A Caçadora escrita por jduarte


Capítulo 54
Doçura ou Travessura - £


Notas iniciais do capítulo

Oi leitores novos e antigos!!! Como o Halloween está chegando, decidi fazer um capítulo inspirado nesse estilo. Tem duas partes. Essa é a primeira e tem quase 3000 palavras... Espero que consiga deixar vcs com um gostinho de "quero mais"!
Comentem o que acharam!!
Beijoooos,
Ju!



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Semanas haviam passado desde que o incidente na loja de Sally tinha ocorrido, e como era de se esperar, Jason arrumava sempre uma desculpa para não conversar comigo. Ele parecia não querer uma explicação para o que quer que tivesse visto. Para ele, não importava.

Pelo menos era o que parecia.

Já era Hallowen, e Edward não conseguia aceitar o fato de eu não estar vendo somente um dos irmãos, mas sim os dois. E ficava extremamente irritado quando entrava em meu quarto e sentia o cheiro de um deles, apesar de que, nessas últimas semanas, não tinha ao menos ouvido falar de Kaus e Polux. Eles pareciam ter evaporado. Nenhum rastro.

Nem mesmo eu era capaz de rastreá-los. Polux se recusava a atender às ligações e sua caixa de mensagens de voz estava cheia, o que me impedia de lhe importunar ainda mais. O sumiço dos dois me incomodava em proporções que nem eu mesma era capaz de entender. Como era possível, duas pessoas marcadas para morrer, desaparecerem por completo? E o pior: do nada!

Cocei a nuca tentando entender mais uma vez aqueles símbolos estranhos desenhados no papel semelhante ao papiro à minha frente. Aquilo já tinha virado rotina. Voltava de um dia exaustivo no trabalho, depois de treinar durante quatro horas seguidas com Jake, e sentava-me à mesa da cozinha tentando intender o que diabos eles queriam indicar, e de onde vinham suas coordenadas geográficas.

Com Jake na empresa, tudo era mais fácil. Seu lema era: “A dor elimina pensamentos desnecessários”, e até ele momento, eu não sabia o quão verdadeiro ele soava.

Eu ficava suando igual a uma porca depois dos treinos, tentando não gastar todas as minhas horas em pensar em como ficar longe de Fitch e sim em como não quebrar meus dedos socando os sacos de areia. Atirar em alvos móveis estava ficando mais fácil com o tempo. Eu conseguia atirar em longas distâncias, com a besta pesada, e correr com ela nas mãos sem a derrubar em nenhum momento. Edward me fez prometer que eu aprenderia a atirar em demônios de classe A, apesar de eu não querer, pois sabia que Kaus não faria mal algum a mim, mas ele apenas tinha revirado os olhos, engolindo seco, fazendo um barulho de estalido com a língua, insinuando para que eu continuasse com o treinamento.

Edward não confiava em nenhum dos dois irmãos, isso me deixava em um impasse desconfortável. Ele era como um irmão mais velho para mim, e desapontá-lo não era fácil e muito menos agradável. Toda vez que mencionávamos um dos dois ele ficava todo emburrado no canto e me ignorava por exatos cinco minutos. Dizia que era o tratamento do silêncio, e ajudava ele a controlar a raiva e não se transformar no meio da sala de estar. Isso poderia espantar meu irmão para longe definitivamente.

– Estou em casa! – ouvi Jason gritar, e depois dizer mais baixo, quase cantarolando. - Não que realmente alguém se importe com isso.

Revirei os olhos e respondi no mesmo tom.

– Eu me importo.

Sua risada o denunciou. Sempre denunciava.

Vi sua cabeça com chumaços escuros e enrolados, o rosto corado e um sorriso no rosto.

– O que aconteceu? – perguntei dando-lhe uma olhadela rápida, e voltando a atenção para os papéis amarelados, rabiscando seus contornos em outro papel do lado. Ele já estava todo rabiscado de caneta preta, com nomes, letras, cidades...

– Nada. – meu irmão respondeu.

Baixei a caneta e coloquei os cotovelos no balcão, apoiando o queixo nas mãos.

– Estou esperando... – cantarolei revirando os olhos dele leve.

Estávamos somente nós dois em casa, uma vez que era a noite de Edward sair com Fitch, Jake, Caleb e companhia. Somente pensar em Fitch fazia meu coração arder e palpitar. Palpitações frequentes e estranhamente familiares.

