Assim que cheguei à frente pude ver Lysandre em frente ao microfone. Ele se ajeitou numa posição que não pudesse se atrapalhar com os fios e olhou para aqueles... ou melhor, aquelas que já prestavam atenção na movimentação do palco.

—Boa noite. —ele disse, de forma cordial e gentil— Muito obrigado a todos que vieram nos ver tocar essa noite.

Realmente, havia muita gente que parecia estar ali somente para ouvi-los.

—Resolvemos tocar nesse parque depois de recebermos alguns pedidos de quem mora nessa região. Ficamos muito felizes de nos prestigiarem essa noite. Iremos tocar por somente uma hora, espero que apreciem.

As baquetas bateram três vezes antes de começar a tocar.

— Estamos procurando por nossos sonhos sem fim, num mundo sem coordenadas...— a voz de Lysandre entrou em meus ouvidos.

Com emoções confusas e batidas fortes de coração

Nosso poema continua, silenciosamente e sem hesitar

Do outro lado do céu distante, nossas sombras se misturam

Nossas memórias são narradas em algum lugar, entre a extravagância e o inevitável.

Era aveludada, gentil e firme. Podia sentir a emoção em cada frase que entoava. Podia sentir... a paixão da letra.

Mesmo que o redemoinho dos tempos que passamos juntos seja destruído

—Eu acreditarei em sua voz — Por um momento, senti que ele olhava para mim, especificamente para mim em meio àquelas pessoas. Como se ele estivesse falando comigo.

Estamos procurando por nossos sonhos sem fim, num futuro sem coordenadas

Mesmo que eu perca essa luz algum dia

Ainda haverá uma chama brilhante que você acendeu no meu coração

Nós transformaremos esses fragmentos de esperança em asas

Uma chuva incessante e uma lua gentilmente ensopada

Não me importo se me machucar, eu só quero seguir em frente, soprado pelo vento

“Como se isso realmente fosse acontecer” Penso. “É só impressão sua, não tire conclusões precipitadas.”

Quando a música acaba aplaudimos. Fico extasiada com a beleza da voz e não consigo sair do lugar para ir embora; simplesmente quero ficar e ouvir mais.

~//~

Antes que eu me desse conta, havia ficado até o fim do show.

—Obrigado a todos. —disse Lysandre, sorrindo; eu podia sentir o cansaço em sua voz—Obrigada por terem nos ouvido nessa noite. Até o próximo show.

Ouvi gritos de “UHUU!!!” e assobios em meio às garotas que estavam mais perto do palco. Elas começavam a se dispersar e eu podia ouvir alguns comentários.

—Castiel estava lindo!

—Você viu o Nath?

—Nunca me canso de ouvir o Lys! A voz dele é tão deliciosa! Parece que está cantando para mim!

Caminho em direção à lateral do palco e vejo várias garotas rodeando os meninos. Algumas pediam autógrafos, outras fotos, algumas simplesmente queriam ter a oportunidade de falar com os caras... Outras já queriam mais do que falar com eles, ou menos, se é que me entendem. No canto, estava Lysandre acompanhado de umas quatro garotas; todas usavam uma camiseta igual, com a frase “Lysandre Team” na frente. Me segurei para não rir.

Lysandre parecia desconfortável em meio às meninas que quase se atiravam pra cima dele; olhou em volta a procura de uma escapatória quando nossos olhares se cruzaram. Ele sorriu e olhou para as meninas, pedindo desculpas e veio em minha direção; podia sentir o olhar enfurecido das garotas ao verem ele vindo falar comigo.

—Você ficou até o fim. —ele disse, com um sorriso.

—Sim. Eu realmente gostei da apresentação de vocês. —respondo— Você canta muito bem.

—Obrigado.

—É você quem escreve as letras?

—Sim. Claro que às vezes o pessoal me ajuda com a melodia, mas no geral eu costumo cuidar de tudo.

