Eternos escrita por ThC


Capítulo 3
Capítulo 2




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- Harry Manson. – O garoto estendeu a mão como forma de se apresentar para a bela garota.

- Helena Sartori  – A garota correspondeu ao cumprimento apenas com um sorriso. Recolhendo a mão, Harry pigarreou e perguntou o porquê da garota não estar dançando ou conversando com outras pessoas, mesmo achando isso um pouco invasivo.

- Multidão demais para mim.

- Você está numa boate, me espanta que não goste.

- Consigo me inspirar aqui, apenas isso. – Helena continuava com o olhar concentrado no guardanapo.

- Escreve sobre as almas vazias daqui?

- Sim. E sobre a minha também. – Tomou um gole de água enquanto percebia o olhar de Harry. – A energia das pessoas daqui me inspira de um modo que faz meu coração esquentar e assim, consigo escrever alguma coisa que preste.

- Ah, então você é escritora?

A garota ficou em silêncio por alguns segundos quando finalmente murmurou:

- Eu não sei. – Helena abaixou a cabeça e voltou a olhar fixamente para as palavras ilegíveis no papel, tamborilava o lápis no balcão e Harry sentiu que havia algo de muito errado com Helena.

Ele sabia que ela não era igual às outras garotas da boate, ele sentia a intensidade que havia em Helena. Ele podia ver em seu rosto toda a dor que sentia mesmo sem ela pronunciar palavra alguma. Era estranho para Harry. Era um sentimento tão diferente e desconhecido que ele não pôde identificar o que ele estava sentindo, mas ele sabia que não podia deixar Helena ir embora. Nunca.

- Deveríamos ir para outro lugar. – O garoto de olhos verdes arriscou algumas palavras.

Helena simplesmente se levantou, guardou o guardanapo e a caneta no bolso de trás do seu jeans surrado e começou a andar em direção a saída, sem hesitar, Harry foi atrás dela, curioso para descobrir o quão incrível Helena era. Do lado de fora da boate, Helena cruzou os braços e encostou-se no muro gelado e úmido.

- Quais são seus planos, Harry Manson?

- Harry já é o bastante. – O garoto sorriu, mas não foi correspondido. – Não sei, só queria sair de lá.

- Por quê? – Helena lançou um olhar indecifrável. Helena deixava Harry nervoso.

- Eu não sei. Só queria sair daquele lugar. Estou me sentindo estranho. – Harry acendeu um cigarro e começou a andar pela calçada, depois de alguns metros, Helena o alcançou e pegou o cigarro da mão dele. Tragou, devolveu-o para Harry e sorriu. O garoto a admirava. De onde teria surgido tamanha profundidade e tanto mistério?

Caminharam em silêncio durante um tempo, lado a lado. Helena assoviava uma canção desconhecida e triste, Harry estralava os dedos de minuto em minuto. Pela primeira vez em tanto tempo, Londres parecia melancólica. Harry sentiu como se uma brisa triste passasse por eles, ele olhou para Helena e ela sorria para o nada. Sorriu junto com ela.

- Estou vivendo desse lado da cidade há dois anos e nunca vi Londres tão bonita.

- Parece que algumas luzes estão apagadas. Prefere a escuridão? – A garota questionou Harry enquanto olhava para o céu estrelado.

- Acho que sim. Sinto-me mais aquecido.

- Você nunca tem certeza de nada.

- Nem você. – Harry respondeu com certo receio e Helena o olhou com ar de satisfação.

Já passava das três da manhã, estavam na ponte do Big Ben. Lá de cima, a cidade parecia vazia e os jovens pareciam lotados de ilusões e desejos. Nenhum dos dois ousava quebrar o silêncio. Helena, com os braços cruzados, mexia o corpo tentando espantar o frio. Diante daquilo, de toda aquela fragilidade, tudo o que Harry tinha vontade de fazer era protegê-la de todo o mal, seja ele qual fosse. Tirando o casaco, Harry ofereceu-o a Helena, que sorriu e o aceitou.

