Supernatural: Destiny. escrita por theblackqueen


Capítulo 2
Hunting And Hunter.


Notas iniciais do capítulo

Tomara que alguém mais se empolgue em ler (cruzando os dedos).
E já aviso, algumas reações podem parecer estranhas (principalmente dos demônios), mas vão ser explicadas mais pra frente...



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Eu voltei para o orfanato naquela noite com meus pensamentos fixos na morta de Rebecca. Na época não percebi tão rápido o que hoje me é tão obvio. Ainda era inacreditável pensar que ela estava morta, não fazia sentido. Reconheço que a ficha foi caindo aos poucos, bem mais lenta do que deveria. De volta ao meu quarto, me dei conta que tinha que fazer alguma coisa, pois tantos mais poderiam estar em risco.

Arrumei algumas coisas em uma pequena bolsa. Só o mais necessário para a viagem. Eu tinha decidido sair dali, mas não sem antes saber o que estava acontecendo. E eu sabia se conseguiria sair da cidade. Se a madre superiora sabia que tínhamos saído naquela noite, ela deveria saber onde fomos. Depois de descobrir os símbolos tão estranhos no corpo de Elena Porter e se Rebecca havia descoberto algo tão grave a ponto de pedir que fossemos embora, sendo morta depois, a ligação parecia óbvia. Eu provavelmente seria a próxima a ser calada. Mas eu não iria embora sem confrontar aquilo que me tirava o sono. Hoje sei como era ingênua naquele tempo. Era morrer ou correr. Lá estava eu, pela primeira vez na vida, disposta a descobrir a verdade a qualquer custo.

Era noite de domingo. Como de costume, o Gran Salvador estava bem silencioso. Não só por ser domingo, mas sim por ser o último do mês, e em todo último domingo do mês acontecia a “vigília dominical” na Igreja de Santana. As irmãs passavam a noite orando. Por isso não me encontrei com nenhuma enquanto estava dentro do orfanato. Todas as crianças dormiam. Já deveria ser 23h00min da noite. Então cruzei o orfanato entrando na capelinha. Velas acesas e silencio. Abri a porta e observei a rua. Estranhei. Estava quieta demais.

Claro que estamos falando de um lugar que é sempre quieta, que é sempre monótona mesmo em seus dias mais festivos. Mas não era a mesma calma a que todos estávamos acostumados. Era um estranho e agoniado silencio. As luzes de dentro das casas estavam apagadas e apenas as de fora iluminavam a rua. Nenhum ruído. Só meus passos e o vento. Nem preciso dizer o quanto me arrepiava. Dobrei a esquina na frente da loja da senhora Conny e vislumbrei a igreja. Sua fachada arredondada, com gárgulas de anjos que sempre me arrepiavam e os degraus de mármore. Mas meu olhar logo encontrou outro detalhe que me deixou curiosa. Por entre as arvores nos fundos da igreja, havia um clarão que não parecia tão distante para vir da estrada, rota 169, que passava logo atrás da colina

A princípio eu pensei que fossem reflexos. Mas não era esse o caso. E eu demorei em assimilar que as luzes baixas que se via perfeitamente por entre as arvores eram faróis. E isso era estranho. Um carro nunca entraria ali pela rua da cidadezinha. Era impossível. As arvores eram juntas demais para permitir passagem, então provavelmente o carro havia entrado ali pela estrada. E isso era mais estranho ainda. Parei atrás de um poste à esquerda e me inclinei para frente percebendo a movimentação que surgia perto dos faróis do carro. Ouvi muito bem um som de algo sendo aberto, eu deduzi que era o porta-malas.

