Supernatural: Destiny. escrita por theblackqueen


Capítulo 1
The Beginning.


Notas iniciais do capítulo

ooi ooi gente :)

Primeiro: Bem vindos!!!
Eu to meio nervosa, primeira fanfic (aaaah)
O capítulo é narrado pela Elisabeth

Eu vou deixar umas observações nas notas finais, então se quiserem ler elas antes do capítulo... Se não, não faz diferença ;)

Bjs
e Carry On ♥



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White Hill, Kansas.

04 de Abril de 2006.


Até meus vinte anos eu vivi em White Hill, uma comunidade pequena e fechada onde, no máximo, cem pessoas viviam. As terras, cercadas por uma grande colina e vegetação densa, ficavam ao sul do Kansas e a leste da cidade de Coffeyville. A única ponte que nos levava para fora da comunidade passava pelo Verdigris River. Não era um lugar muito atraente. Na verdade era bem simples. Pequenos estabelecimentos, a escola era de educação básica e um hospital bem básico também. No centro da cidade existia a Igreja de Santana, de costas para uma área de altas arvores muito unidas, propriedade da maior autoridade local, o Padre Roy Benedict. Ele era a voz da comunidade. Uma comunidade onde a crença cristã prevalecia.

Mas em minha opinião, a construção que mais chamava a atenção era a do grande e antigo prédio onde funcionava o orfanato e convento Gran Salvador, onde fui abandonada recém-nascida. Até então eu não sabia nada dos meus pais. Isso nunca foi um problema. Não posso reclamar da minha infância, mesmo crescendo entre rígidas regras e disciplinas no orfanato, que também é dirigido pelo Padre Roy. Nunca pensei em sair dali. E eu permaneci mesmo depois de ser maior de idade. Já não era uma interna, obviamente. Ajudava no trabalho com as crianças do orfanato. Talvez tivesse medo, e aquele era meu porto seguro. Eu não conhecia nada além daquela colina. Uma comunidade pequena como aquela, obviamente não tínhamos muitas opções de futuro. Quem quisesse fazer faculdade teria que se mudar para uma cidade com mais recursos. Para os que não tinham tanta sorte, a melhor alternativa era a vida religiosa. Eu não tinha essa sorte. Mas eu tinha dúvidas sobre o que fazer a seguir. Eu só tinha vinte anos. Eu não conhecia o mundo. Hoje vejo que eu nem conhecia eu mesma.

Eu não era a única que ainda morava ali. Rebecca Turner, eu a conhecia desde pequena. Ela não havia sido abandonada como eu e as outras garotas que, claro, já haviam saído dali a muito tempo. Ela era sobrinha da antiga cozinheira do orfanato, irmã Katherine. Depois da morte dos pais, Rebecca foi morar com a tia e mesmo depois que sua tia faleceu, Rebecca ficou para ajudar a irmã Sizzy e outras com as crianças. Viviam cerca de trinta crianças lá na época. Não acho que Rebecca realmente fosse se tornar freira. Ela definitivamente nunca teve o perfil. Era esperta, objetiva e um pouco debochada. Era mais velha que eu, tinha 23 anos. Não éramos exatamente amigas, mas nos acostumamos a funcionar juntas. No final eu era a irmã caçula, meio ingênua e medrosa. Ela era como uma irmã mais velha. Eu acho que sempre vou vê-la assim.

Naquela manhã acinzentada de outono quando o despertador tocou, eu nem imaginava que tudo iria começar a mudar. Enquanto esperava Rebecca terminar seu banho, eu olhava pela janela. Meu reflexo meio apagado mostrava uma garota que não tinha nada de especial. Eu não era excepcionalmente bonita nem nada disso. Cabelos negros, quase na altura do cotovelo. Olhos escuros e pele clara. Nada incomum. Não era um modelo para nada, ou para ninguém. Apenas uma garota que estava conformada a viver daquele jeito. Eu não desejava mais nada.

Desviei o olhar, já cansada de esperar.

— Te espero no corredor. — Disse de modo que Rebecca ouvisse.

Sai.