Jason sorriu e puxou uma cadeira para se sentar à minha frente. Aproveitando os segundos que levaram para ele se acomodar, tomei um gole d’água do copo de plástico verde limão que estava apoiado no balcão, sem nenhum porta-copos. Edward certamente berraria comigo se visse isso. “Você ainda vai estragar a cozinha toda!” Ele sempre estava certo.

– Eu decidi que ficar contra você é muito pior do que me juntar à você.

A água desceu raspando em minha garganta, e eu comecei a tossir. Jason se assustou e bateu desajeitadamente em minhas costas. Eu sentia a água quase voltar. Lágrimas pela falta de respirar por alguns instantes vieram a meus olhos, e ofeguei.

– C-Como? – gaguejei.

Eu estava ouvindo direito? Meu irmão estava querendo voltar a falar comigo?

– Quero trabalhar com você. No que você faz. Quero ser um policial também.

E então uma crise de risos me invadiu. Então era isso o que ele pensava que eu era? Uma policial simples?

Os olhos de Jason passaram por meu rosto, tentando pegar a piada, mas ele não conseguia entender porque eu estava quase deitando no chão de tanto rir.

Limpei as lágrimas que desatavam a escorrer pelo canto dos olhos e o encarei, seriamente.

– Sinto muito, Jason, mas não é tão simples assim. – disse afagando a parte de trás de suas mãos.

Ele as retirou de debaixo das minhas e cruzou os braços no peito.

– Se você pode ser uma policial, porque eu não posso?

– Porque eu não saio pelas ruas caçando humanos, Jason.

Ele não pareceu perceber.

– Sim, eu entendi, eu também não os considero humanos, eles não uns monstros.

Olhei-o em reprovação, lembrando-o com um olhar de quando ele foi parar na delegacia por estar invasão de propriedade há alguns anos e ele deu de ombros.

– Mas você sabe que eu não sou um monstro, mana.

– Jason... – o avisei em um tom quase maternal.

Ele fez um bico emburrado.

Expirei fortemente, tentando conter a vontade de gritar em sua cara que o que eu fazia não era para crianças, e não era uma coisa que escolhíamos. Eu simplesmente havia nascido daquela maneira.

– Não é uma coisa que eu possa simplesmente enfiar meu irmão mais novo no meio! Você nem ao menos aguenta uma simples mágica sem desmaiar, se fosse trabalhar comigo teria que aprender muitas outras coisas.

Jason começou a descruzar os braços lentamente, talvez reconsiderando o pedido que tinha feito, e apoiou as mãos no balcão quase esbarrando no círculo de água que o copo tinha deixado, manchando-o.

Merda, xinguei.

– Você é uma caçadora de quê, exatamente? – ele perguntou, me encarando com aqueles olhos castanhos claros, esperando. Quando abri a boca para responder, ele me cortou mais uma vez. – E não me venha com lorotas! Se quiser que eu continue morando aqui, não pode manter segredos de mim.

Mordisquei o lábio inferior, uma coisa que fazia quando o nervosismo atacava, e comecei a brincar com minhas unhas.

Sua voz foi mais suave quando ele falou novamente, quase dolorosa.

– Não quero acordar com a polícia de verdade batendo na porta, trazendo a notícia de que você nunca mais vai voltar.

Suspirei novamente e caminhei em sua direção.

Então era isso o que eles haviam dito para meu irmão? Que eu tinha morrido? Que nunca mais iria voltar.

– Foi isso que eles disseram?

Jason se esquivou da pergunta e levantou o queixo, quase me desafiando.

Revirei os olhos pelo que parecia ser a vigésima vez neste dia e segurei nas mãos de Jason.

– Posso tentar arrumar alguma coisa para você lá, mas terá de ter estômago de aço se quiser ser como eu. Não vou garantir que possam te aceitar. Podemos ser irmãos, mas somos seres diferentes. O que eu tenho, você pode não ter.

Você pode ser normal, eu queria dizer. Você pode esquecer que viu uma doida fazer uma mágica idiota e continuar vivendo sua vida normalmente.

Se inclinando para trás, deixando o corpo tombar novamente no banco, ele disse:

– Somos irmãos, Helena. Temos o mesmo sangue. Se você tem capacidade de trabalhar como policial, então eu também tenho.

Quis lhe dizer que eu não era uma policial, mas me pareceu vago demais. Ele não iria acreditar em mim, é lógico e eu iria acabar falando por falar. Ia entrar por um ouvido e sair por outro, como a maioria das coisas que eu falava para ele.

