As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 16 :D
A Rin apanha neste, só para avisar. Mas ela também ganha uma recompensa X3
Eu também tenho uma má notícia.
Nas próximas duas semanas, eu vou ficar sem postar, porque minha escola vai aplicar muitas provas, e eu vou ter que estudar nos fins de semana.
Desculpa!!!
E não vão pensando que eu morri, ok!?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/385034/chapter/16

Capítulo 16

Aquele em que Rin engana o demônio da água.


A noite estava clara, limpa e agradável. Perfeita para se passar deitado na grama, olhando as estrelas. Era muito bonito.

E Rin achou muito desrespeitoso da parte da natureza presenteá-los com uma noite tão maravilhosa quando estavam todos de luto, rodeando um buraco no chão onde seriam enterrados os ossos da menina morta.

Era um funeral, e nada deveria ser bonito. A noite deveria estar cheia de nuvens no céu, e uma fina chuva deveria estar caíndo, e uma neblina espessa deveria cobrir os olhos de todos.

- E aquela – Rin apontou para um conjunto de estrelas – é a princesa feia. Ela era tão feia que as pessoas a confundiram com uma bruxa, e o príncipe casou com o dragão. E essa outra – indicou mais pontinhos brilhantes no céu – é a fada do tristes para sempre. Ela tranformava meninos em bonecos, carruagens em abóboras, belos vestidos em trapos... esse tipo de coisa.

A menina e o rapaz estavam um tanto afastados do grupo de crianças, que tinham seu próprio ritual para honrar os mortos.

- Eu não vejo nada disso – Len apertou os olhos, tentando enxergar as constelações. O remédio de Luka mostrou-se eficiente, já não havia mais marcas da batalha em seu corpo.

- E nem era para ver – a loura admitiu – Estou inventando essas coisas. Só para tentar nos animar um pouco – tentativa falhada, óbvio.

Nesse momento, Luka aproximou-se deles. Sua expressão era um misto de tristesa e confusão.

- Ryuto me explicou tudo – passou a mão no cabelo, nervosa – Aquela coisa é o demônio da água. Um cachorrinho de estimação da deusa da água, imagino. Ou talvez um cão de guarda, não sei ao certo. Ele rouba as almas das pessoas, precisa delas para viver. Mas não se sabe a razão, talvez ele as coma, ou use como fonte de energia, ou talvez até troque por algo mais valioso.

- Por que a deusa da água criaria um ladrão de almas homicida? – Rin recordava que a deusa da água era bondosa.

- Acho que ele não era originalmente um ladrão de almas – Luka explicou – Sabe, é muito fácil para demônios fugirem do controle. Ryuto também disse que ele volta de tempos em tempos, para fazer mais uma vítima. E não é isso não acontece apenas aqui, mas nas ilhas vizinhas também. Nesse caso, os animais é que são mortos.

- Eles disseram alguma coisa sobre “esfera das almas”? – lembrou-se.

Mas a rosada não sabia responder aquela questão, então Rin foi até Ryuto ela mesma. Se havia alguém que poderia esclarecer de verdade os acontecimentos, esse alguém era o rei.

- Vossa majestade – chamou a atenção do garoto – sei que o momento é inoportuno, mas preciso de respostas, é muito importante, mesmo. Você tem alguma ideia do que é a esfera das almas?

O menino balançou a cabeça. Sua atitude decidida e um tanto arrogante havia sumido por completo.

- Não, não – disse, baixinho – Não vale a pena você saber. Não ia adiantar de nada.

- Por favor, Ryuto – implorou Rin, se abaixando até poder olhar no rosto dele diretamente – Talvez eu possa ajudar.

- Não pode, não – ele insistiu – É impossível.

- Não pode nem me dizer o que é?

Ele suspirou, irritado e triste. Por que ela insistia tanto?

- A esfera das almas é onde ele guarda as almas de todo mundo – o rei apertou seu cabo de vassoura com o boneco na ponta com mais força – A alma de todo o mundo que ele matou. Piratas, marinheiros, viajantes... todos.

- Como você sabe? – desconfiou.

- Alguns já viram. – olhou de relance para as outras crianças – Poucos voltaram.

