As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 14 :D



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Capítulo 14

Aquele com o cemitério dos navios ou berçario dos monstros marinhos.

Já haviam se passado dois dias, e o pirata que Rin chamava de Big Al ainda não havia chegado. O trabalho de vigiar o Saco de Batatas e o Homem Cachecol cabia a Len enquanto Rin lutava com a Moça das Espadas Brilhantes.

Elas treinavam na cobertura do pequeno albergue no qual passaram as noites. A menina sempre voltava cansada e com marcas roxas por todo o corpo. Ele a perguntou por que continuava fazendo isso, se sempre acabava se machucando. E ela riu sem humor e respondeu que era melhor ser espancada por Meiko do que por um monstro qualquer.

O Saco de Batatas e o Homem Cachecol não pareciam mais estar tão desesperados para fugir depois que descobriram que receberiam comida todos os dias. Talvez eles só roubassem porque estavam com fome. Até se mostraram boas companhías, e bons contadores de piadas.

Quando não estava ocupada socando Rin, a Moça das Espadas Brilhantes era responsável pela vigilância dos dois. A única razão para Rin não ser obrigada a fazer o mesmo era que ela não serviria de intimidação para os ladrões, e eles provavelmente fugiriam.

Então, Len se encontrava sentado de pernas cruzadas no chão de madeira do porto, ouvindo Rin tocar sua caixa mágica que esticava. Era um som bonito e, somado com as goladas da bebida escura que achou na mala da morena, o deixava sonolento. Várias vezes se pegou quase caindo para frente ou para trás.

Rin havia colocado um pano no chão com umas poucas coisas em cima, para fazer parecer que um outro alguém as havia colocado ali. Próximo à manta, um papelzinho que ela lera para ele pouco antes de terminar de escrever; “Por favor me ajude. Preciso comprar armas para assaltar lojas e casas”.

Ele, tonto e com raciocínio lento graças à bebida, disse que ninguém lhe daria nada se pensassem que ela de fato faria aquilo. Rin riu e o puxou pela mão até um local com vários marinheiros e turistas, sem dizer mais nada.

As pessoas passavam, riam com a placa, alguns paravam, poucos deixavam alguma coisa. Um par de meias novas, um colar de plástico, um tomagotchi antigo mas funcionando, uma caneta que brilhava quando pressionada, entre outros.

– Para quem não ganharia nada, até que me saí bem, não acha? – sorriu a menina, recolhendo os objetos do chão, fazendo com que o pano servisse como saco.

Ele balançou a cabeça, se levantando, desequilibrado.

– São todos ladrões que querem que você assalte as lojas – explicou, como se fosse o fato mais obvio do mundo – assim eles poderão se unir a você, e roubar em conjunto.

– Quantas taças você bebeu? – Rin guardou a caixa mágica na mala – Meiko sabe que andou mexendo em suas coisas? Você sabe o que é vinho?

– Não lembro. Não. Agora sei.

– Sabia que é uma bebida alcoolica, que você está bêbado, que vai acordar de ressaca, que Meiko gosta dos vinhos bem fortes e que provavelmente vai te matar por ter bebido sem permissão?

– Ah... – ele ficou com preguiça de responder, por isso só tirou o saco da mão da menina, para poder segurá-la e não se perder.

Andavam devagar. Rin porque não tinha pressa, e Len porque não queria estar por perto quando a Moça das Espadas Brilhantes achasse a garrafa meio vazia. Ele perguntou quando ela tocaria a caixa mágica de novo, e ficou feliz quando ela respondeu que, se ele quisesse, poderia tocar ainda naquele dia. Rin também disse que o ensinaria a cuidar de um tomagotchi, mas ele disse que não queria limpar o cocô de um bichinho preso em um pedaço de plástico.

– Mas que coisa! Viagei pelos sete mares apenas para ouví-la tocar, e nem mesmo chego a tempo de fazê-lo!

Rin parou de caminhar, olhando para trás energeticamente. Um sorriso tomou conta de seu rosto ao ver uma moça de cabelos dourados com uma cicatriz no pescoço.

– Sweet Ann! Vocês chegaram! – Rin correu até ela, e foi envolvida em um abraço, mesmo que não tivesse a intenção de abraçar.

