The Hardest Part escrita por mahribbs


Capítulo 4
Você me faz sorrir




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Sábado. O dia em que teria de ficar em casa aguentando todos os colegas chatos e sem graça da minha mãe. Mas eu não estava ligando, valeria à pena aquele sacrifício.

O telefonema para o meu pai na noite anterior tinha ocorrido melhor do que eu esperava. Eu tinha preparado uma série de argumentos para convencê-lo de que minha mãe era uma mulher bem grandinha e que não precisava mais de mim, mas não foi preciso tudo isso.

Talvez o meu pai sentisse falta de mim o mesmo tanto que eu sentia dele, porque quando disse que tinha tido uma conversa com Miranda e ela tinha deixado que eu fosse morar com ele, ele vibrou, assim como eu. Disse que estava ansioso por isso e que chamaria os parentes para me darem as boas vindas. Falamos até de qual escola eu preferiria que ele me matriculasse quando as aulas voltassem, embora esse assunto não me atraísse muito.

Levantei da cama da mesma forma que tinha ido parar nela: irremediavelmente alegre. Ainda eram seis horas da manhã, mas eu tinha pouco tempo pra passar naquela praia que fizera parte de tantos dos meus dias, então aproveitaria. E talvez eu ainda pudesse encontrar Tom e me despedir.

E quem sabe passar o meu telefone pra ele, pra que mantivéssemos contato? Não que eu acreditasse que iria me dar bem em qualquer tipo de relacionamento à distância, mas não custava nada ter alguém conhecido, legal e bonito por perto quando tivesse que visitar minha mãe.

Por falar nela, nem terminei de tomar banho direito e minha mãe me chamou.

Estava sentada muito séria na minha cama, já arrumada pra ir trabalhar. Respirei fundo, com medo do que ela tinha pra me dizer. Talvez ela tentasse me fazer mudar de ideia sobre ir morar com meu pai, talvez dissesse que nossa briga do dia anterior a tinha feito falar sem pensar, mas pra mim tudo já estava decidido e eu não abriria mão disso.

– Senta aqui – ela disse, assim que apareci em seu campo de visão.

Sentei-me ao lado dela na minha cama e esperei. Talvez fosse melhor ser gentil com ela, pra que nada desse errado em minha mudança.

– Eu sei que nós brigamos muito às vezes. Mais do que seria saudável – ela começou, e eu me esforcei pra não revirar os olhos ao perceber o rumo que aquela conversa tomaria. – Eu sei que você prefere ficar com seu pai, mas eu... Julia, eu queria que você me desse mais uma chance, eu prometo que...

– Não, mãe! – cortei-a, sem acreditar que estava ouvindo aquilo, já tomando a defensiva – Outra chance? Eu moro com você há dois anos e nunca nem conversamos! Tudo o que você faz é abrir a sua boca pra falar o que há de errado comigo ou...

– Não, isso não é verdade! Nós nunca conversamos porque você nunca me deu a chance pra isso, Julia!

– Então agora a culpa é minha? – aumentei meu tom de voz, e agora já estávamos ambas de pé.

– Não estou dizendo que a culpa é sua! – ela disse, passando a mão pela testa – Só estou dizendo que poderíamos melhorar isso!

– Como? – eu disse, rindo – Como? Nós nunca seremos realmente mãe e filha, a não ser que o papai esteja no meio pra separar nossas brigas e fazer a gente se abraçar depois de brigarmos! – lembrar do que meu pai costumava fazer pra apartar nossas brigas antes só piorou as coisas – Não tem como isso dar certo!

– Julia, por favor! Eu te amo, filha, e tudo o que estou pedindo é que fique mais um tempo comigo...

– Eu não quero! – gritei, já sem aguentar mais aquela conversa – Eu não quero viver mais tempo com você. Pouco me importa se eu sou a única pessoa que você tem agora, eu quero morar com meu pai, Miranda!

