De repente uma sombra cobre meu desenho. Estreito os olhos ao olhar para cima, para pedir que a pessoa destampasse a claridade; então vejo um sorriso acolhedor... e um lindo par de olhos heterocromáticos.

—Parece que nos reencontramos. —disse sorrindo para mim— Tudo bem, Lillie?

MAY DAY, MAY DAY! HOUSTON, WE HAVE A PROBLEM! Gritava meu cérebro entrando em pânico. A pergunta nem era porque ele estava lá, pois eu, de certa forma, sabia que ele também iria ao parque; a pergunta era: como raios ele me achou naquela clareira no meio de um parque tão grande?!

—S-sim. —respondo, sentindo meu rosto ficar levemente vermelho—E você?

—Estou bem.

Silêncio. Já disse que sou péssima para arranjar assunto?

—Então você gosta de desenhar? —pergunta Lysandre, se sentando à minha frente.

Ele tem o cuidado de tirar as botas antes de subir sobre a toalha, o que realmente achei muita gentileza dele. Lysandre estava vestido diferente dessa vez. Estava usando uma camisa branca com os três primeiros botões abertos, deixando-me ver parte de sua clavícula; usava calça jeans cinza escuro e tinha um cinto verde jade, sem brilho, e botas pretas de cano baixo.

—Sim. —respondo sorrindo, falar sobre desenho era algo que podia fazer— Gosto de passar o tempo desenhando.

—Posso ver?

—Claro. —respondo, automaticamente.

Assim que ele pega a pasta de desenhos me arrependo. Eu havia trazido o retrato inacabado dele! Como iria explicar um desenho dele? Certamente acharia que eu estava ficando meio maníaca com ele, que estivesse ficando fissurada nele ou... Vejo-o analisando cada um dos desenhos com cuidado, volto a trabalhar em meu esboço, com esperanças de que ele não comentasse seu retrato. Ouço uma pequena risada contida e olho para frente, Lysandre sorria segurando um de meus desenhos; logo ele olha para mim, seu olhar divertido me acalma um pouco, até que ele vira o desenho para mim.

—Então, eu virei seu modelo? —ele comenta. A diversão em sua voz era óbvia.

—B-bem, é que... —respondo, tentando pensar em algo cabível— é que eu... eu realmente senti vontade de te desenhar, não me pergunte o porquê... então eu...

—Sem problemas. —ele respondeu, com um sorriso divertido e um olhar tranquilizador— Não me importo de que me desenhe, afinal, você com certeza desenhou muita gente sem pedir permissão. —balançou o pequeno maço de folhas.

—Ah, isso é verdade. —respondo, coçando a cabeça, sem jeito— Mas se eu pedisse, muitos não aceitariam.

—É, isso é verdade. —respondeu enquanto reorganizava as folhas— Quer que eu pose para que termine o desenho?

Posar? Ficar sorrindo para mim durante mais de 10 minutos enquanto tento finalizar o desenho? Acho que não seria possível, não para mim.

—Ah, não precisa. Eu... eu realmente vou saber como terminar o desenho, não se preocupe.

Silêncio.

—Ah, então... você vem sempre aqui?

Isso, joga a cantada mais velha em cima do cara!

—Não. —respondeu, movendo-se para ficar ao meu lado, encostado na mesma rocha que eu— É a primeira vez que vim aqui.

—Hum, entendo... E veio fazer algo em especial?

—Sim, vou me apresentar no palco com a minha banda.

... Será que...?

—É uma que tem um cara de cabelo vermelho?

—Essa mesma! Como sabe?

—Faz mais de meia hora que os vi começando a arrumar as coisas no palco. Vim para cá antes que começassem a tocar... Apesar de que logo vou ter de ir embora —digo, olhando para o relógio. Já eram 17h45.

—Espere. Que horas são? —disse, num tom preocupado.

—Quinze para as seis. —respondo.

—Droga! Eu já devia estar lá, ajudando!

Rapidamente ele começa a colocar as botas e se põe de pé. Não deu nem dois passos quando parou bruscamente.

—Eu não sei onde fica o palco. —disse, me olhando com súplica.

Demorei um segundo para entender o pedido de ajuda naquele olhar.