“Já tirou o lixo, Jason?”, “Já”. E a lata de lixo se encontrava cheia.

“Já matou a barata no banheiro?”, “Sim.” E o bicho ainda estava lá.

“Jason, porque tem cueca sua jogada no chão da cozinha?” E então, quem tinha parado de escutar era eu. Eu não tinha certeza se gostaria de ouvir a resposta para essa pergunta.

– Prometo que vamos tentar, ok? Amanhã.

Jason pareceu satisfeito com essa resposta e sorriu, se levantando, dando-me um abraço e um beijo na bochecha, me fazendo ganir de surpresa.

– Você é a melhor irmã do mundo! – gritou.

Jason me largou e correu escada acima.

Comecei a rir como uma tonta e ouvi meu celular tocando da sala. Apressei-me em ir busca-lo, e atendi na esperança de ser Polux ou Kaus. A voz de Jake invadiu meus ouvidos, levemente ofegante, na mesma hora que bateram na porta da entrada.

“Helena?”

– Oi, Jake! – atendi animada.

“Está em casa?” suas perguntas eram diretas.

Sim.

Olhei pelo olho mágico e não pude ver nada, somente a rua escura e as árvores densas do outro lado dela. Nada que pudesse ter feito barulho nenhum.

“Está sozinha?”

– O que aconteceu, Jake? – me recusei a responder.

“Aconteceu um assassinato e achamos uma evidência de que pode ser uma pessoa que você conhece.”

Meu corpo congelou e o primeiro pensamento que passou em minha cabeça foi: Emma.

– Só me dê as direções e já estou indo.

Jake me passou as direções e anotei tudo na mão com uma caneta meio falhada que estava em meu bolso de trás, desligando o telefone em seguida.

Abri a porta e olhei para os dois lados, não vendo nada. Finalmente encarei o chão e pude ver que havia um cartão branco com letras pretas bem marcadas, formando as palavras: “Doçura”. Uma de suas bordas estava manchada de vermelho, e trazendo mais para perto para analisar melhor, senti o cheiro metálico. Uma gota pingou em meu sapato, e eu recuei o cartão do corpo. Aquela palavra grudou em minha cabeça como chiclete e me vi puxando o papel para dentro de casa.

Jason descia as escadas correndo, carregando consigo um casaco escuro e com a roupa diferente da que eu tinha visto há alguns minutos. Eu não sabia onde ele iria à uma hora dessas, ainda mais sozinho.

– Onde pensa que vai?

Ele me olhou estranhamente.

– Sair com amigos. – respondeu.

– Não. Disse que queria vir trabalhar comigo. Mudança de planos, seu teste começa mais cedo do que eu pensava. - Bem mais cedo, completei mentalmente.

O sorriso que se estendeu pelo rosto de Jason me fez querer vomitar. Ele não sabia mesmo onde estava se metendo, não é mesmo?

– Então vamos! – ele disse, abrindo a porta e saindo, indo diretamente para o carro.

Sorri amarelo e continuei segurando o cartão, agora dobrado, como se ele fosse se desintegrar a qualquer instante. O enfiei no bolso da frente do moletom que tinha pegado antes de fechar a porta, e entrei no carro, indo diretamente ao local indicado.

Com a pressa que estava de ver quem era a pessoa, conseguimos chegar ao local em menos de dez minutos. Certamente eu ganharia algumas multas por exceder o limite de velocidade e por ter passado em vários faróis fechados.

Percebi pelo canto do olho que Jason se agarrava ao cinto de segurança, assim como ao banco de couro surrado.

– Eu não vou nos matar, relaxa. – balbuciei inutilmente.

– Edward disse que...

Parei de ouvir.

Sempre começava com “Edward disse que...” e terminava com algo terrivelmente idiota e que meu companheiro deveria ter permanecido de boca fechada.

– Edward não sabe de nada. – murmurei irritada.

Uma risada baixa veio de meu irmão e ele relaxou.

– Mas ainda assim confio mais nele no volante.

Preferi fingir que ele não havia dito isso e continuei dirigindo como ele tivesse acabado de me elogiar ao volante e não ao contrário.