– Sim, chegamos – afirmou – Mas, posso saber como podemos ser úteis? Cansou da vida de viagens por terra e quer virar pirata, ou está a procura de algum tesouro?

– A segunda opção – informou.

Len se aproximou cautelosamente da Moça da Cicatriz, como sempre fazia quando chegava perto de estranhos, e puxou o casaco de Rin duas vezes. A loura o apresentou para a pirata, que lhe deu um aperto de mão, mesmo que fosse algo incomum para mulheres.

– Ele é uma graça. Já viajava com você antes ou o conheceu há pouco tempo?

– Sweet Ann – começou Rin – Se eu lhe contasse tudo o que fiz desde a última vez que nos encontramos, você jamais acreditaria. Mas, resumindo, eu fui para a livraria.

O sorriso de Sweet Ann sumiu tão rápido quanto surgiu.

– Sua tola!segurou os ombros da menina com força – Usei a maldita livraria como ponto de referência porque achava que você era sábia o suficiente para seguir meu conselho! Parece que me enganei! Ah, pelos deuses e pelo palácio! Você se meteu em problemas, não foi?! O velho louco colocou ideias em sua cabeça, não?!

Ela passou as mãos nos cabelos e massageou as têmporas, andando de um lado para o outro. Rin esperou que a pirata se acalmasse para falar alguma coisa.

– Sim, eu me meti em mais problemas em algumas semanas do que na vida inteira – confirmou – Mas, neste exato momento, estou tentando pôr um fim neles. E, para isso, preciso da ajuda não só de Big Al, mas a sua, de Oliver e de todos os seus marinheiros – olhou nos olhos da mulher mais velha – Queremos chegar até o Vingança de Anne, e provavelmente ninguém mais estará disposto a nos levar até lá. Por favor, tenho a incómoda impressão de que isso faz parte de algo muito maior. E que envolve não só à mim ou você, mas a tudo o que vive e respira.

A pirata massageou a testa com mais força ainda, olhos fechados, uma careta formada.

– Muito bem, se é tão importante assim... – Sweet Ann respondeu vários segundos depois, com um suspiro – É tarde, encontre-nos no nosso barco ao nascer do sol. Vamos ver o que podemos fazer. Mas vou avisando que o Vingança de Anne é perigoso. É melhor que você reflita sobre se quer realmente ir até ele.

Rin assentiu, alíviada. Não queria prolongar a discussão com a pirata por muito tempo, Len estava tonto e certamente queria dormir um pouco.

– E, Casaco Marrom – continuou a mulher, já parecendo pequenina devido a distância –, Big Al deu sua palavra de que a ajudaria, mas não obrigarei Oliver à fazer nada disso! Se ele achar que essa ideia é um absurdo, não conte com sua participação em seus planos!

A menina observou a pirata sumir de vista. Sem dizer mais nada.

– “Casaco Marrom”... ela não está feliz....

– Ela disse que eu sou uma graça – Len a puxou levemente pela mão, querendo chegar logo à instalagem.

Rin soltou um pouco de ar pela boca, em uma fraca risada, e fez uma nota mental para não deixar Len beber nunca mais.

. . .

– Então o tal pirata finalmente está aqui? – Meiko enfiou suas coisas de volta na mala com pressa – Podemos deixar esse quarto deplorável de uma vez por todas? – deu uma última olhada no quarto sem decoração, sem curtinas, cheio de insetos e sem banheiro.

– Ah, pelo o visto alguém não está acostumado com a vida dura – riu Kaito – Seu problema é que você é muito burguesa.

– E pelo o visto alguém está com uma vontade incontrolável de cavar a própria cova! – a morena não estava de bom humor, devido ao incidente do vinho, e as constantes brincadeiras de Kaito direcionadas sempre à ela não eram bem-vindas. Na verdade, ele era tão irritate que Meiko percebeu que estava com mais raiva dele do que do próprio Len.

Ela amarrou os pulsos dos prisioneiros (prendeu os pulsos do azulado com muito mais força do que os da irmã) e, seguindo Rin, se dirigiram ao porto.