- Nunca subi aqui antes. – Helena observou enquanto vestia o pesado casaco.

- Jura? Pelo sotaque, você não é daqui. – Ele a olhou – Estranho, aqui é um dos principais lugares que os turistas frequentam.

- Quem dera eu ser uma turista. As coisas são um pouco mais difíceis.

Uma forte chuva chegou antes de Harry perguntar quem realmente era Helena Sartori. Rindo, eles correram até uma cobertura mais próxima.

- Mas o céu estava estrelado até agora há pouco! – Comentou Harry tentando secar os cabelos com as mãos.

- As coisas mudam rápido, Harry. – Helena olhava a chuva com um ar pensativo.

O garoto não conseguia entender. Por que queria tanto estar com Helena? Por que queria tanto protegê-la sem saber o que se passava com ela? Por que nunca se sentiu assim antes?  Harry tentava entender o que estava acontecendo dentro de si ao mesmo tempo em que olhava aquela pele pálida e molhada. Tinha vontade de abraçá-la e beijá-la. Mas não podia porque enxergava em Helena uma proteção forte e indestrutível.

Quando a chuva diminuiu, continuaram andando até o apartamento de Harry.

- É melhor você se secar. – Harry disse enquanto subiam as escadas. Entrando no apartamento, Helena observava os móveis e a decoração simples, alguns discos jogados num pequeno sofá, canecas na mesinha de centro e um cinzeiro cheio ao lado das canecas.

- Não repare na bagunça. Não costumo arrumar nada porque quase não recebo visitas e me sinto bem desse jeito mesmo. – Harry falava enquanto caminhava até o quarto para pegar uma toalha e uma camiseta dele mesmo para Helena. – Espero que isso sirva.

- Não precisava se incomodar. – Sem hesitar, Helena tirou a blusa ali mesmo e se secou, passou a toalha pelos cabelos e os penteou com os dedos. Parecia não se importar com a presença de Harry, este desviava o olhar, pois, de algum modo, se sentia envergonhado. Ele não conseguia entender. Se fosse qualquer outra garota, ele estaria olhando seus seios e a imaginando do jeito mais erótico possível. Mas com Helena não. Era como se ela estivesse nua na sua frente e ele só quisesse beijar sua mão.

Jogou-se no sofá e não podia acreditar no que havia passado pela sua cabeça. Mas era verdade. Harry estava apaixonado. Só sabia o nome dela e estava apaixonado.

- Vou ficar com esta calça mesmo, estou bem. – Vestindo a camiseta oferecida pelo garoto, Helena virou-se e começou a caminhar em direção à porta quando Harry levantou do sofá num sobressalto:

- Não! – Helena virou-se assustada. – Digo, não precisa de mais nada? Posso fazer um chá ou sei lá. – O garoto passava a mão pelos cabelos ainda molhados, sem jeito.

Helena sorriu e apreciando a atenção do garoto, respondeu:

- Você é sempre cavalheiro assim ou só com quem você quer transar?

Harry a olhou, nervoso, estralou os dedos e disse:

- Nunca disse que queria transar com você. Só estou sendo educado. Desculpe-me se você preferiria ser deixada na chuva. – Voltou a se sentar no sofá, ignorando a garota e acendendo um cigarro.

Helena soltou uma gargalhada e quando percebeu que não houve qualquer resposta, deu alguns passos e sentou ao lado de Harry. A garota tinha um olhar triste e desamparado, tirou o guardanapo do bolso e percebeu que a chuva manchara as palavras que estavam escritas nele. Harry observava a tudo pelo canto do olho, queria parecer não se importar, embora tudo o que quisesse era abraçá-la ali mesmo e secar todas as lágrimas que sabia que Helena vinha segurando durante muito tempo.

- Eu lamento. Não quis te ofender quando...

- Está tudo bem, Helena.

A garota se recostou no sofá tentando ficar confortável, virou o rosto procurando Harry e o encontrou olhando para ela. Helena sorriu para ele e sentiu seu coração aquecido.