Nosso quarto era no andar de cima, o segundo. No mesmo corredor ficava o quarto das irmãs, lá no primeiro andar ficavam os quartos das crianças e outros cômodos, como o grande refeitório e a pequena capelinha de orações, existia o terceiro andar ainda, onde ficava o escritório do Padre Roy. Quando éramos crianças, só subíamos ao terceiro andar se fazíamos alguma brincadeira ou ficávamos de castigo por algum motivo. Padre Roy era um homem rígido. Sua voz soava como um trovão e nós cumpríamos todas as suas ordens sem questionar.

No topo da escada já ouvia a agitação das crianças no refeitório. Com certeza espalhadas ao redor de três longas mesas, elas conversavam e se preparavam para a manhã de aulas que teriam. Demorou alguns minutos até Rebecca sair do quarto finalmente. Rebecca era magra, de rosto oval. Cabelos naturalmente ruivos, bem curtos, pouco acima dos ombros. Ela não tinha a menor paciência para cuidar deles, então os mantinha curtos. Seus olhos eram castanhos. Quando estávamos descendo as escadas, algo aconteceu. Algo que sabíamos que não era bom sinal.

Os sinos da Igreja de Santana badalaram.

Doze vezes.

Nesse momento vimos à madre superiora, a irmã Blanda. Ela vinha do seu quarto e logo nos encontrou na escada. Trazia entre seus dedos o seu costumeiro terço e nos encarou por cima dos redondos óculos quando Rebecca perguntou sobre o que havia acontecido. Ou melhor, com quem. De fato, toda vez que os sinos badalavam doze vezes era para avisar a todos que alguém havia falecido.

— Realmente muito triste o que aconteceu com a jovem Meddler. — Disse ela. — Estamos todos de luto. O enterro acontecerá no final do dia.

Eu fiquei em choque com a notícia. Rebecca também, eu tenho toda a certeza. Emily Meddler era uma garota que conhecíamos desde que éramos pequenas. Ela tinha a minha idade. Estudávamos juntas. Isso era inacreditável. Ela estava morta. Na verdade, havia sido morta e o corpo encontrado perto da colina. Não sabíamos em que estado e segundo o que nos disseram, ninguém havia visto nada. O enterro foi rápido. Ouvíamos as teorias que surgiam entre os murmúrios. Alguns diziam que havia um psicopata que fugiu da cadeia de Kansas City escondido na entre nós e que se tratava de alguém muito perigoso.

— Tolice. — Nos disse a irmã Sizzy alguns dias depois, quando fomos ao mercado com ela e ouvimos os rumores. — Deveriam cuidar mais da própria vida e deixar de especulações.

Mas na semana seguinte o caso se repetiu. Judy Dursley, assim como Emily, foi encontrada morta no mesmo local. As circunstancias ainda eram segredo, mas as pessoas já estavam apavoradas. Outra vida que foi interrompida. Outra jovem de 20 anos com a vida toda pela frente cuja morte nos causava imensa tristeza.

— Pode ser alguém daqui. — Lembro-me dizer para Rebecca uma vez naquela semana enquanto conversávamos. — Ou alguém que vem de outro lugar matar e vai embora.

— Passaria assim despercebido? — Rebecca indagou.

Era obvio que não.

— Eu não duvidaria. — Foi a minha resposta.

De fato era mais fácil arrumar explicações desse tipo do que acreditar que alguém dali faria isso. Todos nós nos conhecíamos e não poderia culpar ninguém de lá assim, sem ver com meus próprios olhos.

Na próxima semana houve outro assassinato. De novo uma garota de 20 anos morreu. Elena Porter, filha do dono do posto de gasolina, foi encontrada aos arredores da Igreja de Santana, que era propriedade do Padre Roy. Naquela mesma tarde o padre recebeu visitas. Mas nós não sabíamos disso quando subimos ao terceiro andar para falar com ele. Na verdade, Rebecca e a irmã Sizzy tiveram a ideia de montar um show de arte para afastar um pouco a cabeça das crianças das tristes mortes que chocavam a todos. Na ausência da madre superiora, só o Padre Roy poderia autorizar. E a madre tinha viajado por problemas familiares, ficaria pelo menos três dias fora.

Sendo assim, Rebecca e eu subimos para falar com o padre. Ainda no corredor, já ouvimos as vozes que vinham de dentro do escritório. Eu pensei em dar meia volta e mais tarde procurar o Padre Roy, mas era obvio que Rebecca não iria sair dali. E eu também estava curiosa para saber o motivo de tanta agitação. Ficamos ali, quietas, como crianças ouvindo o que não devem.