– E então, como vai a cabeça? – Rin caminhava ao lado de Len, como de costume. Felizmente ele não havia bebido o suficiente para acordar incapacitado, mas aquilo não significava que ele estava em seu potêncial total.

– Já esteve melhor – confirmou.

– Pelo o menos você se lembra do que aconteceu ontem.

– E dá para esquecer?

– O álcool é capaz de tudo. Você não deveria beber tanto. E se eu precisasse de você? – certo, ele não estava tão bêbado assim. Mas com a coordenação motora e os reflexos lentos daquele jeito, até mesmo um humano normal, se estivesse bem armado, poderia tê-lo matado.

– Eu não sabia que ia ficar assim – se defendeu, tristonho. E, mesmo que estivesse certa, a menina se sentiu culpada.

– Ei, não fique triste. Quem sou eu para lhe passar um sermão, afinal?

Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, um homem barbado de casaco vermelho acompanhado de um rapaz com ataduras no olho se aproximaram, correndo. Len estava prestes a pular nos dois, mas Rin o impediu.

– Puxa, vejo que você formou um bando e tanto! – Big Al exclamou, sua voz forte ecoou por todo o porto.

– Bem – riu Rin – dois deles estão conosco contra a vontade.

– Vão servir de isca para as feras – Meiko empurrou Miku e Kaito para frente – Bem, pelo o menos essa era a ideia inicial. Mas se o senhor precisar de alguém para limpar os banheiros...

Miku fitou a morena, desespero evidente em seu olhar enquanto era empurrada para frente. Meiko riu da expressão da menina.

– Tudo bem, como eu gosto mais de você, só o seu irmão vai lavar os banheiros.

Por mais que ainda fosse sentir pena de Kaito, a informação a acalmou um pouco.

– Minha mãe não está com tanta raiva de você – Oliver chutava uma latinha esquecida no porto enquanto andava –, ela só é um pouco desconfiada, entende? Acha que você trará má sorte para nós, agora que você entrou na livraria. Nunca gostou do dono.

– Bem, não podemos culpá-la de achar isso – Meiko apontou para uma cicatriz na testa que obteve na primeira luta com o encapado, recebendo uma cotovelada de Rin.

– Não se esqueça de que eu libertei Len e a princesa Tei – resmungou.

– Não importa – Big Al coçou a barba que não teve tempo de aparar – ela já está calma de novo. Então, o Vingança de Anne, é? Não achava que alguém como você seria amante de perigos e aventuras.

– E não sou – a menina garantiu –, estava satisfeita com minha vida pacata, pulando de cidade em cidade sem um objetivo. Mas se o destino quer fazer de mim uma aventureira, ou até mesmo uma guerreira, quem sou eu para discordar?

O grande barco de Big Al logo foi avistado. Suas velas vermelhas já preparadas, a tripulação já disposta, apesar de a manhã mal ter começado.

O grupo se acomodou nos barris, do mesmo modo que Rin o fez na primeira vez que subiu a bordo do barco. Alguns tripulantes que a reconheceram acenavam com a mão. Outros apenas encaravam, perguntando-se onde já a haviam visto.

– Acho que vocês já podem nos soltar – Miku quebrou o silêncio vários minutos depois, o barco, já em alto mar – não tem como escaparmos nadando, não é mesmo? A ilha já está muito distante.

Meiko bufou, mas desatou o nó dos pulsos dos prisioneiros.

– Mas nem pensem em sair do nosso lado!

Len olhou para a água salgada por um momento, uma pergunta se formando aos poucos.

– Rin, como vamos chegar até o barco no fundo do mar, se não respiramos debaixo d’água?

Meiko encarou a menina. Ela também não havia pensado naquilo mas, a julgar pelo sorriso de Rin, imaginava que a loura já teria encontrado uma solução para o problema.

– Por que estão me encarando? – questionou – Achavam que eu deixaria esse detalhe passar? – retirou da mala cinco colares, cada um com uma pedrinha azul como pingente.

– Sim, colares! – Meiko examinou um deles nas mãos – Pena que não trouxe meus brincos, assim meu cadáver ficaria ainda mais elegante!

– Ria o quanto quiser – Rin cruzou os braços –, mas esses colares permitem que fiquemos debaixo d’água por cerca de vinte minutos. Depois é só voltar para a superficie e, se quiser, mergulhar de novo. Muito legal, não? Comprei na mesma loja do bilhete dourado.