- E onde fica? – ela se sentia péssima por estar interrogando uma criança em um momento tão triste, mas desconfiava de algo. Algo importante.

- No centro das oito ilhas. Onde todas elas quase se tocam. A esfera e o demônio estão lá, e ele não deixa ninguém se aproximar. É seu maior tesouro, e o que o mantêm vivo.

- Se ela contém a alma de tantas pessoas – ela estava quase acabando com as perguntas –, deve ser o tesouro mais valioso de todo o mar, não é mesmo.

- Sim, sim – o esverdeado garantiu, mas não com muita animação – O mais preciso, o mais sagrado de todo o mar, sem dúvidas.

Ela soltou a respiração (que até então nem havia se tocado que estava prendendo) e se afastou, deixando o rei em paz. Sentou-se na grama, ao lado de Len e Luka. Ela não olhava para nenhum dos dois, prestava mais atenção no pedaço de céu que horas antes foi preenchido com um demônio.

- O mais precioso e sagrado tesouro de todo o mar – murmurou, fazendo a cabeça de Len pender para um dos lados – O mais precioso e sagrado tesouro de todo o mar.


. . .


- Eu já disse que eles podem estar em qualquer ilha dos arredores! – Kaito exclamou, mãos levantadas, suplicante – Vamos voltar! Velejar a noite é perigoso!

- Se quer tanto voltar – disse Meiko por entre os dentes –, volte nadando!

Os dois estavam na cabine do capitão, Meiko pilotando e Kaito lendo um mapa, enquanto Miku se encontrava do lado de fora, encarregada de informar caso visse alguma ilha ou algo parecido. Em vez de fazer o trabalho bem feito, entrava a cada cinco minutos para informar que não viu nada de especial.

- Por que você está tão desesperada para achá-los! – o azulado quis saber – Eles estão bem, farão companhía um ao outro, aprenderão a sobreviver, a contruir uma casa na árvore, a... sei lá, fazer roupas com folhas! Forma o caráter!

- Escute aqui – a morena se irritou – Quando você salva a vida de uma pessoas umas dez vezes, acaba colocando na cabeça que se for para essa pessoa morrer, que não seja de modo tão idiota quanto afogado ou morto de fome em uma ilha deserta!

Ele gruniu, mãos cobrindo os olhos. Por que não poderiam deixar a busca para o dia seguinte? Não faria nenhuma diferença, faria?

Mas como não adiantava discutir com Meiko, se apoiou na parede, pacientemente esperando que ou ela mudasse de ideia e escutasse a voz da razão, ou a ilha onde os dois estavam surgisse.

- Temo que eles tenham se afogado, antes de chegar à terra firme – ela falou tão baixinho que ele quase não conseguiu entender.

Kaito expeliu o ar, e depois percebeu a triste expressão de Meiko.

- Eles vão aparecer – deu batidinhas em suas costas, porque não sabia outra maneira de alegrar alguém – Você vai ver. Estarão inteirinhos, e se não estiverem... podem dizer para as outras pessoas que perderam uma perna ou braço salvando os companheiros de guerra.

Então Meiko fez algo que ele nunca achou que faria por causa dele. Ela lhe sorriu. Um sorriso de verdade, mostrando os dentes e tudo.

E, ele percebeu, como era um sorriso bonito.


. . .


Rin colocou os últimos objetos em uma mochilinha rosa e velha que lhe haviam dado. Lá dentro havia um facão, remédios para machucados e ataduras (que Luka insistiu que levassem), barras de chocolate e muitos outros doces.

Deu uma última olhada no quarto colorido de Luka. Len estava sentado em uma cadeira virada do lado errado, com os braços apoiados no encosto, e o queixo apoiado nos braços.

- Len – chamou a menina, sem obter resposta – Len!

Len sacudiu a cabeça, fitando-a. Ele parecia distraído já havia um tempo...

- Vamos? – perguntou, em tom doce. E ele assentiu, com um sorriso fraco no rosto.

- Onde nós vamos? – ele perguntou, abrindo a porta e deixando o ar frio da noite invadir o aposento.

- Para o fundo do mar de novo – ela quase riu com a expressão tristonha que tomou conta do rosto de Len. Mas não se podia esperar outra reação de alguém que só nadava cachorrinho.

