas não definitivamente. Todos nós sabíamos que ela era teimosa. Só bastaria uma direção e Melizza iria até o fim do mundo atrás do pai. Depois de uns dias pesquisando Ash descobriu certos sinais em Carlsbad. Sinais esses que surgiram no dia do ataque. O solo secou tanto em alguns lugares que abriu fendas e os animais, todos os tipos, foram morrendo pela cidade. O que isso significava exatamente, nenhum de nós sabia.

Duas semanas se passaram e não tínhamos nenhuma pista.

Melizza já estava obcecada. Nada a acalmava. Ela nos fazia andar com os celulares que ela usava nas caçadas com o pai, todos que ele sabia o número, caso ele entrasse em contato. E isso aconteceu.

Naquela tarde apenas Mel, Ash e eu estávamos no bar. Ellen havia ido até a cidade para uma consulta de rotina e levado Jo. O movimento já estava aumentando, uma dúzia de pessoas que participavam de uma excursão tinham parado no bar. Em um momento inesperado eu senti o celular no meu bolso vibrar. Parei, escorada no balcão, deslizando o celular para que a tela se acendesse. Era uma mensagem enviada de um dos números que estavam armazenados como sendo de Giuseph, o que me deixou surpresa. Na mensagem, além de alguns números, e uma data e um endereço.

“14/06”

Rua Columbia, Número 18. (307).

Eu não entendi bem.

— Mel. — Chamei. — Vamos até cozinha.

A loira que estava perto das mesas do canto, me encarou curiosa e foi até o cozinha. Eu fui logo atrás. Achei melhor não dizer nada no bar, na frente de todas aquelas pessoas.

— O que foi?

— Ahn... Olha... — Disse um pouco incerta.

Quando entreguei o celular a Melizza, eu a vi radiar. Aquela alegria de ter recebido uma mensagem do pai, saber que ele estava bem.

— Meu pai! — Melizza dizia atômica. — Ele deu notícias!

Um pulo e Melizza já estava no salão do bar outra vez.

— Sinto muito pessoal, mas vamos fechar agora... — Ela disse.

Ash que estava atrás do balcão, estranhou a atitude de Melizza. Seu olhar alternou entre ela e eu.

— Que foi que houve?

— A mãe da Lili aqui vai ter um bebê. — Ela disse ainda encarando os clientes e apontando para mim, eu pisquei abobalhada e Ash na hora entendeu que era uma desculpa para fechar o bar. — Nós vamos ter que ir para o hospital, então... Sinto muito.

As pessoas começaram a sair do Haverlle’s Roadhouse e muitas delas passavam por mim me dando os parabéns. Eu provavelmente corava, sorria envergonhada ao agradecer. Já Melizza sorria abertamente, de orelha a orelha e quando finalmente a última pessoa saiu, fechou as portas encarando nos encarando, a Ash e a mim.

— Cara, o que foi isso? — Ash indagou. — Essa encenação toda?!

— Meu pai mandou uma mensagem!

— Que? — Ele franziu a testa.

— Meu pai está bem, Ash! — Exclamou Melizza com uma mistura de agonia e felicidade.

— Me deixa ver isso! — Pediu Ash e Melizza entregou o celular a ele, segundos depois ele voltou a nos encarar. — Cara, isso é bizarro! São coordenadas.

— Coordenadas? — Eu perguntei.

— Meu pai nos deu a localização dele? — Melizza completou a minha pergunta.

— Não sei. — Ele respondeu. — Talvez.

— Acha que pode encontrar a localização exata? — Ela perguntou.

— Claro. — Ash disse. — Isso não é problema.

Ash se posicionou em frente ao computador. Enquanto isso Melizza ia de um lado para o outro, me deixando um pouco nervosa.

— Mel, se acalma!

— Não posso evitar, é o meu pai! — Disse ela.

— Você sabe que talvez não seja seu pai. — Eu disse, ela cravou seus olhos em mim.

— Não seja pessimista.

— Não é pessimismo, é realismo. — Respondi. — Você mais do que eu deveria saber disso.

— Elisa... — Ela começou, mas Ash a interrompeu.

— Halfway, Kentucky. — Concluiu Ash depois de jogar os números na rede. — Mais precisamente Columbia Street.

— Ai diz a rua? — Perguntei erguendo a sobrancelha.

— São as coordenadas exatas de um endereço. — Respondeu.

— Então é isso. — Disse Melizza. — Meu pai está ai, vou atrás dele.

— Você não sabe. — Eu disse cuidadosa.

— Não importa. — A loira insistiu. — É a melhor pista que eu tenho.

— Melizza, eu não posso...

— É o meu pai e eu não posso esperar mais. — Ela me cortou. — E se essa data é importante, hoje já é dez de Junho, eu tenho quatro dias para chegar até lá.

— Isso é loucura. — Insisti. — Pode ser uma armadilha.

— Eu também não acho boa ideia não. — Ash concordou.

— Eu sei me virar. — Disse Melizza, ela não ia ceder dessa vez.

Ela apressou o passo em direção ao quarto e eu encarei Ash agoniada e sem ação.