Cuidadosamente fui me aproximando, passando pela lateral da igreja onde as vidraças clareavam um pedaço do chão. Cheguei bem perto das arvores, olhei entre elas e confirmei a minha suspeita. E ainda me surpreendi ao ver, graças à luz dos faróis do pequeno fusca, um rosto conhecido. Melizza, a garota que conheci mais cedo. Melizza tinha uma bacia pequena de água nas mãos a princípio, e dentro dela, pude ver claramente um terço. Ela despejou aquela liquido em uma garrafa fina, semelhante a frascos de remédio. Ela não estava sozinha e como eu deduzi, o porta-malas estava levantado e dele, vi um homem mais velho tirar uma bolsa verde que parecia estar cheia de qualquer coisa que fazia um som metálico. Era um homem de estatura média, magro e de cabelos escuros. Ele depositou a bolsa no chão e eu vi que nela haviam vários tipos de armas. Grandes, pequenas, de todos os tipos.

Eu tremi nesse instante.

Recuei.

Naquele momento eu acreditava ter encontrado os assassinos. Tinha que avisar a alguém. Mas não demorou para que eu fosse descoberta por aquele par de estranhos aparentemente perigosos. O homem me encarou quando acabei pisando em um galho.

— Hey! — Disse ele. — Quem é você?

Me apontou uma das armas.

Eu não conseguia me mover, apavorada.

— Eu... Não... — Gaguejei.

— É a garota que eu te contei, pai. — Melizza disse.

Senti a mão forte do homem se fechar no meu pulso e ele me puxou por entre as arvores, que era uma estreita passagem.

— Socorro! — Gritei.

Ele também tapou minha boca.

— Faz o teste! — Ordenou. — Temos que saber se ela não é um deles.

Os dois se encararam brevemente, então ela deu de ombros e veio na minha direção. Eu já estava disposta a correr, sair dali, acordar toda a cidade se fosse necessário. Mas antes de fazer qualquer movimento, ela jogou a água da garrafinha em meu rosto. Não podia ser sério.

— Ela não é um demônio! — Disse Melizza.

Eu arregalei os olhos.

A teoria de que eles eram os assassinos era cabível. A única coisa que eu poderia fazer naquele momento, eu fiz. Quando senti a mão que o homem tapava minha boca mais leve, a mordi. Isso fez com que ele se distanciasse de mim rapidamente.

— Demônio? — Repeti pasma. — Vocês estão matando as garotas da cidade! A minha amiga... Vocês estão fazendo as oferendas ou sei lá o que isso seja!

Eu tentei correr, mas mais uma vez o homem me segurou. Outra vez tapou minha boca. Eu esperneava para tentar me soltar, mas não tive sucesso.

— Como ela sabe dos sacrifícios? — O homem perguntou para a loira, estava tenso. — Sabia disso? Você disse algo?

— Não. — Melizza respondeu. — Eu não.

— Eu vou destampar sua boca, mas nada de gritar. — O homem disse e eu balancei a cabeça positivamente, não estava em posição para me negar ou impor qualquer coisa. — Vamos conversar com calma!

Minha boca foi destapada, finalmente.

Eu não podia correr dali e nem gritar.

Seria fácil ser neutralizada por ele novamente.

— Olha... — Eu comecei, não estava segura do que estava fazendo. — Se vocês foram embora sem matar mais ninguém e sem me matar, eu prometo que não conto nada a ninguém sobre isso.

Eu espero que ninguém tente repetir tal estupidez se um dia estiver em uma situação parecida e realmente perigosa. Essa pessoa tem 99% de chances de ganhar uma passagem só de ida para o além.

— Não matamos ninguém, Lili... — Melizza começou.

— Elisabeth. — Corrigi.

— Não somos os assassinos. — Completou o homem. — Viemos aqui para pegar quem está matando as garotas. Como sabe dos sacrifícios?

— Não importa.

— Viu os corpos? — Ele continuou indagando. — Viu os símbolos?

— Se não são os assassinos, como sabem dos símbolos? — Perguntei.

— Uma amiga nos disse. — Ele explicou depois de uma grande pausa, me encarava cuidadosamente. — Ela foi ameaçada por alguém daqui para não contar, mas no momento em que viu os corpos soube que as mortes não eram normais. É por isso que estamos aqui.

— O que são? — Perguntei.

Naquele momento já havia concluído que ele falava da legista que foi embora, Lola Toluca. Era o mais lógicos.

— Vamos cuidar disso. — O pai da loira disse, mas isso não respondia a minha pergunta.