— Basta assinar aqui e não haverá problemas maiores. — Disse a voz masculina que depois reconheceríamos ser do delegado Cyrus.

Era ele que cuidava das investigações.

— Eu não acredito que vamos fingir que nada disso está acontecendo na cidade! — A indignada voz feminina.

Lola Toluca era a única que sabidamente não era da comunidade. Ela era de New York, mas provavelmente havia nascido em outro país devido ao sotaque estrangeiro suave.

Trabalhava como legista.

— Por favor, Lola, acalme-se. — Pediu o dono da voz mais calma.

Era o doutor Francis Junior, o médico.

— A senhorita sugere que estou envolvido com os crimes? — Aquela voz era inconfundível.

Quem perguntou foi o Padre Roy, com a sua voz aveludada, fria e eu até diria, perigosa.

— Eu sugiro que façamos algo. — Lola Toluca continuava indignada e sua voz tinha um tom quase desafiador. — Que não continuemos de braços cruzados enquanto jovens estão morrendo. Temos que avisar as autoridades das cidades vizinhas, talvez eles saibam de algo.

— Estamos fazendo tudo o que podemos senhorita Toluca. — A voz era do delegado. — Mas espalhar esses assassinatos traria uma mídia negativa para a cidade.

— Então é isso? — Disse mais espantada. — Tudo bem que garotas da cidade morram desde que isso não atrapalhe manche a fama daqui?

— Já chega! — Disse o Padre Roy. — Eu não sei como fazem as coisas na sua cidade, mas aqui não haverá especulações vindas de fora.

— O senhor controla tudo assim? — Ela disse com a voz um pouco rude. — Que seja! Eu não vivo na Idade Média...

Passos em direção da porta.

Rebecca e eu recuamos. A mulher loira, de pele bronzeada e com um par de olhos verdes saiu pela porta. Antes de descer as escadas, nos olhou brevemente. Segundos depois o homem alto e robusto que era a figura do delegado Cyrus e o outro, alto e esguio, que era o doutor Francis, saíram pela mesma porta. Cumprimentaram-nos com um leve aceno e seguiram pela mesma direção. Logo atrás vinha o Padre Roy, um homem esguio, postura correta, não tão alto quanto os dois que saíram. Ele usava a batina. Tinha olhos castanhos. Sempre tinha o rosto sério. E eu sempre tive uma impressão ruim dele. Ele olhou-nos atentamente.

— Elisabeth, Rebecca... Precisam de alguma coisa?

— Sim. — Comecei incerta, meu nervosismo era evidente. — Viemos pedir sua permissão para fazermos uma feira de artesanato ou talvez um show de artes, com pintura e teatro, algo que distraia as crianças.

Ele nos analisou alguns segundos, depois pigarreou.

— Lhes dou permissão. — Disse. — Mais alguma coisa?

— Não. — Respondi com um fraco sorriso. — Obrigada.

Demos meia volta e alguns passos em direção a escada. De repente vi que Rebecca girou nos calcanhares e voltou até o Padre Roy que nem mesmo se moveu de onde estava.

— Padre, o que o senhor acha dos crimes? — Rebecca perguntou.

Não era uma pergunta oportuna.

Ele franziu a testa.

— Trágicos. — Respondeu naturalmente.

— Quero dizer... — Ela continuou. — Com os ataques a garotas, e só a garotas, é impossível não se preocupar.

— Nada ruim pode penetrar essas paredes, senhorita Turner. — Disse ele. — Tenha fé.

A conversa terminou ai. Ele nos deu as costas e voltou para o interior do escritório. Rebecca passou por mim e começou a descer a escada como se nada tivesse acontecido. Eu estava pasma.

— O que foi isso? — Indaguei.

— Estava investigando. — Ela disse como se aquilo fosse obvio.

— Investigando o que, Rebecca? — Perguntei indignada.

Já no pé da escada, ela se virou me encarando.

— Eu não sei ainda.

Eu tive absoluta certeza que ela estava enlouquecendo.

Como se já não bastasse, depois de uma rápida saída no final daquela tarde, à noite Rebecca passou dos limites. Dos nossos limites. Ou será que eram só os meus?