– Por que, em nome de todos os deuses, você trouxe cinco colares?! – Miku segurava na borda do barco com tanta força que machucava suas mãos – Ou melhor, por que vocês querem chegar até esse barco amaldiçoado?!

Mas a esverdeada não recebeu uma resposta. A forte e conhecida voz de Big Al superou a de Rin, que iria responder. O pirata a chamava, se era urgente ou não, era impossível descobrir por meio de seu tom.

– Você tem alguma ideia da localização exata do navio? – perguntou Big Al, antes mesmo de a menina se aproximar. Suas mãos estavam completamente ocupadas com mapas.

– Eu esperava que você soubesse... – a voz da menina saiu fraca e preocupada. Ela o ajudou, tirando de seus braços um bocado de mapas.

– Eu até posso saber a onde fica a área próxima – ele fez uma careta – mas, para saber onde está o barco de fato, só nos resta esperar sermos atacados pelas bestas marinhas.

Rin forçou uma risada, acreditando que o comentário fosse uma piada, mas quando olhou para Oliver, não muito longe dali, com o cenho franzido de preocupação, soube que talvez o pirata não estivesse exagerando daquela vez.

. . .

Kaito estava sentado no chão do barco, as costas apoiadas no mastro, a cabeça de Miku apoiada em seu ombro. Não sabia se haviam se passado horas, minutos ou segundos desde que abandonaram a ilha.

– Você acha mesmo que eles vão nos usar como distração para os monstros? – a irmã mais nova brincava com o próprio cabelo, em um misto de tédio e tristesa – Eu não quero morrer assim, Kaito.

– Claro que não – garantiu – Eles só nos trouxeram porque, depois que terminarem sabe-se lá o que precisam fazer aqui, vão pensar no que farão conosco. Mas não acho que querem nos matar.

– Então por que Rin trouxe dois colares a mais com ela?

Ele mordeu os lábios, sem saber o que dizer.

– Para caso de ela perder algum – a resposta saiu mais como uma pergunta do que como resposta.

– Não devíamos tê-los roubado, não é mesmo? – ela riu secamente.

– Não, mesmo. Mas ficaremos bem, você vai ver. Eu acho até que eles gostam da gente.

– Talvez Len e Rin, mas do jeito que você irrita Meiko, ela nunca vai nos deixar ir sem pagar – a esverdeada lançou um olhar acusador para Kaito.

Mas ele não prestou atenção no último comentário da irmã. Parecia que alguma coisa havia roçado no casco do barco, de leve, mas o suficiente para causar um leve balançar.

E mais uma vez...

E outra...

E outra...

– Tem alguma coisa embaixo do barco – susurrou.

E, como e apenas esperando alguém comentar, a coisa mais pavorosa que ele vira na vida saiu da água como um canhão. Ele não sabia ao certo qual era o comprimento do monstro, pois parte de seu corpo permaneceu submersa. Mas a cabeça era meio redonda, esverdeada, com três pares de olhos pequeninos e escuros, que refletiam a luz.

A boca não era grande, mas era bastante larga, os dentes também eram curtos a afiados. Espinhos (ou talvez escamas pontudas) cobriam todo seu corpo. Pequenas e gorduchas patinhas se prenderam no casco do barco.

O peixe gigante abocanhou parte do navio, levanto consigo um marinheiro que não teve tempo de fugir e, tão rápido quanto saiu da água, retornou para as profundesas.

– Acho que estamos chegando perto – Big Al examinou o buraco, com Rin logo ao lado – Segure firme essa lança. Vai precisar dela.

Len se posicionou próximo de Rin, alerta, pupílas tão retraídas que pareciam apenas dois pontinhos quase imperceptíveis nas íris completamente azuis. Lábios repuxados, mostrando os dentes.

Mais uma vez foi sentido algo encostando no casco, mas agora parecia que havia mais um. Um esbarrava na parte da frente, e o outro, atrás, fazendo a embarcação girar lentamente.

Rin colou um dos colares no pescoço, entregou um para Len e Meiko, e pediu para a morena dar os dois restantes para Miku e Kaito. Se eles eram realmente bons em roubar as coisas, estava hora de mostrar.

