Matemática Do Amor escrita por Lady Salvatore


Capítulo 76
- Redescoberta.


Notas iniciais do capítulo

Aqui estou eu postando capítulo novo as cinco da manhã, mas é a vida. Curtam.



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Querida Denise,
Pensei em começar essa carta dizendo que hoje sei como é sua dor, mas acho que nunca saberei. Você esteve aqui em momentos bem mais delicados do que o que estou vivendo e mesmo assim, é complicado para mim. Imagino como tenha sido para você.
Seu país é lindo, sua gente é alegre e muitas coisas me encantam. Você estava certa sobre a comida e a cultura, são tão enigmáticas e incríveis como você. Eu choro muito, vejo crianças sofrerem o tempo todo de agonia por dor e fome. Toda noite antes de dormir eu faço isso e rezo, coisas na qual nunca fiz antes e nunca achei que faria.
O batom que trouxe foi inútil. Não tenho tempo, mas o protetor solar está quase acabando. Pego a primeira coisa que tem em minha mala, não reparo ou ligo mais para detalhes como esse. Todo dia, viajamos kilometros para buscar comida para eles e água potável, são sacos e galões de água que parecem pesar toneladas, mas que temos que carregar. Para isso, é preciso acordar as quatro e meia da manhã. As vezes acontece brigas entre pessoas de outros acampamentos e também da população em geral que está tão desesperada quanto. Também há o papel de enfermeira, tenho que limpar muitos idosos, ajudá-los em medicação e a administrar esses remédios, pois o governo não manda muitos. Seguro em mão fracas de crianças quando elas tem de tomar suas injeções. Uma coisa que a maioria tem medo e corre, mas elas estão tão sem forças que não conseguem nem reclamar da picada.
Anteontem foi o dia mais pesado de todos, a criança de uma das famílias morreu. Malária. Estamos tentando a um tempo conseguir vacinas para cá, mas o descaso público não facilita o trabalho. Confortei a família e sequei suas lágrimas pelo resto do dia. Como se não bastasse, na parte da noite, flagramos um voluntario violando uma das meninas. O expulsamos e comunicamos a central o ocorrido, passei a noite ao lado da garota na qual gritava pela dor. Ela perdeu os pais no terremoto e não tem ninguém, é um ano mais velha que eu.
Não tenho tempo de sofrer pelos meus problemas, há pessoas para ajudar. Estou aprendendo muito nesse tempo. Estou aprendendo sobre trabalho, sobre pessoas, sobre valores. Ao mesmo tempo fico mais forte e também mais sensível. Ainda não sei qual vai ser a lição que vou tirar disso, mas minha mãe estava certa. Eu realmente precisava.
Desculpa por não poder te escrito mais cedo, só que como disse não há tempo para nada além de tentar resolver coisas. Agora para essas pessoas sou uma psicologa, uma amiga (você não tem ideia das historias que eles me contam sobre suas vidas) uma enfermeira, uma cozinheira (sim, estou aprendendo) e pra algumas crianças sem, até mesmo uma mãe, na qual já fui chamada assim por uma.
Agradeço por ter me mostrado que isso existia. Nunca pensei que em minha vida poderia ser tantas coisas.
Obrigada.
—--x---
Sem tempo para o abatimento, Elena espreguiçou o corpo e deixou escapar um bocejo. O calor estava absurdo, teve de andar mais de cinco quilometros com os carrinhos de sacos de comida para trazer e ainda ajudar a cozinhar quando chegasse.
Não havia dormido bem na noite passada, uma chuva durante a madrugada despencou e sua barraca, ao ar livre, quase que não a suporta.
Estava suada, não conseguiu pentear o cabelo e sua blusa de alça simples havia feito um furo nas costas ao esbarrar em um prego enquanto corria para buscar a medicação de um senhor.
Fingiu um sorriso. A fila pelos pratos estava enorme, e agora ela os serviam colocando uma colcha da sopa no prato de cada um.
— Boa tarde, dona Magdalena - Dizia para um que passava. - Boa tarde, seu Freddie. - Para outro.
Após servi-los, teve o seu breve tempo de almoço no qual comeu rápido, para poder descansar o máximo que poderia.  
— Elena. - Uma das coordenadoras lhe chamou. Pela voz devia ser Gillian
A cabeça da menina estava repousada sob uma mesa e seus olhos fechados, aproveitando a fresca sombra.
— Sim. - Respondeu sem mover-se.
— Desculpa incomodar seu descanso, só queria saber se confirmo seu nome na palestra de hoje.
Palestra? Tentou refletir rapidamente. Ah, sim a palestra das mulheres. Estavam organizando uma especie de terapia em grupo para as mulheres do acampamento falarem sobre suas vidas, tudo isso após o estupro de Deena pelo voluntário.