Eram pouco mais de 02h00min da manhã percebi que Rebecca havia se levantado e cuidadosamente saído do quarto. A esperei por algum tempo e ela não voltou, e na dúvida entre ir ou não atrás de Rebecca, eu acabei cedendo. Desci a escada até o primeiro piso. Ela só poderia ter saído pela porta da capelinha, era a única chave que conhecíamos o lugar onde ficava guardada. Cruzei o refeitório e pela porta lateral, cheguei à capela. Iluminada pelas velas acesas dava um pouco medo, e essa impressão eu tenho até hoje. Abri a porta e sai. Como já era esperado, tudo estava silencioso. Não havia ninguém na rua e por um momento, senti que aquela era a pior estupidez que já havia feito. Talvez o assassino estivesse à espreita.

Mesmo assim continuei.

O céu estava escuro, cheio de fracas nuvens e quase sem nenhuma estrela. Não tinha vento. Eu olhava para todos os lados com receio. Dobrei diante da loja de artigos úteis da senhora Conny, uma velhinha que passava a tarde tricotando sentada à porta da loja. Na outra rua as vi. Duas figuras. Duas garotas. Apertei o passo até as alcançar. Era Alicia Francis, a filha mais velha do doutor Francis, junto a Rebecca.

— Rebecca! — Chamei, mas mantive a voz baixa.

As duas me encararam.

— Elisabeth, volta agora... — Disse Rebecca.

— Não se você não for! — Disse firme. — Aonde vocês vão?

— Ver uma coisa, agora... Volta!

— Tenta atirar uma pedra. — Disse a outra garota, Alicia. — Funciona com os cachorros.

— Vai se danar! — Disse.

— Não creio, a Miss Paraíso me mandou ir me danar? — Debochou ela, com um sorriso cínico. — Cuidado, mocinha. Vai lavar essa boca com sabão!

— Ali! — Disse Rebecca chamando a atenção de Alicia, depois voltou-se para mim. — Elisabeth, nós vamos ao necrotério.

— Que? — Eu devo ter piscado algumas vezes tentando entender, era loucura demais. — Como assim?

— A Ali roubou a chave do pai dela e nós combinamos de entrar e ver o corpo da Elena. — Me explicou.

Eu ainda não conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Você ouviu o que acabou de dizer? — Perguntei pasma.  — Isso é um novo tipo de bizarrice?

— Elisabeth, algo está acontecendo. — Rebecca continuou. — Até o pai da Ali está muito estranho, escorregadio.

— O velho é péssimo em atuação. — Disse Alicia com deboche.

— E no que ver um corpo pode nos ajudar? — Perguntei ignorando a tal Alicia que agora procurava alguma coisa no bolso do casaco.

Eu a detestava.

— Temos que ver em que situação está o corpo. — Respondeu. — Eu vou pesquisar depois por crimes parecidos.

Poderia até fazer sentido, mas não significava que ia ajudar a parar as mortes.

— Como conseguiram a chave? — Perguntei.

Pelo que eu sabia, as chaves ficavam com a legista e não com o pai da Alicia.

— A Lolita foi embora. — Disse Alicia, ainda procurava qualquer coisa nos bolsos da calça.

— Foi para New York? — Indaguei.

— Peru.

— Peru? — Repeti.

Alicia me olhou como se eu fosse estúpida.

— Com um nome daqueles achou que ela fosse de onde? — Indagou com a voz carregada de sarcasmo. — Da Alemanha?

— Elisabeth, volta para o orfanato. — Rebecca me pediu.

— É verdade, querida, não deveria estar sozinha na rua. — Alicia me disse com o mesmo sarcasmo de antes, ela pareceu finalmente achar o objeto quadrado e metalizado. — Você faz o perfil do assassino.

— Ali! — Rebecca voltou a chamar sua atenção.

Franzi a testa quando vi Alicia, que estava alguns passos mais atrás de Rebecca, acender um cigarro. Voltou a guardar no bolso o tal isqueiro que tanto procurava.

— Você fuma? — Perguntei mais espantada.

— Elisabeth! — Rebecca agora chamou a atenção.

— Não! — Disse voltando a prestar atenção em Rebecca. — Vou com vocês.