— E o que pretende fazer? — Perguntei cruzando os braços.

— Vamos entrar na igreja. — Disse. — Temos razões acreditar que há uma ligação das mortes e dos religiosos.

Observei a bolsa cheia de armas que ainda esperava no chão.

— E vai usar essas coisas para quê? — Indaguei. — Matar todos que estão lá dentro?

— Não se preocupe, eu não irei fazer nada sem ter certeza. — Disse o homem. — E se não estou errado a respeito do que tem lá dentro, um tiro não vai matar.

— O que? — Franzi a testa.

— Lili, tem que confiar na gente! — Pediu Melizza se metendo.

— Está me pedindo para confiar em dois estranhos e desconfiar dos que sempre conheci, daqueles que sempre estiveram ao meu lado? — Eu perguntei incrédula.

— Tem que nos dar o benefício da dúvida. — Disse a loira.

Aquilo era loucura. Eram totais desconhecidos e eu estava cedendo. E por mais que me sentisse estranha a respeito de toda aquela história, eu também sentia que poderia ser verdade.

Mas arriscar estava fora de questão.

— Eu não posso deixar... — Comecei, mas o homem me interrompeu.

— Escuta... — Disse sério, a voz continuava baixa. — Eu sei que pode parecer estupidez e não temos tempo para explicar tudo agora. Basta que saiba que os culpados pelas mortes estão dentro daquela igreja e se não vai nos ajudar e vai fazer algum escândalo, eu vou trancá-la no carro. Estamos aqui para resolver esse caso e eu nunca abandono um trabalho.

Eu arfei.

Naquele momento eu só pensava que estava encurralada. Poderia até tentar correr ou gritar, mas não iria muito longe. Provavelmente seria trancada, amarrada ou coisa pior. Eu acho que é o tipo de coisa que se pensa nessas situações.

— Eu... Só... — Titubeei.

Protestar não ia ajudar muito.

— Vai ficar tudo bem. — O pai de Melizza disse.

— Como pode ter tanta certeza?

— Instinto de quem faz esse trabalho há anos. — Ele respondeu.

Assenti, mas contra minha vontade.

Ele pegou duas armas das que estavam na bolsa, Melizza apenas uma, depois a bolsa voltou a ser guardada no porta-malas do velho fusca 77 azul. Eu notei que o carro já estava bem velho, por sinal. Estava todo amassado e enferrujado. Começaram a caminhar pela lateral da igreja e dobraram. Eu estava agoniada. Mas não iria sair do jogo sem antes saber a verdade, o que ligava todos os pontos. Corri para alcançá-los, ao dobrar para frente da igreja me surpreendi. A loira tentava abrir a porta com um grampo como nos filmes, o que estranhamente deu certo, mas o que era mais estranho em tudo aquilo era que a porta da igreja não deveria estar trancada.

— O que você faz aqui? — O homem perguntou surpreso quando viu que eu estava subindo os degraus da Igreja de Santana.

— Eu vou junto. — Disse.

Melizza parecia ter conseguido destrancar, mas não abriu a porta. Ela ficou me olhando hesitante, com a mão na maçaneta.

— Que? — Melizza perguntou incrédula. — Não!

— Pode ser muito perigoso. — Completou o homem.

— Disso eu tenho certeza. — Ironizei.

— Você não entende... — Ela continuou. — Não temos tempo para te explicar agora, eu já disse, mas não é nada tão simples. Não é nada do que você pode pensar que é agora.

É claro que eu não entendi nada.

O homem, pai de Melizza, pigarreou levemente.

— O que eu sei é que eu vou entrar nessa igreja. — Eu disse.

Me meti na frente de Melizza e abri a porta. Ela e o pai resmungaram, não sei exatamente o que, na verdade não prestei atenção. Era essa a intenção que eu tinha quando sai do orfanato naquela noite. Olhamos para dentro da igreja e para o meu espanto, estava vazia. Não haviam irmãs em suas preces silenciosas e padres lendo trechos da bíblia, só cadeiras vazias. Ninguém. Eu entrei na igreja sem entender nada. Não fazia sentido. Melizza começou a andar pelo lugar.