O próximo golpe não foi tão suave quanto o último, o solavanco fez a maioria dos marujos caírem, e quando todos se colocaram de pé, uma nova investida os derrubou.

Rin se agarrou no mastro, ao lado de Meiko e Len. O Saco de Batatas e Kaito não estavam em seu campo de visão, mas ela não estava prestando atenção àquilo na hora.

O navio agora estava sendo atirado de um lado para o outro, ameaçando virar e lançar todos para o mar. Estava claro que os autores do problema eram mais de uma criatura, que arremessavam a embarcação umas para as outras. Os canhões se mostraram inúteis com alvos tão rápidos quanto as feras.

Até que chegou um momento em que o golpe fora tão violento que o barco realmente pareceu que iria tombar para o lado. Rin teria escorregado para fora do barco se não estivesse agarrada ao mastro com toda a força.

Não adiantaria nada ficar parado em um navio prestes a ser destruído. Ela tinha que fazer alguma coisa. Se os monstros estavam por perto, o Vingança de Anne também estaria. Teria que reunir coragem e pular na mar, para investigar de perto.

A menina, com certa dificuldade, tirou as botas sem usar as mãos. Respirou fundo e apertou ainda mais o cabo da lança. Afroxou o aperto no mastro e deslizou rápidamente até a borda do barco, onde pegou impulso e pulou na água fria.

Nem aguardou o choque da mudança de temperatura passar, abriu os olhos e pôs-se a nadar para longe, o mais rápido possível, procurando qualquer sinal do barco.

Mas a surpresa que a dominou assim que abriu sua visão se ajustou foi tão forte que ela se esqueceu de nadar por um momento.

Lá no fundo do mar, encalhados na areia, milhares e milhares de navios de todas as épocas e tamanhos. Todos com buracos de mordidas nos cascos, sem nenhum esqueleto por perto.

Como Rin encontraria o barco certo no meio de tantos outros? Era como procurar agulha... em um agulheiro.

Mas um vulto se aproximando rapidamente lhe tirou de seus pensamentos. Ele vinha do cemitério dos navios. Era um tanto largo e longo. Rin só percebeu que era um inimigo quando a coisa abriu a boca cheia de dentes. Ele parecia uma miniatura dos peixes que atacaram o barco primeiro, com suas patinhas gordas e calda musculosa, para dar impulso.

Rin tentou se afastar, mas era lenta demais na água comparado com um nadador de nascença. O peixe era tão rápido que ela mal teve tempo de vê-lo virando de lado e fechando os dentes ao seu redor, nas costas e estômago.

Ela urrou de dor, mas na água ninguém a escutaria. Com sua visão turva, viu o sangue subindo diante de seus olhos, como fumaça vermelha líquida. Quanto mais a mandíbula se fechava, mais sangue subia.

Mas sua mente atordoada recuperou-se e a lembrou de que segurava uma lança. Cravou a arma brilhante nas costas do bicho, no único ponto onde não tinha carapaça. Ele sibilou, mas não afroxou o aperto.

Não importava quanta força ela colocasse na arma, a mordida só ficava mais forte. Rin gritou mais uma vez, desesperada, bolhas saindo se sua boca e nariz.

Alguma coisa afundou na água ao seu lado, e logo ela reconheceu Len, que se engalfinhou com o peixe, mordendo-lhe a cabeça, quebrando a carapaça.

Foi com muito alívio que a menina sentiu a mordida cessar. Alguém lhe puxou para a superfície novamente. Esse alguém era Meiko.

– Você é tão tola que nós deveríamos tê-la deixado ser morta! – sensurou.

Os peixes gigantes ainda brincavam com o navio de Big All, mas novas mordidas podiam ser vistas. A menina esperva que ninguém que conhecia tivesse sido devorado.

– Tem milhares de navios afundados lá em baixo – disse, ofegante, assim que o rapaz emergiu também – Não há como saber qual é o Vingança de Anne.

– Acho que temos problemas muito maiores do que esse agora! – exclamou Meiko, quando sentiu algo raspar em sua perna.