Eu não sei exatamente porque eu fiz isso. Eu nem hesitei. Rebecca foi mais relutante. Mas fomos assim mesmo. Havia um plano montado e nós o seguimos. Alicia, Rebecca e eu demos a volta no hospital geral, o necrotério funcionava em uma sala nos fundos, sem contato com o hospital em si. No plano também estava envolvido Rupert Francis, ele era o irmão mais novo de Alicia e iria distrair o zelador, o único que ia até lá durante a noite.

O hospital, claro, não era muito movimentado.

A chave nos abriu para a pequena sala que pertenceu a Lola Toluca. A outra porta que existia na sala dava para o lugar onde estavam todos os corpos em resfriamento. Quem abriu foi Alicia. Nós a seguimos. Eu estava bem nervosa. Dentro da sala estava mais frio. Havia uma maca onde os corpos eram analisados e na parede, várias gavetas. Apenas duas tinham nomes na frente. Significava que só haviam dois corpos no necrotério. Um era de Andy Wilson, um senhor que tinha morrido de parada cardíaca no dia anterior. O outro era de Elena Porter. Alicia puxou a gaveta sem nenhuma sutileza e o corpo frio e pálido de Elena surgiu. Vi Rebecca recuar, tensa.

— Vou ficar de olho. — Avisou Alicia saindo pela porta.

Eu não confiaria nela, mas ela e Rebecca sempre foram amigas.

Rebecca ainda estava paralisada.

Eu a encarei.

— E agora?

— Temos que descobrir ela. — Disse, sua voz parecia incerta. — Ver o corpo.

Mais um breve silencio.

Nenhuma das duas se moveu.

— Pretende que eu faça isso? — Perguntei estupefata.

— Eu não... — Ela titubeou. — Não tenho estomago forte.

Beleza.

Ela nos enfiou nisso e agora dava para trás?

Suspirei.

Não podíamos ir embora sem ver o que tanto mantinham em segredo sobre os corpos. Engoli a seco e me aproximei do cadáver que estava dentro de um saco plástico cinza. Só a cabeça não estava. Os olhos já fechados e os cabelos negros e lisos cuidadosamente arrumados, como a própria os mantinha. Cheirava a clorofórmio. Toquei o zíper e abri um pouco. Só um pouco. Abaixei o plástico com a mão tremula e ouvi Rebecca murmurar qualquer coisa que não consegui decifrar. Eu não conseguia acreditar no que via. O peito de Elena estava cortado e em forma de cruz. Uma cruz invertida. Por toda a pele havia manchas roxas e marcas de queimadura. Havia também algo grudado, parecia cera de vela, que formava dois símbolos perto dos ombros. Eu nunca mais conseguiria esquecer aquela cena e aqueles símbolos. Estariam nos meus pesadelos nos meses seguintes.

Voltamos logo para o orfanato e para o nosso quarto. Nós não fomos vistas. Mas aquilo não era motivo para relaxar. Passamos a noite com o coração na mão. Era terrível. Decidimos pesquisar no outro dia e foi o que nós fizemos. Depois do almoço fomos até a biblioteca. Não era lá essas coisas, mas era o único lugar com internet. Rebecca não era o tipo mais paciente para pesquisas, de novo sobrou para mim. Aqueles símbolos, eles não saíam da minha cabeça. Um deles foi bem fácil de descobrir.

— A cruz invertida é usada por satanistas. — Disse em voz baixa para ela que estava ao meu lado. — Isso pode confirmar que é alguém de fora.

— Por quê? — Perguntou.

— Todos aqui são católicos. — Respondi em tom obvio.

— Claro. — Disse meio irônica. — E ninguém voltou no Bush aqui.

— Acha que alguém aqui está envolvido com magia negra? — Franzi a testa.

— Eu acho que tudo é possível.

E ela estava certa nisso. Não dava para duvidar de nada. Sobre os dois outros símbolos, os desenhados no corpo enquanto velas derretiam, eles faziam parte de um ritual de magia negra. Um ritual de oferenda e sacrifício. Era fácil concluir o que estava acontecendo depois disso.

Alguém estava fazendo sacrifícios humanos para demônios.

O problema era descobrir quem.