—E-eu te levo lá! —respondo, começando a guardar as coisas.

Com a ajuda de Lysandre guardo todos os desenhos e materiais dentro de minha bolsa e passamos a andar rapidamente, comigo o guiando em direção ao palco.

—Há quanto tempo esta procurando o palco?

—... Eu não sei ao certo. Mais tempo do que percebi, com certeza.

—Não pensou em usar o mapa do parque? —pergunto, rindo. Na entrada do parque havia um pequeno painel com o mapa grande e alguns folhetos com uma miniatura do mapa.

—Na verdade, eu o perdi em algum lugar, enquanto procurava o palco.

Juro que não consegui a conter o ataque de risos que veio a seguir. Eu conseguia imaginar Lysandre parando de andar por um instante para olhar o mapa e percebendo que havia perdido ele no meio do caminho.

—D-desculpe. —digo, tapando a boca; tentando parar de rir.

—Tudo bem. —respondeu, mas pude perceber o tom irritado de sua voz.

—Não, sério, desculpe. Eu realmente não devia ter rido desse jeito... —falo, com certo peso na consciência— Se perder não é engraçado, sei disso. Na verdade, eu sempre me perdia nesse parque e mesmo com o mapa não conseguia chegar aos lugares que queria.

—Fico feliz em ver que não sou o único com problemas de direção. —ele me respondeu, com um sorriso. Não parecia mais tão chateado assim.

Chegamos ao palco as 18h00 em ponto. Na frente do palco estava aquele cara de cabelo vermelho, olhando para todos os lados, procurando algo ou alguém...

—ONDE VOCÊ SE METEU?! —gritou, quando avistou Lysandre.

Ele correu até nós. Parecia realmente bravo. Usava uma jaqueta preta, cheia de spikes, uma camisa vermelha, um colar de três correntes prateadas; jeans azul marinho desgastado e all stars de cano médio preto.

—Sinto muito. Acabei me perdendo. —respondeu Lysandre.

—E por que não me ligou? Ou por que não atendeu as minhas ligações?

—Esqueci o celular em casa.

Contive o sorriso ao ouvir sua resposta. Certamente, Lysandre era tão, ou mais, esquecido quanto eu; meus pais diziam que era impossível alguém se esquecer das pequenas coisas tanto quanto eu, imagino o que pensariam de Lysandre.

—Tá. —grunhiu o cara de cabelo vermelho— Você tem cinco minutos pra subir. Tá todo mundo pronto.

—Certo.

Enquanto ele subia as escadas para o palco, Lysandre se virava para mim.

—Ah... então acho que vou indo.. —respondo, olhando para meus pés.

Se você encontrar o Lysandre vai pedir o número do telefone dele! Ouvi a voz de Rosalya em minha mente.

Droga.

—Você não quer ficar e assistir? —perguntou. Olho para seus olhos e sinto meu coração derreter, por um momento, quase digo sim.

—Não posso. —digo, recobrando os sentidos— Vai ficar escuro e vai ficar perigoso voltar sozinha...

—Entendo... pelo menos, ouça a primeira música. —ele me disse— Talvez você goste.

Olho para ele mais uma vez e suspiro. Não conseguiria recusar àqueles lindos olhos.

—Tudo bem. Posso ouvir a primeira música.

—Ótimo! —responde, sorrindo.

—LYSANDRE! —gritou o mesmo cara, de cima do palco— Anda logo!

—Já vou, Castiel! Um minuto! —disse, depois voltou-se para mim— Espero que goste da música.

—Claro. —respondo. Ele já estava se virando quando pergunto—Por acaso você poderia me passar seu celular?

Ele se volta para mim e sorri. Um sorriso que parecia falar “fico feliz que tenha perguntado”. Sinto minhas bochechas ficarem quentes.

—Claro. É 98873-5678.

Anoto rapidamente na primeira folha que acho.

—Obrigada. —digo— Até... alguma hora.

—Até. —ele responde.

Não nos abraçamos nem nada, como deixamos o momento passar ele simplesmente se virou e subiu as escadas do palco.

—Boa sorte. —digo baixinho enquanto me dirijo à frente do palco.