Àquela altura, todas as crianças já sabiam da notícia da partida dos dois, e os acompanharam até os limites da cidade. Rin achou que seria melhor ir até lá a noite. Qualquer coisa que dificultasse o inimigo de vê-los era bem-vinda e, afinal, ele não desconfiaria que alguém fosse invadir seus domínios logo após um de seus ataques.

- Luka – Rin passou a mão pelos cabelos –, Len e eu não fazemos a menor ideia do que iremos enfrentar. Podemos nos machucar, e nos machucar de verdade. Sei que é pedir demais, mas será que...

- Sinto muito – Luka nem a deixou terminar – Tenho mesmo que voltar. É mais urgente do que você pensa. Sinto muito. Muito mesmo.

- Entendo...

E, mais cedo do que a menina gostaria, chegaram aos limites da cidade. Estava com uma lanterna em mãos, mas ainda assim relutante em se embrenhar por entre as árvores, até a ponta da ilha.

- Que toda a sorte do mundo estaja com vocês – Ryuto lhe puxou a manga do casaco – Libertem nosso Maravilhoso Reino Das Crianças dessa terrível besta, Rin Casaco Marrom e Lendário Senhor das Feras, e seus nomes serão lembrados pelo resto dos tempos.

- Nós libertaremos – Rin ficou feliz em ver o velho rei de volta – E voltaremos depois para contar como foi.

As crianças tornaram a encher o ar com seu coro de vozes esganiçadas, e a medida que a dupla se afastava da curiosa cidade, os gritos tornavam-se cada vez mais baixos.

As pedrinhas e galhos no chão machucavam os pés de Rin e Len, que já não calçavam botas. O avanço de Rin era lento, já que ela não conseguia enxergar além da luz da lanterna, de tão densa que era a noite. Len aparentemente era mais acostumado com a escuridão, e levava vantagem na hora de evitar galhos no rosto.

Entretanto, a menina não pôde deixar de perceber algo um tanto estranho nele. As mãos suavam demais, e ele parecia estar com frio, mesmo com a jaqueta preta. Mas sempre que perguntava a respeito, o rapaz dizia que estava tudo bem, então deixou para lá.

Por mais que a caminhada fosse lenta, a ilha era muito pequena, e não demorou para que as árvores fossem substituídas por cascalhos no chão. E esses cascalhos estavam meio submersos na água do mar, que ia voltava em ondas calmas.

- Olhe só para isso – observou a menina. Agora eles estavam na ponta do triângulo, os pés já dentro d’água, onde era possível ver a ponta das outras sete ilhas de mesmo formato.

A água do mar preenchia o vazio entre uma e outra, formando oito rios de água salgada, onde no centro encontravam-se em um fraco redemoínho. A lua, mesmo que tornando a água do mar escura e intimidadora, transformou o verde das árvores das ilhas ainda mais chamativo.

- Tudo bem até agora – ela murmurou. Mas agora vinha a parte complicada. Apagou a lanterna e deixou os olhos se acostumarem somente com a luz emprestada da lua.

Informou Len que, se quisesse, ele poderia ficar em terra firme mas, como já esperado por ela, o rapaz insistiu em segui-la aonde quer que fosse. E os dois lentamente abriram caminho até o centro.

- Tem que estar lá em baixo – susurrou a menina – Talvez até consigamos pegar a esfera sem acordar o demônio.

Ela deixou-se afundar primeiro. Aquilo seria difícil, muito difícil. Talvez fosse mesmo melhor esperar até o amanhecer, a água estava um breu, gelada e Rin só podia vasculhar no chão de seixos do fundo do mar com as mãos, o que levaria muito mais tempo.

Mas tanto o colar, que lhe dava mais tempo no fundo, quanto o fato de o demônio não ter se manifestado deram-lhe confiança para continuar procurando despreocupadamente.

E Rin descobriria da pior maneira que a confiança em excesso pode ser a ruína de uma pessoa.

Já havia se passado um bom tempo. Rin havia subido à superfície umas três ou quatro vezes em busca de ar. Len trabalhava mais lentamente que ela, mas a menina imaginou que fosse consequência de sua dificuldade na natação, então não reclamou.

