Eternos escrita por ThC


Capítulo 2
Capítulo 1




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Londres sempre foi maravilhosa nessa época do ano. Não, não era nenhum feriado ou alguma data comemorativa, a cidade estava apenas repleta de sonhos. Bares cheios de corações vazios, de almas escorrendo pelas mãos das pessoas, de ilusões alimentadas pelas luzes em cada esquina. Era uma época em que você poderia entrar numa loja de discos e encontrar ou o amor de sua vida, ou o da sua morte. Na verdade, essa época dura o ano inteiro, todos os dias, milhares de pessoas na London Eye vendo a iluminada cidade de outra visão. Jovens desesperados para realizar seus sonhos, se livrar das dores de cabeça e das dores do coração. Garotos em busca de aventuras amorosas apenas por uma noite e garotas à procura de um amor seguro para a vida inteira.

Era tempo de sonhar, e Helena estava disposta a realizar seu sonho. Ou, pelo menos, é o que ela tinha em mente até conhecer a realidade. Na verdade, ninguém conhece realmente a vida até ter que encará-la. Ninguém imagina o quão difícil é viver fora de uma fantasia até ter que enfrentar a realidade, e, na maioria das vezes, essa realidade vem da pior maneira possível. E com Helena não seria diferente.

Helena Sartori nasceu numa cidade pequena da Itália, foi concebida em berço de ouro, tinha tudo para se tornar o orgulho dos pais e a garota mais amada e invejada do colégio, mas parece que o caminho de Helena foi para a direção errada, saiu do eixo. Assim como sua mente. Helena teve uma infância consideravelmente feliz: não tinha preocupações, tirava boas notas e brincava com os filhos dos vizinhos. Mas, no seu ponto de vista, isso estava errado. Ela não queria brincar de boneca ou correr atrás das crianças, ela queria ser gente grande. Mas não é aquele desejo de ter sua própria casa ou não ter que dar satisfação a ninguém, ela ansiava pela vida. Ela fantasiava as noites em que passaria na companhia de alguém maravilhoso, nas madrugadas em que vagaria pelas ruas sem rumo, apenas com seu casaco e alguns cigarros. Com 7 anos ela já sabia exatamente o que queria se tornar. Ela queria escrever histórias e fazer história. E talvez esse tenha sido o problema: ela sempre viveu dentro de um de seus contos.

 Com 8 anos, ganhou o prêmio de melhor aluna do colégio. Com 9 anos, escreveu sua primeira grande história. Com 10, via coisas e conversava na rua com os personagens de suas histórias. Aos 11, fumou seu primeiro cigarro e com quase 20, tudo o que ela queria era morrer. Seu pai faleceu quando Helena tinha 13 anos, sua mãe perdeu toda a fortuna para o marido quando este fugiu com todos os bens da família Sartori sabe-se lá para onde. Cinco anos depois, a mãe de Helena veio a falecer de uma doença rara e isso foi a última coisa que Helena se lembra de ter vivido ainda inteira. Agora ela está fora de foco.

                                                               ***

Era uma fria madrugada de novembro, Londres brilhava como nunca e jovens dançavam freneticamente numa boate de um subúrbio do Leste da cidade. Um garoto que aparentava ter seus 21 anos acendia seu cigarro e passava a mão pelos seus cabelos pretos a fim de bagunçá-los, ou arrumá-los. Tossia em pequenos intervalos de tempo e vagava pela cidade em busca de algo, de alguma coisa que realmente valesse a pena. Rodou a cidade por pelo menos duas horas até que parou na frente do mesmo lugar onde acabava todas as noites, o Nancy’s Bar.

Nancy’s Bar foi inicialmente batizado com esse nome porque o dono planejava abrir algo calmo, com luzes baixas como se o interruptor estivesse no meio, com cadeiras na calçada e galhos secos em volta de toda a entrada. Mas, pensando no lucro, foi obrigado a adaptar o estabelecimento em algo que, por dentro, se tornou ensurdecedor. O nome continuou o mesmo, afinal todos já conheciam o lugar e, desse modo, conseguia esconder as irregularidades do local, já que o Nancy’s Bar foi feito para os jovens menores de idade também frequentarem o local.

