A dor de saber agora que sempre existiu uma família tão perto de mim, a minha família e não saber que eu a tinha, era insuportável. Eu me sentia como um vidro frágil que acabou de levar uma pedrada e se estilhaçou.

Eu tentava pegar cada um dos cacos e me reerguer, mas a cada descoberta dentro daquela sala eu me quebrava de novo. E isso parecia que não ia passar nunca. Então eu vi uma rédia antiga em um canto, era uma rédia do Rocinante, cheguei mais perto e a peguei, então do lado dela havia outro bilhete:

"O garoto dos estábulos, eu não poderia deixar de me lembrar dele. Daniel, agora eu consigo enxergar o quanto eu gostava daquele garoto. Ele teria sido a melhor coisa para Regina. Ele era realmente alguém especial e só ele conseguia colocar um sorriso sincero no rosto de Regina, mas a minha maldita sede de poder, que agora não cabia mais a mim e eu tentara passar para minha filha, essa maldita sede de poder me cegou. Ah, se Regina soubesse que a cada vez que eu o xingava meu coração se apertava, se ela soubesse que a cada vez que ele partia eu tinha vontade de chorar, se ela soubesse que a cada vez que eu ficava sozinha eu sorria me lembrando dele, deles juntos. Eu já me arrependi de muita coisa que fiz na vida, mas com certeza o meu maior arrependimento foi ter arrancado o coração dele. Ah, e como eu me arrependo disso. Eu jamais queria ter matado Daniel, eu jamais queria ter impedido eles de ficarem juntos. A minha real vontade era de dizer que eu desejava a eles toda a felicidade do mundo. Quando eu cheguei na porta daquele estábulo e vi Regina pronta pra fugir com ele, meu coração se apertou e o meu interior gritava: "Deixe eles irem.", mas infelizmente não foi esse interior que predominou, e sim o meu lado negro que eu lutava pra não deixar crescer. Mas agora tudo o que me resta é lamentar pelo que eu não fiz, pelo o que eu fiz e pelo que eu não vou poder mais fazer. Ah, Daniel, onde quer que você esteja, eu realmente espero que você me perdoe. Tudo o que eu queria era poder ver você e a minha filha sorrindo juntos de novo."

Eu quase não consegui terminar de ler o texto, por causa da minha respiração que parecia me sufocar, pelas lágrimas que já não me deixavam mais enxergar direito, pelo meu peito que doía tanto a ponto de me fazer perder os sentidos.

Eu poderia sentir dor maior que esta ? Os bilhetes que eu li antes me atingiram de uma maneira muito forte, mas quando ela falou de Daniel, isso atingiu uma intensidade enorme, impossível de por em palavras.

Ela não queria ter matado ele, ela queria nos ver juntos, mas não, esse maldito poder que ela queria, e que agora eu cobiçava mais do que tudo, ele a cegou, ele me cegou, ele nos cegou. Se não fosse pelo poder, pela vingança, pela mágoa, eu teria Daniel e a minha vida não seria essa escuridão que é hoje. Eu teria ele, meu pai, e eu teria minha mãe.

Meu peito se explodiu em dor, mas dessa vez foi mais forte do que as outras vezes, dessa vez ela mexeu no que tinha de mais importante em minha vida. E eu não sabia se a dor era grande por causa da mágoa dela ter o matado e me escondido os seus sentimentos, ou se era por causa de agora saber a verdade e não tê-la mais aqui. E não tê-los mais aqui.