– Mãe – ela disse, olhando pra baixo com as mãos na cintura – Eu sou sua mãe.

Fiquei em silêncio, esperando uma reação dela. Eu não conseguia entender porque ela simplesmente não aceitava o fato que eu já havia aceitado há dois anos atrás, quando meus pais se separaram: nós nunca nos daríamos bem. Por que era tão difícil pra ela entender que tudo o que eu queria era viver com meu pai? Que só ele realmente me entendia, me dava apoio?

– Eu acho que eu e seu pai erramos com você em algum lugar – ela começou, a voz estava controlada, mas eu podia ver que ela estava se segurando pra não gritar – De noite, quando deito minha cabeça no travesseiro, eu fico tentando achar aonde foi que erramos com você, pra você se tornar uma garota tão egoísta, que só enxerga o próprio umbigo...

– Ah não! Aí já é demais! – eu explodi – Eu não sou egoísta! Você que é! Eu não estou impedindo ninguém de ser feliz, de viver aonde quer viver!

Minha mãe sorriu forçado pra mim, e apenas balançou a cabeça antes de se dirigir para a porta.

– Você é quem sabe. Não vou mais me intrometer na sua vida.

xx

Estava começando a considerar a ideia de acabar com essa mania estúpida de ir à praia àquela hora da manhã, porque, novamente, lá estava eu, sentada no lugar de sempre e com mais uma coisa com a qual ficar brava: nem sinal de Thomas e Lucas. De novo.

Na verdade, a praia parecia deserta. Que ótimo.

Sequei as lágrimas que manchavam meu rosto e tentei me controlar. Não estava triste, estava com raiva. O que era meio ridículo, na verdade. Quando eu estou triste, eu não choro. Apenas mantenho aquela expressão de nada-mais-coisa-nenhuma no rosto, a famosa “cara de bunda”. Mas parecia que as lágrimas que eu não soltava quando estava triste, meu corpo liberava sem a minha permissão quando eu estava com raiva. E, no momento, eu tinha bastante motivos pra estar com raiva.

– Julia? - ouvi alguém chamando meu nome e dei um pulo de susto.

Logo que me recuperei, praguejei mentalmente. Ele tinha que vir logo hoje?

Tudo bem, desde quando acenei meu tchau pra ele na quinta feira, queria vê-lo de novo. Desde que acordei, desde que cheguei àquela praia, queria poder ver seus olhos castanhos. Mas agora eu não queria estar tendo a visão de um Thomas confuso, me olhando meio triste, sem nenhum sorriso no rosto, com seus cabelos bagunçados de sempre e uma calça azul, que fazia par com sua regata branca, aquelas mesmas que ele estava usando na primeira vez que o vi. Não, eu não queria vê-lo agora. Não queria que ele me visse daquele jeito.

Com pressa, limpei as lágrimas que insistiam em continuar caindo e tentei sorrir pra ele, mas acho que tudo o que consegui foi fazer uma careta.

– O que aconteceu? - ele perguntou, sentando-se ao meu lado sem tirar os olhos de mim.

Acho que você já deve ter experimentado essa sensação. É sempre assim, não importa quanto ou por que você estava chorando, se alguém chega perto e pergunta o motivo, você simplesmente perde o pouco controle que tinha antes e começa a chorar ainda mais.

Não foi diferente comigo.

– Ei, ei... - Tom disse, logo que me ouviu soluçar, e chegou mais perto de mim. Senti ele passar um de seus braços por cima de meu ombro, me abraçando de lado, e perceber que aquele gesto dele tinha sido meio hesitante me fez cair em mim.

O que diabos eu estava fazendo?

Acredite, isso não ajudou muito. Porque perceber que estava chorando na frente de um quase-estranho me fez ficar com raiva de mim. Ou seja, a raiva que eu tinha da minha mãe se juntou com a raiva de mim e isso não facilitou nem um pouco minhas tentativas de parar de chorar.