Quando a menina já estava ficando farta de revirar pedrinhas, engolir água e ter os dedos atacados por carangueijos não muito felizes por terem as casas invadidas, um fraco brilho escapou por entre os seixos que ela havia acabado de vasculhar.

Não era uma luz forte, mas era o suficiente para trazer um pouco de conforto na escuridão. Rin até chegou a encostar a ponta dos dedos na esfera, até chegou a sentir como a esfera era quentinha, mesmo debaixo da água, até chegou a ver umas coisinhas transparentes presas dentro dela, como um globo de neve que nunca para de nevar.

Mas sentiu a corrente da água mudar de curso, como se houvesse alguma coisa a rodeando. Olhou ao redor, e a esfera iluminou a água formando pequenos redemoínhos, atraindo pedras no chão, algas marinhas e pedaços de madeira de árvores que caíram na água.

Rin assistiu, maravilhada e apavorada, como os a água tomou a forma do demônio, como os seixos enfeitavam suas costas e braços, como as algas formaram seu rabo e cabeça e como os galhos grossos e pontudos das árvores formaram garras, chifres e espinhos nas costas.

Um olhos amarelo gigante abriu-se bem na sua frente, e a menina pôde ver o próprio reflexo apavorado.

Ela afastou as mãos da tão preciosa esfera do demônio, em um movimento tão sábio que até duvidou que havia sido ela mesma quem teve a ideia. Lentamente fez seu caminho à superfície, seus olhos nunca desviando dos do monstro gigante.

Com a cabeça fora da água, Rin foi até Len que, surpreendentemente, não fez perguntas. Era possível enxergar o vulto esverdeado nadando ao redor deles, mesmo que as vezes ele se misturasse na água, porque, assim como a pedra, ele emanava um brilho fraco.

Ele certamente poderia perfurar uma pessoa com suas garras pontudas de madeira, e podeiria também lhe abrir cortes feios com as pedrinhas nos braços e costas. Então por que não atacava logo?

- R-Rin... – a voz de Len soou como um sussurro fraco e tremido.

- Eu sei, eu sei – ela não parava de ollhar para baixo – a situação não é boa, mas nós vamos ficar bem, você vai ver.

- N-não é i-isso – ele insistiu – T-tem alguma coisa e-errada c-comigo.

E, realmente, quando Rin virou-se para encará-lo, ela viu um Len pálido, lacrimejanto e tremendo. A respiração dele estava arfante e ele parecia que iria desmaiar a qualquer momento.

- Len... – ela pôs a mão na testa dele, mas tirou logo depois. Estava fervendo – Isso não é normal, Len!

Ele não respondeu, apenas expeliu o ar. Queria se deitar e dormir por um milhão de anos. Sua visão estava turva e o cheiro e o som de tudo parecia ampliado, sobrecarregando-o.

Tapou suas orelhas pontudas e fechou os olhos, lacrimejando mais ainda. Estava tudo tão frio, ele se sentia tão mal, só queria que tudo acabasse. Sentiu alguém colocar seu braço nos ombros e apoiar parte de seu peso.

- Nós vamos até a margem, tudo bem? – Rin susurrou – Você vai ficar lá, longe do perigo, e eu farei o resto. Não podemor nos mexer muito rápido – ela olhou para baixo por um segundo –, então você precisa ser forte e aguentar firme.

Ele assentiu, e deixou que Rin o guiasse até pelas águas. A água lá em baixo estava turva e agitada, mas ele tentava ignorar aquilo.

- Estamos indo bem, viu? – ela comemorou – Quase lá.

Entretanto, como se quisesse contrariá-la, o demônio deixou de ficar apenas girando em círculos no fundo do mar e pegou impulso para cima, como um tubarão qualquer. Submergiu com violência, quase metade do corpo tornou-se visível fora da água.

No começo Rin achou que ele fez aquilo simplismente para assustá-los, mas quando sua enorme e pasada pata, armada de galhos como agulhas, chegou perigosamente perto deles, ela percebeu que não, não era uma brincadeira.

Ter que sustentar tanto o próprio peso quanto o peso de Len não a ajudou muito na hora de escapar. Sim, ela conseguiu tirá-los do perigo maior de sofrer o impacto do centro da pata da besta, mas não daria tempo de escapar das pontas das garras.