Seria desfeita caso não fosse.
— Confirme sim., Gillian. Que horas será mesmo? - Finalmente abriu os olhos para prestar atenção.
— As 19:00
—-x---
Apenas vinte e cinco das mais de setenta mulheres aceitaram participar do '' evento''. Do lado de fora, foram postos cadeiras em ciclo onde todas se sentariam. Já no meio dessa roda, havia uns tijolos, imitando um degrau ou até uma especie de palco, na qual quem quisesse falar poderia subir.
Elena não tinha pretensão de dizer uma palavra que fosse, uma das coisas materiais na qual trouxe fora seu caderno de desenhos e alguns lápis, apontador e borracha. Seria a primeira vez que teria tempo de criar desde que chegou. Afinal o trabalho não permitia muita folga.
Sentou-se em um lugar qualquer enquanto outras mulheres se acomodavam. Haviam poucas adolescentes de sua idade, a maioria eram idosas e mulheres já casadas. Com exceção de Deena que era a razão para todos estarem ali. Esperou que aquela energia acumulada lhe inspirasse para algo.
Após todas estarem em seus lugares, Gillian se dirigiu ao centro.
— Boa noite à todas, fico muito feliz que tenham vindo. De verdade. E acho que a razão pela qual quisemos fazer isso foi pra simplesmente conversar, falar sobre nós e nossas vidas, o que pensamos. - Elena observou a ''platéia'', nem todas pareciam interessadas. Parece que não era a única que veio por educação. - Eu posso começar se quiserem. - Ninguém contestou. - Eu trabalho como voluntária de instituições há pelo menos quinze anos, já tenho quarenta e oito e não pretendo parar. E acho que a razão pela que eu estou aqui seria justamente pelo meu pai. - Gillian soltou um respiro fundo. - Ele era viciado e... Quando minha mãe faleceu quando eu tinha catorze anos, fui morar com ele. - Interessada, Elena abandonou o lápis e atentou os ouvidos. Gillian não era de falar muito. - Era difícil, ele praticava bullying comigo, dizia que eu era feia, que meus olhos eram horríveis, meu nariz, meu cabelo. Tudo em mim era criticado. Eu me odiava e me tornei obcecada pela vaidade até conhecer o programa quando foi até a minha faculdade, eu cursava sociologia. E nisso eu aprendi, com mulheres como vocês, a valorizar outras coisas em mim e nunca mais chorei pelo que eu sentia. E eu quero dizer pra você Deena, o quanto você me inspira agora e eu tenho certeza que a todas que estão aqui também.
Ao fim de suas palavras, houve um mediano número de aplausos por parte das presentes. Gillian regressou ao seu lugar, enquanto Elena, por acaso, reparou na expressão um tanto que raivosa de uma das mulheres. Chantal. Uma mãe solteira que tinha por volta de uns trinta.
Cumprindo a previsao de Elena, Chantal elevou a mão esquerda ao alto chamando a atenção ao redor.
— Gostaria de falar algo. Posso? - Pediu. Gillian, feliz pela participação, sorriu e deu a permissão da fala. - Peço minhas desculpas para a senhorita Gillian pelo que eu vou falar. mas eu realmente não entendo como a senhora pode ter se sentido oprimida pela vaidade por tanto tempo. - As presentes se entre olharam confusas, inclusive Elena. - Quer dizer, olha para a senhora, é uma mulher Americana, branca, loira, de olhos verdes, traços finos, suponho que magra a vida inteira. Agora olhe para nós, Nigerianas, onde a população é esmagadoramente negra, de cabelo crespo, traços africanos, pobres. Como pode ter se sentido assim, sendo que quando liga a televisão, quando vai ao cinema, ou abre uma revista, tudo que vê são mulheres como a senhora. Então, por favor, não diga que entenda como nos sentimos porque não é verdade, a senhora jamais saberia.
De imediato, a reação aconteceu. Chantal recebeu aplausos altos e uivos animados. Gilllian, claramente envergonhada, calou-se e fitou o chão. O zum-zum-zum aconteceu, onde todas começaram a conversas entre si, refletindo as palavras de Chantal e concordando com seu dito.
Elena sabia o quanto o assunto de questões raciais não era algo que poderia ser dito sem estudo ou sem passar pela situação, na qual ela também não conhecia. Era branca e era uma celebridade, o que poderia saber? Mas sobre algo sabia. Sobre vaidade e auto-estima.
Recolheu a lembrança daquela menina de vestido chique e maquiagem, na qual se a visse agora, não acreditaria. Era justo que compartilhasse seu conhecimento, sem precisar colocar Gillian contra Chantal. Precisa falar, sentiu a necessidade disso.
