As lágrimas que turvaram minha visão, agora pareciam se acalmar de novo, pois meu peito se aqueceu com aquelas suas palavras sobre o espelho. E por causa de todas os outros bilhetes e objetos que ali eu encontrei.

Como ela foi sensível a cada palavra colocada no papel, a cada objeto que ela resgatou e guardou com tanto cuidado, até objetos que um dia a fizeram sofrer. Por isso eu tive nesse momento a certeza de que minha mãe era uma mulher forte, que suportava tudo de pé. Como eu me orgulho dela agora, e por isso não tenho mais medo de dizer que eu quero ser igual ela. Porque eu quero, e é isso que farei.

Mas algo ainda me deixava inquieta. Ela havia me citado em uma linha ou outra de seus bilhetes, mas ela ainda não havia falado de mim, e parecia não ter mais objetos a serem descobertos. Será que ela havia me esquecido ? Será que ela não quis me citar por medo de eu não alcançar seus objetos ? Será que eu fui uma decepção ? E o que mais me doía era pensar que talvez, nem mesmo ali naquele lugar onde ela escondeu todos os seus sentimentos, eu pudesse encontrar algo em que ela me dissesse: "Eu te amo !" Porque era isso que meu peito precisava ouvir, ou nessas condições ler, porque foi isso que eu sempre desejei, que minha mãe me amasse, e eu queria poder saber disso, que isso era verdade, porque eu sentia que era.

Eu sentia, mas não só por causa de todas essas descobertas, eu sabia que ela me amava por causa de seu olhar. Por mais vazio e negro que ele fosse na maioria das vezes, hoje eu consegui entender que aquele vazio que eu encontrava nele, era de dor, tristeza, e porque não de amor ? Eu precisava saber disso. Então percebi que atrás do espelho havia uma outra porta menor, em meio a escuridão e por causa disso quase que não a vi.

Me aproximei dela e percebi que haviam desenhos como os da outra porta, mas ao invés de um pequeno coração no centro dela como havia na outra, nessa tinha um enorme coração vermelho e ele ás vezes parecia brilhar. Em volta desse coração havia algo escrito:

"O que eu tenho de mais íntimo e precioso. Meu coração podia não bater mais dentro de meu peito, mas ele bate aqui, por uma única causa, a que me move a continuar vivendo. Ela está segura aqui dentro dele !"

O que estaria seguro dentro daquela porta ? Dentro daquele Coração de Cora ? Então eu a abri e entrei. Assim que a fechei atrás de mim, percebi que era um sala minúscula mas aconchegante, como colo de mãe imaginei, afinal eu nunca soube como era um colo de mãe.

Aos poucos fui identificando os objetos que ali estavam, eram todos objetos que se remetiam a mim, a minha infância, minha juventude, minha vida. Havia ali algumas das minhas roupas de bebê, brinquedos que eu nem me lembrava mais, minhas roupas de equitação, coisas do Rocinante, presentes que eu ganhei de meu pai e alguns que eu dei a ela quando ainda era uma criança. Coisas que me traziam tantas lembranças, mas em especial, a lembrança dela.

Meu peito se apertava a cada roupinha, objeto, a cada sentimento que eles provocavam em mim. E agora eu voltara a chorar e nem me preocuparia em tentar parar, pois as lágrimas voltariam uma hora ou outra. Então no final da pequena sala havia em cima de uma mesinha uma carta, era uma carta pois era maior que os outros bilhetes que eu havia encontrado. Ela estava dobrada e em uma das partes eu li: "Para minha filha, Regina." Então eu percebi que ela havia reservado aquela sala para falar de mim. E respirando fundo, abri a carta.