Escutou Len berrar de dor ao seu lado, e até sentiu um certo impacto, tanto que também rodopiou debaixo d’água, mas estranhamente não sentiu feridas sendo abertas. Ela não havia se machucado.

Puxou Len para superfície assim que se recuperou do choque e da tontura. Ele apoiou o rosto em seu pescoço, e tremendo. A água ao redor dele estava avermelhada, devido ao corte que ia de seu ombro esquerdo até o meio das costas.

Rin passou de leve a ponta dos dedos no machucado, fazendo Len se mexer em protesto, mas não se afastar. Ela observou o sangue na mão, tentando entender. Deveria estar com um corte tão feio quanto o dele, mas alguma coisa a protegeu.

Então seu olhar caiu no anel, ainda em seu dedão, grande demais para ela. E ela entendeu o que aconteceu.

O anel a protegeu, alguém, em algum lugar, há muito tempo atrás, deveria tê-lo encantado. Talvez uma feiticeira para proteger o amante que ia lutar em uma guerra, ou talvez uma bruxa para proteger o filho, ou talvez para defender um irmão.

Mas agora não havia tempo para pensar quem fez o anel. A besta gigante novamente pulava na direção da dupla. Dessa vez a loura conseguiu tirá-los do caminho, e o demônio atingiu a beira de uma das ilhas, destruindo boa parte do chão, que foi levado pelo mar.

Ele se misturou novamente na água, e ela sabia que não demoraria para atacar de novo. Por sorte, a agitação no mar os arrastou para perto da terra firme de uma das ilhas. Se era a mesma pela qual chegaram, não tinha como saber naquele momento.

Rin arrasstou Len para a praia de seixos. Ele tremia mais agora, ainda ardendo em febre. Ela olhou para a ilha com a ponta agora destruída e engoliu em seco. Não era porque estava fora da água que Len estava fora do perigo.

E pensou que era melhor que ela, que estaria perfeitamente bem dentro de algumas horas, se machucasse do que Len, que demoraria para se recuperar.

- Eu prometo que volto – tirou o anel do dedo, e colocou no indicador do rapaz, entregou a mochila rosa molhada – Seja forte, e não ouse morrer assim, viu? – também tirou o jackalope do casaco e deu para Len – Aqui, ele vai te fazer companhía.

Ele não respondeu, então a menina voltou para a margem. Tinha trabalho a fazer.

A água estava calma novamente. Rin respirou fundo, pensando no que faria. O mais lógico seria nadar rápidamente até a esfera e deixar o não livro fazer o resto. Quando a esfera se fosse, certamente o demônio também sumiria.

E exatamente por isso, pulou na água e nadou o mais rápido que podia. Estava quase lá, a luz da esfera se tornava cada vez mais forte. Mas até mesmo a própria Rin sabia que não seria simples assim. De novo sentiu o impacto da patada da besta, mas dessa vez também sentiu cortes sendo abertos.

O golpe veio de baixo dela, e novamente a menina foi parar na superfície. Tossiu, mãos no estômago ensanguentado. Não teve tempo de se recuperar da dor, alguma coisa lhe agarrou as pernas e a puxou para baixo.

Os galhos cortavam a pele das pernas, alguns abrindo ferimentos, outros penetrando na carne. A menina tentou usar a faca emprestada por Luka para fatiar a madeira mas, se você já tentou cortar madeira com um facão, sabe que não dá muito certo.

Eventualmente, o aperto foi aliviado. Rin achou que o demônio da água pensou que ela estava morta ou algo parecido. Mas a ação foi explicada logo depois. Em vez de usar os galhos pontudos como arma, a besta preferiu usar os seixos.

O conjunto de pedras, que formavam uma parede resistente, atingiu principalmente o lado de seu corpo. Rin foi arrastada até a ponta de uma outra ilha, de tão forte que foi a investida.

Respirava rapidamente, o peito subindo e descendo em ritmo acelerado, boca aberta, lágrimas se camuflando no rosto já molhado. A dor era paralisante, agonizante, algum osso estava quebrado. Não sabia dizer qual, mas toda aquela dor só podia ser causada por um osso quebrado.