— Perdão, perdeu. - Disse alto e indo até o meio da roda, ao vê-las os murmurinhos calaram-se aos poucos. - Mas eu também preciso falar. - Do contrário do que esperava, sua voz saiu oponente e poderosa. - Peço as minhas desculpas pra Chantal, mas as coisas não funcionam necessariamente assim. Ao menos não no campo da auto-estima em geral, não estou falando de racismo. Eu jamais discutiria esse assunto com quem passar por isso na pele diariamente. E acredite, eu concordo com alguns do que você fala. - A expressão de Chantal, se fechou e ela cruzou os braços, revirando os olhos em seguida. Outras mulheres faziam caras e bocas similares. - O que eu quero dizer, na parte em que eu concordo, é que eu sei que é mais difícil pra certas mulheres do que pra outras na hora de lidar com a autoestima. Realmente a mídia faz parte disso e mulheres como eu e a Gillian temos privilégio. Só que não é por isso que significa que não temos dor, que não temos nossos sofrimento. Mesmo que seja menor que o seu, são diferentes níveis. - Lentamente, começou a relembrar de situações do passado. - Você alega que se sente inútil e muitas modelos que eu conheci na minha vida, alegam que se sentem usadas. Eu convivo com isso. Quando mesmo você pesando cinquenta kilos ainda sim vão te colocar photoshop. Ou atrizes que querem ser levadas a sérios para papeis mais fortes, mas não são porque muitos acham que só estão onde estão por ser bonita, porque é loira dos olhos claros. Entende, Chantal? É diferente, mas existe. - Apesar de ter ouvido milhares de histórias em seu tempo ali, Elena percebeu que não havia contado a sua. Parou de tentar analisar o que cada uma estaria pensando de suas palavras e decidiu deixar-se envolver também. - De onde eu vim, digamos que eu sou um tanto conhecida, um tanto famosa. - Engasgou com algumas lágrimas. Manteve-as bem presas. - As meninas queriam ser como eu, os meninos me queriam. Mas... - Pausou a fala rapidamente, para engolir um pigarro. - Sempre que eu estava com um deles, eu tinha a sensação que não me escutavam quando eu falava, que eu só servia pra satisfação pessoal deles. Me queriam para ser um troféu, fazer os amigos terem inveja, inflar o ego. Eu nunca sabia se as pessoas realmente podiam me amar ou se só queriam me exibir. - Atentas, a postura fechada das mulheres e principalmente de Chantal sobre sua fala, foi derrubando-se. - E eu também não era capaz de retribuir, eu sentia que não. Tanto que quando eu me apaixonei e vi que ele me escutava. - Sorriu, lembrando-se de Damon. - Que ele me entendia e como ele era capaz de amar uma mulher, eu cai tão de cabeça que minha mãe achou que eu tinha perdido minha autoestima pra viver por ele - Sem que a própria percebesse, uma lágrima sua rolou. - E hoje eu vejo que a verdade é que eu nunca tive autoestima alguma. A minha sorte é que esse não era um homem egoísta. Ele não concordava com a minha atitude e deu razão a minha mãe. E é por isso que eu to aqui hoje. - '' E o que aconteceu com ele?'' Ouviu alguém murmurar baixinho após o fim da sua fala. Elena olhou o rosto de cada uma e sorriu, através dos seus olhos vermelhos, tanto de choro quanto de sinceridade. Recebeu o mesmo olhar em resposta de cada uma delas. Esperou estar recuperada para voltar a falar. - O que eu quero dizer pra Deena, pra Gillian, pra Chantal e pra todas vocês hoje, e até pra mim mesma, é que eu não ou ninguém que está aqui por nada e sem da valor e quando eu for embora, essa conversa não ficará em vão pra mim. Vou saber retribuir isso. - Disse, enxugando suas lágrimas em seguida. Virou-se para Gillian. - Eu posso descansar? Não sei se tem mais trabalho pra hoje, não estou me sentindo bem.
Sem saber direito o que falar, Gillian assentiu mirando-a em um misto de admiração, mas também com pena. Elena recolheu seu caderno, posto em cima de sua cadeira e partiu sem esperar aplausos ou qualquer outra reação.
—--x---
— Elena! Elena! - Uma voz soou atrás de si, quando já estava adentrando a sua barraca.
Era Kai.
— Ah, sim. Oi - Falou um tanto ofegante pelo acontecimento de menos de dez minutos.
Ele reparou em seus olhos vermelhos, mas nada disse.
— Então, eu queria te contar que amanhã vai vim uma voluntária nova e te daremos um dia de folga. Temos visto o quanto você tem trabalhado desde que chegou.
Ela respirou em alivio. Realmente não teria como discordar disso.
