Nicest Thing escrita por Nina Spim


Capítulo 5
Chapter Five


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Antes de vocês partirem para o capítulo, gostaria de fazer deixar claro um tópico, que vem sendo bastante repetido nos comentários. A interação entre as personagens. Noto que os leitores anseiam demais para algo já rolar com elas logo de cara, e isso, sinceramente, não é de meu estilo. Apesar de, lógico, isso aqui ser uma fanfic, gosto de lidar com a realidade também, por isso as coisas entre elas estão acontecendo lentamente. Repito o que respondi ao William: pessoalmente, me irrito demais com fanfics que jogam duas pessoas num mesmo ambiente e que pulam variadas etapas de convívio, apenas para já estarem devidamente ligadas romântica ou sexualmente. A interação das duas vai evoluir de acordo com os limites de cada uma, portanto MUITA CALMA NESSA HORA! Mas não se preocupem, porque tudo vai acontecer nos seus devidos conformes.
E, ah, me desculpem por não atualizar ontem, é que estou seguindo um padrão mais tranquilizador desta vez em relação à escrita: quero estar um capítulo à frente do que é postado, pois, dessa forma, eu não acabo me enrolando demais e devendo muito.
Sem mais, aproveitem o capítulo (e ignorem qualquer erro ortográfico e gramatical, não tive a chance de reler mais uma vez para conferi-lo).
:D



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Observo os três do meu canto. Não estou participando, mas continuo focada. Eles estão tentando forçosamente construir algo imaginário enquanto eu já cedi à indiferença. Sei que continuo sorrindo para demonstrar qualquer sentimento positivo, mas não estou mais dentro do jogo. Pulei fora no primeiro dia; isso parece insensível demais para Kurt – que me lança olhares ofensivos a cada cinco minutos –, porém prefiro me distrair direcionando minha energia para eu mesma.

O ritmo deles é irrefreável: estão se deliciando de um modo que acho que posso vir a desistir completamente de encarar a cena a qualquer instante. Se essa garota olhar mais uma vez para os dois e engolfá-los em uma risada crescente – que, sim, eu contei: já se repetiram cinco vezes –, juro que largo meu material aqui mesmo e saio para a rua, para qualquer lugar.

– Você sempre consegue me surpreender – Kurt comenta, passando por mim – Sabe que isso é ridículo, certo? Que tipo de pessoa você é agora? Uma preguiçosa desalmada?

– Parece que vocês estão lidando muito bem com a situação sozinhos – revido sem erguer meus olhos das instruções da nova partitura para Lab. de Execução Vocal IV – Pelo que vejo todos vocês têm dois braços, duas pernas e cérebros operantes. Ou será que me enganei?

– O que foi? Comeu carne por engano e isso afetou o seu cérebro? – Kurt não perde a chance de também revidar.

Ignoro a alfinetada. Tenho que parecer centrada e deixar a impressão para a novata de que eu e Kurt estamos apenas conversando amigavelmente, não quase pretendendo atingir um ao outro.

Por algum motivo, Kurt está me irritando de maneira incansável. E não é porque, de repente, essa Lucy parece ser a oitava maravilha do mundo, de acordo com os padrões distorcidos dele. Quer dizer, sinceramente? Ela poderia embarcar numa carreira prestigiada que valorizaria sua beleza e dar o fora do loft num piscar de olhos. Com um cabelo tão brilhante e invejável, com esse rosto desprovido de imperfeições e com esse jeito todo delicado, como se fosse uma bailarina em tempo integral, ela poderia conquistar a indústria da moda com muita facilidade.

O que ela cursa mesmo na NYU? Não lembro se isso foi mencionado em algumas das poucas vezes que entrei em contato verbal direto com ela...

– Caso você esteja com algum problema visual, eu estou estudando isso daqui – aponto para os papéis que estão dispostos em uma pilha desorganizada na minha frente, em cima da bancada – Não posso chegar amanhã e errar uma nota sequer, porque o estresse é redobrado para recuperar a minha posição no Lab. E você sabe que quem fica para trás nas aulas da Martha está por um triz de ser amaldiçoado pelo resto do semestre – minha voz está severa demais para expressar com propriedade a minha preocupação com o que estou fazendo. Não é como se eu me permitisse fazer breaks a toda hora, especialmente para acomodar alguém que, notoriamente, está muito bem inserida neste ambiente.