O chão embaixo dela rachou e quebrou. O demônio não dava nem um momeno de descanso para a menina. Rin então percebeu que a única razão para estar viva até aquele momento era porque a maioria das coisas que a atacavam geralmente gostavam se vê-la sofrer antes de realmente acabar com tudo, os montros pálidos, a fera voadora que solta ácido e até mesmo Len. E aquele não era diferente.

Ela caiu na água, junto com pedaços de terra e pedra da ilha, tingindo a água com marrom.

De tempos em tempos, pedaços de madeira e pedregulhos consideravelmente grandes se soltavam da besta e voavam na direção de Len. Ele não entendia por quê nenhum deles o machucava ou o faziam sangrar. Como sua mente não estava nas melhores condições de formular uma resposta, se conformou em dar o crédito para a sorte.

Tentava levantar-se o tempo todo, mas sempre que o fazia a cabeça parecia pesar duas toneladas e as costas arderem, e quando conseguia se pôr de pé, as pernas falhavam poucos segundos depois. Sentia a pele queimar, mas ainda assim estava morrendo de frio, os dentes batendo.

Parecia que a cabeça estava sendo martelada de tanta dor. Tentava não chorar, porque se o fizesse, doeria ainda mais. A água do mar já havia secado, mas suava tanto que as roupas e a pele continuavam molhadas.

Ele deveria estar parecendo um lixo.

Apertou o jackalope contra o peito. Sua visão turva e embaçada não permitia que visse muita coisa, mas ainda sim podia ver o demônio, podia ver Rin, e podia sentir e claramente, talvez até mais do que desejaria, o cheiro metálico de sangue.

E aquilo o estava destruindo. Era tudo culpa dele, já estava se sentindo mal na cidade. Poderia tê-la avisado e então esperariam até o dia seguinte. Ele poderia ter sido mais útil. Ele poderia tê-la protegido.

E agora era ela quem o estava protegendo, atraindo o demônio para qualquer outro lugar que não fosse perto dele.

Mas ela prometeu que iria voltar.

Ela prometeu.

Rin já nem conseguia nadar direito. Os golpes constantes do demônio somados com a dor de ossos quebrados (que ela deduziu que fossem algumas costelas) a paralizava por completo.

Todas as vezes que tentava chegar à esfera, era atacada mais violentamente ainda.

Em uma das investidas do monstro, porém, Rin conseguiu cravar o facão de Luka no olho esquerdo dele (os olhos eram as únicas coisas sólidas e sensíveis o suficiente para causar algum dano de verdade). E isso só foi possível porque ele aproximou a cabeça de cachorro, para atacar com os chifres de madeira.

O grande problema era que agora ela estava sendo esmagada pela pesada pata do demônio no fundo do mar. Novos cortes eram abertos, mas o que realmente torturava Rin era a pressão que estava sendo feita nas costelas quebradas. Sim, agora ele estava com raiva de verdade.

A visão da menina se encheu de pontinhos piscantes e as coisas ao seu redor pareciam menos reais. Se era uma consequência da dor que sentia ou da falta de sangue, não sabia. Se não fosse pelo colar, já teria morrido sem ar umas cem vezes.

Já havia largado o facão há muito tempo. Não havia nada que podia fazer presa debaixo d’água. Outros ossos eram quebrados, e ela agora ocupava seu tempo observando o sangue subir até lá em cima.

Então a pata do demônio finalmente moveu-se, e deixou que Rin boiasse até a superfície. Se ela não fizesse nada, iria morrer, precisava de alguma ideia. O que ela sabia sobre peixes ou coisas do tipo? Respiravam debaixo da água, cheiravam mal, eram pegajosos...

Nada daquilo ajudava. Vasculhou na mente algo que realmente seria útil.

Alguns tinham uma péssima visão. Por isso tubarões eram brancos em baixo e escuros em cima, para se confundirem com o plano de fundo. Então como aquela coisa a via? Como um casaco andante.

Tirou o casaco o mais lentamente possível, o que não foi difícil já que seus ossos reclamavam e doíam a cada movimento brusco. A água lá em baixo já voltava a se agitar quando Rin conseguiu tirar um dos lados.

Desesperou-se quando se deu conta de que o demônio iria mais uma vez tomar impulso para sair da água. Ele foi até o fundo de pedrinhas.