— Muito obrigada. Acho que não poderia ter dia melhor pra isso.
— Queria te chamar pra jantar nessa folga. - Disse direto. Ela o olhou atônita. - É que meu pai me mandou um dinheiro dos Estados Unidos pra uso pessoal. Sei que não parece muito justo irmos há um restaurante enquanto o pessoal tá aqui quase que sem comida, mas... Não é dinheiro da ong, é pessoal meu mesmo. - Explicou-se, ainda sem diminuir o susto dela pelo convite. - Será um jantar simples, podemos ir em uma dessas barracas de comida tipica da praia mesmo. O que acha? - Terminou esperançoso. Elena já havia reparado nos olhares dele para si há um bom tempo.
Ao mesmo tempo que percebeu a intenção dele no chamado, Elena sentia que talvez precisasse de um tempo longe. Visitar a praia, andar descompromissada pelas ruas. Mesmo que no fim tivesse que dizer para Kai que teriam de ser só amigos.
— Claro. Eu aceito sim. - Respondeu sem querer colocar muito animo. Kai sorriu de imediato. - Estou cansada agora, podemos marcar o horário para amanha?
Ele assentiu.
— Quando quiser.
Ao ver-se livre de companhia e em silêncio em sua barraca, Elena não pôde evitar uma reflexão sobre a palestra. Na qual ainda não soube dizer se havia sido um sucesso ou um desastre. Tudo que essas mulheres precisavam era de representação e valor, não só elas como todas. Se sentirem valorizadas pelo que eram.
Moda sempre foi um negócio de aspirações . Se trata de desejos, na qual você põe mulheres que não são como a maioria para fazê-las crer que se você, mulher comum, compra tal peça, será assim também. Na verdade essa era a parte marketing da moda. Para Elena moda é você conhecer seu corpo, seu tom de pele, suas cores, sua criatividade e colocar tudo junto na sua apresentação. É você poder ser desde elegante até sexy com a ajuda de um vestido. Era por isso que era apaixonada por moda, pois através de um tecido você pode ser a mulher que quiser.
Mas sim... Inclusão não era muito comum no mercado.
É ISSO. Pensou ela. Quer dizer, sua mente gritou em brasa. É isso que vou fazer. Concluí.
Animada, apanhou o caderno quase que explodindo pelas coisas que ouvia em sua cabeça. Criou, anotou, escreveu e em menos de uma hora já tinha ido até metade daquelas diversas folhas.
Já sabia o que iria fazer.
—---x----
— Eu me diverti muito. - Disse ela, assim que estacionaram o carro em frente seu prédio. - Só sinto muito pelo filme que era realmente horrível.
Damon sorriu em concordância.
— Da próxima eu escolho. - A frase saiu quase que instinto.
Mas não para Rayna, que os olhos brilharam.
— Vai ter próxima?
Percebendo o tom de voz dela, recuou:
— Por que não teria certo? Somos amigos. - Não havia feito bem em não contar para Rayna sobre seu passado. - E eu também devo muito a você. Tenho que agradecer demais pelo seu incentivo a trabalhar duro, a acreditar no meu potencial. - Sorriu carinhosamente. - Eu agora vou começar uma pós-graduação e acho que sem a sua ajuda não seria possível. - Haviam saído aquela noite para comemorar a bolsa oferecida pela reitoria da universidade.
Tímida, Rayna apanhou a mão do rapaz. Damon não obteve uma reação imediata.
— Você mereceu. Eu vi seu potencial logo de cara, mas nesses meses que passaram eu me apeguei muito a você Damon. - Sua voz saiu engasgada e com medo. Ele reparava o quão forte ela apertava sua mão. - E... eu to feliz de ter encontrado você, de verdade.
Tomada em coragem, ela inclinou parte do corpo em direção há ele, deixando os lábios a centímetros de encostarem-se. Queria que ele tomasse a iniciativa final. Damon não estava surpreso, semana passada flagrou um olhar incomodo de Rayna para a direção de uma mulher que o elogiou. Ela não era a melhor em disfarçar, o detalhe era a falha percepção que ele também tinha normalmente para esse tipo de coisas.
— Rayna. - A chamou. A mesma mantinha os olhos fechados esperando-o. Após uma curta pausa sem resposta, recuou envergonhada sem coragem de fitá-lo. Para não deixá-la encabulada, Damon virou-se para sua frente. - Eu não te contei tudo da minha vida. E eu acho que não seria justo corresponder esse beijo sem que você soubesse o que me acontece.
Ela não respondeu. Retirou seu cinto de segurança e, de uma maneira raivosa, saiu do carro.

 


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Notas finais do capítulo

achei importante tratar o assunto autoestima nesse capítulo, espero que tenham gostado. Faltam mais dois capítulos e o epílogo pro final de tudo.