Eu não sabia muito bem a quanto tempo eu estava ali dentro daquela sala, mas eu sabia que era tempo o suficiente pra me fazer repensar toda a minha vida, e o meu futuro daqui pra frente.

Eu olhei a minha volta e parecia que não haviam mais objetos a serem descobertos, ou estavam bem escondidos, secretos. E eu não sabia se eu queria mais descobertas ou não. Eu sabia que eu queria uma coisa, minha mãe, mas essa eu não poderia mais ter.

Então no final da sala, havia um cortina cobrindo alguma coisa. Me aproximei dela, e puxei o pano para o lado. Meu coração deu um salto, ele parecia querer sair. Ali, escondido, estava aquele espelho. Espelho que eu sempre chamei de maldito em toda a minha vida.

A moldura continuava a mesma, mas o vidro, que no passado se quebrou assim que eu joguei minha mãe dentro dele, estava colocado, pedaço por pedaço, mas davam para se ver as rachaduras ligando as partes. Imaginei que meu coração deveria estar assim naquele momento, cheio de rachaduras, e eram elas que ligavam cada uma das minha partes me mantendo assim viva naquele momento.

E então havia um bilhete preso no espelho. Me surpreendi por encontrá-lo ali, justo naquele espelho. Mas mesmo assim o li:

"Se eu disser que me não me dói olhar esse espelho, estarei mentindo. Me dói sim, e muito. Mas ao mesmo tempo, essa dor não só me machuca, ela me liberta. Eu não sabia que era isso que me esperava naquela noite. Ser lançada para dentro desse espelho, para um lugar fechado, por ela, pelas mãos de minha filha. Naquela noite meu peito alternava entre doer e se aquecer. Durante o dia todo ele doeu, pois eu sabia que estava entregando minha filha para um homem que ela não amava. Eu realmente não queria ter que fazer isso, mas eu precisava. Naquele momento eu precisava. Mas meu peito parou de doer por um tempo quando eu entrei no quarto dela, e a vi vestida de noiva. Como ela estava linda, como eu desejei poder ver alegria em seu rosto. Mas não, em seu semblante só havia dor, tristeza, magoa. E eu sabia que essa magoa era de mim, por eu ter acabado com o seu amor, por eu estar a forçando a se tornar Rainha se casando com alguém que ela não amava. Ah, mas se eu pudesse dizer a ela que quem estava agindo com as minhas mãos em todos esses momentos não era eu e sim meu lado negro. Lado esse que ela provou pela primeira vez naquela noite, com esse espelho, comigo. E é por isso que eu não a culpo, jamais. Ela queria tirar de sua vida a pessoa que estava acabando com ela, mas ela não deveria ter se entregado a escuridão para fazer isso. Eu imagino o quanto doeu pra ela ter que acabar com a sua mãe naquele momento, e é por isso que eu entendo o porque de ela ter usado a magia negra, porque ela a confortou. Maldita magia negra, que disfarça sua maldade confortando os corações de quem a usa. Mas é um conforto tão negro, tão superficial, tão mal. Uma vez experimentado, é como se passasse a fazer parte de nós, mas não faz. Não faz. E nós só percebemos isso quando encontramos um conforto maior ainda, o conforto que se chama amor. E eu tinha esse conforto maior, sempre tive, mas eu precisei deixá-lo de lado, para que um dia a minha filha o descubra. E a melhor maneira de se fazer isso, é deixando ela sentir um pouquinho desse conforto negro, porque quando ela encontrar o outro, a luz, ela perceberá o quanto errou. E eu tenho certeza de que ela encontrará esse conforto do bem, eu tenho certeza, se não jamais a deixaria ser possuída pelo mal. Jamais. A única que eu deixei ser possuída pelo mal, fui eu mesma. Mas eu tive minha vitória, pois eu o enganei. O mal pensou ter ganhado uma aliada me levando para o lado dele, mas na realidade eu estava lá pra provar para todos, que ele não valia a pena. Eu o venci, eu venci o mal. E a cada vez que eu me olho nesse espelho, eu me lembro disso, e me aquece o coração saber que a minha menina já está o vencendo, ela só ainda não percebeu isso. Se um dia ela se olhar nessas rachaduras, ela percebera que não somos completos se nossas partes estiverem separadas. E ela tem uma parte do lado do bem, e uma do lado do mal. Elas vão se unir, e a do bem prevalecerá, porque ela é sempre a maior parte, é a que abrange o nosso coração. Por isso eu não pude me recompor, pois dentro de mim, não havia nada para se abranger. Esse espelho é o símbolo da vitória entre o bem e o mal, o símbolo da minha vitória, e da vitória de minha filha. Porque essa virá."

As lágrimas que haviam cessado após meu peito se aquecer com as outras descobertas, agora voltaram mais incontroláveis do que nunca. Ver esse espelho, me lembrar de toda essa história, ler as palavras de minha mãe, tudo isso fez meu peito se espatifar de novo em milhares de partes, partes essas que agora eu sentia se unirem de novo, por causa dela, por ela. Afinal era isso que ela queria, e então agora, olhando para esse espelho, é isso que eu darei a ela. A minha vitória, a nossa vitória.

Pois nele, eu via apenas o reflexo de alguém que se acha um nada, alguém que só sofreu, mas que agora acabou de descobrir o propósito de tudo, e que consegue enxergar nesses olhos que tanto choram, uma pessoa que quer se entregar ao bem de novo, por completa. Assim como minha mãe fez, mas de uma maneira que só pode ser vista pelas entrelinhas, lugar onde o mal não alcança. e de agora em diante, eu jamais deixaria ele me alcançar. Queria poder abraçá-la agora, mamãe, e dizer Obrigada por me fazer enxergar tudo isso e me levar de volta para o caminho do bem.