Queimando escrita por Nina F


Capítulo 10
Capítulo Nove


Notas iniciais do capítulo

Não vou poder postar amanhã .-.



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O terror se espalhou de verdade quando após uma semana de treinamento um aviso foi pregado nas paredes das divisões. Teríamos três semanas até a colheita, vinte e um dias. Não foi preciso aumentar oficialmente a carga horária de treinamento, no mesmo dia permanecemos lá até depois de escurecer. E assim temos feito já há vinte dias, neste momento temos apenas alguns minutos, no máximo uma hora restante para nos tornarmos perfeitos, para tentarmos resistir à morte, no caso deles uma segunda vez, no meu caso uma terceira.

Enquanto treino meus últimos golpes de espada consigo ouvir os demais lançando machados, lanças, alguns estão tentando arco e flecha. Mas aos poucos todos se vão e sei que já é tarde, só ouço os grunhidos de Violet e o incentivo de Brutus, que acaba me incentivando também, de certo modo. E aos poucos os alvos perto de mim vão sendo estraçalhados.

- Acho que já está bom por hoje, não? – ouço a voz calma de Alicia e me viro.

- Já é muito tarde?

Ela maneia a cabeça.

- Mais tarde do que pensa.

Sei que Alicia não se refere exatamente ao horário. Guardo a espada, chuto os pedaços de espuma pra longe e quando me viro novamente ela é uma dos últimos que restam.

- Vamos, Violet! – exclama Brutus. – Quero mais força e mais rapidez!

Eu bufo, mais rapidez?

- Ela já é rápida o bastante. – digo me aproximando. – Eu mesmo sei.

Brutus finalmente sinaliza para que Violet pare e ela cai sentada sobre os colchonetes, arfando e vermelha. Ela só consegue me olhar com gratidão já que o esforço para respirar não deixa que ela fale.

- Não posso pegar leve com ela. – ele diz encolhendo os ombros.

- Não é pegar leve, é não matar minha namorada.

Estendo a mão e a Violet me segura e se levanta.

- De qualquer forma, obrigada pela ajuda na luta, Brutus. – ela sorri.

Ele sorri de volta.

- De nada, mas e ai? Alguém quer caçar algo aberto onde possamos comprar bebida?

Lyme e Alicia que ainda não foram embora topam e eu e Violet preferimos ir pra casa.

- Boa sorte amanhã. – diz Lyme com um tom triste. Todos aqui estão treinando como se houvessem sido condenados, mas os que têm bom senso sabem que quem corre perigo amanhã somos apenas eu e Violet.

- Pra vocês também. – nós dizemos em uníssono e nos despedimos deles. Na saída dou uma olhada para trás e vejo que os únicos que ainda restam treinando são Evra e Peter. Das outras divisões pelas quais passamos poucas estão completamente vazias, sempre há alguém tentando tirar o tempo perdido.

O frio deu uma pequena trégua e já escureceu há muito. No caminho de volta as ruas estão vazias, a não ser pela pequena parcela de pessoas que ainda transitam e pelos pacificadores que marcham pra lá e pra cá. Eu e Violet ficamos em silêncio durante todo o caminho, na verdade, esse silêncio já dura alguns dias entre nós dois. Depois que o massacre foi anunciado, as coisas entre nós esfriaram e só foram piorando com os dias. Não que meu amor por ela diminuiu com o tempo, mas é que os problemas, o medo e a preocupação não vêm dando muito espaço para um “nós” agora.

Sem perceber me despeço dela na porta de casa e quando vejo já estou embaixo da ducha me perguntando onde fomos parar nós dois. Acho que já faz dias que nem sequer beijo Violet, e pode ser que estas sejam nossas últimas horas. A colheita é amanhã e... Caramba, a colheita é amanhã!

- Cato, está tudo bem? – pergunta minha mãe no jantar, me acordando.

- Ta, ta tudo bem. – respondo.

Não, não está tudo bem. Nem comigo nem com eles, minha família está sofrendo tanto quanto eu. Nós vamos todos para a cama mais cedo hoje e a casa fica silenciosa antes do previsto, assim como toda a aldeia.

Até agora não tinha realmente caído a ficha de que tenho apenas algumas horas até a colheita, até a minha morte, porque eu tenho certeza de que Snow não vai falhar uma terceira vez. Olho o quarto com interesse tentando gravar tudo, amanhã irei praquela coisa de qualquer jeito por que... Se não for sorteado, o nome de Violet será e então eu me voluntariarei. Violet... Namorei outras antes dela, um numero considerável, mas nenhuma delas é igual. Nos conhecemos nas circunstâncias mais estranhas e o resultado disso foi uma rebelião. Nós com certeza somos um casal problema.