Estacionamos perto da multidão que cercava um pequeno prédio comercial de não mais de três andares, e depois de acotovelar algumas pessoas, pude ver a cabeleira de Fitch, junto com a de Cali, e adentrei ainda mais a cena, podendo ver todos eles parados na porta, virados de costas para todas as pessoas que tentavam dar uma espiada. Aquilo ali parecia mesmo uma cena do crime. Fitas amarelas com os dizeres: Não Transpasse, Cena do Crime, e policiais – de verdade – estavam posicionados perto dos cavaletes, não deixando os mais curiosos entrarem.

Cheguei logo à frente de todos os curiosos e os policiais nem ao menos ligaram quando eu passei por baixo da faixa, trazendo meu irmão comigo. Pude ouvir várias pessoas reclamarem e uma delas gritar algo como “Por que ela pode e eu não?”. Preferi ignorar mais um comentário inadequado.

Jason parecia tão perdido quanto um estrangeiro a primeira vez num novo país, sem ao menos saber a língua nativa. Segurei em seu braço e lhe afaguei delicadamente. Pude sentir seus músculos retesados por debaixo da jaqueta.

– Está tudo bem. – sussurrei.

Ele apontou para Fitch que vinha em nossa direção, com seu fiel mascote – vulgo Cali – e falou:

– Ele é o cara que foi te procurar.

Assenti e sorri de canto.

– Eu sei. Ele é meu chefe.

E então o sorriso de Jason morreu um pouco quando o casal se aproximou de nós e Cali o perfurou com seu olhar doentio e frígido que só eu conseguia captar. Quis lhe socar no momento que ela respirou em minha direção, mas tive certeza de que se abrisse a boca provavelmente chamaria muita atenção.

– Helena. – Fitch disse meu nome com uma intensidade desnecessária e pude sentir meu rosto corando, assim como o coração aos solavancos.

Jason me cutucou e eu voltei a realidade, levantando o queixo.

– O que aconteceu aqui?

– Um assassinato. O legista está lá dentro. Temos muitas testemunhas. – Fitch disse, e pegou em minha mão, abandonando Cali de lado, fazendo com que Jason me soltasse e ficasse de canto, parecendo mais perdido ainda.

– Fique com Edward! – gritei por cima do ombro antes de seguir por onde quer que Fitch estivesse me arrastando e entramos no prédio.

Subimos as escadas que estavam apinhadas de pessoas descendo e subindo o tempo todo, com algumas mangueiras largas e compridas.

– Estava pegando fogo? – perguntei assustada.

– Sim, foi por isso que chamaram os bombeiros.

Franzi o cenho.

– Não vi nenhum caminhão de bombeiros quando estacionei. – murmurei mais para mim mesma.

Fitch deu de ombros.

– Devem ter parado mais longe.

Mais alguns lances de escada e chegamos a um corredor iluminado por luzes das lanternas de vários caçadores e pessoas que estavam ali, todos virados para as paredes, inspecionando cada pedaço do corredor. Uma porta aberta nos levava a um cômodo parcialmente iluminado por uma luz negra, dando um ar estranho ao ambiente, com uma sombra que eu não conseguia identificar, no chão.

Chegando mais perto, pude ver que não se tratava de uma sombra qualquer, era um corpo. O corpo.

Era uma mulher, isso eu conseguia distinguir daquela distância, pois vestia um vestido claro, com manchas por todo o tecido.

Aproximei-me mais dele, segurando firmemente na mão de Fitch, praticamente afundando minhas unhas em sua palma e pude ver que havia um cartão branco, com as bordas totalmente manchadas de sangue, indo até quase o meio dele, com as mesmas letras escritas em caneta preta e fina: “ou travessura?”. Larguei a mão de Fitch e peguei o cartão de meu bolso, desdobrando-o, colocando ao lado do que estava em cima do corpo.

“Doçura ou travessura?”

Coloquei uma luva e tirei com cuidado o cabelo ruivo da testa, que cobria seus olhos e feições. Me afastei do corpo, tendo ondas de ânsia passando por meu corpo, enfiada com a cara atrás da porta por onde havíamos passado. Minha respiração entrecortada e meus soluços eram as únicas coisas que conseguia se ouvir. Fitch tocou minhas costas como um gesto de apoio e eu o empurrei levemente para longe. Não queria que ele me visse tentando vomitar, não era uma visão muito atraente.

O corpo era de Anne.

A menina que eu tinha prometido salvar de Drake.

Ela estava morta na minha frente.

Eu havia falhado.


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Notas finais do capítulo

Continua?



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