—Que legal! Você tem muito talento!

Nos olhamos durante alguns segundos até que comecei a me sentir desconfortável.

—Então... acho que vou indo. —disse, já dando um passo para trás.

—Espere. —ele disse, segurando a minha mão. Olho para elas. Se pareciam tanto com o que havia visto em meu sonho— Você não disse que ficaria perigoso depois de escurecer?

—... Sim.

—Quer que eu te leve pra casa?

Quer entrar em casa? Disse uma vozinha no fundo da minha cabeça.

—Ah... Acho que não precisa...

—Não, não. —ele responde, balançando a cabeça, o cabelo ficando meio desarrumado— Eu que havia pedido que assistisse ao show...

—Só a primeira música.

—Então é meu dever te levar pra casa. —ele termina, como se eu não tivesse interrompido.

—Mas...

—Ei, Castiel! —ele gritou, olhando para os amigos que continuavam cercados por garotas— Posso ir embora sem desmontar as coisas?

Sinto o olhar dele sobre mim, como se me analisando; um leve sorriso surge em seus lábios.

—Tudo bem!

Com aquele sorriso, o que ele acha que nós vamos fazer? O que ele estava pensando sobre nós?

—Podemos ir, então. —disse Lysandre, sorrindo.

~//~

Ficamos a maior parte do tempo em silêncio durante o trajeto, me sentia tensa e ao mesmo tempo relaxada, não entendia direito o que estava havendo ali.

—Então, você mora longe daqui? —pergunto, quebrando o silêncio.

—Mais ou menos. Eu moro no centro, um meio termo entre o parque e a loja de Leigh, então não costumo vir muito para cá; mas sei que posso pegar um ônibus nessa avenida para voltar para casa. Aliás, onde é sua casa?

—Esta vendo aquele prédio alto, lá na frente? —aponto.

Meu prédio tinha mais de 30 andares, era de um tom claro com uma entrada muito bem iluminada e o terraço estava sempre com as luzes acesas, pois era usado como “salão de festas ao ar livre”; ainda mais porque tem churrasqueira, sempre tinha alguém alugando o local.

—É ali. 5º andar, número 55. —respondo sorrindo.

—Parece bonito.

—É. —respondo, olhando para frente— O sol da manhã bate direto na janela de meu quarto e a cozinha fica com uma temperatura agradável todos os dias graças ao sol; não é muito grande, mas é mais do que o suficiente para mim.

Eu realmente gostava daquele apartamento e já havia conversado com minha tia de comprá-lo dela; era muito aconchegante e os vizinhos eram amigáveis, ninguém ouvia música alta ou usava salto-alto as 23h00... Era perfeito. Algum dia iria ter dinheiro o bastante para comprá-lo.

—Você mora sozinha?

—Sim. Desde que comecei a faculdade. —respondo— E você e Leigh...?

—Moramos juntos. Nossos pais moram no interior, em um sítio. Eu e Leigh nos mudamos para cá quando ele fez dezoito anos, acreditamos que temos mais oportunidades na cidade grande.

—Entendi... Bem, é aqui. —Digo, parando em frente a um portão de grades brancas.

A entrada era daquelas grades curvilíneas, que imitavam o formato de videiras, logo depois vinha uma porta de vidro fumê com um interfone do lado.

—Obrigada por me acompanhar até aqui. —digo, estendendo a mão.

—O prazer foi todo meu.

Ao invés de apertar minha mão, Lysandre segurou-a com gentileza e levou-a a seus lábios. O toque, a ternura do beijo fez com que uma descarga elétrica passasse por meu corpo, deixando todos os meus pelos eriçados; minha pele pareceu febril instantaneamente e meu corpo parecia dormente. Ele olhou em meus olhos e sorriu. Poderia jurar que em meio ao olhar afetuoso, havia uma pitada de divertimento com minha reação.

—Até logo, Lillie.