O homem parou próximo de mim.

— O padre Benedict mora aqui? — Ele me perguntou.

Desviei minha atenção das cadeiras.

— No segundo lugar.

— Tem uma porta aqui! — Melizza chamou nossa atenção.

Ela já estava atrás do altar. Havia um porta que dava para uma salinha minúscula. Nela existia apenas uma mesa quadrada, quatro cadeiras e uma escada para o segundo andar. Pelo menos era isso que eu achava a princípio. Melizza subiu a escada, mas não teve tanta sorte como da outra vez.

— A porta está muito bem trancada. — Disse referindo-se a porta no topo da curta escada.

Mas o homem acabou percebendo outra coisa.

— Olhem!

Eu olhei na direção que ele apontava e Melizza prontamente desceu a escada para ver do que seu pai falava. Ele apontava para o chão. Para uma marca no chão. Semelhante a marca que uma porta muito baixa, próxima do chão, pode deixar. Ele levantou o olhar para a parede, na mesma direção. Havia uma entrada secreta. Perfeitamente camuflada na parede de madeira. E me assustava tentar imaginar o motivo dela existir. Ele puxou-a com alguma dificuldade pelo jeito que ela estava encaixada na parede, com a ajuda de uma pequena faca finalmente a abriu. O que encontramos foi simplesmente outra sala. Mas dessa vez tivemos que usar uma lanterna. Era uma sala escura. Completamente escura. Sem nenhum objeto. As paredes, o teto e o chão, tudo ali era pintado com tinta preta. Era uma sala um pouco maior que a anterior e dessa vez, a porta seguinte não estava tão escondida. Era uma porta baixa que estava semiaberta. Era quase um labirinto.

— Mas que diabos! — Disse Melizza, na verdade sussurrando.

O pai dela tomou a dianteira agora. Abriu a porta cuidadosamente, eu e Melizza estávamos poucos passos atrás. Existia uma escada e agora não era para cima, era para baixo. Eu não sabia que existia algo assim na cidade. A escada não era tão curta quanto à outra. Era reta. Logo a densa escuridão deu lugar a fracas luzes.

E quando nós finalmente alcançamos o último degrau, meus olhos se arregalaram e eu senti minhas pernas bambas. Uma sensação de nojo e pânico tomou conta de mim.

Aquela foi uma das piores cenas que eu vi em toda minha vida.

Para começar a descrevê-la devo dizer que a escada dava nos levava a um grande salão. Iluminado por velas pretas e brancas. Haviam várias cabeças de animais espalhadas pelos cantos. Símbolos. Logo de cara um grande pentagrama invertido na parede, cujas partes superiores da estrela assemelhavam-se a uma cabeça de bode. Além da cruz, que logicamente era invertida, outros símbolos menores se espalhavam pelas paredes. O lugar não só cheirava a velas queimando, cheirava a enxofre, a ervas e a outras coisas que naquele momento eu nem quis saber. Ao fundo na mesma parede onde o pentagrama estava pintado em vermelho, existia uma espécie de altar. Era de mármore, eu acho, e em cada um dos quatro cantos existia uma vela preta. O branco do mármore estava manchado de vermelho, era o sangue de um animal que jazia morto sobre a pedra, com a cabeça separada do corpo. Tive que desviar o meu olhar muito rapidamente. Não era uma cena fácil de se visualizar. Mas não era só isso. Haviam pessoas. Dez homens, no mínimo, formavam o primeiro círculo. Se tratavam de vizinhos, todos conhecidos. Um deles era o padre Roy, ele estava ao lado da parede e parecia que o círculo masculino se iniciava por ele. Além dele percebi o delegado e mais incrivelmente ainda, o doutor Francis. Estavam de joelhos. Usavam capas, nada mais. No peito havia um símbolo, era um que eu desconhecia até então. Demorei quase seis anos para vê-lo de novo e enfim entender do que se tratava. Todos tinham o olhar baixo e focado no que estava no terceiro círculo. A mão direita no peito, no centro do símbolo. A mão esquerda estimulava os genitais, o que era estranho e nojento naquela situação. Asqueroso. Já o segundo círculo era formado por mulheres. Entre elas, a irmã Sizzy, a madre superiora e outras da comunidade. Também estavam nuas, de mãos dadas, a única coisa que usavam era um capa. Símbolos foram desenhados ao redor dos seios e por toda a extensão do abdômen. O terceiro círculo não era formado por pessoas, era desenhado. Um círculo vermelho e no centro dela, o mais chocante: Jazia um corpo de uma garota. Logo a reconheci. Era Alicia Francis. Do mesmo jeito que os outros corpos, com os mesmos sinais. Só ai entendi que o corte em formato de cruz servia também para que o coração fosse arrancado. Quatro corações estavam enfileirados no chão, e eu conclui que um pertencia a Emily Meddler, outro a Judy Dursley, outro a Elena Porter e agora o último, de Alicia Francis. Havia um padrão. Todas garotas de 20 anos.