– Tudo bem – Kurt olha para o teto de modo que o faz parecer que está juntando forças para não pular em cima de mim e me estapear –, relevarei isso, porque sei que você perdeu muitas aulas no último mês. Mas bem que você poderia ser legal, só de vez em quando.

– Eu estou sendo legal – afirmo num tom que deixa claro que não vou desistir do combate – Quem trouxe as últimas três caixas? E quem empurrou a minha cama para a parede para encaixar a cama dela no quarto? Ah, sim, eu – aperto os olhos para ele, com um pouco de raiva – E eu acabei de decorar as paredes do nosso lado com cartazes de musicais para que ela se sentisse bem-vinda o suficiente!

– Ok, Rachel – ele se rende, oferecendo as palmas das mãos para fora – Desisto de fazê-la agir como uma anfitriã simpática e amável.

Ah, certo. Como se eu não fosse simpática e amável! Claro que sou! Não o tempo todo, nem com todo mundo. Mas isso não anula essas qualidades em mim! Não saio por aí abraçando as pessoas inesperadamente, nem rindo só por conta de algo inócuo que meus amigos estejam relatando. Aliás, eu parei de rir sobre essas coisas no primeiro ano juntos aqui em NY. Percebi que, ainda que algumas pessoas considerem caras gays incrivelmente hilários, Kurt e Blaine sempre contam as mesmas piadas e fazem os mesmos comentários. Eles não são tão hilários assim, especialmente quando eu tenho de conviver com eles por tempo quase que integral.

Muito obrigada – agradeço, enfatizando com um pouco de acidez.

Ah, uau! Quando foi que me transformei em alguém tão azeda e ridícula? Não consigo me recordar.

Não, espere aí. Eu estava na fossa há, exatamente, seis dias.

Oh. Isso aí. Foi na segunda-feira que, testando todos os meus limites emocionais e corporais, levantei do meu breve amor chamado cama e desbravei mais uma vez Nova York. Com meu cabelo elétrico, porque não tive tempo de secá-lo – portanto, o frizz descontrolado era relevante – e com a minha franja grande demais, porque, tendo me recusado a sair do loft por quase 30 dias seguidos, não tive disposição para marcar um novo corte, ou mesmo uma precisada podada na franja.

E foi justamente nesse dia no qual eu estava mais parecendo o Edward Mãos de Tesoura – mas são as mãos de tesoura – que conheci essa garota, a Lucy. Essa garota do cabelo, do rosto e da postura perfeitas que está rindo com meus amigos neste exato instante. Que, apesar de fingir não me notar aqui, vejo-a me lançar olhares furtivos quando Kurt e Blaine estão ocupados demais abraçando suas barrigas de tanto rir.

Abaixo meus olhos para o que devo estudar com mais afinco – muito embora a tarefa deixa a desejar, por conta de todo o barulho que a garota Lucy e meus amigos estão produzindo. A risada dela é suave e se propaga de forma ritmada. Não é tão irritante quanto eu supus que fosse, apesar de tudo.

– Venha, Rachel! – Blaine me chama.

Ergo meu olhar, esperando que ele fulmine quem atingir – estou ficando tão impaciente por estar sendo perturbada enquanto, mais do que nunca, preciso ser uma aluna exemplar! Por que eles não podem entender isso?

Encontro os três me encarando, cada um apresentando uma expressão fácil. Blaine está sorrindo como se eu estivesse incluída na situação deles tanto quanto possível. Kurt, por outro lado, está me cobrando e me repreendendo; seus olhos são intensos e esmagadores. Sei que ele está chateado comigo desde o nosso primeiro encontro com a novata. Lucy, a dita novata, expressa expectativa. Seu rosto está iluminado e carrega uma nuance suave de ansiedade, também.