- Eu só queria te ver aqui quando eu acordasse amanhã. – Murmurou Harry. Helena sorriu novamente, dessa vez sem olhar para o garoto e decidiu que só iria embora quando a luz do Sol entrasse pela janela, iluminando a sala.

***

Ao amanhecer, Harry abriu os olhos preguiçosamente e se espreguiçou até perceber que estava no sofá. Observou ao redor da sala e se recordou da noite passada, buscou Helena até onde seus olhos alcançavam e, quando não a encontrou, levantou-se rapidamente e foi até o quarto, passou pelo banheiro, olhou a cozinha. Não havia ninguém. Retornando à pequena e bagunçada sala, finalmente viu um papel em cima da mesinha de centro:

“Infelizmente não pude atender ao seu desejo.

Fui embora assim que o Sol nasceu.

Encontre-me às 2h da manhã em frente ao Nancy’s Bar.

                                                                                                              Helena.”

Harry ficou observando o bilhete escrito no mesmo guardanapo em que antes estava um poema muito bonito, provavelmente. Olhou para o vazio no canto da sala durante alguns segundos até que finalmente decidiu ir tomar um banho. Logo após o almoço, Harry foi para o teatro e não conseguia se concentrar no roteiro que tinha que ler para uma pequena peça que apresentaria no final de semana. Eram sempre peças curtas, com vinte e cinco minutos de duração. Os atores eram crianças e adolescentes que sonhavam em ser astros de Hollywood. Mas, naquela tarde, tudo parecia se dissipar aos olhos de Harry. A única coisa que ainda se mantinha sólida era seu pensamento em Helena.

                                                                              ***

Doze quarteirões após o teatro, havia um prédio escuro, com algumas luzes fracas iluminando a entrada, esta era reconhecida pelo seu letreiro em neon, o qual, na verdade, não era muito chamativo. O lugar chamava-se Molly’s House. Era geralmente frequentado por homens e garotos em plena puberdade.

Já anoitecera e Helena se encontrava no que parecia ser um camarim, com roupas, plumas, sandálias plataformas e maquiagens. Havia também garotas seminuas em frente ao espelho conversando efusivamente. Helena estava sentada ao fundo do quarto, observava o pequeno cômodo com um ar desprezível e ao mesmo tempo superior. Olhava as garotas pelo canto dos olhos e não tinha amizade com ninguém. Mas a dona do Molly’s House a adorava. Helena era uma de suas melhores garotas, se não, a melhor.

Katherine Molly era uma cinquentona que herdara o prédio de sua mãe. Na verdade, esse prédio residencial passou de geração em geração, mas, quando chegou às mãos da mãe de Katherine, esta o transformou no que podemos chamar de cabaret. Agora, alugava os apartamentos da parte de cima para algumas prostitutas e usuários de drogas por um preço muito baixo; o térreo e o segundo andar eram onde suas dançarinas se insinuavam e seduziam homens em troca de dinheiro. Ela faturou muito com o negócio. Quando a mãe morreu, Katherine decidiu manter essa pequena tradição e continuou com o estabelecimento. Contratou novas garotas e transformou a segunda parte do prédio num pequeno andar de prostituição. Continuava a faturar muito dinheiro. Havia muitos homens carentes e adolescentes famintos pela cidade.

Helena saiu do pequeno quarto em direção ao palco pouco iluminado. Dançava devagar e sensualmente. Brincando com as plumas em volta de seu pescoço e olhava os homens a sua frente, estes jogavam algumas notas no palco. Helena pegava o dinheiro e sorria inocentemente, fechava os olhos e continuava a se balançar no ritmo da música. Helena parecia se sentir fora de si, não eram movimentos planejados, ela apenas sorria enquanto se mexia sentindo as notas saírem da grande caixa de som. Todo mundo a adorava.

                                                               ***

Harry saiu de seu apartamento às 1h30 da manhã, foi caminhando vagarosamente pelas ruas frias de Londres. Desviava dos carros nas avenidas, estralava os dedos e olhava as estrelas. Ah, as estrelas. Elas sempre estavam lá. Não importava se logo depois haveria um temporal ou uma madrugada quente, elas sempre estavam presentes. Eram uma mais brilhante que a outra. Harry olhava para o céu e sorria, começava a contar em quantas elas eram, mas, quando percebia que era impossível, sorria novamente. E pensava em Helena.