Claro que tudo isso eu percebi em questões de segundos.

Foi tudo muito rápido.

— Elisabeth! — Disseram o “padre” Roy e a madre superiora, a irmã Blanda, em coro.

Pareciam espantados por me ver. Mas nem todos nos encararam, só a irmã Blanda, o “padre” Roy, a irmã Sizzy e outros dois homens. Eles se levantaram e previ que viriam em nossa direção.

Ok... Isso era obvio.

Senti meus olhos encheram d’água. Eu comecei a correr. Melizza me seguiu e seu pai também, mas apenas eu estava realmente fugindo dali. O homem e a garota, eles sabiam que era uma péssima ideia enfrentar demônios naquele lugar pequeno, mesmo que nem todos ali estavam possuídos. Mas eu? Eu só queria sair logo dali. O que mais eu podia fazer? Estava em choque! Aquilo era mais do que eu esperava. Tremi, não de medo, mas sim de pavor. Fomos fechando as portas e correndo o mais rápido que podíamos.

De volta à parte da igreja, eu corri para a porta, mas os dois pararam.

Melizza centímetros antes da porta, o homem mais para o meio.

— Vamos. — Pedi aflita, mas nenhum dos dois se moveu.

— Lili, volta para o carro. — Mel disse.

— Vocês...

Eu nem acabei de dizer.

A porta que dava para a pequena sala, a primeira em que entramos, foi arrancada e arremessada por eles para dentro da igreja com uma força impressionante.

— Corram! — Gritou o pai de Melizza.

Foi o que fizemos. Melizza e eu descemos a escada quase tropeçando e o pai dela nos seguiu. Antes mesmo dele chegar ao primeiro degrau algo aconteceu, vi o “padre” Roy levantar a mão como um aceno e o pai de Melizza foi praticamente arremessado para o meio da rua por uma força invisível. A loira correu até o pai, me deixando sem saber o que fazer. Também corri até eles enquanto o “padre”, a irmã Blanda e os outros dois homens desciam até nós. Era como se o pai da loira estivesse colado no chão.

— Exorcizamus te, omnis immundus spiritus... — Ela começou em uma língua estranha, isso pareceu deixá-los bem irritados. — Omnis satanica potestas...

— Calada, vadia. — Um deles se aproximou de Melizza, pegou-a pelos ombros e sacudiu no ar.

Ela tirou dos bolsos um frasco e jogou o liquido no rosto daquele que a segurava. E também respingou no “padre”. Ambos gritaram, como se aquilo os queimasse. Vi o outro homem se aproximar, mas a madre o impediu. O pai de Melizza se levantou com alguma dificuldade, mas estranhou o fato deles não avançarem. Começou a atirar na direção do padre e dos outros. As balas acertaram neles, em todos os lugares possíveis, mas nenhum deles tombou. Nenhum se moveu. Corremos para até o carro. Por dentro do campo depois das arvores, quase um matagal, o carro seguiu pela estreita trilha que nos levou até a estrada. Eu fui no banco detrás. Dirigimos por horas naquela estrada e eu não fazia a mínima ideia de onde iríamos.