– Não fica triste - Ouvi Tom sussurrar e isso foi o que precisou.

Não estou triste, estou com raiva!

Tarde demais eu percebi que até a minha cabeça estava me traindo. Porque o que era pra ficar em pensamento saiu em palavras e Tom se assustou com minha reação.

Ótimo Julia, agora ele não vai nem olhar na sua cara! Perfeito!

Continuei olhando pro mar, tentando fingir que não estava com medo que ele dissesse que eu era idiota ou, pior, me deixasse ali sozinha.

Então eu escutei ele rir. Espera... Ele estava rindo? Olhei pra ele pela primeira vez depois da pequena explosão e percebi que ele estava ficando vermelho de tanto rir.

Acho que, no fim, foram as risadas dele que me ajudaram a parar de chorar.

– Do que você tá rindo? - perguntei, meu tom de voz baixo e incrédulo.

Ele precisou se controlar e parar de rir antes de responder.

– Você... - ele disse, parecendo não saber como continuar e dando mais algumas risadas - Você é hilária! - ele completou e eu levantei uma sobrancelha.

Eu era hilária e ele, com certeza, precisava de tratamento.

Tom riu mais um pouco e só me respondeu quando pareceu recuperar todo o ar de que precisava.

– Você estava aí, chorando - ele disse, tentando se explicar - Eu chego pensando em te consolar e aí você praticamente me ataca e... - suspirou. Sinceramente, nada daquilo parecia fazer o menor sentido pra mim; Tom me olhou, percebendo isso e então disse, parando completamente de rir: - Tá, eu ainda não sei por que tô rindo!

Então eu comecei a rir. Não fazia o menor sentido rir dele, mas eu ria. Ria e chorava ao mesmo tempo e Tom ria comigo. Porque ele era provavelmente o garoto mais idiota e estranho da face da Terra, mas ele estava ali.

E só esse ato fazia toda a diferença.

– Onde está o Luke? - perguntei, logo que paramos de rir, sentindo uma pontinha de culpa por só àquela hora ter reparado que o menino não estava ali rindo com a gente.

– Ele teve que sair - Tom respondeu e não se aprofundou no assunto. - Agora vai me dizer por que você estava chorando... de raiva? - disse, erguendo uma sobrancelha e dando um sorrisinho de lado, meio contido.

E droga, aquele era o meu sorriso! O sorriso que eu costumava sorrir. Mas parece que só o fato de ser Tom quem o estava usando, ele ganhava um brilho a mais.

– A minha mãe... - eu disse, sem me aprofundar muito no assunto, também.

– A sua mãe...? - ele repetiu, querendo uma continuação, agora olhando pro mar. Talvez, de alguma forma impossível, ele tivesse descoberto que pra mim era mais fácil falar sobre algo desse tipo se não tivesse ninguém me olhando.

– Ela me irrita! - Explodi, revirando os olhos e pude sentir os olhos de Tom em mim.

– E isso é ruim, né? - ele perguntou.
– É, porque nós não conseguimos simplesmente agir como mãe e filha ou algo do tipo - eu disse, desdenhando - Estamos sempre brigando por alguma coisa. E hoje ela já começou o dia me enchendo o saco, como sempre! – soltei, sem realmente pensar. Mas com Tom ali, eu conseguia pensar de uma forma mais racional. Embora tivesse brigado com Miranda, eu ainda poderia ir morar com meu pai. A raiva não diminuiu, mas pelo menos agora eu tinha algo bom no que pensar.

– Ah. - Tom disse e eu olhei pra ele - Aaahh. - ele repetiu, parecendo só agora entender porque eu estava brava e eu sorri. Ele era lento.

Continuei quieta, pensando que era melhor não falar sobre minha mudança agora. Não queria nada de despedidas, pelo menos não quando tinha que me despedir dele.