Transformo meu semblante irritado para algo menos assustador: agora estou com aquela cara de quem está confusa demais e interrogativa. Isso serve para mascarar todos os rompantes de inquietude internos que venho experimentado desde que Lucy tocou o interfone, anunciando sua definitiva chegada.

– O que é? – questiono, fazendo meus olhos passearem por dentro das emoções de cada um deles. Claramente, eu estou fora do jogo desde o primeiro segundo. Sou a pessoa que se exclui de propósito, uma desinteressada mesquinha.

Sam tem razão. Sou mesmo uma Srta. Insuportável. Caramba, como meus amigos me suportam? Não é para menos que Finn tenha encontrado alguém melhor – alguém que não troca de humor a cada hora e que, definitivamente, é muito mais proativa.

A voz de Lucy chega até mim de maneira cautelosa, como se tivesse não tivesse certeza de que tem a permissão para se pronunciar. Ela fica imediatamente inibida diante do meu mau-humor, consigo sentir isso.

Droga, não tenho feito nada direito nos últimos dias. Agora, a novata vai se sentir intimidada por mim e não vai suportar conviver comigo por muito tempo, concluindo, então, a sua estadia no nosso Loft da Perfeição. Tudo porque estou irritada com um monte de coisas que nada tem relação com ela. Bem, a maioria não tem, mesmo.

Ter de encarar a perfeição explícita nela já é motivo para total desespero e irritação, se quer saber. Só pontuando aqui. Não que seja inveja. Quer dizer, quem vai querer alguém tão perfeitinha assim? Isso seria um benefício apenas se ela fosse viver no Mundo das Barbies.

Lucy diz:

– Se você não se importar, gostaria de registrar esse momento – ela brande a câmera que está em suas mãos.

– Lucy está fazendo um curso de fotografia! – Blaine me informa, bastante animado – Não é fofo?

Certo. Fofo. Realmente. Ao menos, ela vai servir para alguma coisa, além de apenas ficar exibindo a sua perfeição corporal e fashionista tão irritante para cima de todo mundo.

– Uh, é – é tudo o que digo por um momento. Tenho ciência de que eles estão esperando mais palavras, principalmente Kurt, que volta a me lançar um olhar mortal o qual me instrui a expressar bem mais animação no meu tom – É bem legal, sim.

Dito isso, deixo meu espaço de estudo, involuntariamente, e caminho em direção aos três. Eles estão no Limbo – local que, aqui no loft, significa: ponto neutro; nele não há nenhuma mobília, apenas um grande espelho velho que Kurt me infernizou para adquirir da última vez a que fomos a um mercado de pulgas –, um ao lado do outro, atentos aos meus movimentos.

Paro defronte a eles e aguardo alguma coisa que não tenho ideia do que seja. Uma ordem? Uma sugestão? Um abraço pegajoso? Tanto faz, porque tudo isso fica para trás quando meus olhos encontram, por meros dois segundos, os dela e o que vejo neles me faz sentir um pouco culpada por estar fazendo-a achar que não gosto dela. Claro que gosto dela. Mas é isso. Ela tem um astral bom, a julgar pelas suas risadas, e o modo como se move é um pouco hipnotizante por conta de sua delicadeza natural. Porém, isso não quer dizer que eu a aprecie. Porque isso está muito longe se concretizar – por mais que Kurt tenha a intenção de me matar com o olhar todas as vezes que a repilo verbal ou espacialmente.

– Gostei dos novos cartazes – Lucy diz, verificando meu rosto. Sei que ainda estou impondo uma distância entre nós, mas, mesmo sendo capaz de detectar um pouco de instabilidade em sua voz, ela não parece mais estar tão intimidada quanto antes. Ela me olha nos olhos sem se abalar. Não como se estivesse me desafiando, como se deixasse claro, entretanto, que estamos no mesmo pedestal e que não teme nada de mim.

Olho para os cartazes pregados na parede que estivera muito nua há algumas horas. Não posso deixar de registrar um pouco de surpresa por Lucy comentar isso.

– Podemos bater a foto tendo-os de fundo – ela sugere – Ficaria realmente bacana.