Para Harry, todas as noites eram iguais: chatas e monótonas. Transava com alguém que conhecia na boate de vez em quando e estralava os dedos compulsivamente. Naquela noite de Novembro, parado em frente ao Nancy’s Bar, refletiu sobre seus últimos dois anos. Terminava a noite naquele lugar conversando com um barman depressivo ou beijando alguma garota na entrada do banheiro. Começou a recordar cada momento da sua vida, flashes vieram a tona e, pela primeira vez naquele ano, ele realmente queria algo pelo que valesse a pena viver. Ele próprio já não era o bastante. Harry vem de uma família londrina conservadora e saiu de casa após a mãe descobrir que ele também mantinha relacionamentos com meninos. Depois disso, Harry cuspiu todos os seus sonhos para a família: o sonho de trabalhar no teatro, de experimentar todas as coisas que a vida oferece e o desejo de ser diferente de todos os irmãos. Preferiu, então, sair de casa ao ter que conviver com os pais proibindo-o e julgando-o. Ainda dependendo do dinheiro da família, alugou um apartamento no lado oposto da cidade e fazia alguns trabalhos no pequeno teatro que existia na esquina do seu prédio. Seu avô que passava todos os dias na cama pagava o aluguel e Harry ganhava o bastante para comer e comprar cigarros.

Finalmente, decidiu entrar no Nancy’s Bar com a eterna esperança de encontrar algo diferente. Olhou as pessoas de olhos fechados sentindo a música e balançando seus corpos enquanto seus copos de bebida transbordavam álcool.  Garotas com saias curtas e decotes profundos e insinuantes, fumaça de cigarros, o DJ bêbado trocando de música a cada minuto e, no fundo do bar, havia uma única garota sentada. A única pessoa na boate inteira que não estava se agarrando pelos cantos com algum garoto ou que não estava sentada no chão chorando após ter bebido 8 doses da bebida mais forte do Nancy’s. Aquela garota de cabelos loiros, quase brancos, com a pele feito neve e os olhos grandes cor de amêndoas. A única garota que Harry realmente olhou em todas as suas noites à procura de “algo”.

O garoto se aproximou com certa apreensão, nunca havia sentido aquilo antes. Chegou até a pensar que estava fora de si ou que a menina de cabelos quase brancos estava dopada a ponto de não conseguir se levantar e por isso estava sentada ali. Mas não era nada disso, ao sentar no banco ao lado da garota, ele a olhou e ela estava rabiscando algumas palavras no que parecia ser um pedaço de guardanapo. No único lugar meio iluminado do Nancy’s Bar, Harry sentiu como se seu coração ardesse numa febre incontrolável e, naquele momento, ninguém mais existia além dele e da garota de cabelos quase brancos. Ele continuou a olhando, sem perceber que estava chegando cada vez mais perto, a garota virou o rosto e franziu as sobrancelhas. Ele se afastou e pôde perceber o quão linda ela era. Sua mão pequena e fina voltou-se para o papel, ela escrevia freneticamente, com letra ilegível e sem desviar o olhar. Harry achava aquilo fantástico.

Ele voltou a se sentar no banco ao lado e ficou olhando a garota por longos cinco minutos, quando, de repente, ela arrastou o olhar até Harry e fez a última pergunta que ele imaginaria que ela fizesse:

- Você já se sentiu tão perdido a ponto de pensar que sua vida inteira foi uma mentira e que não vale a pena esperar o que vem pela frente?

O garoto estralou os dedos enquanto olhava para a garota, sem reação, ele tentou dizer alguma coisa, mas ela tomou a frente e pediu ao garçom um copo de água da torneira. Harry ainda a olhava, agora com as sobrancelhas franzidas, sem saber o que fazer. A garota sorriu para ele e Harry apenas retribuiu o sorriso; olhando para mãos no colo, Harry disse de repente:

- Sim.

Depois de alguns segundos, o silêncio foi quebrado:

- Dois copos de água, por favor. – A garota olhou para Harry e sorriu. E pela primeira vez nos últimos dois anos, Harry sentiu como se tivesse achado algo sem saber pelo quê procurava.


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