— Faz alguma coisa. — Pedi.

— Eu não posso prender o pé dela na cama. — Ele respondeu. — Mas ela está certa, é o pai dela e ela sabe se cuidar.

— Não está ajudando. — Disse azeda e fui em direção ao quarto.

Melizza arrumou uma bolsa com algumas roupas e em outra, colocou alguns objetos que provavelmente iria precisar.

— Como você vai chegar até lá?

— Carona. — Ela me disse em tom natural.

— A Ellen vai me esfolar viva, Mel. — Eu tentei pela última vez a fazer mudar de ideia. — Fica, espera um pouco.

— Elisa, vai ficar tudo bem. — Ela continuava segura do que estava fazendo. — Eu sei que deve parecer loucura para você, mas eu caço desde pequena.

— Mas nunca caçou sozinha.

Ela me encarou.

— É o meu pai, Lili. — Ela suspirou. — Eu já perdi minha mãe. Eu não posso arriscar.

Ela pegou as duas bolsas e saiu em direção ao salão. Eu a segui.

— O que vai fazer agora? — Ash perguntou.

— Posto de gasolina aqui perto tentar pegar carona. — Ela disse com um sorriso. — Avisem para elas que eu ligo dando notícia.

— Pode deixar. — Ash assentiu.

Eu não sabia bem porque, mas naquele momento um impulso tomou conta de mim. Eu nunca entendi. Aquela não era minha vida. Eu nem sabia nada de caçada, ou buscas, ou mesmo aventuras. Mas eu tomei uma decisão naquele momento: Melizza não podia ir sozinha. Eu corri até o quarto e juntei tudo o que tinha. Era pouco. Uma mochila, foi só o que precisei.

— Não entendi. — Ash disse pasmo enquanto encarava a mochila que eu levava.

— Eu vou com a Mel.

— Espera... Você vai...? — Titubeou. — Fala sério!

— Alguém tem que ser a voz da razão para ela. — Eu disse.

— Ai, senti firmeza agora. — Ele brincou.

— Diz para a Ellen e para a Jo que eu agradeço mesmo tudo o que as duas fizeram por mim. — Eu pedi. — E que volto assim que der.

— Digo sim.

— E Ash, valeu mesmo por tudo que me ensinou. — Disse a ele.

Por algum motivo senti um nó na garganta.

— Que isso! — Ele deu de ombros. — E eu vou ficar te devendo o que me pediu sobre sua mãe. Assim que acabar a pesquisa, te ligo.

— Vou esperar.

Fui em direção da porta e outra vez encarei Ash.

— Se cuida, pequena. — Foi a última coisa que ele me disse.

Eu não tinha ideia dos acontecimentos do próximo ano, nem aos que já estavam acontecendo paralelos a minha realidade. Mas naquele dia eu me despedi do Haverlle’s Roadhouse. Eu nunca mais voltaria ali, e nunca mais voltaria a ver Ash pessoalmente.

Caminhei o mais rápido que pude por daquela estrada de asfalto. Por sorte, o posto de gasolina não era longe. Em menos de dez minutos já estava lá. Haviam alguns caminhões estacionados em frente ao posto e diante de um deles, com os braços cruzados, escorada na lateral.

Quando me viu pareceu surpresa.

— O que você faz aqui?

— Eu vou com você. — Respondi parando diante dela.

— Que? — Perguntou espantada. — Enlouqueceu?

— Você também não me parece muito sensata, Mel. — Respondi com ironia. — E sim, eu vou com você.

— Por quê? — Melizza indagou. — Isso não é seu problema, Lili.

— É uma forma de agradecer o que fizeram. — Expliquei, isso era o que eu sentia realmente. — Me salvaram aquela noite. E também não era problema de vocês e mesmo assim, me salvaram.

— Esse é o nosso trabalho. — Ela disse. — Você não é uma caçadora.

— Não vou caçar. — Eu disse. — Só acompanhar.

Pelo menos era essa a ideia inicial.

— Isso é estupidez! — Ela resmungou.

— Estupidez, ou não, eu vou com você. — Disse franzindo a testa.

— Algum problema? — A voz surgiu logo atrás de mim, fazendo com que eu sobressaltasse.

Girei nos calcanhares. A figura era desconhecida. Uma mulher com os braços cruzados me encarava séria. Ela deveria ter a altura da Ellen e provavelmente tinham a mesma idade. Mas era mais musculosa que a dona do Haverlle’s Roadhouse. Era mais forte que muito homem que eu conheci. O cabelo castanho tinha um corte bem masculino. Olhos da mesma cor. Usava calças jeans um pouco sujas e uma camisa verde sem mangas, abotoada na frente. Ela tinha uma grande tatuagem no braço esquerdo: Um urso. Não um urso como os dos desenhos, fofo e delicado. Nem de longe. Era um urso bem realista. Com as garras bem a mostra, como se estivesse pronto para atacar.

— Não, Cielo. — Melizza respondeu. — Lili, essa ai é a Cielo. Ela está indo para Kentucky e vai me dar carona.