Bacana.

Que tipo de pessoa ainda diz isso hoje em dia?

Espere aí, meus pais dizem isso. É verdade, eles têm uma coleção de palavras em desuso as quais insistem em usar. Oh, que estranho. Não posso afastar o pensamento de que essa Lucy parece extremamente diferente da Lucy que imaginei durante os dias nos quais ela preparou a mudança para cá.

Assinto, despejando um grunhido pela minha garganta.

Andamos até a parede decorada, que uma pequena parte agora serve de cabeceira para a cama de Lucy.

– Apenas sorriam – ela diz, dispondo a câmera diante de nós.

Penso em algo ridículo, que me faça ter vontade de sorrir. Minha mente está vazia e não alcança nenhuma lembrança que poderia produzir o êxito que procuro.

– Sorria – Lucy diz.

Ela está bem ao meu lado. Lanço um olhar rápido para os três: eles estão abraçados como se já se conhecessem há bem mais de uma semana. Lucy não está com o braço ao redor dos meus ombros ou da minha cintura como era de esperar. Isso provoca um congelamento momentâneo na cena.

Sou, definitivamente, alguém que, por não concordar com apenas uma regra, não quis nem mesmo tentar jogar. Eu nem mesmo cogitei como seria fazer parte daquele círculo de risadas e de barrigas doloridas.

Meus olhos, agora, se lançam na face de Lucy, que está bem próxima de mim, a apenas alguns centímetros acima da minha.

Ela está sorrindo. Não para a câmera, mas para mim. Sei disso, porque nossos olhos estão conectados e, dessa vez, não consigo afastá-los. Os dela são castanhos com alguns filetes esverdeados. E, agora, não estão intensos: expressam simpatia e amabilidade. Isso me faz querer me esconder, porque eu é que deveria estar olhando para ela deste modo. Eu é que sou a anfitriã.

E, me desligando de qualquer piada que poderia me ajudar a atingir o objetivo que Lucy deseja, noto que não preciso de uma velha lembrança. Porque tenho uma lembrança novinha bem ao meu lado, sorridente. Sem pensar muito, faço meu braço circundar a cintura de Lucy. Noto que ela retribui o gesto e, enfim, sorrio – um sorriso verdadeiro e alegre, para variar.

~*~

O loft está mergulhado em uma espécie de breu, à exceção daquele cantinho que irradia uma luz suave, que cria sombras nas paredes de acordo com o movimento de Rachel. Ao contrário do que acontecia com Santana e Britt, as noites são calmas e pouco barulhentas aqui.

A Noite Maluca de Sexta foi preenchida por músicas de discoteca e globos espelhados, além de comida mexicana. Deixei o loft por volta das 18h e depois de, literalmente, me acabar de tanta alegria por estar de volta ao meu lar habitual retornei à calmaria depois das 22h. Cogitei dormir no apartamento, apenas para que toda a satisfação por estar ali de volta não sumisse, mas me lembrei de que minha cama não estava mais disponível. Ela, agora, está no Loft do Paraíso – que, na verdade, não é tão feliz quanto eu considerei que fosse. Quer dizer, Kurt e Blaine são acessíveis e têm aquela energia gostosa que combina com a minha, porém Rachel se mantém fechada, mesmo depois dos cinco dias que já estou instalada em sua residência. E mesmo que, agora, ela se esforce para iniciar conversas inócuas e inúteis.

Eu e ela estamos sozinhas aqui dentro e já passa da meia-noite. Estou debaixo das minhas cobertas, esperando o sono me vencer – no entanto, parece que as horas com Sant e Britt espantaram todo o meu cansaço da semana.

Kurt e Blaine saíram e, pelos relatos de Rachel, só vão retornar amanhã. Pergunto-me se eles a deixam só todas as sextas e fico surpresa por constatar que acho isso um pouco cruel; não é como se as pessoas merecessem ficar sozinhas em casa em uma Noite Maluca de Sexta. Faço uma nota mental para convidá-la a se juntar a mim, à Santana e à Brittany na próxima semana. Mesmo que exista essa força que me repele dela, não deixo de notar que, apesar de tudo, ela não pode ser tão irritante assim. Não 100% do tempo, ao menos. E nem mesmo com todo esse mau-humor, Rachel merece ficar sozinha. É um pouco surpreendente que não tenha um namorado – apesar de ser totalmente compreensível: nenhum cara com a cabeça no lugar gostaria de namorar alguém tão retraído quanto Rachel.