Penso novamente na distancia entre nós desde o anúncio de massacre e fico inquieto. Eu vou mesmo pra arena estando assim tão indiferente com ela? Não, não vou. Levanto correndo visto alguma roupa decente e desço com todo o cuidado para não acordar meus pais ou Gabe. Três pedras na sua janela e corro pra porta da frente. Em alguns segundos ela aparece vestindo pijamas.

- Que foi? – pergunta preocupada.

- Se veste em um minuto. Vou esperar aqui.

Ela me olha confusa, mas então sobe novamente e logo está de volta à minha frente, num jeans e ainda com a blusa do pijama.

- Que diabos ta fazendo? – ela sussurra enquanto fecha a porta e eu a guio para a saída da Aldeia dos Vitoriosos.

- Você vai ver.

Não há toque de recolher no distrito dois, mas ainda sim é um pouco imprudente você andar pelas ruas durante a madrugada como nós estamos fazendo. A vantagem é que nosso distrito, por ser muito grande, tem muitas ruas e, como consequência, muitos becos e vielas. Sabia andar bem nas passagens estreitas do lado do distrito onde eu morava, mas nas daqui não. Usando o bom senso e o meu instinto pego o primeiro beco que vejo logo que saímos da aldeia, rezando para que consiga sair onde pretendo. Quando avistamos algum pacificador eu e Violet paramos e esperamos que ele se vá, reparo que o número deles nas ruas a essa hora já é bem reduzido.

Nós passamos por trás do Edifício da Justiça e seguimos para as áreas de residência do dois, finalmente o caminho fica fácil pra mim.

- Ta bem, dá pra me falar aonde a gente ta indo? – Violet me pergunta impaciente.

- Num lugar aonde eu ia sempre, antes de tudo.

Ela não me pergunta mais nada à medida que vamos nos afastando da área mais rica do distrito, em direção a periferia dele, onde estão as classes mais baixas. Em direção a um lugar pouco conhecido do nosso distrito e do qual só sei a existência por conta de minhas caminhadas à noite. A única parte desprotegida, a única parte do distrito que não é cercada por muros altos. Fica onde as pessoas mais pobres daqui moram. Uma curta distância que tem como limite entre o distrito e a floresta apenas uma cerca alta de metal que não tem nem sequer alguma eletricidade. Eu já observei de longe essa cerca, mas nunca me atrevi a me aproximar dela ou tentar ultrapassá-la, embora tenha certeza de que se o fizesse não haveria impedimento algum.

Já passamos da parte onde eu morava há algum tempo e eu esqueço a cerca frágil porque meu destino está próximo. Viro à direta e saio em uma rua com casas conhecida, é aqui. Provavelmente a ladeira mais íngreme, a rua mais alta do distrito, totalmente deserta agora. Escuto Violet suspirar ao meu lado, dá para se ver tudo daqui, ao horizonte uma lua cheia amarela nasce por trás das montanhas. Isso não era planejado, mas eu agradeço a natureza por me dar uma força.

- Eu costumava vir aqui à noite, pra pensar. - digo enfiando as mãos nos bolsos.

- Com Clove? – Violet indaga.

- Não, sempre sozinho. Nunca trouxe ninguém, nunca contei a ninguém que conheço esse lugar.

As casas mais humildes ao nosso redor estão silenciosas, com suas luzes apagadas. Percebo brinquedos espalhados no gramado de algumas delas.

- Então eu sou a primeira?

- Você é a primeira em muitas coisas pra mim, Violet.

Eu me abaixo e sento no asfalto, ela me acompanha. E lá estamos nós sentados no meio da rua, como dois idiotas.

- Eu to com medo. – ela diz e então eu a olho pela primeira vez.

- Eu seria hipócrita se dissesse que não estou com medo também.

Violet desvia o olhar para o horizonte, mas eu continuo fitando-a de modo que vejo seus olhos se encherem.

- Não quero morrer. – ela fala e depois ri com ironia. – Ninguém quer na verdade, mas... É que tem muita coisa que vale a pena pra mim.

- Então... Você se arrepende? – refaço a pergunta que ela me fez alguns meses atrás, no trem, enquanto voltávamos pra casa. Violet me olha confusa. – De tudo o que fizemos... De não ter me matado, algo assim...

Ela me olha por alguns momentos e depois sorri.

- Nunca vou me arrepender... Quando disse que tenho muita coisa que vale a pena, você é uma dessas coisas.