Não daria tempo.

Se posicionou da maneira correta.

Não daria tempo.

Olhou fixamente para cima.

Não daria tempo.

Rin, causando uma dor aguda no braço esquerdo, que talvez também estivesse quebrado, tirou o casaco depressa. A única coisa que segurava era o não livro. Deixou o casaco boiar sem rumo e, lentamente tentando não agitar a água ao seu redor, foi se afastando dele (porque se corresse estragaria todo o plano, e também porque não estava em condições de se mover muito).

Por sorte, o pouco que Rin conseguiu se distânciar com suas breves e lentas braçadas foi o suficiente para não ser levada junto quando a besta submergiu, envolvendo o casaco em um abraço mortal.

Acho que esses serão os minutos mais dolorosos da minha vida, pensou.

Com muito esforço pôs-se a nadar na direção do brilho lá do fundo. A sensação era de que seus braços seriam arrancados a cada braçada.

Àquela altura, o demônio já havia caído na água de novo, largado o casaco e descoberto a farsa, e o cheiro de sangue que vinha de Rin não lhe deixou dúvidas de onde estava.

Rin nadava o mais rápido que seu corpo permitia, e mesmo com a vantagem que teve, podia sertir a besta muito próxima dela, quase a perfurando com as garras de madeira.

Estava tão perto da esfera.

As garras roçaram em suas pernas.

Abriu o não livro na página certa.

As garras estavam quase fechadas ao seu redor.

Esticou os braços dolorosamente, com o objeto em mãos.

Quase fechadas.

Um casaco ensanguentado chegou até a beira da praia de cascalhos onde Len estava. Ele arrastou-se até lá e o tomou em mãos. Apertou contra o peito do mesmo modo que fez com o jackalope.

Seus olhos alternavam entre o mar e o conhecido casaco, com seu conhecido cheiro. Tentou mais uma vez se levantar, mas não conseguiu de novo. Socou o chão, mas estava tão fraco que isso nem fez o efeito que queria.

Rastejou até que a água batesse em seu rosto. Ele tinha que fazer alguma coisa, qualquer coisa.

Mas o silêncio foi cortado bom um som que não parecia nem de humano, nem de animal, desesperado, dolorido, agoniado. E foi com muito alívio que viu um lacinho preto sair da água e nadar claudicantemente até ele, galhos e algas marinhas boiando ao seu redor.

Rin também se jogou no chão, respirando rapidamente, não livro ainda em mãos. Tinha cortes e marcas roxas por todo o corpo, o braço, em um ângulo estranho. Uma bolinha de sangue se formou e estourou no canto de sua boca.

Era culpa dele.

Agora ele sabia que estava chorando de verdade, em vez de lacrimejando. Os soluços e a saliva salgada e grossa denunciavam tudo. Ele poderia ter avisado, ele poderia ter ajudado de algum modo.

- Não chore, Lenny – ela tentou chegar mais perto, mas não lhe restava nenhuma energia – Amanhã eu vou estar bem de novo.

Ele, que ainda tinha mais forças que ela, a tirou da água e deitou-se nos cascalhos mais secos. Até tentou olhar na mochila rosa em busca de remédios, mas não sabia o que era o que, e desistiu, frustrado.

A abraçou o mais delicadamente possível, para não machucá-la mais ainda. Mas não sabia controlar sua força, então a machucou de qualquer maneira. Rin não se importou com a dor nem com o suor, estava com frio e o calor da febre foi mais do que bem-vindo.

Sentiu o peito apertar ao escutar os soluços de Len. Beijou-lhe o nariz, porque não queria falar nada no momento. Ficou feliz ao ver que ele parou de chorar um pouco, então beijou um dos olhos, salgado pelas lágrimas.

- Eu vou estar bem amanhã – repetiu.

Len fungou e, para retribuir, beijou-lhe os lábios. Ela sorriu e lhe deu um último beijo na testa.

- Eu vou estar bem amanhã.

E os dois dormiram, ele com a cabeça latejando e tremendo, e ela dolorida e com cortes por todo o corpo.

Mas pelo o menos não estavam mais com tanto frio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Sim, eu shipo KaiMei, por favor não me matem!