Ela está sentada naquela cadeira há quatro horas. Apesar de se alongar periodicamente, posso inferir que ela não suporta mais permanecer naquela posição. Se ao menos ela se decidisse deitar e esquecer o que quer que esteja estudando, eu poderia mergulhar num sono profundo e tranquilo, já que aqui é sossegado demais.

Não consigo dizer om precisão quando é que meu cérebro começa a agir sozinho e decide por conta própria se esgueirar para fora da cama. Abrigo meus pés na minha pantufa envelhecida e caminho sem ousar produzir nenhum tipo de estrépito muito assustador – não sou exatamente conhecida pela minha sutileza ao tentar passar um pouco mais despercebida pelos outros.

Porém, dessa vez, minha missão é concluída com sucesso. Rachel está distraída demais para notar que meus pés se movem em sua direção, no meio da semi-escuridão.

Lembro que, assim que pisei no loft mais uma vez, após ter chegado da minha noite com Santana e Brittany, tive uma vontade violenta de rir quando observei Rachel em seu pijama felpudo vermelho com imagens de corujinhas. Já naquela hora, ela se encontrava entretida com seu material.

Além dos papéis que a rodeiam, há uma xícara abastecida de algo que não fumega mais. Imagino que seja café, para ser capaz de suportar tantas horas desperta.

– Quer mais café? – pergunto subitamente. Ela me vê parada perto dela, mas isso não a assusta como eu previ. Ela está visivelmente cansada.

– Era chá de romã com cranberry – Rachel me responde de modo suave, meio rouca – Mas acho que aceito uma dose de café, obrigada – ela não sorri, mas seu tom está estável.

Faço um aceno de entendimento e me afasto ligeiramente dela. Viro-me para a pia, onde estão todos os aparelhos portáteis necessários, e encontro a cafeteira que mais se assemelha a um robozinho vermelho do que com um eletrodoméstico. Não sei como manuseá-la corretamente, mas finjo que sei o que estou fazendo, apenas para não ter de pedir auxílio à Rachel – não que faça diferença, porque ela está bem mais interessada no que lê do que no que estou fazendo.

O silêncio persiste de forma agradável. Por incrível que pareça, não estou me sentindo desconfortável por conta dele. Há muitos silêncios emanando de Rachel e, ainda que eu não seja tão habituada a isso, me conformo com esta situação. Não posso, exatamente, forçá-la a manter uma conversa comigo.

Quando o café fica pronto, apanho a xícara dela e a preencho.

– Açúcar? – ofereço.

– Está muito forte? – ela ergue os olhos escuros para mim.

– Sim. Você não gosta?

– Não é de minha preferência, mas tudo bem.

Rachel se levanta e busca o pote de açúcar. Derrama na xícara algumas colheres de chá, ao meu lado, e me olha.

– Obrigada.

E então volta a ficar em silêncio, rumando para sua cadeira.

Isso me deixa indignada. Não deixo transparecer isso, mas, internamente, estou borbulhando. Essa posição dela – esse jeito de se afastar de tudo – me faz, a cada segundo, considerá-la extremamente incompatível comigo. Ela é debilitada e quebrada. Não sou capaz de lidar com pessoas assim – gosto do que é visível e do que recebo. Não consigo enxergar quem é essa Rachel, além de uma garota embaralhada e sufocada. E é evidente que não estou recebendo nenhuma grama de amizade por parte dela.

Ela parece ridícula demais para alguém que, segundo seus melhores amigos, quer atuar na Broadway. Pelo que entendo, uma estrela tem de ser inspiradora e especial – e Rachel não exala nada disso, muito pelo contrário.