Ao dobrar a esquina da Oregon Road, onde ficava o Nancy’s Bar, avistou uma garota encostada na parede da velha boate. Ao se aproximar, Helena apenas virou o rosto para olhá-lo e encostou a cabeça novamente na parede. Ela estava vestindo um sobretudo preto até os joelhos, os olhos pretos bem maquiados, os cabelos desgrenhados presos com um nó que fez deles mesmos, segurava as botas de salto alto numa mão e na outra segurava um cigarro.

- Achei que você não viria – Disse o garoto tirando um cigarro do bolso e acendendo-o.

- Por que achou isso? – Helena tragava o cigarro olhando para frente, fixamente.

- Achei que você não iria querer me ver mais.

- Você é muito inseguro. – A garota começou a andar na mesma direção em que andaram na noite interior, Harry a acompanhou.

- Não é isso, é que... – Ele suspirou e jogou o cigarro no canto na calçada. – Esqueça. Como você está?

- Perfeitamente bem. Do jeito que você está vendo. – A garota disse com naturalidade, andando descalça e tragando o cigarro. Percebendo que Harry havia ficado desconcertado, sorriu para ele achando graça do garoto – E você?

- Bem, obrigado.

Fizeram o mesmo caminho, andaram devagar e silenciosamente. A mesma canção era cantarolada por ela e as mesmas estrelas o guiavam. Chegando à ponte, Helena sentou-se no chão perto da mureta de cimento que protegiam as pessoas de um suicídio facilitado. A garota olhou para Harry ainda em pé como se estivesse o convidando para acompanhá-la naquele momento. Harry sentou-se ao lado dela e olhando para o horizonte escuro, sorriu.

- Estou ensaiando para uma peça de teatro. – Comentou em voz baixa. Não tinha certeza se sua vida interessava à garota.

- Uma peça? Legal. Um dia irei escrever uma grande peça de teatro e se tornará a mais famosa da Europa. – Helena disse em tom sonhador e, logo depois, abaixou a cabeça com um ar de decepção.

- Não parece muito animada com isso. – Harry observou franzindo as sobrancelhas. Mas Helena permaneceu calada. O que havia naquela garota? Qual era sua história? Qual era o segredo dela, se é que havia algum? Harry continuou com o olhar fixo nas pequenas luzes que não iluminavam nem sequer metade dos prédios. E essas madrugadas se seguiram por exatos 7 noites. Encontravam-se em frente ao Nancy’s Bar e caminhavam em silêncio até a ponte. Sentavam-se acima do rio e não  trocavam mais que algumas palavras. Ao nascer do Sol, Helena se levantava querendo dizer que estava na hora de ir embora.

Na oitava noite, após um longo e quase interminável silêncio, Helena suspirou fundo, olhou para Harry e abaixou a cabeça novamente. Por um momento, ela fechou os olhos e levou uma de suas mãos em cima da mão de Harry que se encontrava apoiada no chão, ao seu lado. O garoto olhou as duas mãos juntas, finalmente juntas. Finalmente pôde sentir o toque de Helena, o calor da sua pele e isso fez seu corpo inteiro estremecer. Uma coisa tão pequena, mas que fez seu coração arder. Harry segurou forte a mão de Helena que, olhando fixamente para as águas à sua frente, sorriu.

Naquela noite, assim que o Sol nasceu, Helena não se levantou para ir embora; Helena apenas mudou de posição na cama e buscou pelo corpo do garoto que dormia ao seu lado. Parecia uma criança indefesa que se protegia com seu ursinho de pelúcia. O garoto abriu os olhos devagar e admirou a menina que se apertava em seu peito e agora, mais do que nunca, tinha a certeza de que faria por ela o que nunca ninguém se atreveu a fazer antes, nem ela mesma: salvá-la.


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