Naquela tarde foi o enterro de Elena, mas eu não fui. Porem Rebecca sumiu a tarde inteira e eu pensei que ela havia ido ao cemitério, coisa que a irmã Sizzy negou depois que chegou. Eu nem imaginava, mas se a noite anterior já havia sido digna de um pesadelo, o que ainda viria seria bem pior. Por volta das 19h00min Rebecca reapareceu. E estava aflita, embora tentasse não demonstrar. Encontrou-me no corredor e eu saía de uma das salas de aula que estava ajudando a limpar.

— Onde estava? — Indaguei.

— Pesquisando. — Disse e definitivamente estava agoniada. — Você precisa sair daqui agora! — Abaixou a voz de modo que só nós duas pudéssemos ouvir. — Nós duas.

— Que?

— Elisabeth, vamos agora! — Insistiu. — Pega as suas coisas e vamos.

— O que você descobriu? — Perguntei assombrada.

Ela me encarou como se me analisasse. Por um momento eu me senti estranha. Rebecca abriu a boca para me responder, não teve tempo, já não estávamos sozinhas.

— Rebecca Turner. — Chamou a madre superiora que estava de volta da viagem, parada a alguns centímetros de distância de nós, seu rosto estava mais sério que o normal. — Os padres Roy e Paul a esperam na Igreja para falar sobre o seu curso de teologia. Acho que surgiu uma vaga.

Por um momento eu sorri e esperei alguma alegria da parte dela, mas sua expressão não mudou. Há muito tempo Rebecca esperava ganhar uma vaga no curso de teologia. Ela havia pedido ao padre Paul Wind, ele dava aula no curso que acontecia na Coffeyville e era amigo do padre Roy, mais que isso, sua mão direita.

Mas Rebecca não expressou nada, apenas encarou a madre.

— Já vou. — Disse seca.

— Não. — Negou a madre, irmã Blanda. — Eu devo acompanhá-la, o padre Paul é muito atarefado.

Ela voltou a me olhar e caminhou até a madre, seguiu o caminho que a pouco havia cruzado. Antes de sair ela me olhou. Naquele momento eu não percebi, mas aquele olhar era um resignado e triste adeus. Eu o veria mais uma vez anos depois, não em seus olhos, mas sim nos da pessoa que eu mais amei na vida. Eu nunca mais veria Rebecca. Nunca pude agradecer a ela o que fez por mim. Ela fez o que os irmãos mais velhos fazem. Hoje vejo claramente.

A noite passou.

Quando me deitei Rebecca não havia voltado e quando me levantei, a cama nem havia sido desfeita. Eu comecei a me agoniar. Procurei por ela na capelinha, no refeitório, nas salas de aula, nenhum dos alunos a havia visto. Decidi subir e perguntar ao Padre, mas ainda na escada encontrei a irmã Sizzy.

— Sabe da Rebecca? — Perguntei de cara. — Ela não voltou...

— Ela voltou sim, Casttle. — Me cortou. — Mas saiu de novo ontem à noite.

— Como saiu?

— Elisabeth... — A voz que soou atrás de mim era da madre, da irmã Blanda. — Eu sinto muito.

— O que? — Me virei assustada.

— Rebecca foi encontrada morta perto do lago perto da ponte. Eu sinto muito. — Disse, mas não parecia realmente sentir.

— Sente?  — Eu fui cuspindo as palavras, ainda não havia me caído à ficha do que a afirmação da madre significava. — Ela não foi junto à senhora até a Igreja?

— Rebecca foi e voltou sã e salva. — Disse ela. — Mas depois voltou a sair. Ela deveria saber que esses passeios noturnos eram perigosos.

Depois disso eu entrei em choque.

Diferente dos casos, Rebecca havia sido encontrada por moradores e não por policiais. Todos sabiam como estava seu corpo, a garganta de Rebecca havia sido cortada. Ela não havia sido um sacrifício, haviam a matado para calá-la. Eu me sentia impotente. Não sabia o que fazer a respeito de tudo. Foi um dia difícil de descrever. Eu não conseguia pensar. Ou não queria. No fundo, todos os sentidos apontavam para a única verdade possível.

Meu porto seguro agora me afundava em insegurança.

O enterro de Rebecca aconteceu no final da manhã seguinte. Eu nem conseguia olhar para o Padre Roy ou para as irmãs sem sentir aquela sensação, aquela inquietação latente. Naquele final de tarde eu fui até o lago sozinha. A grama verde e o lago de água cristalina, onde o céu se refletia alaranjado enquanto o sol caía. Sentei à beira e encarei meu reflexo no lado. Fiquei algum tempo assim e eu não sei o que exatamente estava fazendo. Eu ainda estava em choque. Depois de alguns poucos minutos percebi que não estava sozinha.