Erradico a distância espacial entre nós, ficando frente a frente com ela, do outro lado da bancada.

– Escuta, seja lá o que estiver acontecendo com você, preciso saber se devo me preocupar. Porque está MUITO difícil, para não falar insuportável, conviver com você como se eu mal estivesse aqui. Pelo jeito que fala, às vezes acho que não está satisfeita comigo. Diga, o que eu lhe fiz?

Minhas palavras se derramam como ferro fundido: queima tudo o que toca, inclusive a expressão serena de Rachel. A luz sobre ela está fraca, mas ainda consigo perceber que se surpreende um pouco com a minha habilidade de confrontá-la tão diretamente. Meu rosto está tenso e atento, sedento por respostas claras.

Rachel busca ar e então umedece seus lábios rapidamente. Ela está processando o que eu lhe disse e editando as mais variadas formas de respostas.

– Bobagem, Lucy – ela enfim diz. Mas sua face não sustenta toda a segurança que sua voz emana.

– Essa não é uma resposta muito convincente – digo, com meu rosto pétreo. Estou com tanta raiva dela que preciso reunir forças para não começar a ser verdadeira demais. Não posso revelar a ela tudo o que a julgo aparentar. – Tente outra vez.

– Não sei sobre o que está falando, sinceramente – ela afirma, dando de ombros – Não estou tratando-a mal, não vejo isso acontecer deste modo – Rachel finaliza com um quê de encerramento de conversa. Mas isso não é o suficiente para mim. Preciso de mais, preciso que ela seja verdadeira, que não fique se escondendo nos recônditos de sua personalidade dúbia.

– Continue – minha voz dá a impressão de que a estou ameaçando, mas não retrocedo.

Ela fecha a boca e a comprime. Não a conheço direito, mas isso é uma atitude clara de alguém que sabe que está numa armadilha e que não tem escapatória. Suspendo minha sobrancelha direita, num gesto denominado por Santana como “Lucy Ninja”. Isso, por fim, é o suficiente para desarmar Rachel. Agora, ela parece impotente diante da minha forma desafiadora de conduzir a cena.

– Ok, se quer mesmo saber – Rachel engole um pouco do café fazendo uma careta, talvez porque ainda esteja um pouco amargo demais para seu gosto –, eu não a imaginei como é. Na verdade, eu apenas fui informada sobre você algumas horas antes de conhecê-la. E, antes de você, já tínhamos feito algumas tentativas com outras pessoas. E algumas delas eram loucas demais para nós. E você... Não é louca. Acho que não, ao menos.

– Não sou, acredite – sano a dúvida que paira de forma intrigante em sua mente.

– C-certo – ela gagueja, e isso quase me faz querer me livrar da gargalhada que estou prendendo desde o momento que cheguei aqui – Então você não é louca. Mas, para mim, você é inacessível. Não porque, normalmente, parece que é você que não está satisfeita comigo – tenho o ímpeto de interceptá-la e revidar, mas ela pede, com um gesto, para que eu não a interrompa –, mas porque você não tem nada a ver conosco. Quero dizer, comigo – ela logo emenda com um pigarro baixo – Vejo que está se dando muito bem com Kurt e Blaine.

Assinto, porque é a verdade.

A perspectiva dela é um pouco desconcertante, de qualquer modo. Desde o começo estava ciente das diferenças que poderia enfrentar, no entanto esta parece predominante demais. Inquebrável demais. Concreta demais.

Seus olhos fogem dos meus, não de um modo que me faz ficar ainda mais inconformada com a situação, mas de um modo que me faz ficar curiosa. Sua atitude é de alguém que está, a todo custo, fugindo da atenção do professor para responder a solução certa. Vejo que ela está dolorosamente envergonhada. E isso me afeta de forma inédita, porque me faz perceber que, no fundo, há muita emoção nela. Muita coisa presa em seu cérebro que parece trabalhar mais do que todos. Muitas explicações escondidas em sua alma.

– O que é? – tento incitá-la a soltar a informação que está represando somente para si.