Tanto Melizza quanto o seu pai enfrentavam um dilema bem distante do meu. Lá pelo meio da madrugada o carro estacionou em frente a um posto de gasolina. Os dois desceram e eu automaticamente desci também. Além do posto de gasolina, havia um minimercado ao lado, ambos muito pouco movimentados. Do outro lado da estrada havia um grande e descampado campo de pastagem, com uma cerca alta e de arame, que protegia os animais. Eu me escorei na parte lateral do carro. De lado vi Melizza e seu pai cochichando algo, depois o vi ir em direção ao minimercado. Melizza se aproximou de mim.

— Então... — Melizza esfregava uma mão na outra, parecia um pouco nervosa. — Com você está?

— Eu não sei. — Disse sincera, por mais que tentasse ainda não fazia a menor ideia do que tinha acontecido. — O que foi aquilo?

— Eu sei que pode parecer loucura, mas... — Pausou, estava bastante hesitante. — Ah, droga! Você vai saber de qualquer forma... Algumas daquelas pessoas eram demônios.

Eu arqueei a sobrancelha.

— Demônios? — Disse meio incrédula. — Um deles era um padre.

Embora parecesse loucura, eu sabia que o que eu havia visto era algo doentio, não poderia ser normal. Ainda assim, era difícil acreditar de verdade que demônios estavam por perto todo o tempo. Eu fui criada como cristã, eu deveria acreditar em demônios, mas mesmo assim eu demorei em realmente assimilar tudo, ainda mais quando as mesmas pessoas que me ensinaram a rezar contra o mal eram o próprio mal.

— Não sabemos exatamente há quanto tempo, mas algumas daquelas pessoas foram possuídas por demônios. — A loira explicou. — E sem dúvidas o padre foi uma delas.

— Por quê?

— É isso que demônios fazem. — Melizza respondeu. — Eles chegam e possuem qualquer um. Meu pai e eu concluímos, depois de vermos as fotos que a nossa amiga nos mandou, que um ritual de adoração a um demônio, por algum motivo, estava acontecendo na cidade.

— Por que não foram mortos? — Indaguei.

— Nada mata um demônio. — Disse ela. — Nem tiros, nem bomba. O que podemos fazer é exorcizar, isso os manda de volta para o inferno e nem é uma solução definitiva. Água benta os queima, só isso. E eles se revelam diante da pronuncia do nome de Deus em latim. Só não os exorcizamos lá porque eram muitos, não esperávamos isso e nós não conseguiríamos neutralizá-los.

— Como sabe disso? — Perguntei, ainda tentava assimilar tudo o que ela havia contado. — São matadores de demônios?

— Meu pai e eu caçamos. — Melizza me disse depois de um suspiro, ela se escorou no carro ao meu lado. — Não só demônios. O que boa parte das pessoas pensam não passar de lendas, a maior parte é real.

Houve um breve silencio.

— O que mais existe? — Eu perguntei.

— Fantasmas, vampiros, bruxas... — Ela disse. — Um mundo lá fora e ele é totalmente desconhecido pela maioria.

Eu estreitei o olhar encarando o chão. Claro que eu não acreditei logo de cara. Ainda demoraria um tempo para eu realmente acreditasse, e meu ceticismo era compreensível. Mas não questionei. Vimos seu pai voltar ao carro, trazia uma pequena sacola na mão de onde tirou duas latinhas de Coca-Cola e um pacote de salgadinhos.

— Era o que tinha. — Ele disse com um sorriso simpático.

Entregando uma latinha para cada uma de nós. A loira abriu o pacote.

— Você tem para onde ir? — Perguntou ela enquanto me alcançava o pacote.

— Não. — Eu disse. — E eu acho que tenho que voltar.

— Enlouqueceu? — Melizza me encarou incrédula.

— Quer dizer... Se são demônios mesmo, tenho que arranjar um jeito de tirar as crianças daquele lugar. — Expliquei.

— Não se preocupe com isso. — O pai da loira disse. — Já avisei a uns amigos e eles estão de olho. Nós vamos resolver isso. Como eu disse, eu nunca abandono um caso, pode ficar tranquila.