Eu não consigo me conter mais um único segundo e a beijo. Alguém pode aparecer mas eu não ligo, isso é tudo o que precisamos agora. Nós precisamos um do outro, entramos nessa juntos e vamos juntos até o final. Nós só nos separamos quando se torna impossível respirar e Violet está deitada no asfalto.

- Amanhã... – digo. – Se seu nome sair, eu falei sério quando disse que me voluntaria.

Violet ergue os olhos pra mim, seu cabelo negro se confundindo com o chão.

- Você sabe que eu também vou se o seu nome for tirado.

- Violet...

- Entende de uma vez! Da mesma maneira que você não suportaria ficar aqui, eu também não...

Eu suspiro derrotado e me inclino novamente para a boca dela.

Quando acordo minha cabeça gira um pouco e sinto um peso diferente em cima de mim que me faz sorrir. Giro o pescoço e praguejo em sussurros me dando conta da posição em que dormi. Estou meio deitado, meio sentado, minhas costas contra a cabeceira da cama. Violet dorme tranquilamente me usando como travesseiro, eu não ouso me mexer por isso. Eu me lembro de toda noite passada, e me lembro também de que voltamos muito, muito tarde, mas toda minha tranquilidade se vai quando me lembro que dia é hoje. O dia da Colheita. Meu estomago se revira e quando olho para Violet meu coração se aperta.

Minha mente parece se esvaziar e só me dou conta de que já é tarde quando ela se mexe em cima de mim, acordando. Seus olhos varrem meu quarto por alguns momentos e depois caem em mim, o sorriso que ela me dá é triste e contido.

- Tenho que ir ou meu pai vai ficar preocupado. – eu demoro a absorver suas palavras. Tobias, após o anúncio do massacre, conseguiu negociar mais alguns dias em casa.

- Ah, ta... Vem, vou te levar em casa.

Não há muito o que arrumar já que nos jogamos na cama da mesma maneira que chegamos. Quando descemos meus pais não estão em lugar algum, mas sei que há essa hora eles já estão acordados.

- Até daqui a pouco. – ela diz.

- Até.

Dou uma última olhada nela quando torno a virar para minha casa, assim como ela também dá uma última olhada em mim antes de fechar a porta.

O restante do dia é apenas uma vaga lembrança e então estou em meu quarto e minha mãe está à porta.

- Cato, vá se arrumar. – ela diz assim como no ano anterior, mas agora está se controlando para não chorar.

Vou para o chuveiro e quando saio noto roupas bem passadas em cima da cama. Penteio o cabelo assim como no dia da entrevista, talvez me dê um ar mais sério, mais forte. Quando desço meus pais e meu irmão estão na sala, minha mãe tentando por o cabelo de Gabe no lugar, mas agora ele já não faz objeção. Ela está vestindo um dos bonitos vestidos que a Capital lhe deu. Faltando vinte minutos para as duas horas nós saímos de casa, enquanto meu pai tranca a porta eu dou uma boa observada na Aldeia dos Vitoriosos, não sou o único saindo de casa agora. Vejo alguns trancando suas portas sem a convicção de que irão voltar, outros cruzando lentamente a entrada, mas não há movimento no lugar para o qual minha atenção está voltada realmente. A casa de Violet está quieta, talvez ela já tenha ido.

- Vamos. – chama meu pai, com sua mão em minhas costas.

Nós quatro seguimos em silêncio até a praça do distrito dois. Não é tão cansativo ou demorado quanto antes e nós rapidamente avistamos a baderna toda.

Está bem diferente dos anos normais, começando pelo dobro de pacificadores presentes. O palco montado em frente ao Edifício da Justiça é um pouco mais requintado, percebo, a decoração toda assumiu o tom dourado. Bandeiras metálicas tremulam nos telhados, câmeras que buscam não perder nenhum segundo disso estão por todos os lados.

No espaço em frente ao palco, reservado para aqueles que podem ser sorteados, não há mais diversas divisões de idade. Agora são apenas dois grupos um do lado esquerdo e outro do direito, homens de um lado e mulheres do outro. Dessa vez pacificadores estão dispostos ao redor das cordas que nos cercarão e um tapete vermelho e luxuoso separa os dois grupos e segue até o palco. Eles apenas não dispensaram a inscrição normal, de modo que vou até a mesa comprida onde alguns pacificadores estão sentados. Me viro para meus pais, mas nenhum de nós consegue falar, apenas encolho os ombros e sigo meu caminho até um pacificador.

- Seu nome? – a voz conhecida me assusta e eu franzo as sobrancelhas quando o homem a minha frente ergue o rosto.

- Eric? – indago incrédulo. – Você não estava no onze?

Custo a acreditar, ele parece um tanto diferente com o corte de cabelo militar, mas seu olhar continua demoníaco e muito diferente do olhar de Clove.