Sei que estou sendo incomumente hipócrita devido à sensação que Rachel provoca em mim. Eu mesma já fui julgada inúmeras vezes erroneamente por todos a minha volta – inclusive pela minha família que deveria estar ao meu lado, prestando apoio a mim. E a lição que consegui aprender disso tudo foi que há uma história por detrás de cada pessoa e uma razão pela qual cada uma se comporta.

O comportamento de Rachel, ao contrário do que já foi o meu um dia, é retroativo e... Bem, um pouco fingido. Não consigo olhá-la sem me perguntar se ela está ou não teatrando. Se está realmente dizendo o que quer dizer, ou se está apenas dizendo o que os outros querem que ela diga. E isso, na minha opinião, é tão errado quanto esconder o seu verdadeiro eu – que, se ela realmente se esforçasse, poderia ser especial e cativante. Poderia ser algo que me fizesse nutrir alguma apreciação por ela. Alguma amizade poderia florescer entre nós se ela não fosse tão contida.

– Sei que isso vai soar idiota, mas... – Rachel faz seus olhos passearem pelo meu rosto por dois segundos, para depois voltar a desviá-los com uma expressão um pouco culpada. Fico me perguntando, enquanto ela procura a coragem de proferir o que quer que seja, o que a faria sentir-se culpada, já que nenhuma vez durante esta semana transpareceu isso; não comigo, ao menos – Acho que me sinto atingida por você ser... Bem, você.

Fico genuinamente surpresa. Não entendo o que ela quer dizer e isso se embola no meu cérebro. Aos poucos, parece que estou desnudando todas as camadas dela. Isso me fez sentir um pouco mais calma e mais curiosa. Porque, apesar de tudo, quero conhecer a verdadeira Rachel que se esconde atrás de filmes estrangeiros e de musicais.

– O... quê? – pisco em dúvida.

Ainda estou desorientada, porque nunca ninguém confessou isso antes. Eu nunca sou mais do que “A garota que quer chamar atenção”. O que mais quero saber é: por que Rachel se sentiria atingida por mim? Será mesmo que eu a ofendi de algum modo e não me dei conta? Porque isso seria o suficiente para eu morrer de vergonha pelo resto da vida; nunca tive a intenção de injuriar alguém, muito menos uma das minhas companheiras de loft, afinal quero muito viver aqui por mais tempo.

– Você me recorda as garotas que davam em cima do meu ex-namorado e que sempre arranjavam um meio de me denegrir ou de me depreciar – Rachel clarifica com seu tom baixo de quem sustenta vergonha no rosto.

Isso me deixa ainda mais estupefata. É claro que não decidi dividir o loft com ela para denegri-la ou para depreciá-la. Quero, se ela me permitir, ser sua amiga. Tenho certeza de que, se Rachel fosse um pouco mais aberta, eu gostaria muito de dividir minhas noites com ela na frente da TV, ou escutando nossas canções favoritas.

– Como supracitado, isso é idiota. Irremediavelmente idiota – ela explicita como se resolvesse a questão – Mas as suas roupas, seus sapatos... Você inteira, entendeu, não me livram do meu passado. E, neste momento, quero muito deixar o passado para trás.

Rachel está com aquele olhar que reconheço. Há sofrimento. Ela não pretende expressá-lo realmente, mas é inevitável: há tanta dor no que ela sente que não consegue escondê-la.

– Seu ex-namorado? – arrisco com sabedoria. Quer dizer, é infalível. Garotas apenas apresentam esses sinais que tenho detectado em Rachel por conta de garotos imbecis, que, muito provavelmente, as trocaram por universitárias ridículas e egocêntricas demais.

Rachel, somente com o olhar, me pergunta como sei disso.

Ofereço um sorriso a ela.

– É sempre a minha primeira dedução.

Ela vacila e suspira. Me junto a ela, arrastando uma cadeira ao seu lado, para me acomodar e escutar sua história.


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Notas finais do capítulo

Mereço reviews? Agora, enfim, a amizade demais está realmente começando, notem. Sinto muito fazê-los esperar tanto, mas não consegui escrever a sequência de acontecimento de forma diferente! Beijos e até breve! (:



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