– Eu... Não sei o que dizer - Tom admitiu, parecendo sincero, olhando nos meus olhos.

– Tudo bem, não tem problema - respondi.

E realmente não tinha problema. Só de me ouvir ele já tinha me deixado melhor. Minha raiva já tinha abrandado e agora eu estava pensando que sentiria falta de vê-lo, embora esta fosse apenas a terceira vez que o via.

– Na verdade, eu tenho algo pra dizer - ele declarou, um sorriso brincando em seus lábios. - Estou meio decepcionado.

– Por quê? - estranhei, olhando pra ele, que assumiu um ar de tristeza claramente falso.

– Achei que você estava chorando porque pensou que eu não vinha de novo.

Empurrei ele, gargalhando. Logo ele se juntou a mim e, de alguma forma, ele não era um estranho ou um garoto que eu conheci há poucos dias. Ele era o Tom.

E estava ali por mim.



– Como você sabia que isso ia me fazer bem? - perguntei pra Tom, que estava sentado à minha frente na mesinha da sorveteria.

Ele havia me arrastado até ali dizendo que sabia como me animar e, realmente, o sorvete enorme que eu estava tomando me animou bastante.

– Sorvete é mágico - ele respondeu, como uma criança, tomando o seu e se sujando todo.

Não pude deixar de rir. Rir e me perguntar por que não tinha conhecido ele antes.

– E aí, Tom? - Ouvi uma voz de garoto vindo de trás de mim e me virei.

Ali estavam dois garotos, um alto como Tom, mas mais forte. O outro era menor e tinha uma carinha de criança atentada que chegava a ser estranho que sua cabeça estivesse grudada à um pescoço de um garoto de 18 ou 19 anos.

Eram, como Tom disse, os amigos dele que ele havia convidado pra ir com ele à praia. Tom sorriu e mandou que eles puxassem cadeiras.

– Se apresentem - mandou, entre uma colherada e outra em seu sorvete. Claro, se ele perdesse muito tempo apresentando os amigos, o sorvete mágico poderia fugir.

Sacudi a cabeça pros meus pensamentos e sorri pros garotos.

– Meu nome é Julia - disse e os outros acenaram com a cabeça, como se já soubessem.

– Eu sou o Diogo - o maior, que tinha cara de ser mais velho que os outros, disse. Não estava sorrindo pra mim, mas não pude deixar de pensar – e ver – como ele era bonito. - E esse é o...

– Eduardo - o menor se apresentou, com um sorriso sincero, e eu sorri de volta. Sua voz era melodiosa e algo me dizia que ele daria um ótimo cantor - Mas garotas bonitas podem me chamar de Edu - Acrescentou, com uma piscadinha de lado.

Ao mesmo tempo, duas mãos subiram e deram um tapa na cabeça de Eduardo. Ou Edu.

– Não liga, ele perde neurônios todos os dias - Diogo disse, já que Tom não podia dizer nada devorando o que sobrou de seu sorvete - Mas, a propósito, você pode me chamar de Di.

Ele não parecia exatamente empolgado com a perspectiva de ter uma estranha o chamando pelo apelido, mas tentei ser simpática uma vez na vida e sorri pra ele.

– Você não vai dividir nem um pouquinho comigo? - Eduardo perguntou, olhando pro sorvete de Tom com uma carinha fofa e eu quase soltei um "awn", mas me controlei. Ele parecia muito ser o tipo de garoto que deixa várias meninas suspirando por aí. Algum tempo depois, eu descobriria que não estava errada.

– Não - Tom respondeu indiferente, sem nem ao menos olhar pro amigo, e Diogo e eu gargalhamos.

– Pode pegar do meu, Edu - eu falei, ainda rindo e, sem nem hesitar, Eduardo pegou uma colherada do meu sorvete.

E foi assim, com aqueles meninos que me faziam rir o tempo todo, que eu passei aquela manhã.


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