- Cato, - ele abre seu típico sorriso arrogante para mim. – vai bem? Vejo que andou conversando com a minha mãe.

- Eu sempre vou lá.

- Que bom que não esqueceu os velhos amigos... De qualquer modo, vim apenas ajudar na colheita daqui. Sua mão, por favor.

Olho embasbacado para ele enquanto meu sangue é colhido e meu nome inscrito.

- Junto aos homens, por favor. – ele diz. – E foi bom te ver, Cato.

Afasto Eric e o choque de minha mente enquanto vou em direção ao lado dos homens. Já há um número considerável de nós e ao que escolho um lugar para ficar dou uma olhada no outro lado, para as mulheres já presentes. Não há sinal de Violet, o que me deixa mais nervoso. Para tentar me distrair passo a olhar o palco, só há duas cadeiras agora, uma vez que os mentores terão de ser decididos às pressas após a colheita de uma maneira até então desconhecida. Megara está lá, verificando os globos de vidro com nossos nomes, dessa vez eles ganharam pedestais dourados. Ela não parece estar realmente ok em suas vestes laranja, seu cabelo combinando. Nosso prefeito, o Sr. Lawrence, está sentado em sua cadeira, parecendo mais nervoso que o comum com o número excessivo de pacificadores em seu distrito.

- Muito nervoso aí? – a voz conhecida de Brutus me acalma um pouco. Ele não está bem humorado como o de costume.

- Consideravelmente. – digo sem emoção.

Ele me dá tapas nas costas como consolo e se posta ao meu lado. Mais alguns instantes olhando ao redor e eu finalmente a vejo. Realmente parecendo um tantinho mais velha do que é, como Victor queria, em um vestido marrom bem claro. Saltos a deixam um bocado mais alta. Violet estende sua mão ao pacificador enquanto seus olhos varrem o local e param em mim. Ela não sorri apenas suspira nervosa e eu sei que ela está à beira do choro enquanto caminha até o lado das mulheres. Eu quero ir até lá e acalmá-la, mas com certeza os pacificadores que fazem nossa guarda não deixarão que eu saia do espaço delimitado. Por sorte Enobaria já chegou e vai até ela assim que a vê, a abraçando e sussurrando algo que não entendo.

Reparo bem nas duas, no apoio que Enobaria dá à Violet, a mãe dela não faria nem a metade disso. A imagino nessa hora, com certeza parada com um ar imponente, o mais próximo que a multidão que se junta atrás de nós pode ficar. Quando elas acham seu lugar em meio às mulheres, Violet me olha novamente, o medo estampado em sua face. Em seus lábios eu leio “Que a sorte esteja sempre a seu favor”, sorrio fracamente e sussurro o mesmo à ela, que então se agarra a mão de Enobaria.

O relógio indica duas horas e o prefeito vai até o pequeno pódio em cima do palco, mas eu não ouço suas palavras e apenas fito o chão me preparando para o que virá a seguir. Percebo que ele pula a parte da lista com os nomes dos vitoriosos e chama Megara.

- Feliz Jogos Vorazes! – ela exclama tentando soar animada, mas não obtém muito sucesso. Seus olhos coloridos por maquiagem param por alguns segundos em mim. – É um prazer estar aqui, no distrito dois. Um distrito forte...

Ela diz algumas palavras sobre nosso distrito e então o terror cresce dentro de mim, tenho certeza de que estou congelando. É hora do sorteio.

- Pedirei que desta vez, para uma melhor apresentação, o tributo feminino escolhido se poste logo ali no corredor, junto aos pacificadores e aguarde até que seu parceiro seja sorteado para que subam ao palco juntos. Então... Primeiro as damas! – ela diz nervosa e se encaminha para um dos globos.

Não, não Violet, não a minha Violet. Meu coração parece que irá furar meu peito quando Megara caminha de volta até o pódio e lê o papel em sua mão.

- Enobaria O’live!

Solto o ar em meu peito com sofrimento e o alivio me preenche juntamente com o pesar. Enobaria de prontidão vai em direção ao corredor com o tapete vermelho, vejo Violet largar sua mão com relutância, uma expressão de choque tomando seu rosto. Enobaria se posta à frente de um pacificador e aguarda.

- Vamos ao nosso tributo masculino. – anuncia Megara indo até o globo com os nomes dos homens.

Novamente o terror me enche e os segundos que ela leva para ler o nome sorteado parecem ser uma eternidade. Vejo a expressão de Megara mudando quando ela alisa o papel em suas mãos, sua voz sai engasgada.

- Cato Stoll...


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? Beijos!



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