Ao redor deles, formando um círculo ameaçador, havia dezenas de monstros iguais aos que atacaram Rin havia pouco tempo. O trio se juntou ainda mais. Se a loura não morresse devorada pelos peixes, morreria esmagada pelo aperto de Len.

– Acho que invadimos o local onde eles cuidam dos filhotes – murmurou Meiko, observando a semelhança nos monstros pequenos e grandes – Estão defendendo as crias.

– Eu acho que elas não precisam de proteção – disse Rin, meio sufocada pelo rapaz.

Como se a situação já não fosse ruim o suficiente, os quatro peixes grandes se juntaram aos filhotes, abandonando sua diversão. Eles eram muito, muito maiores que os pequenos e, provavelmente não estavam interessados em comer as presas, mas, sim, intimidá-los ainda mais, para que não tentassem nada.

Meiko nem se preocupou em desembaiar as espadas. Era impossível lutar com lâminas no mar, ficava muito lento e a água desviava o corte. Len não poderia lutar contra todos ao mesmo tempo. Mordeu os lábios, as coisas não estavam indo bem.

Uma dor paralizante se espalhou de sua perna para o resto do corpo. Foi puxada para baixo d’água, sendo submetida a muitas outras mordidas. A vez dos dois louros de serem afundados não tardou a chegar.

Os monstros eram do tipo que mordiam e não soltavam, como Rin já havia percebido e, mesmo que Len fosse forte, bastou alguns peixes a mais para ser controlado também.

O sangue dos três se misturou e foi até a superfície. Meiko cerrou os punhos, não lembrava de ter sentido tanta dor em toda sua vida. Nem na luta que travou na cadeia.

Se sentia horrível. Não acreditava que morreria assim, como uma presa. Não acreditava que deixaria Rin e Len morrerem assim. Maldição, ela era responsável por eles, deveria ter pelo o menos ter encontrado um modo de deixá-los escapar.

Achava que os monstros puxariam seus membros até arrancá-los mas, quando os três já não estavam mais suportando a dor, as feras se soltaram e se afastaram, deixando que boiassem.

O que estavam fazendo?

A roda foi refeita, mas eles não os circulavam como antes, em vez disso se aglomeravam e se aproximavam. Talvez fossem repartir o café da manhã, talvez fosse alguma espécie de ritual, não tinha como saber.

Àquela altura, os três já haviam aceitado o fato de que iriam morrer de uma das formas mais desagradáveis de todas; desmembrados e devorados. Até mesmo Len tinha desistido de se debater.

Meiko fechou os olhos e murmurou uma reza para os deuses. Por mais que eles não pudessem ajudá-los agora, poderiam pelo o menos tornar a morte menos dolorosa.

Os monstros sibilaram e deram o bote final.

O trio esperou por dor e sangue, porém alguma estava paralizando as feras, deixando-as mais lentas, como se estivessem tendo dificuldades para se mover. Gelo se formou entre suas escamas, e depois entre uma carapaça e outra, e então nas nadadeiras.

A água ao redor deles também congelava e pouco tempo depois os peixes, incluíndo os gigantes, foram reduzidos a grandes pedras de gelo.

Rin, confusa e atordoada, olhou ao redor, e avistou Kaito ao longe, fora do barco, pálido e respirando pesadamente, como se tivesse acabado de escalar uma montanha com os pés atados.

Miku nadou até o azulado, colocando seu braço em seus ombros. Todos os marujos no barco olhavam boquiabertos para o ladrão, olhos quase saltando das orbitas.

– Saiam logo daí! – gritou a ladra – O gelo derreterá logo!

Rin e Len obedeceram, ignorando o ardor causado pela a água salgada nos machucados. Meiko permaneceu imóvel por um tempo, senho franzido, mas logo fez o mesmo.

– D-de n-ada – baubuciou Kaito, quase sem conseguir falar.

Antes de que qualquer um pudesse responder, seus olhos rolaram para trás e ele desmaiou. Miku quase afundou com o peso, agora que o irmão não nadava, mas Len passou seu outro braço nos ombros, auxiliando-a, mesmo que ele próprio não fosse o melhor nadador do mundo.

– Levem-no para o barco – Meiko olhou para o oceano cheio de navios – Rin e eu procuraremos o Vingança de Anne.