Sobressaltei.

Havia uma garota ali.

— Perdão se te assustei. — Disse sorrindo. — Meu nome é Melizza.

A pronuncia do nome era meio italiana. Algo como “Melitsa”. Ela era loira, um tom muito claro, bem parecido com os das suecas. O cabelo era liso e dava pouco abaixo dos ombros. Uma única mecha vermelha caía na lateral do seu rosto. Ela usava uma calça vermelha muito justa e uma jaqueta curtinha do mesmo material, pareciam um conjunto e pareciam ser de pele. O que eu torcia que não fosse. Isso feria o meu ideal de “animais são amigos, não roupa”. Também usava uma blusa preta com o símbolo da banda de rock Rolling Stones. Segurava uma lata de Pepsi em uma mão e me estendeu a outra, cheia de anéis, em cumprimento. Tinha olhos verdes.

Uma total desconhecida.

— Eu sou Elisabeth. — Disse cumprimentando-a rapidamente.

— Elisabeth? Como a rainha? — Ela disse. — E como posso te chamar?

— Todos me chamam de Elisabeth. — Eu respondi.

Na verdade aquela conversa estava meio sem sentido naquele triste e difícil momento.

— Ah, não... — Ela botou a língua. — Elisabeth é muito formal. Todos me chamam de Mel. Vou te chamar de Lili.

Odiei o apelido.

— Eu não acho que...

— Então Lili, o que faz aqui? — Me cortou, sentando-se ao meu lado à beira do lago.

— Minha amiga morreu. — Eu disse depois de um breve silencio, não entendi exatamente porque estava contando isso a ela.

— Isso é triste. — Me disse. — Como ela morreu?

— Teve a garganta cortada aqui ontem à noite.

Ela enrijeceu os ombros, se movendo de um lado para o outro como se estivesse incomodada.

Essa era a ideia.

— Isso é estranho. — Ela tomou um gole da bebida. — Mas se servir de consolo, eu também perdi uma pessoa há pouco tempo.

— Quem? — Eu a encarei.

— Minha mãe. — Respondeu. — Há cinco meses.

Voltei a encarar a água e ficamos alguns segundos em silencio.

— Como isso pode ser consolo?

— Não sei. — Ela respondeu, quase tive certeza que ela estava meio que viajando em seus pensamentos, de repente se levantou. — Bom te conhecer Lili.

— Você vai ficar por aqui? — Indaguei.

Também me levantei.

— Não. — Disse ela. — Eu e meu pai viajamos muito. Passamos para encher o tanque e a barriga.

— Bem, então até logo. — Eu disse.

— Hasta la vista. — Brincou.

Ela se afastou.

A tal Melizza não me pareceu importante naquele momento. Apenas uma garota que provavelmente eu jamais voltaria a ver. E que tinha um péssimo gosto para apelidos. A primeira impressão que eu tive da loirinha foi boa, mas como eu disse, tinha coisas mais importantes no momento para pensar.

Algo estava errado.

E eu nem sabia o quanto estava envolvida.


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Notas finais do capítulo

Obs:

"White Hill" é a unica localidade fictícia. A estrada, o rio, tudo existe e pode procurar lá no mapa.

Eu meio que me inspirei em Ambrose (cidade fictícia de House Of Wax) enquanto descrevia a comunidade de White Hill. Quem já viu o filme sabe do que eu estou falando, uma cidadezinha pequena e tal. Quem não viu ou não se lembra, se quiser joga no Google "Ambrose - House Of Wax" que vai vir inclusive uma foto da Igreja que aparece no filme, na qual me inspirei para descrever a Igreja de Santana. E invés do museu, podemos imaginar o grande orfanato/convento Gran Salvador.
(sim, eu imaginei tudo isso)

Padre Roy Benedict foi inspirado no Alan Rickman (professor Snape)

A Rebecca é meio que inspirada na Linda Cardellini (Velma, Scooby-Doo), só que com algumas coisas diferentes.

Vou postar uma "foto" da Elisabeth (e da Melizza) provavelmente no capítulo 04.

É isso...