Então minha mãe amava o seu pai, eu não sabia nada sobre meus avós, mas agora que eu li isso reparei no quanto nossas vidas se pareciam. Eu também cresci sem uma mãe, sem ela, e a coisa que eu mais amava era meu pai, assim como ela amava meu avô. 

Meu peito se apertou mais, se é que isso era possível. A dor de perder o meu pai, a dor de tirar a vida dele foi a pior dor que eu já senti. É um vazio imenso que continua dentro de mim, um vazio que nada poderá preencher. E imaginar que ela um dia também sentiu isso, era horrível.

Continuei caminhando por entre os objetos daquela sala, então eu vi em cima de uma mesa um relógio, dourado e brilhante. Um relógio de bolso e ao lado dele outro bilhete dela:

"Esse era o relógio de bolso de Henry, meu marido. Eu acho que nunca disse isso a ele, nunca disse isso a ninguém, mas ele foi a melhor coisa que me aconteceu naquele baile. Eu me casei sem amá-lo, mas ele sempre foi tão atencioso, tão carinhoso comigo e seria impossível não se apaixonar por ele. E eu me apaixonei. Me apaixonei como nunca. Mas tantas coisas aconteceram em minha vida, em nossas vidas, coisas que não me deixaram ter a oportunidade de dizer a ele que eu o amava. Muitas vezes neguei a ele meu abraço, meu beijo, meu amor, mas tudo isso era por medo, por medo dele descobrir um dia quem eu realmente era, ou quem eu me tornei. Seria insuportável vê-lo sofrer, seria insuportável perdê-lo, assim como foi quando eu o perdi. Talvez não da maneira óbvia, mas eu o perdi quando me neguei a dar-lhe todo o amor que eu sentia. Se eu pudesse voltar atrás, eu não teria feito tais escolhas, porque a única escolha que eu realmente queria ter feito, era a de viver com ele para sempre. Mas, se arrepender não adianta mais, não agora que ele já se foi. Se você pudesse saber meu amor, se você pudesse me ouvir, queria te falar que eu te amei, te amei demais como nunca amei alguém antes."

Ao terminar de ler senti um arrepio dentro de mim, um arrepio de alegria, uma alegria que eu queria ter sentido no passado. Ela realmente amava o meu pai, e se ela tivesse me deixado saber disso, se ela tivesse dito isso a ele, nós talvez poderíamos ter sido uma família, uma família que agora eu já havia perdido para sempre. Depois de ler esse bilhete, que foi tudo o que eu sempre quis ouvir dela, meu coração pareceu doer, no fundo, em um lugar que sempre esteve trancado dentro de mim. O lugar que deveria um dia ter pertencido ao que eu chamava de família, mas que nunca tive.