— É, Lili... — Concordou Melizza, e eu odiava a maneira que o apelido soava. — Não teria um parente, alguém a quem pudéssemos te levar ou qualquer coisa assim? A gente te leva na boa.

— Não, eu... — Titubeei. — Eu cresci no orfanato.

— Não se preocupe. — Disse o homem enquanto procurava qualquer coisa no bolso. — Eu tive uma ideia. Sei onde pode ficar.

— Eu me viro, sério. — Eu disse. — Não quero incomodar.

Vi que ele tirou um celular do bolso.

— Não tem problema nenhum, verdade. A propósito, acho que ainda não me apresentei. — Disse ele e me estendeu uma das mãos, com a outra segurava o telefone. — Sou Giuseph Ruso. E a Melizza é minha filha, como já sabe.

— Sou Elisabeth Casttle. — Cumprimentei com um leve sorriso.

— Só um minuto e já voltamos para a estrada. — Disse ele.

Depois Giuseph se afastou um pouco de nós.

— Oi Ellen. — O ouvi dizer ao telefone mesmo de longe enquanto Melizza estava muito concentrada nos salgadinhos. — Me desculpa te acordar a essa hora. Eu queria te pedir um grande favor.

Ele baixou o tom de voz.

Foi só o que eu ouvi.

Em seguida pegamos a estrada novamente. Não demorou muito para que Melizza pegasse no sono no banco da frente. Eu não dormi, e não conseguiria se tentasse. Vi desde os primeiros raios de sol. O céu ia se colorindo de azul e as estrelas iam sumindo no horizonte enquanto o carro seguia pela estrada. Lá pelas 07h00min da manhã, se o relógio do rádio do carro não estava errado, o celular de Giuseph tocou. Ele o atendeu com cuidado para não acordar a filha.

— Ralph?! — Atendeu tentando manter a voz em tom baixo, porem audível para o homem do outro lado da linha. — O que? — Disse com sobressalto, o que me fez estreitar o olhar. — Sabem para onde eles foram? — Mais um tempo em silencio enquanto ouvia o outro falar. — É, eu sei disso. E a cidade? — Giuseph me encarou pelo retrovisor, com certeza o assunto era o que havia acontecido. — Ok. Me avise se tiver novidades. Tchau.

Desligou.

Eu me movi um pouco desconfortável.

— Era Ralph Merengger no telefone, um dos caçadores que pedi para ficarem de olho na cidade. — Me disse.

— Aconteceu alguma coisa?

— Houve um incêndio no orfanato. — Disse com cuidado.

— E as crianças? — Perguntei desesperada.

— Os bombeiros da cidade vizinha foram chamados pelos caçadores, o fogo foi controlado e algumas crianças foram salvas... — Pausou. — Eu sinto muito.

Fiquei em silencio por algum tempo. Me senti culpada. Um desespero tomou conta de mim. Naquele momento eu só conseguia pensar que deveria ter ficado lá, ter protegido as crianças, ter gritado aos quatro ventos o que estava acontecendo. Provavelmente isso não iria ajudar, mas mais inocentes foram mortos por aqueles desgraçados. Crianças, nenhuma tinha culpa de nada.

— E o padre? — Perguntei um tempo depois.

— Alguns dos moradores desapareceram. Foram dados como mortos ao restante da cidade. — Explicou Giuseph. — Um deles foi o tal Roy.

— Alguém tem que achar aqueles desgraçados! — Disse cerrando os dentes. — Em algum lugar eles devem aparecer.

— Demônios podem possuir qualquer pessoa. — Disse ele. — Eles já devem ter mudado de corpo.

Melizza remexeu um pouco no banco, mas continuou dormindo.

— E então?

— Eu me encarrego disso. — Disse ele. — Elisabeth, fique tranquila.

Assenti. Existia uma coisa em Giuseph que me fazia confiar nele. Era a perfeita figura de um pai, algo que eu nunca conheci. Os bem poucos momentos que eu vi entre ele e Melizza serviram para me fazer sentir isso. Eu confiava nele. E eu nunca me arrependi disso.


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