— Prazer, Elisabeth Casttle. — Me apresentei.

— Cielo Torres. — Cumprimentou de volta.

— A Elisa é uma amiga e ela vai comigo até Kentucky, se você não se importar?! — Melizza indagou para a tal Cielo.

— Depende. — Respondeu erguendo a sobrancelha. — Intolerância a fumaça de cigarro, você tem? — Perguntou-me.

Eu nem tinha certeza se isso existia.

— Não... — Respondi incerta.

— Então tudo bem. — Ela deu de ombros, relaxando.

— Como vamos para Kentucky? — Indaguei. — Carro?

— Não, a Cielo dirige essa belezinha. — Melizza bateu na lataria do caminhão onde estava escorada.

Um caminhão vermelho sangue.

— Tenho uma carga de carne para entregar em Russellville em três dias. — Explicou a grandona.

— Depois nós nos viramos até Halfway. — Concluiu Melizza.

Eu respirei fundo.

— Que seja!

Subimos para o caminhão.

O cheiro não era muito agradável. Na verdade não só cheirava a cinza de cigarro, mas também a gordura. Fiquei espremida entre Melizza e a janela, enquanto ela conversava alegremente com a grandona.

— Você disse que vai atrás do seu pai... — Começou a tal Cielo. — Ele sumiu há muito tempo?

— Duas semanas e pouco. — Respondeu Mel.

— Você está certa de ir atrás dele. — Disse ela. — A polícia, eles não estão nem ai para nós.

— É, você tem razão. — Melizza concordou.

— Sabe, se tem uma coisa que eu aprendi é que nesse mundo é cada um por si e Deus por todos. — Ela falou enquanto encarava o rosário que, preso no espelho retrovisor, balançava de um lado para o outro.

Eu percebi ali que já não era a mesma. Não tinha a mesma fé que foi alimentada todo aquele tempo no orfanato. Eu tinha me desligado da fé cristã. E a “mamãe ursa” estava errada, não era cada um por si, era esse pensamento que estava levando o mundo ao caos. A propósito, o apelido de “mamãe ursa” caia como uma luva para aquela mulher, o interior do caminhão era cheio de ursos. Desenhos e bonequinhos de ursos por todo o lado. Todos bem realistas.

— Você gosta mesmo de ursos. — Comentei.

— É meu animal interior. — Ela disse em tom natural.

— É o que? — Melizza indagou.

— Todos temos um animal interior. — Ela explicou. — Teve um índio me disse isso uma vez.

— Legal. — Melizza disse. — Adoraria saber o meu.

Fitei Melizza incrédula. Era a maior besteira que ela já havia dito. Mas ela nem me olhou, estava fixa na estrada a nossa frente. Cielo a olhou por alguns segundos, com um dos braços para fora da janela com um cigarro entre os dedos, parecia analisá-la.

— Uma leoa. — Disse finalmente. — Eu acho.

— Por quê? — Melizza indagou com estranheza, mesmo assim sorria como se a resposta lhe maravilhasse.

— Você tem essa coisa de leoa, disposta a tudo para defender o que é seu. — Disse a grandona voltando a prestar atenção na estrada. — Eu acho que pode ser uma grande líder.

— Ta ai... — Melizza sorria de orelha a orelha. — Gostei.

Cielo virou o pescoço para o nosso lado, me encarando agora.

— E você, eu diria que é uma pantera. — Disse.

Eu virei o rosto para o vidro do lado, revirando os olhos.

— Não me diga que também é cor-de-rosa. — Ironizei.

— Não. — Ela disse, voltei a encará-la enquanto ela soltava a fumaça do cigarro. — Uma pantera negra.

— Por quê?

— Tem esse mistério. — Ela respondeu. — Acho que é um animal que encaixa bem em você.

— A pantera não é um animal diferente. — Eu disse tentando não me sentir tão esquisita com a conversa. — Ela é um leopardo, só que com pelagem melânica.

— Valeu pela informação, Animal Planet. — Melizza disse com ironia, eu estreitei o olhar. — Vamos torcer para a gente achar logo o meu leão e o seu leopardo.

Arqueei a sobrancelha depois de assimilar o que ela tinha dito.

— Obrigada, mas dispenso. — Disse com um sorriso amarelo.

— Você que sabe. — Ela deu de ombros.

Aquela conversa estranha terminou ali e a viagem seguiu. Eu juro, até hoje não entendo de onde tirei coragem para tomar uma decisão assim. Eu não era corajosa. Eu nunca tinha feito nada assim. Para quem cresceu em uma cidade tão pequena, teoricamente protegida pelas paredes de um orfanato, era uma grande loucura ganhar a estrada e abraçar o mundo. E tudo isso na boleia de uma mulher que acreditava ser um urso por dentro. Mas foi exatamente ai que minha vida mudou. Eu acreditei que escolhia meu destino, mas no momento em que eu e Melizza subimos naquele caminhão, eu estava a caminho de algo que já havia sido decidido.

Uma autoestrada sem volta para o inferno.

E para o paraíso.


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