As duas mergulharam sem esperar resposta, ignorando os machucados. Foram atém os barcos no fundo. Tantas criaturas marinhas fixaram suas casinhas nas paredes dos navios que ficava impossível ler o nome das embarcações.

Mas, próximo e dentro dos navios, encontraram centenas de ovos dos peixes gigantes. Eram molengas e transparentes, e alguns estavam tão perto de rachar que a fera já nadava dentro dos ovos. Outra coisa assustadora era que, nos menores, podia-se ver quatro ou cinco filhotes, enquanto nos perto de eclodir, havia apenas um.

Canibalismo entre irmãos. Adorável.

Meiko fez questão de quebrar a maior quantidade de ovos possível. Por sorte a carapaça dos não-nascidos era mole e frágil.

Era por isso que todos os barcos encalhavam nessa área. Era o berçario dos peixes gigantes, que protegiam sua cria e usavam os navios como encubadoras.

Fora isso, não havia nem sinal do Vingança de Anne, e o oxigênio de Rin e Meiko acabaria logo. Mas a menina decidiu olhar dentro de um último barco, que achava que poderia ser o procurado.

Ele era de madeira, e estava parcialmente enterrado na areia, em uma depressão no fundo do mar. Parecia mais um em meio a outros milhões de barcos, mas, pintada no casco, uma letra “A” grande e quase ilegível de tão desgastada e coberta por um tipo de musgo verde o diferenciava.

Rin passou a palma da mão pela sujeira, mas não foi o suficiente, então usou as unhas. Ela nem esperou muito, quando as letras revelaram “A Vingan”, já foi entrando pelo enorme buraco no casco.

A lança iluminava seu caminho. Os objetos dentro do navio se encontravam ou meio boiando ou presos no chão. Mas ela não avistou nenhum baú de tesouro com ouro e diamântes dentro. Será que tinha vindo para o lugar errado? Tudo o que passaram foi para nada?

Já começava a sentir a necessidade de ar. Teria que ir para a superfície logo. Mas antes entrou no último cômodo da embarcação. Era o escritório do capitão. Nenhum tesouro avistado.

Isso antes de Rin olhar para cima. Apenas conteu o grito de terror porque com isso desperdiçaria o pouco de ar que lhe restava. Boiando e encostado no teto, estava o que restava do capitão. O esqueleto estava agarrado à um antigo baú.

Só pode ser isso, pensou, feliz, Mas é tão leve... O que há dentro do baú?

Mas como seria tolice abrir o tesouro dentro d’água, Rin cuidadosamente retitou dos braços do esqueleto, tentando ao máximo possível respeitar o morto.

Pelo palácio, o não livro está me transformando em uma ladra de túmulos! Espero que, quando eu morrer, os deuses considerem o meu lado da história e me mandem para as terras sagradas do mesmo jeito!

Não foi difícil chegar até a superfície. O baú não pesava. Meiko já estava se preparando para mergulhar de novo e ir à sua procura.

Juntas, levaram o tesouro até o navio de Big Al.

– Nada mal – Sweet Ann falou com a menina pela primeira vez no dia inteiro, enquanto ajudava Meiko a subir no barco – Você não é tão azarada quanto pensei que fosse. Até encontrou o tesouro do Vingança de Anne!

Rin lhe sorriu, apesar de Kaito ter sido o verdadeiro herói daquele dia. Quando sua mão tocou a da pirata, o som de gelo se partindo preencheu o ar.

Ela segurou o bau com toda a força que tinha. O mar se agitou ao redor da menina e ela mal teve tempo de absorver tudo.

Viu Len gritando e pulando para fora do barco em sua direção. Viu uma sombra gigante se formando ao seu redor. Viu um monstro gigante saltando acima de sua cabeça, boca aberta. Se viu tentando fugir, mas ainda assim sendo atingida pelas ondas formadas pelo impacto, sem nenhuma noção do que era fundo do mar e do que era superfície. Viu um pedaço de madeira, ou do barco ou do próprio baú bater em sua cabeça. Viu vermelho.

E não viu mais nada.


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Notas finais do capítulo

Não, Sweet Ann, você está errada. A Rin é azarada, sim.



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